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Março/ 2022
Professor: Dr. Jorge Henrique Barro
Coordenadoria de Graduação Online: Dr. Marcos Orison Nunes de Almeida
Projeto Gráfico e Capa: Departamento de desenvolvimento institucional
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por:
Rua: Martinho Lutero, 277 - Gleba Palhano - Londrina - PR
86055-670 Tel.: (43) 3371.0200
3Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
SUMÁRIO
Teologia Bíblica da Missão
Unidade 1 - Defi nições e contextos da missão
1. O que é missão...................................................................................................07
2. Defi nição de termos relacionados a missão.....................................................15
3. Os contextos da missão......................................................................................23
Unidade 2 - Bíblia, teologia e missão - Parte I
1. A Bíblia como a base da missão......................................................................46
2. As dimensões da missão...................................................................................53
3. Missão centrípeta e centrífuga..........................................................................63
Unidade 3 - Bíblia, teologia e missão - Parte II
1. A missão no Antigo Testamento........................................................................72
2. A missão no Novo Testamento..........................................................................83
Unidade 4 - A prática da missão
1. A igreja misssional............................................................................................97
2. O Reino de Deus e a sua justiça.......................................................................107
Para assistir os vídeos, ouvir os podcasts e fazer os exercícios,
acesse o AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem)
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA4
Introdução à Disciplina
Bem-vindo(a) à disciplina Teologia Bíblica da Missão!
Conforme demonstrado na fi gura abaixo, a teologia bíblica da missão tem a 
ver com três áreas interligadas, gerando três círculos de relacionamentos. 
A primeira área refere-se a Bíblia como uma narrativa única (começo-
meio-fim) missional. A segunda área é a Teologia que, a partir da Palavra 
de Deus, constrói pressupostos e valores em perspectivas teológicas. A 
terceira área é a Missiologia que visa aplicar e contextualizar as ações 
ministeriais e missionais da igreja. Nenhuma dessas áreas podem (ou 
deveriam) existir sem as outras.
Teologia da missão é TEOLOGIA (círculo A no diagrama), porque 
fundamentalmente envolve refl exão e, neste caso, refl exão sobre Deus 
e Sua missão. Aqui a tarefa envolve entender a missão de Deus (no 
latim, missio Dei), seus propósitos para com o mundo e Sua criação 
não-humana e humana, como também refl ete a participação do ser 
humano e da igreja, como povo de Deus, sendo estes instrumentos para 
o cumprimento da missio Dei no mundo. Tal refl exão teológica deve levar 
em consideração as questões contextuais de cada cultura para que a 
produção teológica seja contextual, isto é, traduzida de forma que cada 
cultura possa entender e ser impactada pelos valores do Evangelho 
do reino de Deus. Aqui está a principal diferença entre a teologia de 
missão e a teologia sistemática, sem menosprezo algum por esta, 
porque os teólogos da missão possuem uma orientação missiológica 
multidisciplinar na elaboração de sua teologização.
5Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
Teologia da missão é BÍBLICA (círculo B no diagrama) por causa do seu 
compromisso de permanecer fi el às intenções, perspectivas e propósitos 
de Deus revelados em Sua Palavra. Por isso, a teologia da missão possui 
uma preocupação fundamental com a Bíblia, como uma peça narrativa 
única. O teólogo da missão, em sua formação multidisciplinar, parte de um 
processo hermenêutico que possui um fio condutor chamado missio Dei. 
A Bíblia, sem a perspectiva da missão de Deus, perde sua própria razão 
de existir. Por que a Bíblia veio a existir? Um teólogo da missão responde 
categoricamente que é a Bíblia veio a existir em função da missão de Deus. 
Ela revela os planos de Deus para o mundo. Por isso, Bíblia e missão são 
inseparáveis e sem ambas, a teologia não tem razão de existir.
Teologia da missão é DA e PARA A MISSÃO (círculo C no diagrama). Sem 
missão tanto a teologia como a Bíblia perdem sua razão de existir. Por 
um lado, a Bíblia sem missão perde seu propósito que é o de revelar 
Deus e Sua missão ao mundo. Por outro lado, a Teologia sem missão não 
passa de reflexões abstratas e, muitas vezes estéreis, com discussões 
insolúveis, especialmente as de caráter apologéticos, que mais dividem 
que do promovem a unidade no corpo de Cristo. E ainda, a Missão sem 
Teologia e Bíblia está fadada a um mero ativismo, movida e motivada por 
resultados, especialmente os numéricos, caracterizada especialmente 
por eventos porque não tem paciência com os processos do Espírito 
Santo. Aqui, corre-se o risco de desenvolver, pela ausência da Bíblia e da 
Teologia, uma missiologia gerencial, mais próxima do mercado do que dos 
princípios da Palavra de Deus. Por isso, por mais redundante que possa 
parecer (mas não é) a teologia da missão é da missão. Mas o que vem a 
ser esse “da”? Como já afi rmado, em contraste a teologia sistemática, a 
teologia “da” missão é uma teologia aplicada. Se é aplicada implica em 
reconhecer que se trata de uma refl exão teológica também a partir “das” 
questões, situações e temas particulares nos quais a missão precisa 
se relacionar com o seu contexto. Não é que a Teologia da missão seja 
mais prática e menos conceitual, mas sim que estabelece uma saudável 
relação entre práxis e conceito. Nesse sentido, a teologia da missão 
enfatiza e extrai sua natureza do Deus-Emanuel, encarnado na vida e 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA6
ministério de Jesus, que é o modelo da missão. Assim como em Jesus 
a prática missional é contextual porque surge como uma resposta as 
necessidades humanas e necessidades do mundo. Finalmente, a teologia 
da missão é também para a missão. E o que isso signifi ca? Que é ela é 
orientada “para” a missão. Isso é de vital importância entender pelo fato 
de que nem a missiologia e nem a teologia podem restringirem-se apenas 
à refl exão, como se fosse um mero exercício refl exivo-acadêmico. Como 
disse o renomado missiólogo Holandês, Johannes Verkuyl:
A missiologia pode nunca se tornar um substituto para a ação 
e a participação. Deus chama participantes e voluntários em 
sua missão. Em parte, o objetivo da missiologia é se tornar 
uma “estação de serviço” ao longo do caminho. Se o estudo 
não leva à participação, seja em seu país ou no exterior, 
a missiologia perdeu sua humilde vocação... Qualquer 
boa missiologia é também uma missiologia viatorum - 
“missiologia peregrina” (1978:6,18).
Sendo a teologia da missão orientada para a missão, implica em 
reconhecer que o fazer teológico é um fazer em perspectiva missional. 
O fazer missional (para a missão) é sempre o alvo penúltimo da missão. 
O alvo último é e sempre deverá ser a glória de Deus (missio Doxa), isso 
porque “quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei 
tudo para a glória de Deus” (1 Co 10:31). Paulo, ao escrever sua segunda 
carta aos Coríntios, os encoraja para que a graça multiplicadora os “torne 
abundantes as ações (alvo penúltimo) de graças por meio de muitos, 
para glória de Deus (alvo último)” (2 Co 4:15).
É com essa consciência e espírito que a sua jornada nessa disciplina 
possa ser uma marca divisionária em sua vida e ministério refl itam uma 
TEOLOGIA BÍBLICA DE MISSÃO!
Referências
VERKUYL, Johannes. Contemporary missiology: an introduction. Grand 
Rapids: William B. Eerdmans Publishing Company, 1978.
7Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
UNIDADE 1 - Defi nições e contextos da missão
Introdução
Nesta Unidade I refl etiremos sobre as DEFINIÇÕES E CONTEXTOS DA 
MISSÃO hoje. Dois desafi os logo de entrada se apresentam, e podemos 
classifi cá-los emdo Norte a urbanização 
levou séculos, estimulada pela industrialização e aumento 
constante da renda per capita, no mundo em desenvolvimento 
ocorrerá no espaço de duas ou três gerações. Em muitos 
países em desenvolvimento, o crescimento urbano está 
41Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
sendo impulsionado não pela oportunidade econômica, 
mas por altas taxas de nascimento e um afl uxo maciço de 
habitantes rurais que procuram escapar da fome, pobreza 
e insegurança. A maioria das cidades que mais crescem 
no mundo encontra–se nos países de baixa renda da Ásia 
e África com populações jovens. Nos próximos 10 anos, 
o número de habitantes urbanos na África Subsaariana 
deverá crescer quase 45%, de 320 milhões para 460 milhões. 
Kinshasa, capital de um dos países mais pobres do mundo, 
hoje é a megalópole futura que mais cresce no mundo. Em 
2025, a população urbana dos países menos desenvolvidos 
da Ásia terá crescido de 90 milhões para cerca de 150 
milhões, e Dhaka deverá ser a quinta maior cidade do mundo, 
com 21 milhões de habitantes (FAO, 2012, p. 1).
Como não levar em consideração essas consequências e desafi os da 
urbanização? Esse fenômeno resultará ainda mais em altos níveis de 
pobreza, desemprego e insegurança alimentar. Estima–se que em todo 
o mundo 1 bilhão de pessoas vivam em favelas, sem acesso a serviços 
básicos de saúde, água e saneamento. Cerca de 30% da população urbana 
do Mundo Majoritário, ou seja, 770 milhões de pessoas, está desempregada 
ou são trabalhadores pobres, com renda abaixo da linha de pobreza.
Esses pobres urbanos gastam a maior parte de sua renda com 
alimentação. Porém, muitas vezes seus fi lhos apresentam níveis de 
desnutrição tão altos quanto os das áreas rurais. Para sobreviver, milhões 
de favelados cultivam seus próprios alimentos em cada pedaço de terra 
disponível: em seus quintais, ao longo dos rios, estradas e ferrovias e sob 
as linhas de transmissão de energia.
O crescimento das favelas ultrapassa o crescimento urbano por uma 
ampla margem. Em 2020, a proporção da população urbana pobre chega 
a 45%, ou 1,4 bilhão de pessoas. 85% dos pobres da América Latina, e 
quase metade dos pobres da África e Ásia, se concentrarão em áreas 
urbanas.
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA42
Já sem tem nome para isso: a nova bomba demográfi ca. Esse é um 
desafi o ou pesadelo não apenas para os governos como também 
para a educação teológica e a missão da igreja: aglomerados urbanos 
degradados e empobrecidos, com grandes populações vulneráveis de 
pessoas socialmente excluídas, jovens e desempregadas e, claro, no 
entorno de tudo isso, a criminalidade e violência urbana. 
Além disso tudo, o que falar dos deslocados, os refugiados! A guerra 
entre Rússia e Ucrânia gerou milhões de pessoas deslocadas para outros 
países, como especialmente para a Polônia.
Quando percebo essas realidades percebo também o quanto temos sido 
egoístas como igreja. Enquanto o mundo está vivendo um processo de 
uma nova bomba demográfi ca muitas igrejas vivem e se preocupam 
com elas mesmas, seus membros seus templos e suas denominações e 
instituições.
Parafraseando, talvez de modo impróprio, o que disse Jesus: “Hoje 
haverá culto para refl etirmos o que a Palavra tem a nos dizer. Vocês 
sabem interpretar as escrituras, mas não sabem interpretar os sinais dos 
tempos” (Mt 16:3). Os sinais dos tempos estão dizendo que devemos 
levar em consideração os espaços urbanos.
O Congresso de Lausanne III, em 2010, realizado na Cidade do Cabo, 
percebeu a importância de destacar as cidades como um dos maiores 
desafi os para a missão: “What Is God’s Global Urban Mission?” (“Qual é a 
missão urbana global de Deus?”) (https://lausanne.org/content/what-is-
gods-global-urban-mission).
Glossário
Munda Majoritário ou Dois-Terços-do-Mundo
Terminologia que passou a ser utilizada no lugar da expressão “Terceiro 
Mundo”, que carregou conceitos pejorativos, como sendo países de 
categoria inferior por estarem em continentes subdesenvolvidos. Busca-
43Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
se com essa mudança de nomenclatura colocar o peso não nos aspectos 
econômicos, mas populacionais, ou seja, dois-terços da população do 
mundo estão na América Latina, África e Ásia.
Missão
A natureza/identidade e razão de existir, em nosso caso, de Deus e, 
derivadamente, da igreja.
Missiologia, Missiológico
Missiologia é o estudo da intersecção entre o evangelho, a cultura e a 
igreja. Tal estudo é multidisciplinar porque incorpora outras áreas do 
saber, tais como Teologia, Antropologia, Sociologia, História, Línguas, 
entre outras.
Missional
É um adjetivo que denota alguma coisa que está relacionada com ou é 
caracterizada pela missão. Indica algo que carrega qualidades, atributos 
ou dinâmicas da missão.
Missionário
No senso comum, são tipicamente aquelas pessoas enviadas por suas 
igrejas ou agências missionárias para lugares normalmente distante 
da igreja enviadora. Em nossa perspectiva missiológica, são todos os 
cristãos em resposta à missio Dei, agindo em seus contextos de vida.
Missões
Esforços e atividades missionárias de envio e sustento de pessoas 
que vão pregar o evangelho, implicando cruzar fronteiras geográfi cas e 
culturais. Também chamada de missão transcultural.
Urbanização
É o processo/fenômeno que está ligado ao crescimento populacional 
e territorial das cidades no qual as pessoas deixam as áreas rurais, 
agrícolas e indígenas em direção aos centros urbanos.
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA44
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Confi ança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Jorge 
Zahar Ed: 2009.
BARRO, Jorge H.; ZABATIERO, Júlio P. T.; SILVA, Welinton. Porque Deus 
amou o mundo: igreja e ODS trato do ODS. Londrina: Editora Descoberta, 
2018.
BOSCH, David. Missão transformadora.: mudanças de paradigma na 
teologia da missão. São Leopoldo: EST & Sinodal, 2002.
CASTRO, Emílio. Servos livres: missão e unidade na perspectiva do reino. 
Rio de Janeiro: CEDI, 1986.
ENGEN, Charles van. Misión en el camino: refl exiones sobre la teologia de 
la misión. Grand Rapids: Baker Book House Company, 2007.
FAO – Food and Agriculture Organization of United Nations. Criar cidades 
mais verdes. Roma: FAO, 2012.
KIRK, Andrew. O que é missão: teologia bíblica de missão. Londrina: 
Descoberta, 2006.
LIBÂNIO, João Batista. As lógicas da cidade: o impacto sobre a fé e sob 
o impacto da fé. 2. ed. São Paulo: Editora Loyola, 2012. 
MCLAREN, Brian. Uma ortodoxia generosa: a igreja em tempos de pós-
modernidade. Brasília: Palavra, 2007.
NEILL, Stephen. Creative tension. London: Edinburgh House Press, 1959.
ONU. United Nations system-wide guidelines on safer cities and human 
settlements (Diretrizes para todo o sistema das Nações Unidas sobre 
cidades mais seguras e assentamentos humanos). Programa das 
Nações Unidas para Assentamentos Humanos - UN-Habitat 2012.
45Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
PADILLA, C. René. O que é missão integral? Viçosa: Ultimato, 2009.
SIMMEL, Georg. “A metrópole e a vida mental”. In: VELHO, Otávio 
Guilherme (Org.).  O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 
1973.
VELHO, Gilberto. Individualismo, anonimato e violência na metrópole. 
Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 6, n. 13, p. 15-29, jun. 2000
WRIGHT, Christopher J. H. A missão de Deus: desvendando a grande 
narrativa da Bíblia. São Paulo: Edições Vida Nova, 2014.
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA46
Unidade II - Bíblia, teologia e ,missão - Parte 1
Introdução
Nesta Unidade II refl etiremos sobre missio Dei, Bíblia, teologia e missão. 
Temos alguns desafi os no Brasil relacionados à missão. O primeiro é 
justamente compreender o signifi cado de missão. Por isso, refl etimos 
na Unidade I, o que não é missão. O segundo desafi o é compreender o 
que é missio Dei. O terceiro é discernir o relacionamento entre Bíblia e 
missão, tanto no Antigo como no Novo Testamento. E, em quarto lugar, 
entender qual é a compreensão clássica da integralidade do Evangelho. 
Estes temas serãotratados nesta e na próxima unidade. 
Nessa unidade, trataremos de aspectos mais amplos da missão, como a 
defi nição de Teologia da Missão, suas dimensões e uma maneira geral de 
caracterizarmos e diferenciarmos a missão do ponto de vista do Antigo 
e Novo Testamento. Na próxima unidade, ainda construindo a relação 
entre Bíblia, teologia e missão, observaremos alguns conteúdos textuais 
das Escrituras.
1. A Bíblia como a base da missão
Conforme já destacada anteriormente, podemos dizer que não existe 
uma base bíblica para missão e sim que a Bíblia toda é a base da 
missão. Em primeiro lugar, a Teologia Bíblica da Missão é teologia 
porque fundamentalmente envolve refl exão sobre Deus e as coisas de 
Deus. Procura compreender a sua missão, suas intenções e propósitos, 
seu uso dos instrumentos humanos e sua ação, por meio do seu povo, 
que atua no mundo por ele criado. Assim, a Teologia da Missão lida com 
todos os temas teológicos tradicionais da Teologia Sistemática. Por 
outro lado, difere no modo como os teólogos sistemáticos trabalharam 
classicamente através dos séculos. A diferença surge na orientação 
missiológica multidisciplinar de seu pensar e fazer teológico.
47Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
1.1. O aspecto teológico da missão
A Teologia Sistemática é considerada a organizadora do pensamento 
teológico através dos séculos. Seus eixos teológicos foram organizados 
em sete áreas clássicas (que pode variar dependendo da tradição 
teológica), sendo: (1) Teontologia, (2) Antropologia, (3) Cristologia, (4) 
Soteriologia, (5) Eclesiologia, (6) Pneumatologia e (7) Escatologia.
A Teontologia é área da Sistemática que estuda Deus, Deus-Pai ou 
Criador. A Antropologia ou Antropologia Teológica estuda a criação com 
especial atenção para o ser humano. A Cristologia se ocupa do estudo da 
pessoa de Jesus Cristo. A Soteriologia é o estudo da salvação promovida 
por Deus. A Eclesiologia estuda o fenômeno da igreja. A Pneumatologia
é o estudo do Espírito Santo. E fi nalmente, Escatologia é o estudo das 
chamadas últimas coisas ou da esperança futura.
De modo geral, a Teologia Sistemática desenvolvida na história da igreja 
não se preocupou em desenvolver uma perspectiva missiológica. Assim, 
a Missiologia surgiu, mais recentemente, como uma disciplina isolada. 
Minha intenção aqui é advogar a urgente necessidade de perceber um 
possível fluxo missiológico por trás das áreas da Teologia Sistemática.
Pensemos assim: o princípio de todas as coisas é Deus (Teontologia), 
que apesar do pecado do ser humano, demostra sua graça e misericórdia 
para com a ser humano e humanidade (Antropologia). Por meio de Cristo, 
sua vida, obra, morte e ressurreição (Cristologia), a humanidade, junto 
com toda a criação, é redimida e salva (Soteriologia). Os salvos recebem 
o Espírito da promessa, passam a ser templos do Espírito, empoderados 
para cumprir os planos de Deus no e a favor do mundo (Pneumatologia), 
passando a ser membros do novo povo de Deus, a comunidade de fé, 
chamados a viver em comunhão, santidade e em comunidade missional 
(Eclesiologia). Finalmente, a marca distinta desta comunidade missional 
é a esperança do Reino que vem, vivendo na tensão entre “já e ainda não” 
(Escatologia) do reino de Deus, até a consumação dos séculos. Esse é 
um resumo das setes áreas.
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA48
No gráfi co que segue, apresento esse fluxo missiológico, demonstrando 
que a Teologia deve ser apta a seguir a ação misericordiosa de Deus em 
Cristo Jesus, o Verbo - transcendente - que se fez carne e habitou entre nós 
– imanente. Por isso, a Teologia é sempre um ato segundo, como discurso 
humano, pois o ato primeiro é o agir de Deus na história. Assim sendo, a 
Teologia é uma resposta ao agir de Deus, um meio, nunca um fi m. Fica 
claro que a Teologia é um serviço e está a serviço de Deus e seu reino.
Este fl uxo missiológico indica a fi nalidade da Teologia, ou seja, estar a 
serviço da missão de Deus (missio Dei). Este precisamente foi, e continua 
sendo, o equívoco hermenêutico de muitos teólogos sistemáticos: 
não perceber a teologia como um instrumento a serviço da missão. 
Qual é o sentido da Teologia sem a Missiologia? Como, por exemplo, 
estudar a Cristologia e a Eclesiologia sem a perspectiva missiológica? 
Ou ainda, a quem serve esta Teologia? Teologia sem missão é refl exão 
estéril, sem relação com a práxis de Jesus e da igreja. Por outro lado, 
uma Missiologia que não seja Teológica será imatura, inconsequente e 
sem fundamento sólido. Assim, é urgente o repensar sobre elementos 
integrativos nas disciplinas missiológicas e teológicas. Devemos 
desenvolver uma teologia missiológica e uma missiologia teológica. 
A refl exão e práxis missiológica precisam de fundamentos teológicos, 
assim como os fundamentos teológicos precisam motivar, encorajar e 
impulsionar a missão. Este divórcio entre Teologia e Missiologia já causou 
muitas consequências negativas. Por exemplo, a refl exão teológica 
sem implicações missiológicas nada mais é do que domesticação e 
institucionalização doutrinária.
49Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
Desde já é necessário que você vá aprendendo a fazer integrações e 
diálogos entre Teologia e Missiologia. Pensar a Teologia na perspectiva da 
Missiologia é imprescindível, porque você perceberá em sua caminhada 
que raramente algo foi escrito nas sistematizações a partir da perspectiva 
missiológica. Se a Teologia não está a serviço da missão da igreja, ela 
está a serviço de quem? Ouso dizer que estaria a serviço de teólogos, 
denominações, suas confi ssões e doutrinas. Chegou o momento de fazer 
teologia não para a tradição eclesiástica, pois isso é manutenção do status 
quo, mas essencialmente com a igreja, como servos(as) submissos da 
missio Dei, de uma igreja a caminho nas sendas do reino.
Se o desafi o é repensar a Teologia na perspectiva da Missiologia, 
propomos o seguinte fl uxo, utilizando aqui expressões em latim:
Este gráfi co nos mostra a centralidade da Trindade na tarefa missional. É 
a partir da Trindade que devemos desenvolver uma Missiologia Trinitária, 
ou seja, a missio Dei (missão de Deus), missio Christi (missão de Cristo), e 
missio Spiritu Sancti (missão do Espírito Santo). Isto implica em concluir 
que a missão do povo de Deus (missio ecclesiarum) é consequência, um 
ato segundo, da missão Trinitária, que é o ato primeiro. A igreja, portanto, 
não vive para si mesma - ela é uma serva da Trindade em missão, vivendo 
e encarnando as boas novas do Evangelho, tanto em obras como em 
palavras, como peregrina e forasteira. Como nos exorta Pedro, a que 
sigamos em “santo procedimento e piedade, esperando e apressando a 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA50
vinda do Dia de Deus” (2 Pe 3:11 – 12) porque “segundo a sua promessa, 
esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça” (2 Pe 3:13), 
claramente uma referência a expectativa do reino que virá (missio adventus).
Portanto, a refl exão da Teologia sem a perspectiva Missiológica é a morte 
da própria missão. É na práxis missiológica, a partir da refl exão bíblica e 
contextual, que a igreja diz para veio e existe. E, existindo assim, glorifi ca 
a Trindade em seu compromisso de encarnação missional. 
1.2. O aspecto bíblico da missão
Em segundo lugar, a Teologia Bíblica da Missão é bíblica devido ao seu 
compromisso de permanecer fi el às intenções, perspectivas e propósitos 
da Palavra de Deus. A Teologia da Missão mostra uma preocupação 
fundamental sobre a relação da Bíblia com a missão, permitindo que 
as Escrituras não apenas forneçam as motivações fundamentais para 
a missão, mas, essencialmente, questione, molde, oriente e avalie os 
esforços missionais. Isso porque, paradoxalmente, existem motivações 
impuras na realização da missão.
Johannes Verkuyl, um renomado missiólogo holandês Johannes Verkuyl 
(1978, p. 164-168) (falecido) entende que existem duas motivações para 
realizar a missão: pura e impura. Em relação as motivações, ele alista 
essas:obediência, amor-misericórdia-piedade, Doxologia, escatologia, 
urgência e motivos pessoais, como por exemplo quando o apóstolo 
Paulo afi rmou: “Tudo faço por causa do evangelho, com o fi m de me 
tornar cooperador com ele” (1 Co 9:23). Em contraste, Verkuyl, nos alerta 
de que nem tudo o que a igreja faz tem uma intenção missional. Pare ele, 
é possível realizar a obra de Deus com intenções impuras e com maus 
propósitos, seja de forma consciente ou inconsciente. Verkuyl (1978, p. 
168-175) indica quatro motivações impuras que a igreja pode assumir na 
pretensa realização da missão:
• a motivação imperialista: é a tentativa de usar outra pessoa ou povo 
como um meio para alcançar o seu próprio objetivo.
51Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
• a motivação cultural: frequentemente ao comunicar o Evangelho a 
cultura do comunicador vem acoplada e já não se distingue entre o 
que é Evangelho e o que é cultura.
• a motivação comercial: é a relação entre comércio e fé, ou seja, ter 
uma igreja guiada por interesses comerciais e mercantilistas.
• a motivação do colonialismo eclesiástico: é o processo de imposição 
do modelo da igreja mãe sobre as igrejas nativas, não dando a 
oportunidade para que essas igrejas tenham suas características 
respeitadas e encorajadas.
Você provavelmente já encontrou algumas dessas motivações sendo 
expressas por igrejas em sua caminhada. E por que esses motivos 
impuros, entre outros, existem? Por causa do abandono da orientação 
bíblica e sua relação com a missão. A missão, para ser fi el a Deus, é aquela 
revelada nas Sagradas Escrituras e não conforme uma denominação, 
nós mesmo, ou a comunidade que queremos. Fidelidade a Deus e sua 
Palavra não é apenas no púlpito por meio da pregação. Essa Palavra deve 
permear tudo o que somos, pensamos e fazemos.
É interessante notar que a palavra missão, por si só, não é encontrada na 
Bíblia no sentido missional. Por outro lado, há várias referências Paulinas 
sobre envio, ou seja, ser enviado ao mundo para cumprir a missão de Deus. 
Uma das razões de não encontramos a palavra missão na Bíblia é porque 
sua origem é latina (missio). Contudo, o princípio do envio está presente. 
Aliás, toda a Sagrada Escritura é a revelação da história da missão de 
Deus. Novamente, toda a Bíblia, Antigo e Novo Testamento, é a revelação 
da missão de Deus no mundo. Sempre enfatizaremos isso: a missão de 
Deus, não a missão da igreja, sua ou a minha missão. Pois, fi nalmente, é 
a missão de Deus que nosso Senhor Jesus veio para dar testemunho, e 
consequentemente, é a missão de Deus que a igreja proclama no mundo 
hoje. É a missão de Deus que compartilhamos e participamos.
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA52
1.3. O aspecto da missão em si
Em terceiro lugar a Teologia Bíblica da Missão é sobre a missão. Ou 
seja, ela é especialmente orientada para a missão. Nem a Teologia nem 
a Missiologia podem restringir-se apenas à refl exão. Como Johannes 
Verkuyl afi rmou,
A missiologia nunca pode ser um substituto para a ação e 
participação. Deus chama participantes e voluntários em sua 
missão. Em parte, o objetivo da missiologia é se tornar uma 
“estação de serviço” ao longo do caminho. Se o estudo não 
leva à participação, seja em casa ou no exterior, a missiologia 
perdeu seu humilde chamado... Qualquer boa missiologia é 
também uma missiologia viatorum - “missiologia peregrina” 
(1978: p. 6,18).
A Teologia da Missão, então, deve desembocar em uma ação missional 
biblicamente informada e contextualmente apropriada. A conexão íntima 
entre refl exão e ação é absolutamente essencial para a Missiologia. Ao 
mesmo tempo, se nossa ação missiológica não transforma nossa refl exão, 
podemos vir a ter grandes ideais, mas elas podem ser irrelevantes, ou 
inúteis, às vezes até mesmo destrutivas ou contraproducentes. Portanto, 
nossa orientação missional, que surge como fruto de nossa Teologia 
da Missão, deve se traduzir em ação. E a ação missional sempre ocorre 
em um contexto. Nossa peregrinação em missão é sempre a caminho, 
que exige refl etir sobre uma hermenêutica do contexto, que por sua vez 
exige uma releitura das Escrituras que provoque novas ideias e ações 
missionais. Uma das formas mais úteis de interligar a refl exão à ação 
é por meio do processo conhecido como práxis. Embora tenha havido 
vários signifi cados diferentes descritos para esta ideia, parece que a 
formulação de Orlando Costas é uma das mais construtivas:
[...] é fundamentalmente um fenômeno praxiológico. Trata 
– se de uma refl exão crítica que se realiza na práxis da 
missão [...] [Ocorre] na concreta situação missionária, como 
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parte da obediência missionária e participação da Igreja na 
missão de Deus, e ela mesma se atualiza nessa situação [...] 
Seu objetivo é sempre o mundo... homens e mulheres em 
suas múltiplas situações de vida [...] Em referência a esta 
ação de testemunho saturada e conduzida pela soberana 
ação redentora do Espírito Santo [...] o conceito de práxis 
missionária é utilizado. A missiologia surge como parte de 
um compromisso de testemunho ao evangelho nas múltiplas 
situações da vida (1976: p. 8).
O conceito de práxis nos ajuda a entender que não apenas a refl exão, mas 
profundamente a ação também deve fazer parte de uma Teologia Bíblica 
de Missão que busca descobrir como a igreja pode participar da missão 
de Deus no mundo. A ação deve ser em si mesma teológica e bíblica e 
serve para informar a refl exão, que por sua vez interpreta, avalia, critica e 
projeta um novo entendimento na ação transformadora. Resumindo, toda 
teologia é bíblica e a toda a narrativa bíblica é missional.
2. As dimensões da missão
A missão possui grande aproximação com o tema da salvação. Contudo, 
precisamos atentar para o fato de que fruto da infl uência dualista e 
dicotômica, a salvação para muitos signifi ca apenas salvar almas. 
Concordamos que o movimento da missão integral surgiu como uma 
correção do que a igreja, instituições teológicas e cristãos entendem por 
missão. Era necessário corrigir o conceito de que missão não passa de 
proclamação verbal, tendo com único objetivo o ganhar almas (“soul-
winning”). Isso revela uma defi ciência escriturísticas da compressão 
da missio Dei. A palavra integral jamais deveria ter a necessidade de 
ser usada, porque é uma redundância, pois a missio Dei é por natureza 
integral. É tão redundante quanto dizer que eu vou “subir para cima” ou 
“descer para baixo”.
Das muitas palavras hebraicas usadas para salvação, yasha - alvar, ajudar 
em afl ição, resgatar, livrar, libertar - é a que aparece mais frequentemente 
no Antigo Testamento.
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Comumente, o livramento ou libertação, no discurso do Antigo 
Testamento, é de natureza material, embora haja exceções importantes. 
Em contraste, o emprego de soter - raiz grega aplicada ao conceito de 
salvação - no Novo Testamento, embora possa incluir a preservação 
material, geralmente signifi ca uma libertação com um signifi cado 
especialmente espiritual. Além da noção de libertação, a Bíblia também 
usa a palavra salvação para denotar saúde, bem-estar e cura.
De acordo com o signifi cado mais amplo usado nas Escrituras, o termo 
salvação engloba a obra total de Deus pela qual ele busca resgatar o ser 
humano da ruína, destruição e poder do pecado, concedendo – lhe a riqueza 
de sua graça abrangendo a vida eterna, provisão por vida abundante agora 
e glória eterna (Ef 1:3-8; 2:4-10; 1 Pe 1:3-5; Jo 3:16, 36; 10:10).
A palavra salvação comunica o pensamento de libertação, segurança, 
preservação, integridade, restauração e cura. Na Teologia, no entanto, 
seu principal uso é denotar a obra de Deus em favor da humanidade, 
que inclui as pessoas e criação. Como tal, é uma doutrina importante 
da Bíblia que inclui os conceitos de redenção, reconciliação, propiciação, 
convicção, arrependimento, fé, regeneração, perdão, justifi cação, 
santifi cação, preservação e glorifi cação. Por um lado, asalvação é 
descrita como a obra de Deus que resgata o ser humano de seu estado 
perdido, que por si só, jamais conseguiria sair, sendo exclusivamente 
uma obra de Deus por meio do mediador Jesus Cristo. Também descreve 
o estado de uma pessoa que foi salva e que é vitalmente renovada, 
fazendo parte da herança dos santos. Não podemos esquecer e nem 
mesmo negligenciar a salvação (redenção) da criação, apontada pelo 
apóstolo Paulo em Romanos: “A ardente expectativa da criação aguarda 
a revelação dos fi lhos de Deus. Pois a criação está sujeita à vaidade, não 
voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança 
de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a 
liberdade da glória dos fi lhos de Deus” (Rm 8:19-21).
Portanto, precisamos, ainda que de modo resumido e condensado, 
entender que a salvação engloba a obra total de Deus formulada, 
entendida e incentivada pelo Apóstolo Paulo: 
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[...] o qual é imagem do Deus invisível, o primogênito de toda 
a criação; porque nele foram criadas todas as coisas que há 
nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam 
dominações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi 
criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e 
todas as coisas subsistem por ele. E ele é a cabeça do corpo 
da igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para 
que em tudo tenha a preeminência, porque foi do agrado 
do Pai que toda a plenitude nele habitasse e que, havendo 
por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele 
reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que 
estão na terra como as que estão nos céus (Cl 1:15 – 20).
A palavra missão, no sentido que aqui está sendo refl etido, conforme já 
afi rmado, não está na Bíblia. Quando a palavra aparece, e poucas vezes, 
é no sentido de uma tarefa particular, como por exemplo, a missão dos 
espias (Js 2:14, 20). Isso gera algumas difi culdades porque, uma vez que 
não existe uma defi nição explícita, ela se torna implícita e passível de 
interpretações. E é justamente aqui que muitos problemas surgem. Toda 
defi nição e interpretação implicam e resultam em práticas em função do 
que se defi niu e interpretou. Se, por exemplo, defi nimos a missão da igreja 
como salvar almas, isso defi nirá o método, as práticas e os resultados 
esperados. O método será pregar verbalmente, cuja ênfase recairá no 
ir por todo o mundo – a prática - para que as pessoas se convertam – 
o resultado. Toda defi nição corre o risco de incluir e excluir elementos. 
Neste exemplo, a defi nição de missão está certa no que inclui, mas 
equivocada no que exclui.
Como já afi rmado, é necessário compreender que a Bíblia, e não textos 
isolados, é a base da missão. Ela é a peça missional de Deus. Uma 
coletânea de 66 livros que formam uma única peça. A Palavra veio a existir 
para revelar o plano de Deus para a humanidade e sua criação. Ela revela 
os propósitos de Deus para mundo e a isso chamamos de missio Dei.
É fundamental entender o que significa a missão de Deus, porque é ela 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA56
que determina a missão do povo de Deus no Antigo Testamento, e a de 
Jesus e da igreja no Novo. Consequentemente, isso determina a nossa 
missão hoje. Isso porque nem tudo o que é feito em nome da missão é de 
fato a missão de Deus. Assim, como podemos definir a missão de Deus? É 
necessário começar pelo princípio de tudo: a narrativa da criação no livro 
de Gênesis. Ali encontramos o projeto original, o ambiente harmônico em 
que tudo o que Deus fez era bom. Esse ambiente era marcado por quatro 
dimensões de relacionamentos que devem ser percebidas como alvo da 
missão - salvação: (1) o relacionamento de Deus com o ser humano; (2) 
do ser humano com o próximo; (3) do ser humano consigo mesmo e (4) 
do ser humano com a criação.
Desde já é fundamental perceber que a missão de Deus tem a ver com 
relacionamento. Para a maioria das igrejas, líderes eclesiais e pessoas, 
quando se pensa em missão pensa-se em atividades, projetos, programas 
e eventos. É claro que não há nada de errado em utilizar essas ferramentas. 
Porém, são ferramentas que devem visar os relacionamentos. Vejamos 
cada uma das dimensões da missão em seus relacionamentos.
As quatro dimensões da missão de Deus fi cam assim representadas:
57Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
2.1. Dimensão pessoal: relacionamento de Deus com o ser 
humano
Estou chamando a primeira dimensão de pessoal. Alguns chamam de 
dimensão espiritual. No entanto, nós ocidentais, somos profundamente 
infl uenciados por uma visão dualista da vida e da teologia, que 
contribuem para:
• pensarmos que a salvação só trata da alma e não do corpo
• valorizarmos menos as coisas materiais que as consideradas 
espirituais. Por exemplo, podemos pensar que o nosso trabalho é 
para ganhar dinheiro e sustentar a família e não para glória de Deus 
e sua missão, por isso nos referimos a ele como trabalho secular, 
por não entendermos que ele possa ser considerado uma vocação 
espiritual;
• vermos a vida na terra como algo irreal ou de pouca importância, 
porque nossa pátria é o céu;
• pensarmos que a beleza nesta vida - natureza, pessoas, arte, música 
etc. – são de menor valores que a beleza espiritual.
Assim, se chamarmos essa dimensão de espiritual corremos o risco de 
dar a chance da interpretação de que as demais dimensões não-são-
espirituais. E essa tem sido a interpretação da maioria das pessoas, que 
ao pensarem e agirem assim, são mais docéticas e gnósticas do que 
cristãs.
Voltando ao nosso tema, a narrativa da criação - ou narrativas - que 
encontramos no livro de Gênesis procura criar o pano de fundo 
introdutório de todo o drama humano que se desenvolverá ao longo 
da revelação bíblica. O primeiro relato aponta para a transformação do 
caos – “a terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a 
face do abismo” (Gn 1:2) - em um ambiente harmônico no qual Deus, o 
criador, cria cada coisa e as coloca em seu devido lugar de for ordenada. 
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A expressão “e viu Deus que isso era bom” se repete várias vezes. E ao 
criar os seres humanos o texto diz que o que Deus havia criado “era 
muito bom” (Gn 1:31). Embora essa primeira narrativa não descreva uma 
relação específi ca entre Deus e os seres humanos, podemos inferir que 
tudo funcionava de maneira perfeita.
O relato seguinte, que inicia no capítulo 2, descreve a criação de uma 
maneira mais humanizada, se podemos dizer assim. Ao invés do caos e 
da intervenção impessoal de Deus, lemos que tudo ocorre em torno da 
ideia de um jardim ou um lar campestre, onde havia um espaço próprio 
para a plantação, porém, não havia plantas nem quem as plantasse (Gn 
2:5). A partir daí, o que se constrói é a ideia de um Deus próximo que põe 
a mão na massa (barro) para formar o ser humano e lhe sopra no nariz 
o fôlego de vida. Esse contraste entre o primeiro e o segundo relato, que 
trabalha a proximidade de Deus do ser humano, fi ca mais evidente nos 
detalhes que seguem:
• Deus planta um jardim com todo o alimento necessário ao ser 
humano (Gn 2:9);
• Deus “percebe” a carência de companhia do ser humano e a provê 
(Gn 2:18, 21);
• Deus “andava” pelo jardim e “conversava” com o ser humano, 
expressão de comunhão e intimidade (Gn 3:8-9).
Essa relação entre Deus e o ser humano, assim descrita, harmoniosa, é 
quebrada com a queda do ser humano. Sem entrarmos na profundidade 
da discussão teológica desse tema, que não é o nosso objetivo aqui, o 
relato fala de uma desobediência direta a uma ordem divina: “não comer 
do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal” (Gn 2:17). Esse ato 
pode ser interpretado como um desejo humano por autonomia e completa 
independência de qualquer coisa que o restrinja. Gerado em seu orgulho 
ou soberba egocêntrica, o desejo se traduz como a inclinação para ser 
como Deus, ou ser o seu próprio deus, não tendo ninguém acima de si59Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
que o governe. Como lemos na narrativa, a tentação propunha que os 
seres humanos seriam “como Deus”, isto é, conhecedores do bem e do 
mal - conhecimento total (Gn 3:5).
Ao desejarem ser Deus, os seres humanos quebram essa harmoniosa 
relação entre criador-criatura. O texto descreve esse novo estado como 
sendo um misto de vergonha e medo, levando-os a se esconderem 
daquele que carinhosamente os havia criado e providenciado tudo para a 
sua sobrevivência em plenitude (Gn 3:10).
2.2. Dimensão social: relacionamento do ser humano com 
seu próximo
A segunda dimensão trata do relacionamento harmônico do ser humano 
com seu próximo. Esse relacionamento entre os seres humanos é 
elaborado na narrativa em torno do casal Adão e Eva. Como já mencionado 
rapidamente no tópico anterior, lemos no relato da criação a seguinte 
afi rmação do criador: “Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma 
auxiliadora que lhe seja idônea” (Gn 2:18). Embora o relato que segue 
seja construído em torno de Adão e Eva e da relação homem e mulher, 
essa afi rmação vai além desse âmbito, considerando a máxima de que 
não é bom - contrastando inclusive com as expressões “e viu Deus que 
isso era bom” - que o homem esteja só. Sabemos que o ser humano 
é um ser social/relacional em sua natureza. Não apenas isso, desde 
o seu nascimento somos dependentes do cuidado materno e de um 
ambiente familiar que fornece as condições para o nosso crescimento 
e desenvolvimento. É pelo auxílio, cooperação, companheirismo e 
solidariedade que as sociedades se estabelecem. Difi cilmente alguém 
consegue sobreviver sozinho e isolado, mesmo em ambientes desertos 
e inóspitos. Por isso, as Escrituras também afi rmam:
Melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do 
seu trabalho. Porque se caírem, um levanta o companheiro; 
ai, porém, do que estiver só; pois, caindo, não haverá 
quem o levante. Também, se dois dormirem juntos, eles 
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se aquentarão; mas um só como se aquentará? Se alguém 
quiser prevalecer contra um, os dois lhe resistirão; o cordão 
de três dobras não se rebenta com facilidade (Ec 4:9-12).
Interessante notar a sutileza com que o texto apresenta a harmonia da 
relação ao dizer “Ora, um e outro, o homem e sua mulher, estavam nus e 
não se envergonhavam” (Gn 2:25). A expressão demonstra uma relação 
expressa pela liberdade e franqueza sem espaço para a vergonha, 
que é exatamente a sensação de desconforto e inconformidade na 
convivência. O contraste dessa expressão não é necessariamente a 
percepção da nudez que ocorre na queda (Gn 3:10), mas a acusação e 
tentativa de transferência de responsabilidade, que quebra a noção de 
companheirismo e cumplicidade: “A mulher que me deste por esposa, ela 
me deu da árvore, e eu comi” (Gn 3:12).
O efeito da queda, do pecado, afeta não apenas a relação do ser 
humano com Deus, mas, simultaneamente, a relação do ser humano 
com o seu próximo. Aquela relação harmônica de companheirismo e 
interdependência é rompida. O ápice dessa história é apresentado logo 
no capítulo seguinte do livro de Gênesis quando o autor introduz a história 
do primeiro assassinato (Gn 4:8). Esse ato representa o maior atentado 
contra a criação por ser um ato contra aquilo que temos de mais valioso: 
a vida humana e vista esta projetada na imago Dei (imagem de Deus).
2.3. Dimensão intrapsíquica: relacionamento harmônico 
do ser humano consigo mesmo
Essa é uma dimensão pouco trabalhada e mencionada na igreja. Ninguém 
que não esteja em paz e harmonia consigo mesmo pode estar bem com 
Deus, seu próximo e o meio ambiente. A dimensão intrapsíquica ainda 
encontra resistência em alguns ambientes evangélicos. Para alguns, isso 
soa como misticismo, esoterismo ou até espiritismo.
No entanto, não podemos esquecer ou negligenciar aquilo que a narrativa 
da criação informa sobre o ser humano: “Então formou o Senhor Deus 
61Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
ao homem do pó da terra, e lhe soprou nas narinas o folego de vida, e o 
homem passou a ser alma vivente” (Gn 2:7). O Dicionário Bíblico Strong
traduz a expressão alma - no original hebraico, ���� (nephesh) - da seguinte 
forma: ser, vida, criatura, pessoa, apetite, mente, ser vivo, desejo, emoção, 
paixão. Por isso, o ser humano é aquele que respira, a substância ou ser 
que respira, o ser interior do homem, ser vivo, ser pessoa ou indivíduo, 
que tem apetites, emoções, paixões e atividade da mente, quer sejam 
atividades duvidosas, de vontade, ambíguas, relacionadas ao seu caráter. 
Talvez esse fundamental detalhe já possa ter passado despercebido da 
leitura da narrativa, que esse ser humano formado é uma alma vivente. A 
palavra alma aparece 382 vezes na Bíblia (versão Revista e Atualizada). 
Destas, 119 aparecem nos Salmos. Isso por si só é indicativo, por ser o 
livro dos Salmos um compêndio de alegrias e lamentos, alívios e dores, 
razão e emoção. Sendo um dos livros poéticos, nada melhor do que a 
alma para representar a fala das experiências humanas. A alma, por 
exemplo, expressa sua:
• luta com tristezas - “até quando estarei eu relutando dentro de minha 
alma, com tristeza no coração cada dia?” (Sl 13:2);
• angústia - “conheceste as angústias de minha alma” (Sl 31:7);
• esperança por livramento - “Empunha a lança e reprime o passo aos 
meus perseguidores; dize à minha alma: Eu sou a tua salvação” (Sl 
35:3);
• consciência do pecado - “SENHOR; sara a minha alma, porque pequei 
contra ti” (Sl 41:4);
• ânsia pelo relacionamento com Deus – “Como suspira a corça pelas 
correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma” (Sl 
42:1);
• compreensão dos ensinos divinos - “A minha alma tem observado os 
teus testemunhos; eu os amo ardentemente” (Sl 119:167);
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• alegria - “Aleluia! Louva, ó minha alma, ao SENHOR” (Sl 146:1).
No Novo Testamento a palavra nephesh é traduzida por psyché, daí a 
expressão psíquica, que representa essa esfera interior do ser humano. 
Quando olhamos para o relato da criação, não vemos desajustes dessa 
ordem até o momento da queda, quando lemos que a confusão e medo 
tomam conta da vida humana: “tive medo e me escondi” (Gn 3:10). Esse 
drama é aumentado quando o autor fala sobre como se dá a dinâmica 
do pecado: “Então lhe disse o Senhor: Por que andas irado? E por que lhe 
descaiu o semblante? Se procederes bem, não é certo que serás aceito? 
Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo 
será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo” (Gn 4:6-7). O quadro é de um 
ser humano que está irado, com o semblante caído, cujo desejo que 
surge em seu interior é contra ele mesmo, e que passará o resto de sua 
vida nessa luta interna de tentar dominar os seus desejos para que não 
se tornem em pecado.
2.4. Dimensão ecológica: relacionamento do ser humano 
com a criação
O primeiro relato da criação, que se encontra no primeiro capítulo de 
Gênesis, apresenta detalhes a formação da natureza - do cosmos - que 
servirá como ambiente para o desenvolvimento do ser humano. Ali, 
lemos sobre a água, os astros, a terra, as plantas, e as várias espécies de 
animais. Comparativamente, o texto que descreve a criação da natureza 
é bem maior que o que descreve o ser humano o que deveria nos levar a 
considerar a sua importância teológica. No segundo relato, a natureza ou 
ambiente para o desenvolvimento da vida humana é descrito como um 
jardim, também em detalhes, novamente com a descrição da geografi a, 
plantas e animais. Estamos falando aqui do habitat humano, sua casa, 
cuja palavra em grego é oikos, que dá origem às palavras eco e ecologia.
Nos dois relatos encontramos ordenanças divinas para os seres 
humanos sobre como deveriam se relacionar com a natureza. A primeira 
ordenança é: “Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; 
63Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, e sobre sodo 
o animal que rastejapela terra” (Gn 1:28). Partindo da ideia de que a 
criação vive um estado de harmonia, a multiplicação do gênero humano 
com a força para a sujeição e domínio da terra, não pressupõe uma ação 
que coloque em risco a sua própria sobrevivência. Vemos aí o conceito 
de sustentabilidade. A sujeição e domínio imagina-se sendo racional 
e inteligente e não de forma destrutiva, predatória ou maldosa. Ela, no 
fundo, tem que contribuir para que a avaliação divina de que tudo é muito 
bom prevaleça sobre qualquer circunstância ou decisão humana.
A segunda ordenança é assim registrada: “Tomou, pois, o Senhor Deus ao 
homem e o colocou no jardim do Éden o cultivar e o guardar (Gn 2:15). As 
expressões cultivar e guardar indicam uma ação mais cuidadosa do que 
o sujeitar e dominar do relato anterior. O foco aqui é agrícola e pastoril, 
e tem a ver com a imagem do jardim. Obviamente não se imagina uma 
ação que seja contra a própria subsistência e desenvolvimento. Aqui 
temos a relação com o conceito de mordomia. O ser humano iria cuidar 
do jardim cujo dono é o Criador, ainda que em seu próprio benefício. Essa 
é a sua missão!
Mais uma vez esse projeto original é afetado pela queda e podemos ver 
a sua consequência nos resultados do pecado: “maldita é a terra por tua 
causa: em fadigas obterás dela o sustento durante os dias de tua vida. 
Ela produzirá também cardos e abrolhos, e tu comerás a erva do campo. 
No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra” (Gn 3:17-19). 
Sem nos aprofundarmos muito no texto, vemos claramente que a relação 
entre o ser humano e a natureza é diretamente afetada pela queda, 
fugindo da intenção original do Criador. Aquela harmonia quebrada torna-
se agora um alvo de restauração.
3. Missão centrípeta e centrífuga
Observando a Bíblia como um todo, considerando a revelação que temos 
no Antigo Testamento, centrado na experiência do povo de Israel com 
Deus, e a que temos no Novo Testamento, centrado na pessoa de Jesus 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA64
Cristo e sua igreja, podemos caracterizar a maneira como se encara a 
missão de forma distinta. Não é incomum se ouvir dizer que não há missão 
no Antigo Testamento e que ela se inicia apenas no Novo Testamento, 
especialmente com a chamada Grande Comissão (expressão que não 
está na Bíblia). A essa altura de nosso estudo já temos bons argumentos 
para contrapor essa percepção.
Alguns teólogos e missiólogos, a partir do século XX, disseminaram 
uma maneira particular de caracterizar a missão, conforme revelada 
nos dois Testamentos, usando uma nomenclatura originada da Física: 
centrípeta e centrífuga. Na Física, entende-se por força centrípeta aquela 
que empurra um corpo, em movimento circular, em direção ao centro 
deste círculo imaginário. Já a força centrífuga é aquela que age sobre 
um corpo fazendo-o movimentar-se para fora da trajetória circular, como 
que se afastando do centro na direção tangencial. De forma ilustrativa 
temos o seguinte:
65Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
Na fi gura, as setas verdes indicam a força centrípeta, que aponta para 
o centro, e atua sobre o corpo azul durante seu movimento circular. As 
setas vermelhas representam a força centrífuga, que aponta para fora do 
centro, tangenciando a trajetória do movimento circular realizada pelo 
corpo azul.
Aplicando esse conceito ao tipo de missão referente aos dois 
Testamentos, os teólogos caracterizaram a missão do Antigo Testamento 
como centrípeta e a do Novo como centrífuga. Agora, vamos entender o 
que isso signifi ca.
3.1. Missão centrípeta no Antigo Testamento (de fora para 
dentro/centro)
A maneira como a missão de Deus se manifestou no Antigo Testamento 
denominamos como missão centrípeta. A razão para essa caracterização 
é porque entende-se que Israel funcionava como uma força de atração 
para as outras nações para que elas viessem a conhecer ao Deus-Javé. 
Elaborando um pouco mais essa ideia, a compreensão é de que a nação 
de Israel deveria ser um modelo para as outras nações do mundo de então 
que, vendo como aquela sociedade fi el a Deus se estruturava em torno 
da Lei, questionariam os motivos de serem bem-sucedidos. A resposta 
imediata seria a aliança de fi delidade com Javé. Embora tenhamos 
relatos de personagens bíblicos como José, Jonas, Daniel e Ester que 
testemunharam em países estrangeiros, na compreensão de Christopher 
Wright, “Israel não recebeu o mandato divino de enviar missionários às 
nações” (Wright, 2014, p. 22).
Note como esse conceito aparece em Isaías 66:19 – 21:
Porei entre elas um sinal e alguns dos que foram salvos 
enviarei às nações, a Társis, Pul e Lude, que atiram com o 
arco, a Tubal e Javã, até às terras do mar mais remotas, que 
jamais ouviram falar de mim, nem viram a minha glória; eles 
anunciarão entre as nações a minha glória. Trarão todos os 
vossos irmãos, dentre todas as nações, por oferta ao SENHOR, 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA66
sobre cavalos, em liteiras e sobre mulas e dromedários, ao 
meu santo monte, a Jerusalém, diz o SENHOR, como quando 
os fi lhos de Israel trazem as suas ofertas de manjares, em 
vasos puros à Casa do SENHOR. Também deles tomarei a 
alguns para sacerdotes e para levitas, diz o SENHOR.
No texto, alguns “dos que foram salvos”, ou seja, “sobreviventes”, 
foram enviados às nações, em uma missão do tipo centrífuga, para que 
“anunciassem entre as nações a minha glória”. No entanto, esse esforço 
tinha com objetivo trazer “os vossos irmãos, dentre todas as nações, por 
oferta ao Senhor”, o que caracteriza uma fi nalidade centrípeta, sendo o 
centro a nação de Israel ou, mais especifi camente, o monte Sião, onde 
estava edifi cada a cidade de Jerusalém, onde se encontrava o Templo.
Johannes Blauw (1966, p. 39) indica que foi Bengt Sundkler quem chamou 
a atenção para essa convicção de que Jerusalém era o centro do mundo 
e, de certa forma, justifi cando a limitação do ministério de Jesus às 
ovelhas perdidas de Israel (Mt 10:5b-6), evitando uma missão aos gentios 
(apud Blauw 1966, p. 146-147). Sundkler (1965: p. 14-15) comentou: “O 
universalismo centrífugo é atualizado por um mensageiro que atravessa 
fronteiras e passa suas notícias àqueles que estão longe; centrípeta por 
uma força magnética, atraindo povos distantes para o lugar da pessoa 
que está no centro”.
Blauw (1966, p. 40) aplica o sentido centrípeta da missão de Israel, em que 
as nações iriam para Sião (Is 2:2-4), como uma “expectação escatológica 
que será cumprida apenas no fi m dos tempos”. Ele entendia que “nunca, 
em todo o período do Antigo Testamento, houve qualquer atividade 
missionária deliberada” e que “não há pensamento sobre missão no 
Antigo Testamento no sentido centrífugo em que este surge no Novo 
Testamento” (1966, p. 34). Walter C. Kaiser (2000, p. 9), em contraste, 
vê o papel centrípeta como “testemunho passivo” e o papel centrífugo 
como “testemunho ativo”. Porém, o signifi cado de uma teologia de 
missão centrípeta vai mais fundo do que um testemunho passivo. Os 
missionários que vão para as nações de modo centrífugo precisam de 
uma força centrípeta para atrair as nações assim que lá chegam.
67Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
Christopher Wright (2014, p. 528) faz dois pontos dignos de nota na 
questão centrípeta e centrífuga. Ele entende “que Israel defi nitivamente 
contava um senso de missão, não no sentido de ir a algum lugar, mas de 
ser alguma coisa”, “eles seriam uma luz e uma testemunha às nações”. 
A conclusão de Wright (2014, p. 549- 550) é que “a missão centrífuga da 
igreja neotestamentária também contava, por um lado, com uma teologia 
centrípeta: as nações, na verdade, estavam sendo reunidas, não para 
serem trazidas a Jerusalém, ao templo físico ou a Israel como nação, 
mas a Cristo, como o centro, e ao novo templo de Deus”.
Resumindo, todo esse movimento centrípeta encontrado no Antigo 
Testamento está relacionado ao plano de Deus de revelar seu caráter 
às nações colocando Israel na encruzilhada do mundo antigo e dando 
todasas condições para ser uma nação modelo para as outras nações 
do mundo. Com isso Israel atrairia as nações para Deus, muitas das quais 
seriam incorporadas à aliança divina. Assim declara o profeta:
Pouco é o seres meu servo, para restaurares as tribos de 
Jacó e tornares a trazer os remanescentes de Israel; também 
te dei como luz para os gentios, para seres a minha salvação 
até à extremidade da terra. Assim diz o SENHOR, o Redentor 
e Santo de Israel, ao que é desprezado, ao aborrecido das 
nações, ao servo dos tiranos: Os reis o verão, e os príncipes 
se levantarão; e eles te adorarão por amor do SENHOR, que é 
fi el, e do Santo de Israel, que te escolheu (Is 49:6-7).
A ideia aqui é o verbo vinde, venham e vejam:
Nos últimos dias, acontecerá que o monte da Casa do SENHOR 
será estabelecido no cimo dos montes e se elevará sobre 
os outeiros, e para ele afl uirão todos os povos. Irão muitas 
nações e dirão: Vinde, e subamos ao monte do SENHOR e à 
casa do Deus de Jacó, para que nos ensine os seus caminhos, 
e andemos pelas suas veredas; porque de Sião sairá a lei, e a 
palavra do SENHOR, de Jerusalém (Is 2:2-3).
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA68
3.2. Missão centrifuga no Novo Testamento (de dentro/
centro para fora)
No Novo Testamento o verbo muda a direção. O vinde dá lugar ao ide, vão 
e façam discípulos, como encontramos na chamada Grande Comissão 
(Mt 28:18-20). A palavra no grego εκκλησια traduzida como igreja já revela 
o caráter centrífugo do Novo Testamento. Ekklesia é defi nida como uma 
assembleia ou congregação convocada. Por exemplo, Atos 11:26 diz que 
“por todo um ano, se reuniram [Paulo e Barnabé] naquela igreja (ekklesia) 
e ensinaram numerosa multidão. Em Antioquia, foram os discípulos, pela 
primeira vez, chamados cristãos”. Em 1 Coríntios 15:9 Paulo diz que se 
considerava “o menor dos apóstolos” e até mesmo de não ser “digno de 
ser chamado apóstolo” porque ele tinha consciência de haver perseguido 
a “igreja (ekklesia) de Deus”. Igreja, portanto, é formada de ek e klesia, ou 
seja, a assembleia comissionada de dentro para fora. É a congregação 
daqueles a quem Deus chamou “a fi m de proclamardes as virtudes daquele 
que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1 Pe 2:9).
A palavra no Novo Testamento também foi usada para se referir a 
qualquer assembleia de pessoas. Em seu discurso ao Sinédrio, Estevão 
chama o povo de Israel de “a congregação (ekklesia) no deserto” (At 7:38). 
E em Atos 19:39 refere-se a uma “assembleia (ekklesia) regular”, uma 
convocação de cidadãos para discutir os assuntos legais. No entanto, 
na maioria dos contextos, a palavra ekklesia é usada para se referir às 
pessoas que compõem uma comunidade de cristãos.
Essa defi nição e uso da palavra ekklesia nos revela a importância de 
entender a missão centrífuga da igreja como sendo aqueles que são 
chamados por Deus de dentro para fora. É a igreja que faz diferença no 
mundo, sem se impregnar dos valores do mundo. Assim como no Antigo 
Testamento, Israel é chamado para ser um “contraste”, conceito muito 
usado por Michael W. Goheen (2014, p. 161):
Uma importante dimensão da eclesiologia missional de Lucas 
é revelada aqui: a igreja tem início como Israel restaurado, 
69Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
uma comunidade transformada, com uma missão para seu 
próprio povo [...] Israel precisa ser restaurado ao seu papel 
de ser uma atraente comunidade de contraste. Esse é o 
chamado missional de Israel que defi ne a igreja desde o seu 
começo (ênfase minha).
Sem contraste a igreja é um desastre. O ser precede ao dizer e fazer. Em 
meu livro Discipulado missional (Barro, 2013, p. 73-74), enfatizo o que Jesus, 
Paulo, João e Pedro afi rmaram que somos. Note a ênfase no vós sois:
Jesus disse:
• vós sois o sal da terra (Mt 5:13)
• vós sois a luz do mundo (Mt 5:14)
• vós sois testemunhas destas coisas (Lc 24:48)
• vós são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros (Jo 
13:35) • vós sois os ramos (varas) (Jo 15:5)
• vós sois meus amigos, se fi zerdes o que eu vos mando (Jo 15:14)
• vós sois os fi lhos dos profetas e do pacto que Deus fez com vossos 
pais (At 3:25)
Paulo disse:
• vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual para nós foi feito por Deus 
sabedoria, e justiça, e santifi cação, e redenção (1 Co 1:30)
• vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus (1 Co 3:9) • vós sois de 
Cristo, e Cristo, de Deus.
• vós sois corpo de Cristo, e individualmente seus membros (1 Co 
12:27) • vós sois fi lhos de Deus mediante a fé́ em Cristo Jesus (Gl 
3:26)
• vós sois um em Cristo Jesus (Gl 3:28)
• vós sois guiados pelo Espírito (Gl 5:18)
• vós sois luz no Senhor
• vós sois fi lhos da luz e fi lhos do dia (1 Ts 5:5)
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA70
João disse:
Filhinhos, vós sois de Deus (1 Jo 4:4)
E Pedro disse:
vós sois geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de 
Deus, para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas 
para a sua maravilhosa luz (1 Pe 2:9).
Assim é a ekklesia de Deus, um contraste que são luz em meio as trevas. 
De forma ilustrativa temos a seguinte fi gura que resume a ideia de missão 
centrípeta e centrífuga:
Referências
BARRO, Jorge H. Discipulado missional: andar como Ele andou. Londrina: 
Descoberta, 2013.
BLAUW, Johannes. A natureza missionária da igreja. São Paulo: ASTE, 
1966.
BOSCH, David J. Missão transformadora. São Leopoldo: EST & Editora 
Sinodal, 2002.
71Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
COSTAS, Orlando E. Theology of the crossroads in contemporary Latin 
America: missiology in mainline Protestantism - 1969 - 1974. Amsterdam: 
Rodopi, 1976.
SNYDER, Howard A. La salvación de toda la creación. Buenos Aires: 
Ediciones Kairos, 2016.
SUNDKLER, Bengt. Jesus et les paiens. Revue d’histoire et de philosophie 
religieuses 16, 1936, pp. 462 – 499.
VERKUYL, Johannes. Contemporary missiology: an introduction. Grand 
Rapids: William B. Eerdmans Publishing Company, 1978.
WRIGHT, Christopher J. H. A missão de Deus: desvendando a grande 
narrativa da Bíblia. São Paulo: Vida nova, 2014.
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA72
UNIDADE III - Bíblia, teologia e missão - Parte 2
Introdução
Nesta Unidade III, ainda pensando na fundamentação bíblico-teológica 
da missão, vamos trabalhar alguns textos e temas do Antigo e Novo 
Testamentos. Como vimos na unidade anterior, a Bíblia é a base da 
missão. Ela é essencialmente missiológica em sua intencionalidade 
reveladora, por isso, depois de termos feito uma abordagem mais ampla e 
genérica, mergulharemos mais a fundo em alguns textos que nos ajudam 
a compreender a centralidade da missão na bíblia. Mais que isso, minha 
proposta é que aprendamos a ler os textos bíblicos com os olhos da 
missão e que esse exercício interpretativo nos ajude a reafi rmar o nosso 
compromisso com a missão de Deus.
Para aqueles que quiserem se aprofundar no tema da Teologia Bíblica da 
Missão, sugiro dois livros que me acompanham porque estes procuram 
percorrer as Escrituras mostrando os principais aspectos relativos ao 
foco missional do povo de Israel e da igreja:
• Missão integral: uma teologia bíblica, de Timóteo Carriker;
• A missão de Deus: desvendando a grande narrativa da bíblia, de 
Christopher Wright, tendo sido utilizado na unidade anterior
A fi cha bibliográfi ca completa dos dois livros você encontra ao fi nal dessa 
unidade.
1. A missão no Antigo Testamento
Antes de investigarmos alguns períodos que compõem a história de 
Israel, quero iniciar, mais uma vez, com um texto da narrativa da criação 
para falar da missão de Deus. É importante relembrar que a missão está 
diretamente relacionada à teologia da salvação, ou seja, falar de missão 
só faz sentido após a queda, tendo como referência o estado ideal e 
harmônico descrito na criação e as quatro dimensões de relacionamentos. 
73Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
Assim, um texto muito bonito que indica a intenção e interesse de Deus 
pelo resgate do ser humano caído - a missio Dei - ocorre logo no inícioda bíblia e imediatamente após a queda: “E chamou o Senhor Deus ao 
homem, e lhe perguntou: Onde estás?” (Gn 3:9).
O que esse texto nos mostra é postura carinhosa de Deus diante de um 
quadro de caos. A narrativa é construída debaixo da tensão da tentação, 
queda e suas imediatas consequências. A desobediência à ordem 
divina, que tinha como punição automática a morte, é seguida por um 
estado de medo, vergonha, confusão mental e fugas por parte do ser 
humano. Vamos tentar fazer um exercício de abstração, imaginando 
o que poderia ter acontecido logo após a desobediência. Talvez, Deus 
poderia ter simplesmente aparecido diante deles e cumprido aquilo que 
havia alertado, ou seja, poderia ter acabado com a vida de Adão e Eva, 
ali, sem diálogo ou qualquer outra explicação. Deus apareceria como um 
juiz aplicando a justa condenação diante da desobediência, afi nal, eles 
sabiam e foram alertados das consequências se desobedecessem. A 
questão, no entanto, é que acabar com a vida humana não é um plano 
divino original. O seu plano é que a criação não-humana e humana fossem 
um projeto de relações harmônicas. A queda é um desvio de percurso. 
Assim, acabar com a criação e a vida humana seria um contrassenso. No 
entanto, o que fazer?
O que a narrativa nos mostra é um Deus que se aproxima do ser humano 
com uma pergunta. Esse ato de aproximação é um ato missional. 
Poderíamos dizer que Deus envia-se a si mesmo para dialogar com o ser 
humano e, mais a frente, resgatá-lo. Essa aproximação é descrita como, 
ao mesmo tempo, simples e estratégica. Perceba que o texto anterior diz 
que Deus “andava no jardim pela viração do dia” (Gn 3:8). Não lemos que 
Deus tenha agido de modo que saísse da rotina, do comum, do ordinário, 
do esperado. O ser humano sim, havia quebrado a normalidade. Mas 
Deus, de maneira sutil, sem apelar para a ira ou para uma manifestação 
extraordinária, que talvez provocasse uma reação que piorasse ainda 
mais o quadro caótico e de temor em que se encontrava o ser humano, e 
andando entre eles, como de costume, pergunta: Cadê vocês?
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA74
Essa pergunta simples e até natural - mesmo considerando que Deus já 
soubesse onde eles estavam, por ser Deus - dá a oportunidade ao ser 
humano de reagir, refl etir, mesmo que de forma confusa, se explicar e 
assumir responsabilidade. Esse modelo de aproximação me parece ser 
algo que se estabeleceu como padrão divino. Mesmo que dominado por 
uma perspectiva centrípeta, podemos notar que no Antigo Testamento 
Deus usa os seus mensageiros, seus representantes - agentes missionais 
- como forma de se aproximar dos seres humanos que compõem os 
povos e as nações.
1.1. A missão nos patriarcas
Certamente, a maior referência patriarcal é Abraão. É com ele que nasce 
a aliança de Deus com um povo que iria se formar por meio da sua 
descendência. Como indica Christopher Wright, “a aliança de Deus com 
Abraão é provavelmente a tradição bíblica mais importante para uma 
teologia da missão e uma hermenêutica missional da Bíblia” (2014, p. 
195). Na história de Abraão podemos ver alguns elementos claros de 
envio missional:
E disse o SENHOR a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela 
e da casa de teu pai, e vai para a terra que te mostrarei; de ti 
farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei 
o nome. Sê tu uma bênção: abençoarei os que abençoarem, 
e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas 
todas as famílias da terra (Gn 12:1-3).
O chamado de Abraão envolve deixar para trás a segurança e conforto de 
um estado e situação conhecidos ou controlados, para algo totalmente 
novo e desconhecido. O objetivo desse movimento, ou envio divino, é 
muito grande e nobre: “abençoar todas as famílias da terra”. Para Michael 
Goheen (2014, p. 50).
“Bênção” é um termo bíblico com ricas ressonâncias, 
signifi cando a revogação da maldição do pecado e a 
75Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
restauração da plenitude da criação [...] Desse modo, o autor 
de Gênesis pretende deixar claro que Deus quer reverter 
em Abraão os efeitos do pecado: “A nova palavra de grande 
poder [‘abençoar’], que em Gênesis 12.1-3 forma a essência 
da aliança abrâmica, deve anular a maldição dos capítulos 
1 a 11 de Gênesis”. A bênção restaura todo o bem que 
Deus havia generosamente concedido à criação no início 
(e.g. Gn 1.22,28) e assim prenuncia sua obra de redenção 
subsequente para o desenvolvimento dos seres humanos 
no relacionamento com Deus, uns com os outros e com a 
criação não humana.
Essa é a missão que está diante de Abraão e de sua descendência que, 
aliás, inclui a todos nós, igreja de Cristo (Rm 9:8). Como visto na unidade
anterior, a missão de Deus é ampla e envolve todos as dimensões da vida 
humana e não-humana. Ela não se limita à salvação da alma com vistas 
a um céu futuro, mas busca regatar o estado de plenitude de vida perdido 
na queda.
Um detalhe interessante é levantado por alguns missiólogos sobre o 
chamado de Abraão ou sobre a maneira como entendemos a missão é a 
partir da sua aliança com Deus. Esse detalhe tem a ver com o conceito 
de eleição. A história de Abraão mostra que ele era um homem comum e 
que a sua escolha por Deus não foi porque ele tinha alguma característica 
especial que justifi casse ter sido eleito. A bíblia indica que ele era um 
homem de fé exemplar (Hb 11:88ss), mas o relato da sua escolha não 
fala que essa teria sido essa a razão para que ela ocorresse. Por isso, 
não há na missão lugar para um sentimento de orgulho, de sectarismo 
e de exclusivismo. O que se aprende, ao contrário, é que o chamado de 
Abraão é para realizar um serviço. Ele tem um objetivo a ser alcançado e 
para isso foi chamado.
Então, a eleição de Abraão não teve como alvo exclusivo a 
bênção dele próprio. Este, além de receptor, teria o papel de 
“mediador” no plano salvífi co de Deus (Von Rad 1972:160) 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA76
para todas as famílias da terra. Israel, herdeiro desta 
promessa para Abraão por descendência (Gênesis 13.14-
16; 15.5,7,18; 17.4-8; 18.18; 22.17-18; 26.2-4,24; 28.3-4, 13-
15; 22.12; 35.9-12; 48:16), também seria um canal, não um 
“depósito” das bênçãos de Deus no seu desígnio último para 
as nações (Peters 1972:94). Quando Deus escolheu Abraão, 
não abandonou as nações, mas o fez a favor delas. Johannes 
Verkuyl recoda a colocação de A. de Grost, “Israel é apalavra 
de abertura na proclamação da salvação de Deus, não o 
Amém” [tradução] (1978:91). Por causa deste papel mais 
amplo, o termo “particularismo” que é muito usado entre 
alguns estudiosos, não é muito apropriado para defi nir o 
propósito e lugar e Israel. Por certo, a salvação e o serviço de 
Deus foram dirigidos para um povo escolhido, mas também 
este povo teria um propósito maior como instrumento no 
alcance das nações.
CARRIKER, Timóteo. Missão integral: uma teologia bíblica. 
São Paulo: Sepal, 1992. p. 48.
Isso serve de alerta para igreja hoje. Como responsáveis pela missão de 
Deus não podemos agir como especiais, melhores, únicos abençoados, 
detentores da bênção divina, como se fossemos merecedores dela. 
A missão que temos é a de sermos mediadores da bênção de Deus 
para todas as famílias, e nesse caso, aqueles que não possuem um 
relacionamento reconciliado com Deus e toda a Sua criação. Somos 
chamados para um serviço inacabado, o mesmo chamado que teve 
Abraão.
1.2. A missão na tradição mosaica
Se a principal referência dos patriarcas é Abraão, o maior personagem 
do Antigo Testamento é Moisés. É em torno dele que se constrói a maior 
parte da tradição religiosa de Israel. Não necessariamente em torno 
de sua pessoa e história, mais daquilo que representou para a tradição 
77Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
da Lei ou da Torá. Um exemplo claro disso é a acusação que os judeus 
apresentaram contra o apóstolo Paulo: “Ouvindo-o, deram eles glória 
a Deus e lhe disseram: Bem vês, irmão, quantas dezenas de milhares 
há entre os judeus que creram, e todos são zelosos dalei; e foram 
informados a teu respeito que ensinas todos os judeus entre os gentios 
a apostatarem de Moisés, dizendo-lhes que não devem circuncidar os 
fi lhos, nem andar segundo os costumes da lei” (At 21:20-21). Repare na 
expressão “apostatarem de Moisés” que signifi ca que a fi gura de Moisés, 
ou o seu nome, absorveu tudo aquilo que se referia às leis presentes 
nos textos do Antigo Testamento como também os costumes que foram 
construídos em torno delas pelos diversos grupos religiosos -fariseus, 
escribas, saduceus, etc.
Olhando pela perspectiva missiológica, Moisés também se confi gura em 
um importante elemento na construção da missão do Antigo Testamento. 
Veja como Timóteo Carriker (1992, p. 60-61) analisa a importância de 
Moisés:
Moisés se destaca como uma fi gura tão signifi cante para a 
ideia de missão no Velho Testamento, que H. H. Rowley o 
declara o primeiro missionário que conhecemos. De fato, a 
ideia de ser enviado por Deus para uma tarefa de resgate, 
tão essencial ao conceito neotestamentário de missão, só 
se evidencia mais explicitamente no chamado de Moisés. 
Iahweh “envia” (’ehyeh shelâhani, Êxodo 3.12,13,14) Moisés. 
Todavia, a ideia de que Deus chama um homem para se 
seu representante, que assume um papel de administração 
(Adão), de julgamento e renovação (Noé), ou de maldição e 
bênção (Abraão), já precede o chamamento de Moisés. Cada 
uma dessas fi guras pressupõe, explicita e avança a missão 
daquele que o antecedeu. Por isso, nós não consideramos 
Moisés como o primeiro missionário e, sim, como uma 
explicação signifi cante dos “missionários” protótipos que o 
precederam.
Moisés é chamado e enviado por Deus para uma tarefa missionária 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA78
específi ca. Na análise de Wright (2014, p. 278-282), a redenção 
promovida por Javé é bastante abrangente, ela inclui as dimensões 
política, econômica, social e espiritual da opressão imposta pelo faraó 
do Egito - denominada escravidão. Essa faceta da missão de Deus é, às 
vezes, ignorada. A narrativa não trata da salvação de pecados, mas de 
uma situação de opressão de um sistema político, que também inclui 
o elemento religioso. De acordo com o texto, o povo descendente de 
Jacó e, obviamente, de Abraão, não conhecia a Deus, agora identifi cado 
como Javé (Êx 3:13; 6:2-3). A relação com Javé desse misto de gente que 
habitava no Egito (Êx 12:38), chamado de povo de Israel, será estabelecida 
por meio de uma aliança que se inicia no Sinai (Êx 19), em renovação da 
aliança anterior estabelecida com Abraão. É a retomada da missão de 
abençoar as famílias da terra debaixo de uma nova confi guração.
De maneira prática, a missão do povo de Israel se torna a de cumprir a Lei, 
os mandamentos divinos, que tem por objetivo construir uma sociedade 
modelo, via contraste, como referência para todas as nações.
1.3. A missão na monarquia e no profetismo
O período da monarquia em Israel, que inclui a maioria dos escritos 
proféticos, é o mais conturbado do Antigo Testamento, considerando o 
conteúdo dos textos produzidos. As muitas disputas e guerras, internas 
e externas à comunidade de Israel, servem de oportunidade para a 
intervenção profética e aprendizado para o povo de Deus, naquele tempo 
e hoje. Isso é o que chamamos de aprendizado pela via negativa, ou 
seja, o aprendizado pelos erros. Ao longo das histórias dos reis e reinos 
temos mais histórias de erros do que de acerto. Por isso mesmo, é que 
encontramos a constante intervenção divina, por meio de seus profetas, 
para chamar a atenção dos líderes e do povo para os seus desvios e 
pecados.
Michael Goheen (2014, p. 77) faz um pertinente comentário sobre o início 
da monarquia em Israel:
79Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
O livro de Juízes termina com o clamor por um rei (Jz 21.25). 
No período tribal, “ameaças tanto internas quanto externas 
constituíam importantes obstáculos para a história bíblica 
por impedirem Israel de cumprir a missão para a qual Deus 
o havia escolhido. A pergunta que o livro de Juízes nos deixa 
é se a monarquia poderia por fi m a essas ameaças”. Um rei 
poderia capacitar Israel a cumprir a sua vocação missional? 
Embora o clamor do povo por um rei seja atendido na 
história de Samuel, inicialmente há pouca esperança de que 
um rei suprirá o que Israel necessita para se tornar de fato 
bênção para as nações, uma vez que Israel deseja ter um 
rei como o têm as outras nações (1Sm 8.5). A razão dada 
pelos israelitas denuncia sua apostasia, um abandono de 
seu chamado missional: “Queremos um rei sobre nós, para 
que sejamos como todas as demais nações, e para que o 
nosso rei nos julgue, nos lidere e lute as nossas batalhas” 
(1Sm 8.19,20, grifo do autor). Eles queriam ser “como todas 
as demais nações” - exatamente o que Deus havia chamado 
Israel a não ser. 
Uma grande responsabilidade, então, passa a recair sobre o rei. A fi gura 
de liderança que antes era ocupada por um profeta ou juiz, ou seja, na 
fronteira do âmbito carismático e religioso, agora passa para o âmbito 
político. Com todos os problemas que envolveram a liderança do primeiro 
rei, Saul, que não consegue perpetuar a sua descendência no poder, logo 
surge a fi gura de Davi. Davi acaba por reunir o perfi l carismático que o 
povo estava acostumado em sua história. Ele, rapidamente, como uma 
de suas primeiras decisões resolve construir uma casa para Deus ao lado 
da sua - um templo ao lado do palácio. Assim, ele consegue retomar a 
fé em Javé, como identidade nacional, que havia caído no esquecimento 
durante o tempo dos Juízes. O templo assume um papel primordial na 
construção da monarquia, centralizando na capital (Jerusalém) o poder 
político e religioso.
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA80
Em torno de Davi, então, surge a imagem de um herói que haveria de 
liderar o povo ao status de uma grande nação, podendo, assim, ser um 
exemplo para as outras nações. Essa seria, portanto, a retomada da 
missão de Israel. A aliança com Abraão é reconfi gurada como sendo 
uma aliança com Davi e um reino eterno (2 Sm 7:8-17). É também em 
Davi, de um descendente seu, que se constrói a principal referência da 
esperança messiânica no Antigo Testamento (Is 55:3-5).
Todo esse projeto, no entanto, sofre percalços ao longo do período 
monárquico. A liderança, e o povo em geral, não consegue levar adiante 
a sua missão. O principal pecado cometido durante esse período é o 
abandono de Javé. De modo mais específi co, o não cumprimento das 
suas leis, seus mandamentos e sua vontade, em suma, da sua missão. 
É nesse ambiente que entra em cena a representativa fi gura do profeta 
de Javé, aquele que é a sua voz direta aos líderes e ao povo. O profeta 
cumpre o papel de denunciar, chamar à responsabilidade, apelar para 
o arrependimento e conversão, e anunciar o iminente castigo, que é a 
consequência da desobediência e permanência no erro. Dessa forma, 
poderíamos pensar no profeta como o guardião da missão.
Basta ler os vários livros dos profetas para perceber o tipo de mensagem 
que eles trazem para o povo de Deus. Talvez o tema mais comum, que tem 
associação com o princípio da Lei, seja o da justiça, e, por consequência, 
do juízo, do tornar-se justo ou justifi cado. Apenas como um exemplo 
representativo dessa função tão importante para o tema da missão, 
conforme entendida nesse período, cito o profeta Isaías:
Visão que Isaías, fi lho de Amoz, teve a respeito de Judá e 
Jerusalém, nos dias de Uzias, Jotão, Acaz e Ezequias, reis de 
Judá. Escutem, ó céus, e ouça, ó terra, porque o SENHOR é 
quem fala: “Criei fi lhos e os fi z crescer, mas eles se revoltaram 
contra mim” [...] Ai desta nação pecadora, deste povo carregado 
de iniquidade! São descendência de malfeitores, fi lhos que 
praticam o mal. Rejeitaram o SENHOR, desprezaram o Santo 
de Israel, voltaram para trás [...] “Quando vocês estendem as 
81Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
mãos, eu fecho os meus olhos; sim, quando multiplicam as 
suas orações, não as ouço, porqueas mãos de vocês estão 
cheias de sangue. Lavem-se e purifi quem-se! Tirem da minha 
presença a maldade dos seus atos; parem de fazer o mal! 
Aprendam a fazer o bem; busquem a justiça, repreendam o 
opressor; garantam o direito dos órfãos, defendam a causa 
das viúvas”. O SENHOR diz: “Venham, pois, e vamos discutir 
a questão. Ainda que os pecados de vocês sejam como o 
escarlate, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que 
sejam vermelhos como o carmesim, eles se tornarão como 
a lã. Se estiverem dispostos e me ouvirem, vocês comerão 
o melhor desta terra. Mas, se recusarem e forem rebeldes, 
vocês serão devorados pela espada; porque a boca do 
SENHOR o disse” (Is 1:1-20).
1.4. A missão no exílio, pós-exílio e no profetismo posterior
O exílio do povo de Israel na Babilônia (70 anos) é considerado um 
castigo por sua desobediência a Javé (Jr 25:8-9). Como comentado no 
tópico anterior, mesmo diante dos alertas e apelos proféticos para que 
houvesse arrependimento, a insistência no erro é tida como a causa da 
conquista da nação de Israel por Nabucodonosor. Os fatos mais graves 
resultantes dessa guerra de conquista foram a destruição da terra e o 
cativeiro de parte da população na Babilônia. 
Se pensarmos que essa conquista resultou na destruição da cidade de 
Jerusalém e do Templo, isso poderia indicar o fi m da missão de Israel. 
Lembre-se que caracterizamos a missão no Antigo Testamento como 
centrípeta, que tinha como principal objetivo atrair os outros povos à 
Israel, mais especifi camente à Jerusalém e para o reconhecimento e 
adoração a Javé no seu templo. Logo, a destruição do centro imaginário 
da missão de Israel poderia signifi car o seu fi m.
Mas não é isso o que vemos. O período do exílio e do pós-exílio confi gura 
uma transição do modelo de missão centrípeta para centrífuga, chamado 
de período intertestamentário, ou seja, entre o Antigo e Novo Testamento. 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA82
Mesmo que esse período tenha durado em torno de 400 anos, com a 
experiência do que se chamou de silêncio profético, após Israel cair sob 
o domínio de várias nações, sem jamais se reerguer plenamente, é sob 
o império romano que Jesus surge no cenário dando novo impulso para 
a missão.
Contudo, antes de entrarmos na missão no Novo Testamento, é necessário 
observarmos alguns importantes conteúdos missiológicos que surgem 
no período do exílio e pós-exílio. Se olharmos para a situação desde uma 
perspectiva ligeiramente diferente, podemos concluir que o povo exilado 
funcionou como um povo missionário na Babilônia. Por um lado, o povo foi 
levado pelos babilônicos, por outro, esse mesmo povo foi enviado por Javé.
O objetivo permaneceu o mesmo: servir de testemunhas do Deus Javé, 
criador e sustentador da vida, que quer abençoar todas as nações na 
demonstração prática de uma comunidade modelo que cumpre a sua Lei 
e, assim, promove a justiça sobre a terra.
Durante o tempo do exílio vemos a crise que havia se instaurado na mente 
do povo sendo, mais uma vez, necessária a intervenção profética. O 
profeta Jeremias vai chamar a atenção do povo para a importância da sua 
participação na sociedade babilônica como parte dessa missão que prevê 
a demonstração e infl uência do relacionamento que tinham com Javé:
Assim diz o SENHOR dos Exércitos, o Deus de Israel, a todos 
os exilados que eu deportei de Jerusalém para a Babilônia: 
“Construam casas e morem nelas; plantem pomares e comam 
o seu fruto. Casem e tenham fi lhos e fi lhas; escolham esposas 
para os fi lhos de vocês e deem as suas fi lhas em casamento, 
para que tenham fi lhos e fi lhas. Aumentem em número e não 
diminuam aí na Babilônia! Procurem a paz da cidade para 
onde eu os deportei e orem por ela ao SENHOR; porque na 
sua paz vocês terão paz. Porque assim diz o SENHOR dos 
Exércitos, o Deus de Israel: Não se deixem enganar pelos 
profetas e adivinhos que vivem no meio de vocês. Não deem 
83Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
ouvidos aos sonhadores, que sempre sonham segundo o 
desejo de vocês. 9 Porque eles profetizam falsamente em 
meu nome; eu não os enviei”, diz o SENHOR (Jr 29:4-9).
Javé nesse período é descrito pelos profetas como o Deus de toda a criação 
e de todas as nações. A expectativa do seu ungido, ou messias, também 
ganha esses contornos. A razão para isso foi porque o povo de Israel havia 
desenvolvido um sentimento de favoritismo e exclusivismo com relação 
às bênçãos de Javé. Mesmo depois do retorno do exílio, os judeus não 
aprenderam a lição e continuaram com essa perspectiva reduzida da 
missão. Basta vermos o resultado do judaísmo no tempo de Jesus.
Uma breve conclusão que podemos tirar nesse processo de construção 
da Teologia Bíblica da Missão, começando no Antigo Testamento, é que 
a intenção missional de Deus é constante, afi nal o seu amor e fi delidade 
não mudam. Embora seus instrumentos missionários na história, mais 
especifi camente o povo de Israel, falhe, de modo geral, em permanecer 
constante em seu engajamento com a missão, sempre vemos aqueles 
que permanecem fi éis (por vezes chamados de remanescentes fi éis) e 
conseguem dar continuidade a esse processo. É por essa razão que hoje 
somos os herdeiros da missio Dei.
Como você pode percebeu, toda essa refl exão no Antigo Testamento foi 
feita em ótica/perspectiva missional, ou seja, tendo a missão Deus como 
fi o condutor. Espero que você tenha percebido a profunda diferença que 
a missiologia faz quando nos aproximamos e abordamos o texto bíblico 
com uma hermenêutica missional. Tal aproximação fi ca ainda mais 
evidente no Novo Testamento.
2. A missão no Novo Testamento
O evento mais importante que caracteriza a passagem daquilo que 
chamamos de Antiga e Nova Aliança ou Antigo e Novo Testamento é 
a pessoa de Jesus. O nascimento de Jesus, e, consequentemente 
a encarnação do Deus-Emanuel, é o marco dessa nova maneira de 
enxergarmos a Deus e sua missão.
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA84
É muito comum ouvirmos dizer que devemos modelar a missão da igreja, 
como também a nossa, na pessoa de Jesus. E de fato Jesus é o principal 
modelo e paradigma da missão. Mas, o que exatamente signifi ca assumir 
o fato de que precisamos modelar nossa prática missional na pessoa de 
Jesus? O apóstolo João disse que “aquele que diz que está nele também 
deve andar como ele andou” (1 Jo 2:6). Essa parte do nosso estudo 
procura responder a essa pergunta.
A principal base encarnacional da missão da igreja não é um conceito 
fi losófi co. Também não é um princípio teológico abstrato. Antes, é o 
Jesus Nazareno, este que o apóstolo Pedro chama de “a pedra principal 
da esquina, eleita e preciosa” (1 Pe 2:6).
David Bosch (2002, p.41), falando dessa singularidade de nossa fundação 
para a missão, diz que “não podemos refl etir de maneira íntegra sobre o 
que a missão poderia signifi car hoje em dia a menos que nos voltemos 
para o Jesus do Novo Testamento, já que a nossa missão está amarrada 
à pessoa e ao ministério de Jesus”. Jesus é o modelo insuperável da 
missão, que é libertadora e integral. Libertadora quanto ao seu propósito 
que é a liberdade de toda opressão (Jo 8:32) e integral quanto ao seu 
alcance, pois que cobre todas as dimensões do ser humano e criação 
em geral. 
2.1. A missão na perspectiva de Jesus
Um dos textos mais signifi cativos para entendermos a missão, a partir da 
perspectiva de Jesus, é aquele que foi registrado por Lucas:
Então, pela virtude do Espírito, voltou Jesus para a Galileia, e 
a sua fama correu por todas as terras em derredor. E ensinava 
nas suas sinagogas e por todos era louvado. E, chegando a 
Nazaré, onde fora criado, entrou num dia de sábado, segundo 
o seu costume, na sinagoga e levantou-se para ler. E foi-lhe 
dado o livro do profeta Isaías; e, quando abriu o livro, achou 
o lugar em que estava escrito. O Espírito do Senhor é sobre 
85Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
mim, pois que me ungiu para evangelizar os pobres, enviou-
me a curar os quebrantados do coração, a apregoarduas categorias: ad intra e ad extra. Ad intra são os 
desafios internos da própria igreja e, por ad extra, os desafi os externos
que o mundo (país, cidade, sociedade, bairro, comunidade etc.) lançam 
sobre a igreja.
Por mais incrível que possa parecer, o maior desafi o para a missão é a 
própria igreja. Assim como Israel, tendo sido o povo eleito de Deus, não 
entendeu o projeto de Deus e teve difi culdades para ser um instrumento 
d’Ele, a ponto de precisar ser levado ao Cativeiro Babilônico por um 
período de 70 anos, também as igrejas e suas lideranças nem sempre 
entendem o que é a missão de Deus.
Por isso, antes de falarmos dos desafi os externos e dos contextos da 
missão, olhemos esse desafi o interno (ad intra) para discernir o que não 
é missão.
1. O que não é missão
Já são mais de dois mil anos de história do movimento cristão ou do 
cristianismo. Dois mil anos através dos quais compartilhou-se a mesma 
fé, no mesmo Cristo ressurreto, por meio de pessoas que fazem parte da 
mesma igreja, o grande Corpo de Cristo – visível e invisível – espalhado 
por toda a terra, mas que são diferentes, que vivem em épocas diferentes, 
que habitam em lugares diferentes, com formas de pensar, de sentir, 
de julgar que também são diferentes. Imagine todas essas pessoas 
pensando sobre temas bíblicos e extrabíblicos e com suas percepções 
culturais distintas.
O próprio Cristo, em quem todos nós, como cristãos, cremos, não é 
entendido sem controvérsias. A chamada Cristologia alta e baixa, ou 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA8
seja, a dupla natureza divina (alta) e humana (baixa) é um dos exemplos 
(você aprofundará essa questão ao estudar Teologia Sistemática, 
particularmente com a Cristologia). A Bíblia é muito clara ao falar de 
Jesus por meio de suas obras (ações) e palavras (ensinos) (ver Lc 24:19; 
At 1:1). A Bíblia pode até ser clara, mas nós, que a lemos com nossos 
óculos culturais – cosmovisão – corremos o risco de não entender a 
total clareza com a qual ela fala. O que isso signifi ca? Signifi ca que nossa 
mente, mesmo sendo iluminada pelo Espírito, não é capaz de dar conta 
de modo integrativo de toda a revelação expressa na Palavra, isto é, não 
compreendemos as chaves que nos conduzem à interpretação da Palavra 
de Deus. Assim, ainda que conheçamos a Cristo hoje, prosseguimos em 
conhecê-lo todos os dias.
Isso pode ir um pouco contra o que você já aprendeu até hoje, mas, não 
é? Vou tentar explicar o porquê. Pense comigo: se tudo passa, mas a 
Palavra de Deus nunca passará; se ela é viva e efi caz e mais cortante 
que uma faca de dois gumes; se ela é lâmpada para nossos pés e luz 
para nossos caminhos; se ela é nosso prazer noite e dia, e tantas outras 
referências que falam sobre ela e que conhecemos por meio dela mesma, 
isso implica afi rmar que: 1) a Palavra de Deus é maior que as nossas 
palavras; 2) nossa capacidade de expressá-la está condicionada pelo 
nosso espaço e tempo, o que implica em reconhecer que temos nossos 
próprios condicionamentos, nossas lentes culturais; 3) por isso, ela se 
renova permanentemente à medida que mudamos.
Isso é apenas para que você comece a pensar sobre a questão. O que 
importa, agora, é refl etir sobre esse desafi o ad intra: o que é, afi nal de 
contas, missão? Como defi nir uma prática que tem mais de cinco mil 
anos de história – começando em Gênesis – e que está desgastada por 
tantas controvérsias, nomenclaturas, termos, e pior, os modismos? Como 
podemos dizer o que é e o que não é missão, quando tantos biblistas, 
teólogos, missiólogos, pastores, missionários e agências missionárias 
fazem afi rmações tão diferentes, e às vezes até opostas, sobre a 
compreensão da missão?
9Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
Antes de prosseguir, é fundamental que você defi na o que compreende 
ser missão. Quando afi rmamos o que não é missão é nosso dever 
e responsabilidade fazer isso não em função do que achamos ser ou 
gostaríamos que fosse, mas sim à luz de referenciais que cremos e que 
estão fi rmados na Palavra de Deus. Ou seja, se você afi rma que missão 
não é, signifi ca que você está convicto do que missão é. E qual é, então, 
sua defi nição de missão?
1.1. Algumas percepções possíveis
Defi nir é estabelecer limites e delimitar, que busca indicar o verdadeiro 
sentido, a signifi cação precisa de. Foi precisamente pensando nisso 
que David Bosch disse que “a missão permanece indefi nível; ela nunca 
deveria ser encarcerada nos limites estreitos de nossas próprias 
predileções” (BOSCH, 2002, p. 26). Em outras palavras, na tentativa de 
se defi nir missão, corremos o risco de deixar algumas coisas de fora e 
estas podem ser essenciais. Um exemplo disso foi o derramar do Espírito 
Santo sobre os gentios na casa de Cornélio:
Ainda Pedro falava estas coisas quando caiu o Espírito Santo 
sobre todos os que ouviam a palavra. E os fi éis que eram da 
circuncisão, que vieram com Pedro, admiraram–se, porque 
também sobre os gentios foi derramado o dom do Espírito 
Santo; pois os ouviam falando em línguas e engrandecendo 
a Deus. Então, perguntou Pedro: Porventura, pode alguém 
recusar a água, para que não sejam batizados estes que, assim 
como nós, receberam o Espírito Santo? E ordenou que fossem 
batizados em nome de Jesus Cristo. Então, lhe pediram que 
permanecesse com eles por alguns dias (At 10:44–48).
Note a expressão “também sobre os gentios”. Isso fi ca ainda mais 
evidente quando Pedro precisou se explicar ao chegar ao conhecimento 
dos apóstolos e dos irmãos que estavam na Judéia que também os 
gentios haviam recebido a palavra de Deus, e isso porque Pedro havia 
entrado na casa de homens incircuncisos e tinha comido com eles. Pedro 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA10
fez uma longa justifi ca do que aconteceu e ao fi m disse: “Pois, se Deus 
lhes concedeu o mesmo dom que a nós nos outorgou quando cremos no 
Senhor Jesus, quem era eu para que pudesse resistir a Deus?” (At 10:17). 
Parece que está dizendo” – “Que culpa tenho eu?” É nítido o conceito de 
missão por detrás de tudo isso! Os gentios estavam excluídos do amor 
de Deus. Um novo paradigma missional se erguia: “E, ouvindo eles estas 
coisas, apaziguaram–se e glorifi caram a Deus, dizendo: Logo, também aos 
gentios foi por Deus concedido o arrependimento para vida” (At 10:18). É 
o paradigma da inclusividade – “também aos gentios”. Pedro precisava 
entender que a missão de Deus está para além das percepções e divisas 
culturais, raciais e étnicas! Então, perceba como é possível incluir ou excluir 
à luz das nossas defi nições e compreensões. Para que Pedro pudesse 
afi rmar que “todo aquele que nele crê recebe remissão de pecados” (At 
10:43), ele antes precisa reconhecer algo, registrado em suas próprias 
palavras: “Então, falou Pedro, dizendo: Reconheço, por verdade, que Deus 
não faz acepção de pessoas; pelo contrário, em qualquer nação, aquele 
que o teme e faz o que é justo lhe é aceitável” (At 10:43). Era necessário 
que Pedro se converte-se ao outro (gentios) que não fazia parte de sua 
cultura. Por isso, evangelizar é um ato (não sentimento) de amor! Ninguém 
evangeliza a quem não ama. A evangelização sem amor é uma denúncia 
contra nós mesmos e revela que nossas motivações são proselitistas e 
interesseiras. Para que isso acontecesse na vida de Pedro, por três vezes 
uma voz teve que insistir em lhe dizer: “Levanta-te, Pedro! Mata e come” (At 
10:13). A questão essencial aqui não era comida, uma vez que os judeus 
não comiam “coisa alguma comum e imunda” (At 10:14). A questão era 
alargar a visão de Pedro rompendo a esfera e escopo dos judeus para 
incluir os gentílicos no processo salvífi co de Deus. Deus é este que “não 
faz acepção de pessoas; pelo contrário, em qualquer nação, aquele que o 
teme e faz o que é justo lhe é aceitável” (At 10:43). 
A cada vez que falamos o que a missão é, acabamos também falando 
uma série de coisas que missão não é. Excluir algum elemento essencial 
da missão (inclusividade, como vimos em Pedro) pode produzir 
consequênciasliberdade 
aos cativos, a dar vista aos cegos, a pôr em liberdade os 
oprimidos, a anunciar o ano aceitável do Senhor. E, cerrando 
o livro e tornando a dá-lo ao ministro, assentou-se; e os olhos 
de todos na sinagoga estavam fi tos nele. Então, começou 
a dizer-lhes: Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos 
ouvidos. E todos lhe davam testemunho, e se maravilhavam 
das palavras de graça que saíam da sua boca, e diziam: 
Não é este o fi lho de José? E ele lhes disse: Sem dúvida, 
me direis este provérbio: Médico, cura-te a ti mesmo; faze 
também aqui na tua pátria tudo o que ouvimos ter sido feito 
em Cafarnaum. E disse: Em verdade vos digo que nenhum 
profeta é bem recebido na sua pátria. Em verdade vos digo 
que muitas viúvas existiam em Israel nos dias de Elias, 
quando o céu se cerrou por três anos e seis meses, de sorte 
que em toda a terra houve grande fome; e a nenhuma delas 
foi enviado Elias, senão a Sarepta de Sidom, a uma mulher 
viúva. E muitos leprosos havia em Israel no tempo do profeta 
Eliseu, e nenhum deles foi purifi cado, senão Naamã, o siro. E 
todos, na sinagoga, ouvindo essas coisas, se encheram de 
ira. E, levantando-se, o expulsaram da cidade e o levaram até 
ao cume do monte em que a cidade deles estava edifi cada, 
para dali o precipitarem. Ele, porém, passando pelo meio 
deles, retirou-se (Lc 4:16-30).
O missiólogo Lucas apresenta de maneira longa o início do ministério 
público de Jesus e, particularmente, seu ministério na Galileia, dedicando 
quase 6 dos seus 24 capítulos no primeiro volume (Evangelho; o segundo 
volume é Atos, ou seja, um único livro em 2 volumes) da sua narrativa. 
Essa seção começa em 4:14, onde diz que “Jesus voltou para a Galileia 
no poder do Espírito”, e vai até 9:50, quando ele deixa a Galileia para ir 
a Jerusalém, quando “manifestou o fi rme propósito de ir a Jerusalém” 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA86
(9:51). Esta região é a terra de Jesus e sua população na época chegou a 
três milhões. Naquele tempo a Galileia estava sob o controle dos romanos. 
Nazaré, que é o lugar exato onde se encontra Jesus em Lucas 4, é uma 
cidade com não mais do que 22 mil habitantes. “Em Nazaré da Galileia vivia 
José com a sua família, o trabalhador que deve ter pertencido à classe dos 
trabalhadores por conta própria” (Oyin Abogunrin, 2000, p. 1255).
Voltando ao texto de Lucas 4, a apresentação dos fatos segue uma 
ordem mais teológica do que cronológica. O mais seguro é pensar 
que passagem resume três incidentes separados na vida de Jesus: (1) 
a reunião na sinagoga (4:16-22); (2) a admiração do povo (4:23-24); e 
(3) a menção de Elias e Eliseu, com a consequente raiva e rejeição de 
seu auditório de compatriotas querendo sua morte (4:25-30). Lucas se 
propõe a demonstrar a universalidade (não universalismo) da mensagem 
salvífi ca, ou seja, para todas as pessoas sem exclusão, de Jesus e o 
caminho da missão que o Pai lhe havia dado. Lucas, não sem intenção, 
destaca o comportamento contraditório dos fi éis que, depois de haverem 
admirado Jesus (4:22), quiseram matá-lo naquela hora: “para dali [cume 
do monte] o precipitarem” (4:29).
A intenção teológica de Lucas é clara e preciosa para o nosso interesse 
de descobrir algumas características do modelo missionário de Jesus. 
Darío López (2004, p. 50), um teólogo pentecostal peruano diz:
A perspectiva teológica de Lucas é clara: A partir do mundo 
dos pobres tece uma visão integral da missão cujo horizonte 
aponta para uma transformação de todas as coisas, se 
articula um discipulado radical marcado por uma fé inabalável 
em o Deus da vida, a afi rmação do valor da vida humana 
inegociável como um dom de Deus, se constitui a paz e se 
afi rma a dignidade de todos os seres humanos como criação 
de Deus. E conclui que dessa maneira, se amplia o horizonte 
missionário abrindo-se às novas situações e alarga o alcance 
da missão libertadora do carpinteiro de Nazaré.
87Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
2.2. Âmbito multifacetado e orientado à libertação
Nos parágrafos seguintes trataremos da amplitude dessa missão de 
Jesus e de seu enfoque libertador A primeira coisa que observamos, 
ao ler o relato de Lucas, é que para Jesus a missão tem um alcance 
multifacetado, ou seja, apresenta vários aspetos, orientado por um único 
objetivo: libertar de toda opressão. Os pobres, os presos, os cegos e 
os oprimidos são os quatro grupos/tipos específi cos mencionados, 
juntamente com um grupo geral a quem é proclamado o “ano aceitável 
(ou da graça) do Senhor”.
Em Lucas 4:19-20, encontramos o centro do texto. A variedade das 
necessidades e a diversidade dos grupos indicam desde já que a missão 
redentora não seria reduzida a abstrações da alma humana - sua missão 
teria concretude histórica e nada do humano fi caria fora do seu interesse. 
Para Jesus, o ano aceitável do Senhor “consiste em pregar a boa nova 
aos pobres, o que se traduz em ações concretas, que envolve os planos 
sociais, políticos, econômicos e religiosos. Essas ações têm como fi m o 
reestabelecimento de uma condição perdida ou oprimida. O ministério 
público de Jesus dará conta constantemente do cumprimento desta 
missão” (Mansilla, 1999, p. 141).
Vejamos os destinatários da missão de Jesus, as ações a eles 
relacionadas e quais dádivas receberiam:
Este é o modelo missionário que aprendemos de Jesus: multifacetado, 
pluridimensional e inclusivo. Os ouvintes da sinagoga de Nazaré 
souberam desde o início. Toda a região da Galileia foi testemunha do 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA88
alcance multifacetado do ministério de Jesus: ensinou com autoridade 
(Lc 4:31-32), libertou dos demônios (4:33-37), curou os enfermos (4:38-
41), pregou as boas novas do reino de Deus (4:42-44), pastoreou seus 
discípulos em meio a muitas difi culdades (5:1-11), acercou-se dos 
enfermos indesejáveis de seu tempo e os tocou com amor (5:12-16), 
se fez amigo dos cobradores de impostos (5:27-32), debateu com seus 
opositores teológicos (5:33-39), desafi ou e confrontou as tradições 
religiosas e defendeu a dignidade do ser humano (6:1-11), desenvolveu 
uma liderança compartilhada junto a doze homens comuns (6:12-16), 
optou pelos desvalidos do mundo (5:20-22), falou com valor profético 
contra os poderosos de sua época (6:23-29), argumentou contra o 
legalismo hipócrita (6:37-42), e tudo e mais coisas fez como pastor, 
mestre, amigo, profeta e redentor de todos e tudo. Esse, e não outro e 
nem aquilo, é o nosso modelo de missão! Modelo que tem o como meta
o reino de Deus.
2.3. Paixão pelo reino
O que motivou e animou a Jesus para servir desta maneira? Jesus foi 
movido por uma grande paixão chamada o reino de Deus. O texto de Lucas 
4:43 relaciona a proposta da sinagoga de Nazaré com a proclamação do 
reino de Deus, e diz de maneira conclusiva que “para isto fui enviado”. 
Jesus tinha, pois, muitas tarefas para cumprir, porém só uma meta a 
alcançar: o Reino de Deus e sua justiça (Mt 6:33).
O reino de Deus é o governo soberano de Deus sobre a criação, sobre 
tudo e todos. Deus se propõe abarcar a totalidade da vida humana e a 
totalidade da criação porque ele é Rei e Senhor de tudo. Por isso, também, 
quer restaurar as diferentes relações entre Deus e os seres humanos, e 
a comunidade e a criação, por meio da instauração da shalom que é “a 
plenitude e a abundância da vida em suas expressões físicas, emocionais, 
espirituais, políticas e sociais” (Padilla e Yamamori, 2001, p. 267-268).
O Pai que o enviou é Criador e Senhor de tudo e, por isso mesmo, enviou 
o Filho para redimir tudo. Esta é - a redenção de tudo - o que está no 
89Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
pensando do apóstolo Paulo quando ensina a Igreja de Colossos que 
Cristo foi enviado para que pro meio dEle Deus “reconciliasse consigo 
todas as coisas, tanto as que estão na terra quanto as que estão no céu” 
(Cl 1:20), e para que Cristo seja, fi nalmente, “tudo e está em todos” (Cl 
3:11). Por esta razão é a integralidade da missão só se pode compreender 
desde a perspectivateológica do senhorio de Deus sobre toda a vida e 
para toda a Criação. Não é possível reduzir o domínio de Deus a alma 
humana e sua preocupação ao que acontece ao interior da igreja. Se Deus 
é senhor de toda a vida e senhor de tudo o que foi criado, a igreja deve 
orientar sua missão nessa mesma dimensão integral. É razão teológica 
antes que metodológica ou programática, pois trata-se do senhorio de 
Cristo e não do mercado eclesiástico cujo tentação é de ampliar o menu 
das ofertas religiosas buscando satisfazer a clientela-membresia.
2.4. Cenário diversifi cado, dirigido pelo Espírito
Regressando ao texto de Lucas, agreguemos que, além do alcance 
multifacetado e libertador do modelo missional de Jesus, também se 
distingue um cenário diverso. Multifacetado tem a ver com as áreas 
da missão - pobreza, catividade, cegueira e opressão, para usar as 
mencionadas na sinagoga. Porém, a diversidade se refere aos cenários 
humanos: judeus e gentios, homens e mulheres, adultos e crianças, 
poderosos e oprimidos, excludentes e excluídos. A primeira característica 
aponta para o conteúdo, a segunda para o contingente. Vamos visualizar 
isso nesse gráfi co:
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA90
O texto do Evangelho nos chama a atenção por sua diversidade. Lucas 
centra agora sua atenção na universalidade da missão de Jesus. Depois 
do sucedido na sinagoga e da admiração das pessoas pelas “palavras de 
graça que lhe saiam dos lábios”, segue esse incidente: Jesus cita Elias e 
Eliseu, e isto desata a fúria e a rejeição (4:25-30). Porém, o que aconteceu? 
Por que depois dos aplausos eles queriam matá-lo? O que foi que Jesus 
falou? É quase seguro de que entre a admiração da sinagoga e a reação 
adversa haja passado algum tempo e que as pessoas haviam tido notícias 
acerca da fama de Jesus e dos milagres realizados em diferentes lugares. 
Então se perguntam: “Não é este o fi lho de José?”. Os milagres inquietaram 
a população nazarena e despertaram a curiosidade por quererem saber se 
também em seu povo se fariam tais proezas. Ciúmes? Talvez.
O povo, então, faz um pedido a Jesus: “Faze aqui em tua terra o que 
ouvimos que fi zeste em Cafarnaum. Continuou ele: Digo-lhes a verdade: 
Nenhum profeta é aceito em sua terra” (4:23-24). Porém, os adverte que 
“o profeta realiza em nome de Deus os prodígios, mas é, portanto, sujeito 
às exigências dos homens” (De Tuya, 1977, p. 83).
Tal foi o caso de Elias (1 Rs 17:18-24) e de Eliseu (2 Rs 5:1-16). Estes 
profetas do Antigo Testamento realizaram seus milagres fora das 
fronteiras de Israel. Elias, para remediar uma fome devastadora, foi 
à casa de uma viúva em Sarepta, na região de Sidom. Eliseu curou de 
lepra a Naamã, um sírio, ainda que no mesmo tempo houvesse muitos 
leprosos em Israel. Esta referência histórica da missão para fora das 
fronteiras de Israel desatou as reações conhecidas. Além disso, naquele 
sábado quando leu o texto do profeta Isaías, Jesus suprimiu a segunda 
parte de um dos versículos que diz “o dia da vingança do nosso Deus” (Is 
61:2), com sua óbvia conotação de castigo dos pagãos. Quando Jesus se 
apresentou como o libertador de todas as opressões, seus compatriotas 
o aprovaram, porém quando o mesmo redentor declarou que sua missão 
era universal, ou seja, muito além das divisas dos judeus, arremeteram 
contra ele. Ao que parece sua universalidade causou tantos problemas 
como seu messianismo.
91Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
William Barclay (1994, p. 69), um teólogo escocês que foi professor da 
Universidade de Glasgow, afi rmou:
O que enfureceu foi o elogio que Jesus pareceu dedicar aos 
gentios. Os judeus estavam tão convencidos de que eram o 
povo escolhido de Deus que depreciavam a todos os demais. 
Alguns inclusive diziam que “Deus havia criado os gentios 
para usar-lhes como lenha no inferno”. E aqui estava este 
jovem Jesus, a quem todos conheciam, pregando como 
se os gentios fossem os favoritos de Deus. Começava a 
ameaçá-los a ideia de que haviam coisas na nova mensagem 
que nem se lhes havia ocorrido falar.
2.5. Libertação sem distinção
Os habitantes da Galiléia, nos informa Lucas, também testemunharam 
como Jesus assumiu sua missão universal indo ao encontro destes, sem 
exclusão: compatriotas (4:16-30); endemoninhados (4:31-37); leprosos 
(4:12-16); paralíticos (4:17-26); publicanos (4:27-32); contingentes do 
exército romano (7:1-10); viúvas (7:11-17); discípulos de outros mestres 
(7:18-35); fariseus (7:36-50); mulheres (8:1-3); entre outros.
Para todos estes, houve um toque de cura, ou uma palavra renovadora, 
um ensino estimulante, uma vida restaurada. Com razão de sobra 
exclamaram: “Hoje temos visto maravilhas” (4:26). A compreensão 
integral e libertadora da missão da igreja tem um claro sentido universal, 
assim como um convite urgente para que a comunidade de fé saia das 
fronteiras do seu abrigo eclesial e vá à busca dos “leprosos da Síria e das 
viúvas de Sarepta”.
Os destinatários da missão transpassam todas as fronteiras, quer sejam 
geográfi cas, culturais, raciais, sexuais, religiosas ou ideológicas, entre 
outras. Isso desagradou a Jonas, enfureceu os nazarenos, transtornou 
a comunidade cristã de Jerusalém (At 11:1-18) e ainda inquieta a igreja 
do século 21, quando ela resiste em abraçar sem medo e entregar-se aos 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA92
outros com e por amor do Filho. Prova disso, é a difi culdade que mostra 
a igreja para se aproximar de outros potenciais parceiros de missão. É 
necessário aqui a colaboração fraterna - para evitar a expressão corporativa 
de “aliança estratégica” -, com organizações da sociedade civil para 
trabalhar, por exemplo, na defesa dos direitos humanos ou instituições 
públicas, cuidando para não cair nas armadilhas da politicagem local. 
Os projetos podem ser de ação social ou de desenvolvimento local, entre 
muitos outros, ou com redes intereclesiásticas ou intereligiosas para 
servir juntos na construção de uma cultura de paz, ou em programas para 
crianças, ou em resposta às emergências nacional - prevenção, mitigação 
e resposta. Aqui estão alguns exemplos que devemos reconhecer a 
necessidade de agir de forma responsável para as muitas necessidades 
do nosso mundo e sermos agentes efi cazes do reino de Deus.
2.6. Universalidade e particularidade
De nenhuma maneira esta abertura universal diminui a identidade particular. 
No cumprimento da missão surge uma tensão dialética entre o geral e o 
concreto, entre o global e o regional, entre inclusivo e exclusivo, entre o 
universal e o particular. Estes não são extremos antagônicos, mas sim 
valores complementares entre si e, ainda mais, eles precisam um do outro. 
Este é o caso de uma comunidade de fé que pratica a dimensão ecumênica 
(no sentido de colaboração com outras igrejas cristãs) da igreja, mas nem 
por isso perde a sua identidade confessional ou denominacional. Ambas 
são necessárias para a missão. Sem um é forte, o outro é fraco. O modelo 
de Jesus ilustra com precisão essa tensão. Ele empreendeu as ações do 
Reino com alcance universal (Mt 28:19; At 1:8), mas sem deixar suas raízes 
de nazareno. Ele era um membro da comunidade particular, identifi cado 
como o fi lho de uma das famílias vizinhas, que ia à sinagoga “como era 
seu costume” (Lc 4:16), e que conhecia com destreza de provinciano os 
ditos populares: “Médico, cura a ti mesmo” (Lc 4:23). O universal, em vez 
de minar o particular, o reafi rmava.
Não é possível a missão integral sem essa tensão dinâmica. Hoje, a fúria 
da globalização tenta roubar identidades particulares, locais e regionais
93Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
tais como costumes, linguagem, folclore e tradições, com a fi nalidade de 
padronizar os mercados. Por sua parte, os fundamentalismos religiosos, 
políticos e ideológicos lutam por reduzir tudo a uma parcela local, com 
a fi nalidade de alimentar os ódios dogmáticos. A igreja, inspirada no 
modelo de Jesus, tem outra alternativa para sua missão: o amor global 
ou universal do Criadorem harmonia com o enraizar contextual do 
Filho. Missão não é colonização (Johannes Verkuyl) uma tentativa de 
conquistar culturalmente outros povos para ali estabelecer e plantar a 
igreja “mãe” impondo valores e a cultura dos plantadores. Temos um 
caminho “mais excelente”, que é o amor (1 Co 12:31).
A opção nazarena de Jesus é a chave para entender antigos temas latino-
americanos de missiologia como a enculturação, inserção, acomodação, 
contextualização ou encarnação. Termos diferentes que apontam para 
desafi os em traduzir a mensagem por meio de um testemunho que 
comunica/proclama/manifesta o que Jesus nos ensinou com sua vida, 
e que foi experimentado em suas primeiras comunidades. Já dizia Irineu 
no século 2 que “o que não é assumido não é redimido” (Documento de 
Puebla, 400). O modelo cristão de inserção é, naturalmente Jesus Cristo, 
por meio de sua encarnação em favor da humanidade.
Tanto o alcance multifacetado da missão, que refl etimos no primeiro 
tópico, como o cenário diverso, ao que nos referimos depois, formam parte 
do modelo missionário libertador de Jesus de Nazaré. É uma libertação 
de todos, sem reserva alguma, e para todos. Resta acrescentar que, em 
Jesus, essa libertação integral está ligada à ação soberana do Espírito. 
Sem Espírito não há libertação, pois sem Ele a liberdade é ilusória.
No texto de Lucas, Jesus reconheceu a ação determinante do Espírito 
Santo em sua vida e ministério. “Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou 
do Jordão e foi guiado pelo mesmo Espírito, no deserto” (Lc 4:1). E ao 
sair do deserto, após as tentações do diabo, “Jesus, no poder do Espírito, 
regressou para a Galiléia” (Lc 4:14). E foi cheio da presença do Espírito 
que Jesus que entra na sinagoga da Nazaré e declara na abertura do 
seu manifesto que “o Espírito do Senhor está sobre mim” (Lc 4:18) por 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA94
fora por Espírito “que me ungiu para” (Lc 4:18). René Padilla (2003, p. 
129), comentando este texto, observa que “a unção do Espírito signifi ca a 
realização da missão do Messias, o Ungido de Deus. Para ele, a unção e 
missão são inseparáveis, e que, além disso, a missão que resulta dessa 
unção é um trabalho orientado para as pessoas mais vulneráveis da 
sociedade”, sendo os destinatários os pobres, cativos, cegos, oprimidos 
e endividados (Lc 4:18).
Sem o Espírito, a missão não pode ser integral, nem libertadora. Sem o 
Espírito, aquele sábado em Nazaré teria sido tudo igual ao que ditava a 
tradição litúrgica na sinagoga daquela província. Teria havido profeta, mas 
sem profecia. Sem o Espírito nada teria acontecido na Galiléia. Jürgen 
Moltmann (1999, p. 68) diz: “O Espírito faz de Jesus o ‘Reino de Deus 
em pessoa’: na força do Espírito Jesus expulsa os demônios e cura os 
enfermos. Na força do Espírito ele acolhe os pecadores e leva aos pobres o 
Reino de Deus”. É na força do Espírito que Jesus realiza a missão de Deus!
Como falar de uma missiologia integral sem uma pneumatologia
transformadora? Esta relação é ainda uma dívida pendente na teologia 
evangélica. Se não se desenvolve uma teologia do Espírito que seja, ao 
mesmo tempo bíblica, contextual, integral e libertadora, se corre o risco 
de reduzir sua ação aos espaços litúrgicos da sinagoga e manipular sua 
atividade para satisfazer aos que pedem, na mesma sinagoga, que se 
faça em Nazaré os mesmo sinais e milagres como os de Cafarnaum.
E os pobres, os presos, os cegos e os oprimidos? Qual é a boa notícia de 
libertação que lhes comunica o Espírito? A pneumatologia integral que 
necessitamos não despreza as contribuições do movimento pentecostal 
que tem estado presente em nossas terras por pouco mais de um século. 
O pentecostalismo oferece uma riqueza espiritual e missionária que 
deve ser levada em conta quando se fala sobre o Espírito na América 
Latina. Também, por outro lado, outros movimentos latino-americanos 
têm percorrido um longo caminho tratando de responder o que signifi ca 
o Espírito para a causa dos empobrecidos. Estas duas perspectivas 
proporcionam um ponto de partida para a tarefa proposta.
95Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
Conclusão: simplesmente imitar o Rei
Lucas 4 nos tem servido como ponto seguro de referência para pensar o 
modelo de missão integral de Jesus. Quanto ao alcance de sua missão 
foi dito que é multifacetado e orientado pelo objetivo de libertar tudo o 
que oprime e escraviza o ser humano. Quanto ao cenário de sua missão 
afi rmamos que ele foi diverso e focado na direção do Espírito, que foi 
quem ungiu Jesus. Este modelo de Jesus fornece as bases da nossa 
missão. Por isso, sendo Jesus o nosso modelo, “aquele que afi rma que 
permanece nele, deve andar como ele andou” (1 Jo 2:6).
Falar de missão integral libertadora é apenas um recurso pedagógico 
para destacar os diferentes aspectos dessa missão e sublinhar que 
está orientada para a vida plena e livre (Jo 8:32, 10:10). A verdade é que 
deveríamos falar apenas de missão, e missão sem adjetivos, uma vez 
que há apenas uma: a missão de Deus (missio Dei), entendida “como 
um movimento de Deus para o mundo” e a igreja como um instrumento 
para essa missão, conforme compreendeu o missiólogo David Bosch. 
Vale ressaltar que falamos integral porque ainda se faz necessário uma 
vez que a igreja ainda não entendeu o que missão é e signifi ca.
De Jesus aprendemos também que a missão integral libertadora é, 
antes de tudo, um fi el e obediente seguimento: “a minha comida é fazer 
a vontade daquele que me enviou e concluir a sua obra” (Jo 4:34). É 
moldar nossas ações dentro do projeto maior do reino de Deus, para que 
o Senhor seja glorifi cado e seus propósitos se cumpram “assim na terra 
como no céu” (Mt 6:10).
Jesus é o Senhor e modelo supremo da missão. Ele disse que da 
maneira como o Pai o enviou, do mesmo modo e, com o mesmo padrão 
e modelo, ele nos enviou: “assim como o Pai me enviou, eu os envio” (Jo 
20:21). Nisso consiste a missão, em imitar o Rei. Pedro afi rma que foi 
“para isso [que] vocês foram chamados, pois também Cristo sofreu no 
lugar de vocês, deixando- lhes exemplo (modelo), para que sigam os seus 
passos” (1 Pe 2:21). Também o apóstolo Paulo: “Seja a atitude de vocês 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA96
a mesma de Cristo Jesus” (Fp 2:5). Se nós ou a igreja imitamos outra 
coisa ou alguém que não seja Cristo, então somos todos idólatras. Mas 
quem o reconhece e o tem modelo uma coisa fará, não será idólatra de 
si mesmo ou sejam outros ídolos que forem, tão conscientes como o foi 
João Batista, que afi rma que “eu não sou o Cristo, mas fui enviado como 
seu precursor. O que tem a noiva é o noivo; o amigo do noivo que está 
presente e o ouve muito se regozija por causa da voz do noivo. Pois esta 
alegria já se cumpriu em mim. Convém que ele cresça e que eu diminua”.
Referências
BARCLAY, William. Comentario del Nuevo Testamento. Terrassa: CLIE, 
1994. v. 4.
BOSCH, David J. Missão transformadora: mudanças de paradigma na 
teologia da missão. São Leopoldo, Sinodal, 2002.
DE TUYA, Manuel. Biblia comentada. Profesores de Salamanca. (Tomo 
Vb). Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1977.
GOHEEN, Michael W. A igreja missional na Bíblia: luz para as nações. São 
Paulo: Edições Vida Nova, 2014.
LÓPEZ, Dario. La misión liberadora de Jesús. 2. ed. Lima: Puma, 2004.
MANSILLA, Sandra Nancy. Un jubileo en la era de la postmodernidad. In: 
Revista RIBLA, n. 33. San José: DEI-RECU, 1999. p. 141.
MOLTMANN, Jürgen. O Espírito da vida: uma pneumatologia integral. 
Petrópolis: Vozes, 1999.
OYIN ABOGUNRIN, Samuel. In: Comentario bíblico internacional. Navarra: 
Verbo Divino, 2000.
PADILLA, René y YAMAMORI, Tetsunao (Eds.). CLADE IV. Consulta misión 
integral y pobreza. Buenos Aires: Kairós, 2001. p. 267-268.
WRIGHT, Christopher J. H. A missão de Deus: desvendando a grande 
narrativa da bíblia. São Paulo: Vida Nova, 2014.
97Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
UNIDADE IV - A Prática da missão
Introdução
Esta última Unidade tem por objetivo indicar uma perspectivamais 
prática, que nos impulsione para a ação. De muitos assuntos, temas e 
focos que poderiam ser tratados, escolhi os seguintes: igreja missional e 
o reino de Deus e sua justiça.
1. Igreja missional
É certo que o crescimento numérico faz parte de uma das dimensões da 
missão integral da igreja. O problema é quando ele é ou se torna o todo 
da missão. Para evitar essa visão estreita, faz-se necessário refletir e 
entender o conceito de igreja missional. É difícil acreditar que uma igreja 
não viva para realizar a missão de Deus no mundo por desobediência 
consciente. O problema reside no fato que, por incrível que possa parecer, 
ainda não entenderam o que signifi ca ser uma igreja missional. Isso 
revela a falta de entendimento, compreensão e razão da igreja existir. É 
um problema conceitual. O conceito determina a prática que, por sua vez, 
a prática revela o conceito. Isso é um processo hermenêutico espiral.
Para auxiliar o que signifi ca a ideia de igreja missional, vou apresentar algumas 
sugestões de defi nições. A primeira defi nição é de Darrell Guder (1998, p. 4):
Precisamos entender que missão não é apenas uma atividade 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA98
da igreja. Em vez disso, a missão é o resultado da iniciativa 
de Deus, enraizada nos propósitos de Deus para restaurar e 
curar a criação. “Missão” signifi ca “envio”, e esse tema central 
da Bíblia descreve a fi nalidade da ação de Deus na história 
humana [...] Nós aprendemos a falar de Deus como um “Deus 
missionário”. Assim como o pai me enviou, também eu vos 
envio ao mundo” (Jo 20:21).
A segunda defi nição é do missiólogo David Bosch (2002, p. 28):
Temos que distinguir entre missão (singular) e missões 
(plural). O primeiro refere-se principalmente à missio Dei 
(missão de Deus), isto é, a auto-revelação de Deus com 
Aquele que ama o mundo, o envolvimento de Deus no e com 
o mundo, a natureza e atividade de Deus, que abrange tanto 
a Igreja como o mundo, e em que a igreja tem o privilégio 
de participar. Missio Dei enuncia a boa notícia de que Deus 
é um Deus-para-pessoas. Missões (empreendimentos 
missionários da igreja) se referem a formas particulares, 
relacionadas com horários específi cos, lugares ou 
necessidades, de participação na missio Dei.
Outra defi nição é a de Craig van Gelder (2000, p. 31):
A igreja, como povo de Deus no mundo, é inerentemente uma 
igreja missionária. É a participação plena na obra redentora 
do Filho enquanto o Espírito cria, guia e ensina a Igreja a viver 
com pessoas distintas de Deus. Com esse entendimento, a 
missão deixa de ser uma função da igreja para descrever sua 
natureza essencial [...] 
Ainda outra defi nição é dada por Lois Barrett (2004, p. x), que adiante 
exploraremos em mais detalhes:
A igreja missional é uma igreja que é moldada para participar 
na missão de Deus, que se organiza para restaurar o mundo 
99Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
quebrado e pecaminoso, para resgatá-lo e redimi-lo para 
Deus [...] Igrejas missionais percebem a si mesmas não 
tanto como enviadoras, como sendo [ela mesma] enviada. 
Uma congregação missional permite que a missão de Deus 
permeie tudo o que ela faz - da adoração ao testemunho, 
formando membros para o discipulado. Ela preenche a lacuna 
entre o alcance [para fora] e a vida congregacional [para 
dentro], já que, em sua vida comunitária, a igreja encarna a 
missão de Deus.
Stephanie Lutz Allen, uma pastora norte-americana, compartilha a sua 
experiência em tentar buscar ser uma igreja missional:
Este repensar “como fazer” me levou a explorar o movimento 
da igreja missional. Como uma co-pastora, eu tinha 
trabalhado duro para revigorar uma velha e tradicional igreja 
presbiteriana. Focar nas melhores práticas e novos métodos 
era insufi ciente por si mesmo. Quando eu tentei concentrar 
nas pessoas para reverter nosso declínio, os membros da 
igreja pensaram que eu (e outros membros da equipe) só 
queríamos uma igreja maior para acariciar nossos egos. 
Quando eu tentei adicionar música contemporânea para 
que pudéssemos “atrair os jovens”, isso causou raiva nas 
pessoas que não podiam entender por que os jovens não 
gostavam de suas músicas. Quando eu enfatizei o objetivo de 
“atrair os jovens”, as pessoas começaram a perguntar mais 
sobre o porquê a igreja existe e como o evangelho poderia/
deveria ser traduzido para a língua do coração de pessoas 
que estão fora de nossas paredes, e foi aí que comecei a ter 
menos resistência. Agora, como uma consultora, quando eu 
dialogo com líderes da igreja, vejo a necessidade de não se 
concentrar em métodos e funções da igreja como ponto de 
partida, mas no chamado bíblico para ser uma igreja, e onde 
se encaixa dentro de nossa história comum (s/d, p.4).
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA100
Sua experiência é vista como um tipo de conversão em que devemos nos 
perguntar se o nosso foco são os programas e atividades da igreja ou 
se temos uma perspectiva mais profunda relacionada aos propósitos de 
Deus para o mundo. Essa crucial pergunta deve nos conduzir a entender 
o conceito de igreja missional.
1.1. Aprofundando o conceito de igreja missional
Uma igreja missional é defi nida como uma busca constante de estar 
envolvida com a missão de Deus no mundo. O povo de Deus é sempre 
visto como o povo enviado em missão. Já, nos modelos tradicionais de 
grandes corporações, os enviados são os missionários pagos, por vezes 
chamados de profi ssionais. Na igreja missional, todos se percebem como 
participantes neste chamado. A missão é de Deus. A igreja é criada para 
ser um sinal e instrumento de Deus em favor do mundo. Essa atividade 
de Deus no mundo diz respeito tanto à restauração das pessoas com ele, 
como das pessoas com outras pessoas, das pessoas com elas mesmas 
e ainda das pessoas com toda a criação.
No modelo tradicional de igreja, ela envia missionários, enquanto no 
modelo da igreja missional a igreja mesma é a enviada. Não se pensa 
tanto em destino, mas em uma jornada. Utilizando a defi nição dada 
por Lois Barret, citada acima, tentemos elaborar um pouco mais esse 
conceito em três aspectos importantes.
1.1.1. Deus como sujeito da ação
Barret afi rma que a “igreja missional é uma igreja que é moldada para 
participar na missão de Deus, que se organiza para restaurar o mundo 
quebrado e pecaminoso, para resgatá-lo e redimi-lo para Deus” (2004, 
p. X). Assim, o sujeito da missão não é a igreja, mas Deus. E Deus tem 
uma missão, na qual a igreja participa e jamais o contrário. A localização 
(locus) da missão de Deus não é principalmente a igreja, mas o mundo. 
Deus é ativo no mundo que Ele mesmo criou, redimindo e sustendo-o. A 
igreja tem uma vocação para participar da atividade de Deus, em nome 
101Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
de toda a criação. Isso está em contraste com a igreja como o sujeito ativo 
da missão. É a igreja que tem a missão de levar Deus ao mundo ou é Deus 
que já atua no mundo e na vida das pessoas? Deus já está atuando no 
mundo, e somos convidados para nos unir a Ele naquilo que Ele já está 
fazendo. Deus está sempre atuando, não apenas no mundo, mas na 
vida das pessoas, seja de modo individual (pessoal) ou coletivo. Deus se 
preocupa com a vida humana em toda a sua complexidade. Vou te dar 
exemplo, quando uma criança está se esforçando para aprender a ler, 
porque ela tem dislexia, Deus se preocupa com o seu aprendizado para 
que ela possa ter vida em plenitude. Deus está com ela em sua luta. Se 
você fosse o tutor desta criança com dislexia, estaria participando naquilo 
que Deus estaria fazendo na vida dela. Se você fosse o tutor dela é porque 
o amor de Deus o levou a fazê-lo, e seu trabalho seria uma expressão viva 
de que Deus está com essa criança e se preocupa com ela.
Assim, a ideia é de que a missão de Deus implica em restaurar a totalidade 
da Sua criação. A igreja participa como sinal e instrumento dessa 
missão. Por outro lado, o conceito, então, não é que a missão da igreja 
seja levar o amor de Deus ao mundo.Ao contrário, que Deus convida Sua 
igreja a participar da Sua missão. Isto pode soar um tanto conceitual, 
semântico ou mera troca de palavras, mas essa distinção é fundamental. 
Isto signifi ca que o que fazemos dentro da igreja (ad intra) não é a 
totalidade da obra de Deus, mas sim o preparo do povo de Deus para a 
obra dele no mundo (ad extra). É uma questão de mudança de foco, do 
institucional, ou de sobrevivência, para olhar a atividade de Deus, dentro 
e fora (centrífuga) de nossos espaços institucionais. Ela muda o nosso 
foco não apenas ao perguntar como podemos restaurar as pessoas para 
Ele através dos ministérios oferecidos nas instalações da igreja, mas 
também para o que Deus já está fazendo em nossa comunidade e como 
podemos ser parte disso.
Como vimos, uma forma de articular que Deus é o sujeito ativo da 
missão é o termo missio Dei. Esta frase em latim aparece muitas vezes 
na literatura missional. É traduzido como missão de Deus. Deus criou o 
mundo, de modo que toda a criação pudesse experimentar a plenitude 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA102
em relacionamento com Ele. O pecado entrou no mundo e, com ele a 
corrupção individual e coletiva. Em outras palavras, nós pecamos como 
pessoas individuais e quando nos organizamos em grupos e sociedades, 
uma sinergia de pecado entra em vigor. O Deus-Pai enviou Jesus ao 
mundo para resgatar esse mundo caído. Jesus veio anunciar o reino 
de Deus, ou o que também é chamado de o reinado redentivo de Deus. 
Como o Pai enviou o Filho, o Filho e o Pai enviam o Espírito ao mundo e 
este impulsiona a igreja, enviando-a ao mundo como participante com 
Deus na redenção de toda a criação. A igreja existe para proclamar e 
manifestar o reino de Deus e experimentar em sua própria vida a presença 
deste reino, caracterizada pela justiça, amor e misericórdia. Quando nos 
preocupamos com o outro, experimentamos, conscientes ou não, uma 
antecipação deste reino, em que o amor é a maneira de vivermos juntos. 
A vida congregacional interna assume um novo signifi cado quando ela 
tem como foco preparar o povo de Deus para participar da atividade de 
Deus em favor do mundo.
Esta distinção liberta-nos de ver nossos esforços sendo canalizados 
apenas para igreja-edifício, manutenção-institucional e números-
resultados. A igreja passa a se perceber como movimento e não 
monumento. Não se curva a numerolatria. Se conta o número das 
pessoas é visando o cuidado de quem não está do que a ostentação de 
quem está. Leia A parábola da ovelha perdida, e descubra o motivo pelo 
qual Jesus nos ensinou a contar as ovelhas:
Então, lhes propôs Jesus esta parábola: Qual, dentre vós, é o 
homem que, possuindo cem ovelhas e perdendo uma delas, 
não deixa no deserto as noventa e nove e vai em busca da 
que se perdeu, até encontrá-la? Achando-a, põe-na sobre os 
ombros, cheio de júbilo. E, indo para casa, reúne os amigos 
e vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque já achei 
a minha ovelha perdida. Digo-vos que, assim, haverá maior 
júbilo no céu por um pecador que se arrepende do que por 
noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento 
(Lc 15:3-7).
103Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
O motivo está claro: “vai em busca da que se perdeu, até encontrá-la”. 
Não se trata de ostentação, mas de cuidado pastoral para com aquela 
que havia se perdido.
Uma igreja com consciência missional se preocupa com as pessoas 
(ovelhas) perdidas e busca equipar as pessoas como instrumentos de 
reconciliação na participação da missão de Deus no mundo. Tal enfoque 
reconhece que a igreja aponta para o reino de Deus. Assim, ela não é 
o fi m último, mas um meio para o fi m, que é o reino e a glória de Deus. 
Em outras palavras, não estamos construindo a igreja como uma mera 
instituição, mas vivendo como um sinal transformador do reino de Deus.
Igrejas grandes e pequenas podem ser missionais. Não há um único 
modelo de ser igreja. Cada igreja vai procurar estar nessa jornada rumo 
a um ministério missional dentro de seu contexto, no lugar que Deus a 
colocou.
1.1.2. Repensando a história
O segundo aspecto ressaltado por Barret (2004, p. X) é que “igrejas 
missionais percebem a si mesmas não tanto como enviadoras, como 
sendo [ela mesma] enviada” Esta defi nição também aponta para um 
afastamento da igreja como uma agência que predominantemente envia 
missionários para outras partes do mundo e que os que fi cam, oram e 
fi nanciam estes. O movimento missional procura repensar o desafi o 
de que toda a igreja é e já está enviada, e não uns poucos. É certo que 
existe a necessidade de preparar pessoas para as missões transculturais 
e isso jamais deverá deixar de ser realizado. A questão é que na história 
da igreja é isso que se tem compreendido como sendo a totalidade da 
missão. Ou seja, que as missões, no plural, é a missão da igreja (como já 
tratamos anteriormente). Missões transculturais são uma das atividades 
da igreja missional e não a única. A igreja missional vive para a missão 
e as missões são uma das suas dimensões. Além da proclamação (dp 
“ide pro todo mundo” – Mc16:15), as outras dimensões da missão são o 
ensino, o serviço, a comunhão e a adoração.
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA104
Quando o Império Romano, particularmente com Constantino, declarou 
o cristianismo como sendo sua religião ofi cial no quarto século, a igreja 
passou primariamente a ser um movimento missionário institucional-
estatal, estabelecida e protegida pelo estado. Essa constantinização da 
igreja, contando com a proteção e prestígio do Estado, fi cou conhecida 
como cristandade, ou seja, uma adesão cultural. Uma das consequências 
disso foi o nominalismo que é a identifi cação do cristão em função de 
uma tradição ou denominação. Assim, em vez de discípulos, os cristãos 
passam a ser mais reconhecidos por serem membros de igreja. Via de 
regra, essa membresia constrói um corpo estático que perde seu caráter 
de peregrino. O dinamismo missional - “e sereis minhas testemunhas 
tanto em” (At 1:8) - é sufocado pelo clericalismo e institucionalismo. 
Conclusão, a igreja passa a ser um lugar, um prédio, onde as pessoas 
vão e não o que elas são. O movimento ir à igreja pode conspirar contra 
o movimento somos a igreja.
Essa situação exige uma resposta de luto que aceita a desestabilização 
desse status por amor a Deus, seu reino e sua missão. Quem não existe 
para a missão existirá para a manutenção. Faz-se necessário abraçar 
essa mudança, caso contrário, esse sal da terra que somos, não “servirá 
para nada, exceto para ser jogado fora e pisado pelos homens” (Mt 5:13). 
O caminho de Jesus nunca foi o de manutenção do status quo, antes 
conduziu seu ministério a partir das margens, isto é, da Galileia, em vez 
de um lugar de poder privilegiado, ou seja, de Jerusalém.
1.1.3. Missão como a natureza essencial da Igreja
Barret (2004, p. X) fala sobre a necessidade de a igreja ser moldada para 
participar na missão de Deus: “Uma congregação missional permite que a 
missão de Deus permeie tudo o que ela faz - da adoração ao testemunho 
-, formando membros para o discipulado. Ela preenche a lacuna entre 
o alcance [para fora] e a vida congregacional [para dentro], já que, em 
sua vida comunitária, a igreja encarna a missão de Deus”. Missão não é 
uma das funções da igreja, mas seu propósito de existir. Missão como 
apenas uma função pode ser vista na maneira como muitas igrejas têm 
105Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
um departamento de missão, que normalmente supervisiona o dinheiro 
e o trabalho dos missionários enviado para terras estrangeiras. Missão 
não se trata de departamento, antes é de sua essência, da sua natureza 
da qual a igreja não existe para outra fi nalidade. Ela é povo missional de 
Deus onde todos são preparados e equipados para participar na missão 
de Deus no mundo.
Culto, governo, formação espiritual de adultos e crianças, ministérios... 
tomam um novo signifi cado. Estes aspectos da vida comunitária da 
igreja nunca deixarão de existire, na verdade, se tornam ainda mais 
importantes. Nós nos reunimos em classes ou pequenos grupos para 
desenvolvimento da fé, adorar e cultuar a Deus, discernir a nossa vocação, 
e planejar juntos como vamos viver nosso chamado missional em nossa 
comunidade e em nossas esferas de infl uência. O governo da igreja está 
principalmente focado e se perguntando como a igreja toda pode viver 
o seu propósito no ritmo da comunhão (ad intra) e do compartilhar (ad 
extra) como uma comunidade já enviada. Isso altera as conversas que 
temos ao redor das reuniões, como por exemplo, em vez de apenas 
perguntarmos se o orçamento está equilibrado, passamos a perguntar 
se o orçamento refl ete nosso propósito como uma igreja missional.
A igreja missional é aquela que vive como um sinal da presença de Deus 
no mundo por meio de todas as suas atividades/ministérios internas e 
externas. As atividades e práticas internas, tais como adoração, estudo 
da Bíblia, ministérios com as crianças e jovens, o cuidado um do outro, 
assumem um signifi cado mais profundo. O foco dessas atividades 
internas está em capacitar/equipar as pessoas a desenvolverem sua fé 
e identifi carem sua vocação ou dom para o serviço. Um serviço que é 
vivido em ministérios tanto para dentro como para fora.
Na igreja missional, o papel dos pastores é “preparar os santos para a 
obra do ministério” (Ef 4:12). Trata-se do ministério (diaconia = serviço) 
comum a todos, conforme entendeu o apóstolo Paulo ao afi rmar que 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA106
“tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por 
meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação” (2 Co 5:18). Todo 
discípulo tem esse ministério! Nenhum novo nascido precisa rogar ao 
Espírito de Deus que dê o ministério da reconciliação. Ao nascer de novo, 
nasce também para o serviço de ser um instrumento para a reconciliação 
das pessoas com Deus, com elas mesmas, com o outro e com a criação. 
Quem prepara os santos para esse serviço são os pastores e mestres. 
Esse discípulo conforme ruma a maturidade em Cristo, pode e deve 
buscar essa preparação, mas os pastores e mestres não podem se 
esquecer dessa tarefa, porque “todo o corpo, ajustado e unido pelo auxílio 
de todas as juntas, cresce e edifi ca- se a si mesmo em amor, na medida 
em que cada parte realiza a sua função” (Ef 4:16). A tarefa prioritária de 
um pastor é mobilizar, capacitar e supervisionar o povo de Deus para que 
seja um povo missional.
Para isso, é fundamental discernir o papel e a presença da liderança 
na igreja. Infelizmente ainda funcionamos com a mentalidade do líder 
burocrático, eleito ou escolhido para atuar na igreja. Ninguém deveria 
ser líder na igreja se não fosse com o propósito de estar serviço da 
missão de Deus. Isso passa fundamentalmente pela visão pastoral. É, 
sim, responsabilidade pastoral mobilizar, treinar e capacitar a liderança 
com tal e para tal visão. Uma liderança que não está a serviço de Deus e 
sua missão tende a ser causadora de problemas e se muitos se acham 
donos da igreja. Sim, a igreja tem dono: Jesus! E este disse: “edifi carei a 
minha igreja” (Mt 16:18). A igreja é dEle, Jesus, por esse motivo: “a qual 
ele comprou com o seu próprio sangue” (At 20:28). Se alguma pessoa 
da igreja, pastores, líderes ou outra qualquer quiser ser dona da igreja, 
basta morrer na cruz e derramar seu sangue por ela! Ou seja, isso nunca 
acontecerá porque foi “mediante a oferta do corpo de Jesus Cristo..., tendo 
oferecido, para sempre, um único sacrifício pelos pecados, assentou-se 
à destra de Deus, aguardando, daí em diante, até que os seus inimigos 
sejam postos por estrado dos seus pés. Porque, com uma única oferta, 
aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santifi cados” (Hb 10:10-
14). A igreja não é nossa a ponto de acharmos que ela nos pertence. A 
igreja é de Jesus!
107Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
Citei aqui a experiência da pastora Stephanie Lutz Allan que afi rmou que 
“queríamos uma igreja maior para acariciar nossos egos”. Como é fácil 
desviar os motivos pelos quais a igreja existe. Pensamos que estamos 
realizando a missão, mas estamos infl ando nosso ego para termos uma 
igreja maior, mais vibrante, mais tudo. A grande pergunta que alguém que 
se converteu à perspectiva missiológica será sempre a mesma: - “para 
que?” Para que queremos um culto mais vibrante? Para que realizaremos 
um acampamento de carnaval? Para que iremos reformar a igreja? Para 
que criaremos uma programação aos jovens? Para que dizimamos? 
E assim por diante. Uma igreja, um pastorado, uma liderança que não 
pergunta para que não se converteu à missão de Deus. Pense nisso tudo 
e reflita você mesmo. Caso você já seja ou está se preparando para ser 
um pastor, para que o é ou será? Caso seja um líder, para que o é? Se 
sua igreja não é uma igreja missional, ela existe para que? É impossível 
participar da vida de Jesus sem que também participemos da sua missão.
Concluindo, Deus tem uma missão para com o mundo e quer realizá-la 
por meio nós, sua igreja, comprada pelo sangue de Jesus. Nossa missão 
é cumprir a missão de Deus no mundo. Lembre-se: igreja não é um prédio 
onde vamos; igreja é o que você e eu somos: “vós sois”. Lembre-se mais, 
já estamos em missão, já estamos enviados, porque “assim como o Pai 
me enviou, eu também vos envio”. Somos os agentes missionais de Deus 
que buscam a transformação das pessoas e do mundo. Sem isto, a igreja 
jamais será uma igreja missional.
Outra impossibilidade é separar a igreja do reino, que é que passamos a 
refl etir. 
2. O reino de Deus e a sua justiça
Como cristãos, cremos que a Bíblia aponta para a história da renovação e 
restauração do justo domínio-governo de Deus sobre toda a criação. É a 
história do enfrentamento de Deus contra o pecado e a injustiça por amor 
ao mundo que Ele mesmo criou e segue amando. É a história que envolve 
seu povo eleito em sua jornada ao participar de sua missão redentora. 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA108
Nossas respostas às perguntas da justiça pública e da ação política 
devem ser encontradas nesta história.
Não custa relembrar que “a igreja não é o Reino de Deus; o Reino de Deus 
cria a igreja e opera no mundo por intermédio dela” (Ladd, 2008, p. 124). 
George Eldon Ladd (Ladd, 2008, p. 116) ainda nos ensina que “no Novo 
Testamento, o Reino de Deus é a obra redentora de Deus na história para 
a derrota de seus inimigos e trazer aos homens as bênçãos do reinado 
divino”. De modo exortativo, Ladd (2008, p. 59) nos pergunta: “De onde 
tiramos a ideia de que o campo é a igreja? Jesus mesmo disse que o 
campo é o mundo” (p. 59). E Ladd (2008, p. 122) conclui afi rmando que “o 
Reino de Deus, como a atividade redentora e governo de Deus na pessoa 
de Cristo, criou a igreja e opera no mundo por meio da igreja”. 
Se a igreja foi criada por Deus como sua agência para a atividade 
redentora do Reino e que este Reino opera no mundo por intermédio dela, 
igreja, portanto ela já está convocada, por Jesus para que “buscar, pois, 
em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça” (Mt 6:33; também Lc 12:31). 
O reino de Deus é um reino de justiça!
2.1. A justiça na perspectiva bíblica
Quando a criação de Deus foi corrompida pelo pecado, Ele partiu em uma 
longa jornada rumo à redenção. Deus escolheu Abraão e prometeu fazer 
dele um canal de bênção redentora para todas as nações. O caminho 
para que essa bênção se tornasse concreta nas vidas das famílias da 
terra deveria se dar pela constante prática da justiça, a partir de Abraão e 
sua descendência: “Abraão será o pai de uma nação grande e poderosa, 
e por meio dele todas as nações da terra serão abençoadas. Pois eu o 
escolhi, para que ordene aos seus fi lhos e aos seus descendentes que se 
conservem no caminho do Senhor, fazendo o que é justo e direito, para 
que o Senhor faça vir a Abraão o que lhe havia prometido” (Gn 18:18-19). 
Em outras palavras, a bênção ocorreria à medida que as pessoas que 
descendessem de Abraão se tornassemum modelo atraente de justiça, 
dando testemunho para as nações - missão centrípeta - que o Senhor era 
o Deus vivo e justo.
109Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
Quando Deus redimiu Israel do Egito, Ele chamou Seu povo para ser uma 
nação santa, uma luz para as outras nações que demonstrariam o seu 
amor e a sua justiça:
Logo Moisés subiu o monte para encontrar-se com Deus. E 
o Senhor o chamou do monte, dizendo: “Diga o seguinte aos 
descendentes de Jacó e declare aos israelitas: ‘Vocês viram 
o que fi z ao Egito e como os transportei sobre asas de águias 
e os trouxe para junto de mim. Agora, se me obedecerem 
fi elmente e guardarem a minha aliança, vocês serão o meu 
tesouro pessoal dentre todas as nações. Embora toda a terra 
seja minha, vocês serão para mim um reino de sacerdotes e 
uma nação santa’. Essas são as palavras que você dirá aos 
israelitas” (Êx 19:3-6).
Os israelitas deveriam ser uma comunidade radiante e atraente, um 
showroom, uma vitrine para o mundo para mostrar como viver a aliança 
com o Senhor que transforma os povos. Eles deveriam ser um reino 
sacerdotal para mediar as bênçãos de Deus para as nações. E, assim, 
Deus entregou a Torá para eles, a Lei, para orientar suas vidas para 
encarnar o amor e a justiça. Este pacto no Sinai era o centro de tudo, o 
restante do Antigo Testamento é realmente apenas um comentário sobre 
esse Israel que não consegue ser uma luz para as nações. E os profetas 
surgem e denunciam sua rebelião para com essa aliança. Provavelmente 
nenhum profeta tem o tom mais grave do que Amós. Numa época em que 
os ricos viviam no luxo ostensivo (3:12, 4:1, 6:4-6), onde os pobres eram 
ignorados e a eles se negava a justiça (2:7, 5:12, 6:6), onde as práticas 
comerciais estavam preocupadas apenas com o lucro (2:6-7, 5:11-12), 
onde a promiscuidade sexual abundava (2:7), onde os líderes políticos 
estavam mais preocupados com a sua notoriedade do que com a justiça 
(6:1) - tudo soa muito parecido com os nossos próprios dias - Amós vem 
com palavras muito afi adas: “Eu odeio seus cultos. Mostrem-me uma 
comunidade verdadeiramente justa!”. Leiamos:
Eu odeio e desprezo as suas festas religiosas; não suporto 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA110
as suas assembleias solenes. Mesmo que vocês me tragam 
holocaustos e ofertas de cereal, isso não me agradará. 
Mesmo que me tragam as melhores ofertas de comunhão, 
não darei a menor atenção a elas. Afastem de mim o som das 
suas canções e a música das suas liras. Em vez disso, corra 
a retidão como um rio, a justiça como um ribeiro perene! (Am 
5:21-24).
Amós talvez ainda acreditasse que Israel pudesse ser curado e cumprisse 
seu chamado, por isso os chama ao arrependimento. Isaías, por outro 
lado, vê juízo vindouro sobre Israel por sua infi delidade. Contudo, isso não 
signifi ca o fi m da missão de Deus. Alguém ainda poderia ser levantado e 
este fi nalmente traria justiça às nações. Quem é este?
Eis o meu servo, a quem sustento, o meu escolhido, em quem 
tenho prazer. Porei nele o meu Espírito, e ele trará justiça 
às nações. Não gritará nem clamará, nem erguerá a voz 
nas ruas. Não quebrará o caniço rachado, e não apagará o 
pavio fumegante. Com fi delidade fará justiça; não mostrará 
fraqueza nem se deixará ferir, até que estabeleça a justiça 
sobre a terra. Em sua lei as ilhas porão sua esperança (Is 
42:1-4).
Isaías e os outros profetas anteviram o dia que o Senhor viria, quando 
Deus iria estabelecer seu governo sobre toda a terra (Is 2:1-4). Ele seria 
realizado por seu rei escolhido no poder do Espírito Santo (Is 42:1-4). O 
povo de Deus seria reunido, curado e purifi cado (Ez 26:14-27) para que 
pudessem participar novamente na missão de Deus de libertar o mundo 
inteiro da escravidão do pecado e da injustiça.
Israel sonhou e esperou por este dia até que Jesus de Nazaré veio, 
anunciando que o dia que Israel estava esperando fi nalmente havia 
chegado: “O Espírito está sobre mim”. Jesus anuncia a inauguração do 
reino da justiça de Deus, para libertar os oprimidos, para trazer justiça à 
terra (Mc 1:15; Lc 4:18ss). É essa boa notícia que Jesus proclama. Deus 
111Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
estava intervindo na história com amor e poder por meio de Jesus, pelo 
poder do Espírito, para restaurar toda a vida humana, como também, toda 
a criação, para viver novamente sob o governo justo e misericordioso de 
Deus. Este é um anúncio que não pode ser encaixado apenas no âmbito 
privado-pessoal, marcas de um protestantismo individualista. Esta é 
uma notícia de primeira página de um jornal.
O tema da justiça do reino de Deus ainda é um tema negligenciado na 
missão da igreja. Alguns pensam que a justiça trata apenas daquilo 
que Deus fez por nós ignorando aquilo que ele quer fazer por nosso 
intermédio que é buscar a sua justiça, no sentido da sua promoção na 
humanidade: “Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e 
todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6:33). Nossa prioridade 
é viver o reino de Deus em sua plenitude e compreender que esse reino é 
reino de justiça. Deus é um apaixonado pela justiça: “o Senhor é um Deus 
justo” (Ed 9:15).
2.2. A justiça do reino em contraponto à justiça da sociedade
Jesus nos apresenta uma parábola ilustrativa de como se dá a prática 
da justiça no reino de Deus como referência para a nossa própria prática:
Esta é uma ilustração do Reino dos Céus: O dono de uma 
propriedade saiu certa manhã para contratar trabalhadores 
para a sua colheita. Ele combinou com eles de pagar um 
denário por dia e mandou todos trabalharem. Duas horas 
mais tarde, ele estava passando por uma praça e viu alguns 
homens por ali, à espera de serviço, então mandou aqueles 
também para os seus campos, dizendo que pagaria no fi m 
do dia aquilo que fosse justo. Ao meio-dia, e novamente 
perto das três da tarde, ele fez a mesma coisa. Às cinco 
horas daquela tarde ele estava novamente na cidade, viu 
mais alguns homens por ali, e perguntou: Por que vocês 
estão parados o dia inteiro? Porque ninguém nos contratou, 
responderam eles. Então vão e juntem-se aos outros nos 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA112
meus campos, disse ele. À noite ele disse ao pagador que 
chamasse aos homens e lhes pagasse, começando pelos 
últimos. Quando os homens contratados as cinco horas 
foram pagos, cada um recebeu um denário. Assim, quando 
os homens contratados mais cedo vieram para receber o 
que era seu, pensavam que receberiam muito mais. Porém, a 
eles também foi pago um denário. Eles protestaram: Aqueles 
companheiros só trabalharam uma hora, e o senhor assim 
mesmo pagou-lhes exatamente a mesma quantia que pagou 
para nós, que trabalhamos o dia inteiro e nos cansamos do 
calor”. Amigo, respondeu o homem a um deles, eu não fui 
injusto com você! Você não aceitou trabalhar o dia inteiro 
por um denário? Receba o denário e vá embora. É meu 
desejo pagar o mesmo a todos. É contra a lei presentear o 
meu dinheiro se eu quiser? Você se zanga por que eu sou 
bondoso. E assim é que os últimos serão os primeiros, e os 
primeiros serão os últimos (Mt 20:1-16).
O reino de Deus é semelhante a um proprietário que saiu de manhã cedo 
para contratar trabalhadores. Ele contratou alguns e acertou com eles 
aquilo que seria considerado normal, pagar o salário de um dia de trabalho. 
Depois, em mais três períodos ao longo do dia ele resolveu continuar 
contratando outros trabalhadores que deveriam trabalhar apenas até o 
fi nal daquele dia. No entanto, ele parecia estar inquieto porque alguns 
ainda estavam desempregados. Ele saiu de novo, antes do pôr do sol, 
e viu outro grupo em pé e à espera de emprego. Ele perguntou por que 
eles estavam esperando o dia todo sem fazer qualquer trabalho. Eles 
responderam: “Porque ninguém nos contratou”. Assim, mesmo faltando 
pouco tempo para acabar aquele dia, ele também os contratou.
Jesus estava descrevendo uma situação triste e concreta para aquela 
cultura. Aquela era uma sociedade irresponsável que não cuidava de 
todos os seuscidadãos; uma sociedade injusta. Essas pessoas estavam 
esperando desde cedo até a noite, por alguém que as contratasse, 
113Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
pois, caso contrário, suas famílias poderiam passar fome. Estavam 
desesperadas por trabalho. O fazendeiro-proprietário saiu várias vezes 
à procura de desempregados, porque ninguém estava interessado neles. 
Ele entendia o que signifi cava estar desempregado e fi car na rua sem fazer 
nada. Quando ele conversa com aqueles últimos contratados, a resposta 
que recebeu foi: “ninguém nos quer, ninguém reparou que estamos aqui 
esperando, ninguém nos perguntou por que nós estávamos esperando 
todo o dia, e ninguém se importa conosco”. O desemprego não é apenas 
um problema econômico, mas também um problema espiritual. Ela 
desmoraliza pessoas. Ele destrói a personalidade dos desempregados, 
afeta a autoestima.
É um juízo triste em nossa sociedade quando vidas humanas são 
desperdiçadas porque ninguém se importa com elas. Nesta parábola, 
o que é importante notar é que o fazendeiro saiu repetidas vezes para 
contratar trabalhadores. Podemos ainda sugerir que o proprietário:
• Não encontra falta neles por não estarem trabalhando;
• Não diz a eles que era sua culpa estarem desempregados;
• Não diz que tinham abandonado a escola e desperdiçado as 
oportunidades dadas a eles;
• Não diz que eram vagabundos;
• Não diz que não mereciam qualquer atenção das pessoas de bem 
que trabalham duro na sociedade.
O fazendeiro sabia muito bem que eles estavam nessa situação porque 
os poderosos da sociedade, os ricos e os infl uentes, mesmo os mais 
instruídos e os religiosos, também eram responsáveis por aquela terrível 
situação em que muitas pessoas não tinham trabalho. Nos Evangelhos, 
Jesus criticou os líderes religiosos, os líderes políticos e os seus próprios 
discípulos. Raramente criticou as massas. Ele sabia muito bem dos seus 
defeitos, suas fraquezas. Esses desempregados não eram “santos”, mas 
Jesus também conhecia sua situação, pois conta essa história com riqueza 
de detalhes. Ele teve compaixão porque eram como ovelhas sem pastor.
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA114
No reino de Deus não há injustiça. Aqueles que trabalharam o dia inteiro 
tem salário de um dia inteiro. Aqueles que trabalharam apenas uma hora 
também tem o salário de um dia inteiro. Esta é a justiça do reino. Isto é o 
que signifi ca justiça. Na sociedade em que vivemos, aqueles que têm um 
bom começo de vida, aqueles que são infl uentes e bem-educados, são os 
que recebem mais. Aqueles que correm mais rápido são recompensados. 
Aqueles que são fortes irão explorar os fracos. Esta é a justiça do mundo.
Na perspectiva do reino, os que são poderosos e infl uentes não devem ter 
mais às custas dos que tem menos. A sociedade é apenas uma extensão 
dos mais desfavorecidos, dos defi cientes, dos pobres e dos oprimidos.
A aritmética de Deus é diferente. Ele não adiciona nem calcula os 
salários como nós. Ele não corrige os salários de acordo com o número 
de horas que temos trabalhado. A justiça social é uma parte integrante 
da mensagem de Cristo e não diminui sua mensagem de salvação. N.T. 
Wright (2010, s/p) disse:
Toda a questão dos evangelhos é que a vinda do reino de 
Deus na terra como no céu é precisamente não a imposição 
de uma tirania estranha e desumanizadora, mas sim o 
confronto de uma tirania estranha e desumanizadora com 
a novidade de um Deus — o Deus reconhecido em Jesus - 
que é radicalmente diferente de todos eles, e cuja justiça que 
irrompe procura resgatar e restaurar a humanidade genuína... 
Sim, Jesus realmente, como diz Paulo, morreu por nossos 
pecados, mas a sua agenda toda de lidar com o pecado e 
todos os seus efeitos e consequências nunca foi sobre salvar 
almas individuais do mundo, mas sobre salvar humanos para 
que eles pudessem se tornar parte de seu projeto de salvar o 
mundo. “Meu reino não é desse mundo”, ele disse a Pilatos; 
se fosse, ele teria liderado um movimento de resistência 
armada como os outros profetas de reinos do mundo. Mas 
o reino que ele trouxe foi enfaticamente para esse mundo, 
o que signifi cou e signifi ca que Deus está presente no 
115Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
espaço público e não irá se retirar dele novamente, ele, sim, 
derrotou as forças tanto da tirania como do caos - tanto do 
modernismo estridente quanto do pós-modernismo fofo, se 
você preferir - e estabeleceu em seu lugar uma norma justiça 
restauradora e curativa... 
A justiça de Deus e a crítica aos sistemas de dominação aparecem 
algumas vezes no Novo Testamento. A mensagem de Jesus é centrada 
no conceito de reino de Deus. As primeiras palavras de Jesus no 
Evangelho de Marcos são: “fi nalmente chegou o tempo” e “o reino de 
Deus está próximo! Afastem-se dos seus pecados e ajustem sua vida a 
esta gloriosa mensagem!” (Mc 1:14). O reino de Deus carrega também 
um signifi cado político. As pessoas a quem Jesus falou viviam em reinos 
governados por reis poderosos e elites ricas. As pessoas deveriam, 
portanto, perceber o contraste imediato entre o reino de Herodes ou de 
César e o proposto reino de Deus. Poderiam se questionar como seria a 
vida na terra se Deus fosse rei e não os príncipes daquele mundo.
O reino de Deus era para esta terra e não apenas para a vida após a morte. 
Por isso Jesus nos ensinou a orar: “Venha o Teu reino, seja feita a sua 
vontade, assim na terra, como já no céu”. O público primário de Jesus foi 
a classe camponesa e os excluídos das cidades e povoados. A Oração do 
Senhor fala incisivamente sobre as situações urgentes daquela camada 
da população. Vemos pelo menos dois temas interessantes:
• “Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia” - uma preocupação real 
daqueles que lutavam pela sobrevivência diária;
• “Perdoe as nossas dívidas” - geralmente os cristãos de hoje 
compreendem as dívidas como pecados, mas as pessoas para as 
quais Jesus falou entenderam o signifi cado literal. A dívida fi nanceira 
era uma questão primária de sobrevivência na vida camponesa.
As chamadas bem-aventuranças, que se encontram no Sermão do 
Monte de Mateus e em seu correlato no livro de Lucas. Mateus apresenta 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA116
a versão um pouco espiritualizada em relação a Lucas. Enquanto em 
Mateus aparece a expressão pobre de espírito, em Lucas aparece apenas 
pobre. De modo semelhante, em Mateus lemos sobre a fome e sede de 
justiça, enquanto em Lucas, lemos sobre os que estão com fome. Se 
é assim, a vinda do reino de Deus implica também em alimento para o 
faminto.
2.3. O aspecto político do reino e da prática da justiça
Jesus é o Senhor. Esta afi rmação tem um signifi cado político, bem 
como um signifi cado religioso, como sendo um contraste com César, o 
imperador romano, que também era chamado de senhor. Ou seja, afi rmar 
o senhorio de Cristo era negar o senhorio de César, pelo menos no sentido 
absoluto de submissão. Cristo e César foram ambos também referidos 
como fi lhos de Deus, salvador, rei dos reis e senhor dos senhores. Os 
títulos de César cabem bem em Jesus em seu senhorio escatológico. O 
senhorio de Cristo se contrapõe ao senhorio de César apontando para o 
justo reino de Deus e os injustos reinos deste mundo.
É importante notar que os primeiros cristãos tinham uma percepção 
muito negativa do Império Romano. Ele era chamado de Besta do Abismo, 
a Grande Prostituta. Sua capital, Roma, era alvo de crítica a ponto de 
usarem a palavra R-O-M-A como acrônimo para Radix Omnium Malorum 
Avaritia, signifi cando a raiz de toda cobiça má. Aquele domínio político 
era a personifi cação da ganância por meio de sistemas de dominação, ou 
seja, a raiz de todo o mal. Apesar do Império Romano ter sido melhor que 
a maioria dos impérios em muitos sentidos, suas políticas impactaram 
negativamente milhões de vidas. A população sofreu com guerras brutais 
de conquista, ricos tributando os pobres, camponeses que perderam 
suas terras para grandes proprietários, a migração de camponeses paraas cidades, aumentando a miséria urbana.
Ainda, sabemos que a cruz representa o maior símbolo da salvação que 
Deus oferece por meio de Jesus. Por outro lado, não podemos esquecer 
que Jesus foi executado pelo sistema de dominação do império de sua 
117Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
época. Como disse Pilatos, “Não sabe que eu tenho autoridade para 
libertá-lo e para crucifi cá-lo?” (Jo 19:10). Esse sistema de dominação 
disse não a Jesus. A cruz encarna o caminho de transformação pessoal, 
mas também acusa os sistemas de dominação do mundo que são 
construídos sobre poder, riqueza e avareza perversa.
Nesse sentido, sistemas sociais injustos moldam e afetam nossas vidas 
e as vidas de outras pessoas. O racismo é um dos muitos exemplos. 
Sistemas afetam a forma como pensamos e percebemos a nós mesmos 
e aos outros. Sistemas também afetam as condições materiais de vida. 
As elites ricas em nosso tempo, como nos tempos antigos, usam o poder 
e riqueza para estruturar o sistema econômico em seu próprio interesse 
e este sistema é mantido pelos poderes políticos.
A concentração de riqueza não é resultado do trabalho duro individual e 
nem é um resultado natural e necessário de um sistema de livre mercado. 
Ao contrário, é um produto do sistema econômico que favorece os ricos 
em detrimento dos pobres. É óbvio que sempre há exceções, ainda 
que raras, mas os ricos usam sua infl uência para estruturar a política 
em seu próprio interesse. Este é um assunto delicado para muitos de 
nós, especialmente para os que desfrutam de uma situação fi nanceira 
confortável. A questão não é a bondade do indivíduo ou virtude dos ricos 
ou dos pobres. A questão é a forma como a sociedade está estruturada em 
torno de seus sistemas. Como vamos usar a nossa riqueza e infl uência? 
Usaremos para trazer mudanças ou para apoiar políticas de interesse 
próprio? Precisamos de mais pessoas como Mateus, João, Zaqueu e 
José de Arimatéia, que conviveram com Jesus, pessoas fi nanceiramente 
confortáveis, desencantadas com a injustiça sistêmica e comprometidas 
com o reino de Deus.
Levar a justiça do reino de Deus a sério signifi ca defender a política de 
compaixão, ou a política do reino. Um tipo de política que suspeita dos 
sistemas poderosos que formam classes ricas privilegiadas e poderosas, 
usando seu poder não para defender, mas para esmagar os menores 
deste mundo.
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA118
Há muito preconceito, mau entendimento e, consequentemente, prejuízo 
para a missão da igreja ter uma compreensão superfi cial sobre a natureza 
do evangelho e sua presença na esfera pública. O evangelho que Jesus 
pregou não possuiu apenas a dimensão da salvação individual com a 
promessa de um futuro mundo espiritual. Em Jesus Cristo, o reino no 
fi nal da história cósmica foi revelado e realizado. É um anúncio que tem 
por objetivo restaurar toda a história do reino de Deus sobre todas as 
nações, ao longo de toda a vida humana, sobre toda a criação. E este 
reinado invadiu a história no passado e continua invadindo agora. Em 
nossa cultura, a Bíblia tem sido reduzida a uma história religiosa que 
é relegada ao domínio privado ou âmbito pessoal da vida. No entanto, 
esta Bíblia também trata da história de todo o universo, contada a partir 
da perspectiva teológica. Ela começa com a criação e termina com 
a renovação de toda a criação caída. A história humana na Bíblia e o 
evangelho de Cristo são conteúdos públicos para todas as pessoas.
Além da história bíblica, devemos aprender com a história da igreja. Há 
uma rica e variada história de engajamento público da igreja e somos 
tolos se a ignorarmos. Ao olhar para o passado, podemos nos benefi ciar 
tanto do pensamento como da prática daqueles que vieram antes de nós 
e, assim, esperançosamente evitar seus erros.
O reino já está aqui, entre nós, mas ainda não alcançou sua plenitude, é 
a tensão já - ainda não. O poder do Espírito de Deus para curar, renovar e 
libertar já está presente, mas a aniquilação de toda a oposição ao governo 
de Deus só será uma realidade cabal no futuro:
Então virá o fi m, quando ele entregar o Reino a Deus, o Pai, 
depois de ter destruído todo domínio, autoridade e poder. Pois 
é necessário que ele reine até que todos os seus inimigos 
sejam postos debaixo de seus pés. O último inimigo a ser 
destruído é a morte. Porque ele tudo sujeitou debaixo de seus 
pés. Ora, quando se diz que tudo lhe foi sujeito, fi ca claro que 
isso não inclui o próprio Deus, que tudo submeteu a Cristo. 
Quando, porém, tudo lhe estiver sujeito, então o próprio Filho 
119Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, a fi m de 
que Deus seja tudo em todos (1 Co 15:24-28).
Deus deu a seu povo o antegozo do reino. Vivemos no tempo da 
sobreposição da velha era com a nova era, onde as forças do mal, 
da injustiça e da morte coexistem com o poder do Espírito de Deus 
que traz liberdade, cura e libertação. A batalha será empenhada até o 
julgamento fi nal. Lesslie Newbigin (1954, p. 153-154) comenta sobre 
essa sobreposição:
O signifi cado dessa “sobreposição das eras” em que vivemos, 
o tempo entre a chegada de Cristo e sua vinda novamente, é 
o tempo dado para o testemunho apostólico da Igreja até os 
confi ns da terra. O fi m de todas as coisas, que foi revelado 
por Cristo, é, por assim dizer, retido até que o testemunho seja 
levado para o mundo inteiro a respeito do julgamento e salvação 
revelado em Cristo. A implicação de uma verdadeira perspectiva 
escatológica está na obediência missionária, e a escatologia 
que não emite tal obediência é uma escatologia falsa 
A missão da igreja é tão grande quanto a vida humana, e isso inclui a 
política que não pode ser confundida com politicagem e nem partidos 
políticos. Política enquanto exercício da nossa cristã na polis, de onde 
vem o sentido de política. Este testemunho de que Newbigin fala não é 
simplesmente evangelismo e missões. A igreja é testemunha do senhorio 
de Cristo sobre toda a vida humana. Sua missão é dar a conhecer as boas 
notícias sobre o domínio de Deus sobre toda a vida humana. O chamado 
da igreja é para servir ao Senhor em todas as esferas de nossa vida, 
nossos casamentos e famílias, nossas escolas e tecnologias, nossos 
trabalhos e nosso lazer.
A procura da justiça é fundamental para a história bíblica e cristã e central 
para a tarefa da política. Como já afi rmamos, a justiça é um tema central 
na história bíblica. É a justiça cristã que protege os direitos humanos 
individuais e coletivos para expressarem-se como a imagem de Deus. 
Certamente isso inclui especialmente os pobres, os mais vulneráveis 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA120
e fracos em nosso meio. Mas não pode cair no individualismo, 
que caracteriza tanto a política ocidental, que protege apenas ou 
principalmente os direitos dos indivíduos. Ela, a justiça cristã, também 
irá proteger o espaço social para instituições como o casamento, família, 
escola, empresas e muitos outros tipos de associações para fl orescerem 
e cumprirem o chamado de Deus.
Assim, se a ordem da criação é a base para a justiça, ela será ainda mais 
abrangente. Ela irá incluir a natureza. Além disso, em um mundo cada 
vez mais global, a justiça não deve se concentrar apenas em assuntos 
internos domésticos. A justiça pública cristã vai além de uma política 
de auto interesse nacional, alcançando políticas de justiça internacional. 
“Toda a terra é minha”, diz o Senhor.
Resumindo, a justiça cristã oferece uma visão abrangente que refl ete a 
amplitude do governo total de Deus sobre toda a criação. É triste ver que 
alguns cristãos não pensam e nem agem com essa consciência e com 
base bíblico-teológica. A Palavra de Deus não é nos revela que Deus não 
é neutro em relação a injustiça no mundo. O amor “não se alegra com a 
injustiça, mas regozija-se com a verdade” (1 Co 13:6). 
O apóstolo João afi rma que “Toda injustiça é pecado” (1 Jo 5:17). Esse 
mesmo apóstolo, em sua narrativasobre as “últimas coisas” (Apocalipse), 
animando e consolando a comunidade sofredora especialmente debaixo 
do jugo do império romano, exilado na ilha de Patmos, relata que “o tempo 
está próximo” (Ap 22:10) e assim conclama: “Continue o injusto fazendo 
injustiça, continue o imundo ainda sendo imundo; o justo continue na 
prática da justiça, e o santo continue a santifi car-se” (Ap 22:11). Esses dois 
caminhos sempre estarão diante do povo Deus! Caminhos que revelam 
duas marcas imprescindíveis daqueles e daquelas que foram resgatados 
pelo Cordeiro de Deus. O caminho da prática da justiça e caminho da 
prática da santidade. A missão de Deus não se faz de qualquer jeito ou 
até mesmo nem do nosso jeito. É missão a partir do caráter de Deus, que 
é justo e santo! Deus nos separou (santidade) para Ele para praticarmos 
a justiça. Nossa indignação deve estar alinha ao nosso “Deus é justo juiz, 
121Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
Deus que sente indignação todos os dias” (Sl 7:11).
Fiquemos vigilantes do nosso individualismo segregador e mantenedor 
dos sistemas injustos deste mundo que avilta o propósito de Deus para 
a humanidade.
Jamais se esqueça “porque aprouve a Deus que, nele, residisse toda a 
plenitude e que, havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio 
dele, reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra, 
quer nos céus” (Cl 1:19-20).
Conclusão
Muitos cristãos e igrejas ignoram, porque desconhecem, o entendimento 
da missão por causa da ausência de fundamentos bíblicos e teológicos. 
Estes cristãos aprenderam a ler a Bíblia para si mesmo, a favor e em 
benefício de si mesmo, que gera uma espiritualidade/devocional 
individualista. Lemos a Palavra de Deus para sermos encorajados 
e motivados para cumprir a missão de Deus no mundo. Sem essa 
lente hermenêutica as pessoas irão desenvolver uma espiritualidade 
templocêntrica, domingueira, intramuros, com alta visibilidade do clero!
Conquanto não seja possível enquadrar todas as 
comunidades cristãs num único jeito de ser, acredito que 
há uma mentalidade vigente, uma certa maneira de pensar 
a igreja, que se torna representativa da grande maioria das 
comunidades cristãs. Creio que podemos identifi car esta 
mentalidade eclesiástica à luz de quatro grandes conceitos, 
ou paradigmas, a saber: culto, clero, domingo e templo
(ênfase minha) (Kivitz p. 39).
Umas das principais responsabilidade para fornecer estas convicções 
missionais, por meio de ensino sólido na igreja é dos pastores/as. O 
ensino teológico na igreja, que pode usufruir de parcerias com instituições 
teológicas que particularmente estão comprometidas com a missão de 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA122
Deus, como a Faculdade Teológica Sul Americana, visando fazer com 
que as pessoas tenham nas Escrituras o fundamento e a base da missão. 
A missão de Deus somente pode ser realizada com compaixão que 
revela não apenas quem e como somos, mas também revela essa face 
do Cristo que se compadece.
A tensão entre o já e o ainda-não precisa estar em nossas mentes. 
Enfatizar o já em detrimento do ainda-não resulta em pessoas que 
pensam que são os nossos esforços humanos que produzem o reino, ou, 
pior ainda, que o objetivo fi nal de Deus é melhorar as condições da vida. 
Por outro lado, enfatizar o ainda-não em detrimento do já resulta em 
pessoas que pensam que qualquer envolvimento em questões sociais é 
um desperdício de tempo, porque um dia tudo acabará. Manter os dois 
juntos é a única possibilidade para que o engajamento no aqui e agora
revele nossos paradigmas celestiais, do reino por vir, o já de Deus no 
ainda-não da humanidade.
Devemos também estar atentos para proclamar verbalmente o evangelho 
sem excluir a sua manifestação concreta na sociedade. Este é o ponto em 
que a nossa teologia realmente está na superfície. Ou, como afi rma David 
Bosch (2002, p. 480), “as relações entre as dimensões evangelística e social 
da missão cristã constitui uma das áreas mais difíceis da teologia e da 
prática da missão”. A missão integral é a proclamação e a demonstração do 
Evangelho, em palavras e obras. Não é simplesmente que a evangelização e 
o compromisso social tenham que ser levados a termo juntos. 
Declaração da Rede Miqueias sobre missão integral muito nos auxilia:
A missão integral… é a proclamação e demonstração do 
evangelho. Não signifi ca simplesmente que a evangelização 
e o compromisso social tenham que ser levados a termo 
lado a lado. Antes, na missão integral, a nossa proclamação 
tem consequências sociais enquanto convocamos as 
pessoas ao amor e ao arrependimento em todas as áreas 
da vida. E o nosso compromisso social tem consequências 
123Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
para a evangelização enquanto damos testemunho da graça 
transformadora de Jesus Cristo.
Se assumimos uma postura de omissão diante do mundo, traímos a 
Palavra de Deus, a qual requer de nós que O sirvamos. Se assumirmos 
uma postura de omissão à Palavra de Deus, não temos nada que oferecer 
ao mundo. A justiça e a justifi cação pela fé, a adoração e a fé política, o 
espiritual e o material, a transformação pessoal e a mudança estrutural 
estão unidas entre si. Ser, fazer e dizer estão no mesmo coração de 
nossa tarefa integral.
Referências
ALLEN, Stephanie Lutz. Cultivating mission. Disponível em: www.
cultivatingmission.org. Acesso em 16 fev. 2019.
BARRET, Lois Y (Ed.). Treasure in clay jars: patterns in missional 
faithfulness. Grand Rapids: Eerdmans, 2004.
BOSCH, David J. Transforming mission: paradigm shifts in theology of 
mission. Maryknoll: Orbis Books, 1991.
GUDER, Darell L. Missional church: a vision for sending church in North 
America. Grand Rapids: Eerdmans, 1998.
KIVITZ, Ed René. Quebrando paradigma. São Paulo: Abba Press Editora 
Ltda, 7 ed., 2008.
WRIGHT, N.T. The kingdom of God and the need for social justice. 
Disponível em: http://godspace.wordpress.com/2010/03/15/nt-wright-
the-kingdom-of-god-and-the-need-for-social-justice. Acesso em 16 fev. 
2019.
NEWBIGIN, Lesslie. The household of God: lectures on the nature of the 
church. New York: Friendship Press, 1954.
POLITEIA. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Politica. Acesso 
em: 12 jan. 2019.
VAN GELDER, Craig. The essence of the church: a community created by 
the Spirit. Grand Rapids: Baker Books, 2000.
Rua: Martinho Lutero, 277 - Gleba Palhano - Londrina - PR
86055-670 Tel.: (43) 3371.0200trágicas na vida da igreja! É necessário mais do que 
cuidado; é necessário uma leitura missional de toda a Escritura!
11Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
Saiba mais
Você vai ouvir falar muito desse conceituado 
missiólogo chamado David Jacobus Bosch, 
em particular, seu livro chamado Missão 
transformadora: mudanças de paradigma na 
teologia da missão. Sugerimos fortemente 
que você compre, pois lhe será muito útil em 
sua vida e ministério.
Nasceu em 13 de dezembro de 1929 e morreu 
15 de abril de 1992 em um trágico acidente 
automobilístico, uma perda irreparável. Ele foi membro da Igreja 
Reformada Holandesa na África do Sul (NGK). No Dia da Liberdade, 
27 de abril de 2013, ele recebeu postumamente a Ordem do Baobá 
do Presidente da África do Sul por sua luta altruísta pela igualdade e 
dedicação ao desenvolvimento da sociedade, e viveu os valores do 
não–racismo diante de sua própria cultura e igreja que dava suporte 
ao apartheid, palavra do idioma africânder que signifi ca separação. 
Esse foi o nome dado ao sistema político que esteve em vigor na 
África do Sul e que exigia a segregação racial da população negra, 
que vigorou entre 1948 e 1994, comandado pela minoria branca 
daquele país.
Juntamente com seu vasto conhecimento no campo dos estudos 
bíblicos, teologia, história da igreja e missiologia, David Bosch tinha 
a rara capacidade de destilar o discernimento e a sabedoria para 
atender às demandas do dia. Sua ampla simpatia por todos os que 
constituem a família cristã e seu dom de comunicação fi zeram dele 
um amigo confi ável e respeitado onde quer que fosse. Foi um infl uente 
missiólogo, uma expressão contra cultural, um profeta entre nós, e 
mesmo depois de sua morte, continua sendo um dos mais infl uentes 
e disseminadores da missiologia cristã.
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA12
Vamos tomar alguns exemplos. Se entendermos que missão é a pregação 
do Evangelho em terras onde nunca se ouviu falar de Jesus – a chamada 
missões transculturais, deixamos de fora, entre outras coisas, nossa 
própria cultura (missões nacional ou cultural), como também todas as 
outras nações que já foram evangelizadas. Além disso, deixamos de fora 
todas as ações que não são obrigatoriamente “verbais” de lado, bem 
como não defi nimos quem é o seu agente. Aqui é evidente que se defi ne 
a missão como missões (no plural). Você já deve ter percebido como 
muitas igrejas focam mais em missões, especialmente pela enormidade 
de conferências e congressos de missões, tendo estes a primazia sobre 
os demais temas (como por exemplo, não se ouve com tanta frequência 
sobre congresso de diaconia, de educação cristã, entre outros).
Só que existe outro extremo nessa história. Se, por um lado, corremos o 
risco de “fechar” demais o nosso conceito de missão, também corremos 
o risco de exagerarmos em sua “abertura”. Daí, convém lembrar a 
conhecida frase do missiólogo Stephen Neil (1959, p. 81), a qual diz “se 
tudo é missão, então nada é missão”. Ou seja, quando banalizamos o 
conceito de missão e entendemos que qualquer coisa feita pela igreja 
é cumprimento da obra missionária, essa falta de intencionalidade e 
consciência missional leva a uma tendência muito comum: a missão 
passa a ser manutenção, ou seja, a igreja passa a lutar apenas para 
manter suas conquistas, voltando-se para si e não para fora, mantenha o 
ad intra em detrimento do ad extra. E aqui vive-se uma inversão de foco: 
de monumento (templo) versus movimento.
Tendo essa consciência e advertência bem diante de nós, precisamos 
buscar uma defi nição de missão que leve em consideração “toda a 
Escritura” porque somente ela “é inspirada por Deus e útil para o ensino, 
para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fi m de 
que o homem [e mulher] de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado 
para toda boa obra” (2 Tm 3:16–17). Mas antes disso, vamos discernir 
agora o que não é missão.
Em primeiro lugar, a missão não é da igreja, ela é de Deus. É muito comum 
13Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
falarmos a missão da igreja. Mas, o certo mesmo é falarmos da missio 
Dei, cuja expressão signifi ca missão de Deus em latim. Esse termo será 
usado várias vezes, porque este é o que melhor expressa o conceito de 
missão. Afi rmarmos que a missão é Deus isso nos autoriza a desprezar 
a igreja? É por acaso plano de Deus realizar Sua missão no mundo sem 
a nossa participação ou a participação da igreja? Nunca! Não é isso que 
as Escritura revelam. O que signifi ca é simplesmente é colocar a igreja no 
seu devido lugar. E que lugar é este? O apóstolo Paulo responde:
Deus, que criou todas as coisas, para que, pela igreja, a 
multiforme sabedoria de Deus se torne conhecida, agora, dos 
principados e potestades nos lugares celestiais, segundo o 
eterno propósito que estabeleceu em Cristo Jesus, nosso 
Senhor, pelo qual temos ousadia e acesso com confi ança, 
mediante a fé nele (Ef 3:10–12). 
A igreja é um instrumento de Deus para a realização da Sua missão no 
mundo. É “pela igreja” e não por causa da ou para a igreja. Note quão 
elucidadora é a preposição “pela” em grego:
δια (dia) é uma preposição primaria que denota o canal de um ato:
1) através de
1a) de lugar 1b) de tempo 1c) de meios
1a1) com
1a2) em, 
para
1b1) por tudo, do 
começo ao fi m
1b2) 
durante
1c1) através, pelo 1c2) por meio de
2) por causa de
2a) o motivo ou razão pela qual algo é ou não é feito
2a1) por 
razão de
2a2) por 
causa de
2a3) por esta razão 2a4) portanto, 
2a5) por este 
motivo
A missão de Deus é instrumentalizada pela igreja. Ela é um canal, um 
meio pelo qual o próprio Deus usa para tornar conhecida sua multiforme 
sabedoria diante dos principados e potestades nos lugares celestiais, 
segundo o eterno propósito que estabeleceu em Cristo Jesus. Vamos 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA14
refl etir tudo isso mais à frente, especialmente esse fato de ela ser um 
instrumento, mas por hora é fundamental estabelecer a compreensão 
de que a missão não é da igreja, mas de Deus que por ela é servido e 
glorifi cado.
Em segundo lugar, o conteúdo da missão não é a doutrina da igreja ou 
da denominação, mas sim o Evangelho do reino de Deus. O conteúdo da 
missão é toda a Escritura centralizada no reino de Deus, personifi cada e 
modelada na pessoa de Jesus de Nazaré́, em suas palavras (pregações/
ensinos) e obras (ações/manifestações) realizadas no poder do Espírito 
Santo. É do reino que a missão trata, este reino que Jesus veio inaugurar 
em nossa história
Nos ensinamentos de Jesus, o Reino de Deus compreende 
todos os anseios e os gritos de angústia do povo de Israel. 
Responde à mensagem fundamental do Antigo Testamento e 
revela o propósito, o caráter e o poder do futuro domínio de 
Deus. Convida o povo a responder com obediência radical. 
A proclamação do Reino é sempre acompanhada por um 
chamado à decisão, para seguir Jesus, para participar da 
missão de Deus. Para Jesus, a vinda do Reino é o domínio 
transformador de um Deus compassivo (CASTRO, 1986, p. 67).
O próprio Jesus deixa claro que o Evangelho do Reino de Deus é o 
conteúdo da missão: “Ele, porém, lhes disse: É necessário que eu anuncie 
o evangelho do reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é 
que fui enviado. E pregava nas sinagogas da Judéia” (Lc 4:42–43).
Em terceiro lugar, o lócus da missão não é a igreja, mas o mundo. O 
campo da missão é o mundo. Jesus disse: “Não dizeis vós que ainda há 
quatro meses até à ceifa? Eu, porém, vos digo: erguei os olhos e vede os 
campos, pois já branquejam para a ceifa” (Jo 4:35). Os campos estão 
preparados para a colheita. É no mundo que a missão se realiza. E é por 
amor ao mundo que ela existe. Como a igreja é parte do mundo, pode-
15Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
se também acrescentar, como afi rma Andrew Kirk (2006, p. 58) “que a 
missão de Deus é cumprida tanto no mundo quanto na igreja; num grau 
menor na história que não foi tocada pelo Evangelho, e num grau maior 
onde o Evangelhoé crido e obedecido”. Tudo o que aconteça no ad intra
visa o ad extra.
Jamais podemos esquecer que Jesus foi enviado “porque Deus amou o 
mundo” (Jo 3:16). O mundo é objeto do amor de Deus e a igreja, como um 
instrumento de Deus, existe por amor ao mundo.
René Padilla (2009, p. 19) disse:
De acordo com o que foi dito, qual é o papel da igreja local 
em relação à missão? Lembrando as palavras de McLaren: 
‘Equipar e mobilizar homens e mulheres para a missão de 
Deus no mundo’ – não exclusivamente no ‘templo’, que 
pode ou não existir, mas sim em todos os campos de ação 
humana: em casa, na empresa, no hospital, na universidade, 
no escritório, na ofi cina... Enfi m, em todo lugar, já que não há 
lugar que esteja fora da soberania de Jesus Cristo. 
Resumindo: A missão é Deus e não da igreja; o conteúdo da missão é o 
Evangelho do Reino de Deus e não a doutrina da igreja/denominação; e o 
lócus da missão é o mundo e não somente a igreja.
2. Defi nição de termos relacionados à missão
Para prosseguir, creio ser importante mencionar uma diferença que, 
às vezes, as pessoas não percebem na igreja: missão é diferente de 
missões. Estamos mais ou menos acostumados a falar sobre missões
na igreja. Vemos e ouvimos os testemunhos de missionários, os 
dados estatísticos sobre a evangelização mundial, sobre os povos não 
alcançados, a chamada Janela 10/40, as campanhas fi nanceiras para 
missões, os departamentos de missões na igreja e assim por diante. Isso 
tudo diz respeito a missões, diante de uma imensa tarefa inacabada, 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA16
cuja responsabilidade pesa sobre os ombros da igreja. Nada disso deve 
deixar de existir ou de não ser incentivado na igreja. Todavia, a missão (no 
singular) da igreja, como ainda veremos na unidade seguinte, é maior e mais 
ampla. Também tem a ver com o testemunho e serviço do reino em nossa 
sociedade, com a edifi cação da nossa comunidade, com a celebração 
e adoração ao nosso Deus, que por sua vez é mais do que momentos 
íntimos ou comunitários de contemplação, com o ensino responsável de 
todo conselho de Deus expresso nas Escrituras, entre outros. 
2.1. Missão e Missões 
Missão não está relacionada apenas com missões, pois é mais do que a 
descrição de esforços e atividades missionárias de envio e sustento de 
pessoas que vão para pregar transculturalmente o Evangelho a outros 
povos, aos lugares não alcançados pelo Evangelho de Cristo. David Bosch 
(2002, p. 17) ilustra bem essa ideia quando observa que o signifi cado de 
missão, entre a maioria dos cristãos do ocidente até os anos 1950, foi 
parafraseado como: “a) propagação da fé; b) expansão do reinado de 
Deus; c) conversão dos pagãos; e d) fundação de novas igrejas”. Assim, 
segundo ele, “o termo ‘missão’ pressupõe alguém que envia, uma pessoa 
ou pessoas enviadas por quem envia, as pessoas para as quais alguém é 
enviado e uma incumbência” (2002, p. 17).
Christopher Wright (2006, p. 23), por sua vez, demonstra certa insatisfação 
com abordagens sobre a missão que reduzem sua defi nição por meio da 
menção à raiz latina da palavra, missio, que literalmente signifi ca envio. 
Com isso, ele não pretende negligenciar a importância desse sentido, 
mas chamar a atenção ao fato de que se defi nimos missão somente 
nesses termos, excluímos necessariamente de nosso inventário de 
recursos relevantes muitos outros aspectos do ensinamento bíblico que, 
direta ou indiretamente, afetam nossa compreensão da missão de Deus 
e de nossa participação nela. Assim, para Wright, missão tem a ver com 
a nossa participação comprometida como povo de Deus, pelo chamado 
e comando de Deus, em sua missão (missio Dei) no meio da história do 
mundo em prol da redenção de toda a Sua criação. Em suma, missão 
17Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
tem a ver com a natureza e identidade, sendo a razão da igreja existir. Já 
missões tem a ver com uma das responsabilidades missionais da igreja 
que é a de levar – pregar/proclamar – o Evangelho a outras culturas do 
mundo, e por isso chamada e diferenciada como missões transculturais.
Em síntese, missões não é a razão da igreja existir; é uma das atividades 
da missão. Missão sim é razão da existência da igreja que contempla 
missões, mas não somente esta. Veja no gráfi co:
2.2. Missionário 
Esse termo designa a pessoa que se engaja em missões, normalmente 
em outra cultura que não a sua. É uma atividade que implica em cruzar 
barreiras, não apenas geográfi cas, como também linguísticas, étnicas, 
raciais, culturais, econômicas e espirituais. Missionários são tipicamente 
aqueles enviados por suas igrejas ou agências missionárias. Wright 
também alerta que esse conceito carrega consigo a ideia de missão 
como envio ou missões, como também evoca a imagem de cristãos, 
ocidentais e brancos, expatriados para países distantes. Além disso, 
evoca o risco de se entender que missionários são apenas os chamados 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA18
“profi ssionais”. No entanto, o povo de Deus, cada novo nascido, possui 
uma vocação comum sendo este também um missionário. Wright prefere 
descrevê-los como parceiros de missão. Afi nal de contas, missionários 
são mais do que pessoas enviadas para uma tarefa específi ca fora de 
sua cultura; são pessoas que, por serem cristãs, são chamadas a viver o 
Evangelho de modo digno do intento divino de reconciliação do mundo 
consigo mesmo, inclusive onde estão. Amplia-se, portanto, a ideia de 
missionário e de campo missionário, uma vez que, como observa Brian 
McLaren (2007, p. 121), “todo cristão é um missionário e todo lugar é um 
campo missionário”. 
Isso não signifi ca afi rmar que não se deve ter missionários sustentados 
por igreja e agências missionárias para contextos e situações específi cas, 
que requer inclusive competências e habilidades específi cas, como por 
exemplo, pessoas que vão às outras culturas onde não existem igrejas e 
tão pouco bíblias traduzidas em suas línguas nativas. 
2.3. Missional 
Esse é um adjetivo relativamente recente que denota um relacionamento 
e compromisso com a missão de Deus. Indica, por outro lago, algum 
substantivo que carrega qualidades, atributos ou dinâmicas da missão. 
Uma igreja missional, por exemplo, é uma igreja que explora em sua 
razão de ser, sua natureza, atributos ou qualidades que estão voltados 
para a missão de Deus, que entende que é chamada e vocacionada para 
uma missão no mundo, que Jesus não veio criar uma religião exclusivista 
apenas para salvos, mas que ama o mundo e deseja sua completa e 
total reconciliação, restauração e redenção. Assim, exemplos de uma 
comunidade missional podem ser percebidos ou não na visão por ela 
expressa, como por exemplo: “ser uma igreja de Deus de modo autêntico 
para o mundo”. Essa frase revela, nas palavras de McLaren, uma equação 
missional. Ser missional é ser uma igreja que em tudo o que faz existe a 
intencionalidade de fazer para a missão de Deus. Ser missional modela 
as músicas, o púlpito, a educação cristã, os pequenos grupos, a ação 
social compassiva, todos os ministérios da igreja e assim por diante.
19Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
2.4. Missiologia e Missiológico 
Missiologia é o estudo da intersecção entre o Evangelho, a cultura e a 
igreja. Tal estudo é multidisciplinar porque incorpora outras áreas do 
saber, tais como Teologia, Antropologia, Sociologia, História, Línguas, 
entre tantas outras. Por causa dessa complexidade, a missiologia 
constitui sua própria disciplina ou área de saber. Sendo uma disciplina 
acadêmica, toda missiologia é teológica e toda teologia é missiológica 
e ambas possuem implicações pastorais. Por isso falamos de teologia 
bíblica da missão, no singular e não plural.
Muito provavelmente você já deve ter visto como título de palestra ou 
até mesmo um curso inteiro chamado de Bases Bíblicas da Missão. 
Podemos dizer, que existe alguma inconsistência nessa ideia, pois, 
a Bíblia toda é a base da missão. Elencar alguns versículos isolados, 
como até mesmo os textosda chamada Grande Comissão e afi rmar que 
estes, incluindo Atos 1:8, são as bases bíblicas da missão, é outro risco. 
Corre-se o risco de fazer Bíblia uma colcha de retalhos e dar prioridade 
e preferências para determinados textos em função de outros. Uma das 
consequências é que as pessoas não sabem o que fazer, por exemplo, 
com os textos Poéticos como Provérbios, Cantares, Salmos, Jó. Qual 
o lugar, por exemplo, de Cantares na missão de Deus? Portanto, não 
devemos falar de bases bíblicas da missão, mas sim a Bíblia toda como 
a base da missão. Afi nal, “toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para 
o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, 
a fi m de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado 
para toda boa obra” (2 Tm 3:16 – 17). A Bíblia, “toda a Escritura”, é o 
tratado e manifesto missional de Deus ao mundo.
Um missiólogo, ou missiologista, deve pensar a missão de uma maneira 
bíblica e integral, porque busca compreender os propósitos do Deus-
Criador visando uma perspectiva mais profunda dos anseios de homens 
e mulheres como seres criados à sua imagem. A missiologia é a teologia 
prática ou na prática. Sendo a missiologia o estudo bíblico teológico da 
missão, ela é uma disciplina que, em suas elaborações e rigores, procura, 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA20
segundo Bosch (2002, p. 26), “olhar o mundo a partir da perspectiva do 
compromisso com a fé cristã”, e por outro lado discernir como o mundo 
infl uencia a fé cristã. Este é um processo hermenêutico: discernir e refl etir 
como sociedade infl uência a comunidade de fé e, por outro lado, como 
a comunidade de fé é chamada para infl uenciar a sociedade/mundo por 
meio dos valores bíblicos. Para isso, cruza as barreiras entre o mundo 
da fé e não-fé. De acordo com Christopher Wright (2006, p. 25), o termo 
missiológico deve ser usado toda vez que tal aspecto bíblico teológico 
ou refl exivo estiver implicado. Sobre isso, Charles van Engen (2007, p. 
3) diz que “a missiologia é um todo unifi cado; é uma disciplina em si, 
centrada em Jesus e em sua missão. Como a igreja participa da missão 
de Jesus Cristo, ela participa da missão de Deus no mundo de Deus, por 
meio do poder do Espírito Santo”. 
Esse breve aporte aos usos e designações desses conceitos será de 
extrema importância para o restante desse curso, pois, desde já, você 
tem ferramentas para identifi car o que efetivamente está se dizendo 
quando se aplica tais termos ao estudo da teologia bíblica de missão. 
Uma coisa é dizer “Bases Bíblicas da Missão”. Outra é dizer “A Bíblia é 
a Base da Missão”. A Bíblia (“toda Escritura”) é o tratado, o manifesto 
missional de Deus. Elencar alguns versículos ou textos, como os 4 
Grandes Comissões, Atos 1:8, entre outros, e chamar isso de “base” 
é fazer da Bíblia uma colcha de retalho que corre o risco de priorizar 
ênfases em detrimento de outras.
Assim, um missiólogo (ou missiologista) deve pensar a missão de uma 
maneira bíblica e integral, porque busca compreender os propósitos do 
Deus–Criador visando uma perspectiva mais profunda dos anseios de 
homens e mulheres como seres criados à Sua imagem (imago Dei). A 
missiologia é a teologia prática. Sendo a missiologia o estudo bíblico–
teológico da missão, ela é uma disciplina que, em suas elaborações e 
rigores, procura, segundo Bosch (2002, p. 26), “olhar o mundo a partir da 
perspectiva do compromisso com a fé́ cristã”, e por outro lado discernir 
como o mundo infl uencia a fé cristã. Este é um processo hermenêutico: 
21Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
a infl uência na comunidade de fé e por sua vez a comunidade de fé é 
chamada para infl uenciar o mundo por meio dos valores bíblicos. Para 
isso cruza as barreiras entre o mundo da fé e não–fé. De acordo com 
Chris Wright (2006, p. 25), o termo missiológico deve ser usado toda vez 
que tal aspecto bíblico– teológico ou refl exivo estiver implicado.
Sobre isso, van Engen (2007, p. 3) diz que “a missiologia é um todo 
unifi cado; é uma disciplina em si, centrada em Jesus e em sua missão. 
Como a igreja participa da missão de Jesus Cristo, ela participa da 
missão de Deus no mundo de Deus, por meio do poder do Espírito Santo”.
Esse breve aporte sobre os usos e designações desses conceitos será 
de extrema importância para o restante desse curso, pois, desde já, você 
tem ferramentas para identifi car o que efetivamente está se dizendo 
quando se aplica tais termos no estudo da teologia bíblica de missão.
Para fi nalizar essas questões introdutórias, voltemos a três observações 
feitas por David Bosch (2002, p. 28-29) em seu relevante estudo sobre 
a missão.
• Primeira observação, Bosch distingue missão (no singular) de 
missões (no plural) – como também já destacamos anteriormente. 
Para ele, o primeiro conceito designa a missão de Deus, isto é, implica 
na “autorrevelação (sic) de Deus como Aquele que ama o mundo, o 
envolvimento de Deus no e com o mundo, a natureza e atividade de 
Deus, que compreende tanto a igreja quanto o mundo, e das quais a 
igreja tem o privilégio de participar”. Já o segundo conceito, de missões, 
como temos visto, refere–se aos empreendimentos missionários da 
igreja que são suas “formas particulares, relacionadas com tempos, 
lugares ou necessidades específi cas, de participação na missio Dei”.
• Segunda observação, Bosch afi rma que a missão não é sinônima 
de evangelização, mas certamente a evangelização está inclusa 
na missão como uma de suas fundamentais dimensões – a 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA22
dimensão kerigmática. E, assim, como um dos elementos da 
missão, a evangelização é, conforme Bosch, “a proclamação da 
salvação em Cristo às pessoas que não creem nele, chamando–as 
ao arrependimento e à conversão, anunciando o perdão do pecado 
e convidando–as a tornarem–se membros vivos da comunidade 
terrena de Cristo e a começarem uma nova vida de serviço aos outros 
no poder do Espírito Santo”.
• Terceira observação, Bosch defende particularmente que a missão 
é a expressão tanto do sim como do não de Deus ao mundo. O sim 
de Deus pode se expressar na solidariedade cristã com a sociedade 
e na valorização da cultura; o não de Deus, por sua vez, apareceria 
como expressão de nossa oposição e confl ito com ela. Isso 
propriamente para dizer que a igreja – como um sinal do reino de 
Deus e instrumento da graça na reconciliação do mundo com Deus – 
não é nem totalmente idêntica e nem totalmente avessa a ele. Não é 
nem totalmente idêntica porque:
Não ameis o mundo nem as coisas que há no mundo. Se 
alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele; porque 
tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a 
concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede 
do Pai, mas procede do mundo. Ora, o mundo passa, bem 
como a sua concupiscência; aquele, porém, que faz a vontade 
de Deus permanece eternamente (1 Jo 2:15–17).
Por outro lado, nem é totalmente avessa ao mundo:
Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu 
Filho unigênito... pois “Deus enviou o seu Filho ao mundo, 
não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse 
salvo por ele” (Jo 3:16–17) e “assim como tu me enviaste ao 
mundo, também eu os enviei ao mundo (Jo 17:18; 20:21).
23Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
3. O contexto da missão: uma perspectiva urbana
A missão de Deus, realizada por meio do seu povo, sempre será exercida 
e desenvolvida em contextos específi cos que possuem suas demandas 
e desafi os específi cos. Estudar tais contextos e desafi os é uma tarefa 
imprescindível que deve ser levada a sério visando a efi cácia da missão. 
É conhecida a frase, atribuída ao teólogo suíço Karl Barth (1886–1969), 
que disse: “É preciso segurar numa mão a Bíblia e na outra o jornal”. 
Com isso ele quis dizer que jamais devemos negligenciar o estudo das 
questões contextuais contemporâneas sempre em diálogo com a Palavra 
de Deus. Qual o risco de não se fazer isso? O risco é o de uma mensagem 
descontextualizada. Por issoa contextualização se tornou um tema 
indispensável no estudo da Missiologia. Isso se aplica à interpretação das 
Escrituras: um bom missiólogo não despreza o fato de que o texto tem seu 
contexto, tanto do autor original quanto em sua comunicação ao leitor atual.
Muitos são os contextos da missão: urbano, rural, indígena, ribeirinhos, 
transculturais, ciganos e tantos outros. Aqui focaremos o contexto urbano 
não por preferência, e nem por menosprezo dos demais contextos, mas 
sim pela urgência. A urbanização é o maior e mais desafi ador fenômeno 
para o mundo.
Quando falamos e refl etimos sobre a missão, seguramente temos que 
considerar o “onde” da missão, que a isso chamamos de contexto. 
Ignorar o contexto da missão é ignorar sua possibilidade de pertinência 
e relevância. Precisamos relembrar constantemente que Jesus era 
conhecido como “Jesus de Nazaré” (Lc 4:34; 18:37; 24:19) e que “Pilatos 
mandou preparar uma placa e pregá-la na cruz, com a seguinte inscrição: 
“Jesus Nazareno, o rei dos Judeus” (Jo 19:19).
Olhemos de modo mais específi co o contexto urbano brasileiro.
3.1. O contexto urbano do Brasil hoje
O Brasil hoje é majoritariamente é majoritariamente urbano. Os números 
demonstram que:
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA24
É comum aceitar que o processo da aceleração da urbanização brasileira 
se deu a partir de 1950. “A urbanização brasileira, só começou a ocorrer 
no momento em que a indústria tornou – se o setor mais importante da 
economia nacional. Assim, representa um dos aspectos da passagem 
de uma economia agrário – exportadora para uma economia urbano – 
industrial, fato que só ocorreu no século XX e intensifi cou – se a partir 
de 1950”1.
Surge assim o processo de metropolização, que trata da concentração 
demográfi ca nas principais áreas metropolitanas do país. A tabela a 
seguir traz os dados da população brasileira colhidos nos Censos do 
IBGE de 2000 e 20102:
1 Metropolização e problemas sociais urbanos. Disponível em: http://www.algosobre.
com.br/geografi a/metropolizacao–e–problemas–sociais–urbanos.html. Acesso em 17 
mai. 2011.
2 Até a hoje (2022) o último censo do IBGE realizado no Brasil foi o de 2010.
25Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
Comparando os números, destaca-se o aumento de mais de 20 milhões 
no total da população, cerca de 2 milhões por ano nesses últimos 10 
anos. Em contraste, vemos também a diminuição de quase 2 milhões de 
habitantes nas áreas rurais. 
Os dados do gráfi co abaixo demonstram a população urbana versus a 
rural em todos os Estados do Brasil. Perceba que o Brasil é 84% urbano3.
De acordo com esses dados, percebe-se que os três estados mais 
urbanos do Brasil são: Distrito Federal (96,62%), Rio de Janeiro (96,71%) e 
São Paulo (95,88%). Os três estados mais rurais são: Maranhão (36,93%), 
Piauí (34,23%) e Pará (31,51%). A conclusão clara é esta: os estados mais 
3 IBGE – Censo 2010 – www.ibge.org.br
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA26
urbanizados estão no eixo sul-sudeste e os mais rurais no eixo norte-
nordeste.
O fenômeno chamado urbanização tem trazido muitas consequências 
para as cidades e seus habitantes. Para muitos as cidades são símbolos 
negativos da vivência humana. E isso é uma das explicações da 
resistência da não ação redentora da igreja para com a cidade.
3.2. Cidade: símbolo de caos, desordem social e 
artifi cialidade
Para a maioria das pessoas, a cidade não passa de um espaço geográfi co 
para se viver e “ganhar a vida”. Este espaço, muitas vezes hiperlotado, é 
sinônimo ou símbolo de anarquia, de caos, de desordem social e de vida 
artifi cial. Existem pelo menos quatro atitudes carregadas de sentimentos 
e ações, como consequências desta visão negativa, sendo: 
3.2.1. Despersonalização
O sentimento de que na cidade as pessoas não passam de um número, 
de um dado estatístico. Em seu clássico artigo “A metrópole e a vida 
mental” de Georg Simmel (1973) procura mostrar como as metrópoles 
alteram a personalidade das pessoas em função das de tantas situações 
que acabam condicionando e afetando a psique humana. Simmel (1973, 
p. 12) afi rma:
A metrópole extrai do homem, enquanto criatura que procede 
a discriminações, uma quantidade de consciência diferente 
da que a vida rural extrai. Nesta, o ritmo da vida e do conjunto 
sensorial de imagens mentais fl ui mais lentamente, de modo 
mais habitual e mais uniforme. É precisamente nesta conexão 
que o caráter sofi sticado da vida psíquica metropolitana 
se torna compreensível – enquanto oposição à vida da 
pequena cidade, que descansa mais sobre relacionamentos 
profundamente sentidos e emocionais.
27Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
Isso explica as muitas fobias, medos e crises gestados pelo estilo de 
vida urbana. 
3.2.2. Medo com ansiedade
Na cidade as pessoas morrem de medo e vivem apavoradas. Têm medo 
de roubos, assaltos, delinquências, trânsito, risco de desemprego, não 
conseguir uma vaga para o fi lho estudar, morrer na fi la do SUS, não ter 
comida, ser despejado da casa. As pessoas vivem debaixo de pressão 
o tempo todo. O aclamado Sociólogo Zygmunt Bauman (2009, p. 19) 
nascido na Polônia, em uma família de judeus poloneses), em sua 
refl exão sobre o Confi ança e medo na cidade, diz:
Todos sabem que viver numa cidade é uma experiência 
ambivalente. Ela atrai e afasta; mas a situação do citadino 
torna-se mais complexa porque são exatamente os mesmos 
aspectos da vida na cidade que atraem e, ao mesmo tempo 
ou alternadamente, repelem. A desorientadora variedade 
do ambiente urbano de fonte de medo, em especial 
entre aqueles de nós que perderam seus modos de vida 
habituais e foram jogados num estado de grave incerteza 
pelos processos desestabilizadores da globalização. Mas 
esse mesmo brilho caleidoscópico da cena urbana, nunca 
desprovido de novidades e surpresas, torna difícil resistir a 
seu poder de sedutor.
3.2.3. Intimidação
São tantos os problemas e, na maioria das vezes, maiores do que a nossa 
capacidade de resolver que fi camos intimidados, acuados, e quase nada 
conseguimos fazer. Sentimos que não temos capacidade de resolver 
tantos problemas, como por exemplo a violência urbana ou os desafi os 
que existentes em uma favela (comunidade). 
No documento da ONU chamado United Nations system-wide guidelines 
on safer cities and human settlements (Diretrizes para todo o sistema das 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA28
Nações Unidas sobre cidades mais seguras e assentamentos humanos) 
do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (UN-
Habitat, 2012, p. 6)), diz: 
Tornar as cidades e os assentamentos humanos seguros é 
uma das principais aspirações refl etidas no Objetivo 11 da 
Agenda 2030. Da mesma forma, na Nova Agenda Urbana, 
os Estados Membros se comprometeram a promover um 
ambiente seguro, saudável, inclusivo e protegido nas cidades 
e assentamentos humanos, permitindo que todos vivam, 
trabalhem e participem da vida urbana sem medo de violência 
e intimidação, levando em consideração que mulheres 
e meninas, crianças e jovens e pessoas em situação de 
vulnerabilidade são muitas vezes particularmente afetadas
(ênfase minha).
A Bíblia contém inúmeras histórias de pessoas intimidadas especialmente 
por causa da violência. No livro que sou um dos organizadores, Porque 
Deus amou o mundo: igreja e ODS (2018, p. 263), trato do ODS (Objetivo 
de Desenvolvimento Sustentável n. 11, Cidades e Comunidades 
sustentáveis), mostrando a ação de Deus com o dilúvio: 
Violência e corrupção da conduta humana deram fi m aos primeiros 
povoamentos e cidades. Os sonhos dos primeiros construtores, como 
Caim e outros, literalmente foram para debaixo da água, com o dilúvio, pois 
“as águas prevaleceram sobre a terra cento e cinquenta dias” (Gn 7:24). 
Foram necessários quase cinco meses para destruir tudo quanto o ser 
humano havia construído até então, inclusive o próprio Jardim do Éden.
Este recomeço nasce, novamente, com a bênção de Deus: 
“Deus abençoou Noé e seus fi lhos dizendo-lhes: “Sejamférteis, multipliquem-se e encham a terra” (Gn 9:1; ver também 
9:7) e “a partir deles toda a terra foi povoada” (Gn 10:19). Este 
povoamento teria que acontecer com o compromisso, por 
parte de Noé e seus fi lhos, de não permitir que violência e 
29Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
corrupção da conduta humana se estabelecessem na terra 
novamente. Deus estabelece uma aliança com a família 
de Noé e a estende “para todas as gerações futuras” (Gn 
9:12). Mas isto não é unilateral. Deus deixa claro que pediria 
contas da vida do próximo (Gn 9:5) e afi rma: “Quem derramar 
sangue do homem, pelo homem seu sangue será derramado; 
porque à imagem de Deus foi criado o homem” (Gn 9:6). Esta 
é a contrapartida da aliança. Exige a participação humana 
como compromisso responsável. A cláusula contratual que 
Deus impõe na aliança é para o benefício do próprio ser 
humano. Ou seja, os novos povoamentos e a construção das 
futuras cidades não poderiam se dar pelo uso e exercício da 
violência como também desenvolver uma nova percepção 
ética-moral para que a corrupção não encontrasse um 
solo fértil para crescer. E foi com base nessas condições 
humanitárias que Deus disse: “Sejam férteis, multipliquem-
se e encham a terra” (Gn 9:7). Encham a terra de gente 
pacífi ca e íntegra! Isto nos fornece preciosas pistas de que 
dois elementos são fundamentais para Deus nas relações 
humanas: paz e integridade. Uma sociedade violenta e 
corrupta revela a ausência da imagem de Deus (Gn 9:6). A 
busca da paz e da integridade não se trata apenas de um 
esforço determinante para as relações humanas, mas acima 
de tudo de preservar o essencial: a imago Dei no meio delas. 
Encontramos aqui uma função teológica impressionante 
para o exercício da missão do povo Deus nas cidades: a 
imagem de Deus no próximo. Isso revela que a questão 
da violência e da corrupção não pode ser vista e abordada 
apenas como um mal social e estrutural da sociedade. A 
questão essencial é relacional-espiritual, mas é óbvio que 
esse aspecto é negligenciado pelos governantes. É relacional
porque a violência e a corrupção, sejam quais forem suas 
expressões e modalidades, sempre atinge o ser humano. É 
espiritual porque a violência e a corrupção acontecem pelo 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA30
menosprezo ou desconhecimento da imagem de Deus no 
próximo. Isso revela o quanto Deus está interessado em 
participar da vida das pessoas da cidade.
3.2.4. Individualismo
Muitos dizem e praticam o “cada um por si e Deus por todos”. A 
individualização é uma proposta da secularização: a religião sem igreja. 
Quantas pessoas dizem: “eu não vou à igreja, mas leio a Bíblia, rezo, oro, 
sou muito ligado a Deus”. Pessoas que beiram o sincretismo religioso, 
que procuram mostrar que todas as religiões são boas são, grosso modo, 
pessoas que vivem uma religião individual, ao estilo selfservice. 
Gilberto Velho (renomado antropólogo brasileiro, pioneiro da Antropologia 
Urbana no Brasil, falecido em 2012), em seu artigo Individualismo, 
anonimato e violência na metrópole, diz:
A indiferença, o egoísmo, o narcisismo aparecem como 
expressão do individualismo associados à especifi cidade 
da vida metropolitana, à separação de domínios, à 
fragmentação de papéis, à perda de laços de comunidade, 
a deformações do capitalismo competitivo, à massifi cação, 
entre outros. Portanto, de um lado temos o individualismo(s) 
como força positiva de transformação, vinculado às idéias 
de liberdade e igualdade, rompendo com a opressão e rigidez 
de sistemas tradicionais de dominação e organização social 
como o feudalismo. De outro, o individualismo aparece 
como produtor de situações de desagregação e anomia 
sociais, rompendo com valores e redes de reciprocidade e 
de atuação pública. Obviamente, em se tratando de público 
e de privado, a questão da propriedade em uma sociedade 
capitalista, com seu corolário social é ponto chave nessa 
discussão sobre direitos individuais e necessidades sociais.
31Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
3.2.5. Insensibilidade
O volume dos problemas sociais, o aumento da pobreza urbana que 
vai encurralando as pessoas para os morros e periferias da cidade, 
a crescente população de mendigos, indigentes, usuários de drogas, 
pedintes, crianças nas ruas que vão se tornando parte da geografi a e do 
cotidiano das pessoas que já não mais sofrem ou têm compaixão. São 
tantas mazelas que provocam a perda de sensibilidade e de humanidade. 
A ausência da sensibilidade conspira contra a compaixão. O ver precede 
o serviço compassivo. Muitas pessoas não percebem que o servir exige 
ver. Isso é claro na vida de Jesus: “Vendo ele as multidões, compadeceu-
se delas, porque estavam afl itas e exaustas como ovelhas que não têm 
pastor” (Mt 9:36). O famoso ditado diz que “o que os olhos não veem o 
coração não sente”. 
Em outra ocasião, Lucas relata que “Estava ali [no tanque chamado 
Betesda, que signifi ca casa de misericórdia, junto à Porta das Ovelhas) 
um homem enfermo havia trinta e oito anos. Jesus, vendo-o deitado e 
sabendo que estava assim há muito tempo, perguntou-lhe: Queres ser 
curado?” (Jo 5:6). O ver conduz ao serviço compassivo. Que não vê, não 
serve! É isso que insensibilidade causa em nós, a perda do ver!
3.2.6. Impotência
A impotência é o sentimento ou a sensação de incapacidade diante da 
imensidão dos desafi os e problemas. As pessoas passam a se justifi car 
alegando que não conseguem cuidar de seus próprios problemas, quanto 
mais dos problemas dos outros. Esse texto acima dessa história no diz 
que “estava ali um homem enfermo havia trinta e oito anos” (Jo 5:6). 
Mas ele não era o único nesse estado deplorável, pois com ele, “jazia 
uma multidão de enfermos, cegos, coxos, paralíticos [esperando que se 
movesse a água. Porquanto um anjo descia em certo tempo, agitando-a; 
e o primeiro que entrava no tanque, uma vez agitada a água, sarava de 
qualquer doença que tivesse]” (Jo 5:2-4). Para piorar, era um tanque 
no “qual tem cinco pavilhões” (Jo 5:2). Ou seja, um lugar imenso, com 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA32
uma multidão de enfermos, cegos, coxos, paralíticos, gente totalmente 
desprezível para os judeus, Jesus volta-se para apenas um deles, vendo-o
deitado e sabendo que estava assim há muito tempo, perguntou-lhe: 
Queres ser curado?” O evangelho nos chama a ser compassivos com 
todas as pessoas, mas isso não nos autoriza que ao vermos a imensidão 
de necessidades que nos justifi quemos e nos escondamos na desculpa 
de que se não podemos não podemos socorrer todos não vamos socorrer 
um correndo o risco de sermos injustos. Isso é o que nós e a igreja faz 
muitas vezes, justifi cando-se que “não podemos abrir mão da regra “ou 
todos ou ninguém”. Jesus não teve essa crise, que, em meio a multidão de 
enfermos, cegos, coxos, paralíticos e cura apenas “estava ali um homem 
enfermo havia trinta e oito anos”. Não se pode justifi car o nada fazer em 
nome da impotência que paralisa a misericórdia e a compaixão! 
3.2.7. Indiferença
Como você deve per percebido, essas palavras que começam com “I”, são 
como um círculo hermenêutico cujo destino fi nal é vivermos alienados, 
indiferentes as necessidades e sofrimentos dos outros. Ou seja, não 
negamos que existem, mas não nos importamos mais.
A insensibilidade gera a indiferença. Indiferença é o estado de não se 
importar que leva a pessoa à apatia. Neste sentido, a parábola do Bom 
Samaritano é muito familiar para nós.
Ninguém sai desses estados e sentimentos intrapsíquicos com 
pensamentos positivos. Apenas a Palavra de Deus é poderosa, pela 
força do Espírito, de nos tirar dessa letargia e nos mover para ações 
concretas transformadoras. Quantas não foram as situações de pavor e 
medo que o povo de Deus experimentou e recebeu, de Deus, palavras de 
encorajamento: “não temam”!
Estamos refl etindo esse tema da questão urbana pelo fato de que o 
principal locus atual, mas não único, da missão é o contexto urbano. Muito 
me encanta a citação de João Batista Libânio(2012, p. 13)., que disse:
33Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
Aí estão os dados estatísticos. O Brasil já caminha para 
uma população 79 por cento urbana. A igreja rural tende a 
desaparecer. É verdade que os arquétipos rurais, o imaginário 
agrário acompanha ainda muitas pessoas da primeira 
geração que migrou para as cidades. Pouco a pouco, os 
nascidos do mundo urbano criam novo horizonte de pensar 
e de agir. A teologia e a pastoral não podem desconhecer 
tais mudanças. Desafi a– nos construir uma matriz teológica 
urbana que responda a perguntas diferentes. O Cristianismo 
em seus primórdios proliferou antes em áreas urbanas. 
Tem uma conaturalidade com esse mundo. Sua ruralização 
veio depois. E impregnou–o de tal que hoje nos parece 
difícil pensa–lo fora desse paradigma. A teologia da cidade 
continua ainda mais um desejo que uma realidade, mais 
um programa que uma realização, mais uma proposta que 
um fato. Tem sido mais trabalhada pela pastoral e menos 
pela sistemática. Talvez porque não aparece claramente 
sua identidade. A cidade atual e a moderna confundem–
se em muitos aspectos. Modernização – a modernidade 
tecnológica – e urbanização massiva caminham juntas.
A cidade se constitui um dos principais objetos de estudo hoje para a 
concretude e realização da missão e ministérios. Não basta colocar 
uma igreja em um bairro, abrir suas portas, e esperar que o povo venha. 
É necessário estudar profundamente a geografi a, o onde a igreja e 
ministério estão inseridos.
No desenvolvimento da Teologia Bíblica de Missão perceba que ela, 
teologia, é um ato segundo – uma perspectiva muito defendida pelo 
teólogo Gustavo Gutiérrez. O ato primeiro é do próprio Deus que age e 
intervém na história da humanidade. É, portanto, a partir do agir de Deus 
– misso Dei – no mundo que tudo o que fazemos se torna uma resposta 
a esse agir. Entendida desta forma, a teologia jamais será um fi m em 
si mesma, mas antes um instrumento. Não se estuda teologia com a 
fi nalidade de se tornar um erudito ou obter um título. A educação teológica 
| Teologia Bíblica da Missão | FTSA34
é um instrumento que visa capacitar as pessoas para a missio Dei. Só 
existe teologia porque existe a missão. Sem missão não há necessidade 
de teologia, como também, a necessidade da igreja.
3.3. Sem necessidade não há necessidade da missão
Isso fi ca muito claro na compreensão que o próprio Jesus tem sobre o 
motivo/fi nalidade de ter sido enviado pelo Pai ao mundo. Jesus, como 
agente de Deus e de Sua missão, tem plena consciência de que fora 
enviado para suprir as necessidades das pessoas:
Sendo dia, saiu e foi para um lugar deserto; as multidões 
o procuravam, e foram até junto dele, e instavam para que 
não os deixasse. Ele porém lhes disse: É necessário que eu 
anuncie o evangelho do Reino de Deus também às outras 
cidades, pois para isso é que fui enviado. E pregava... (Lc 
4:43 – 44).
O dia nem quase havia rompido e um bando de gente já estava atrás 
de Jesus: “as multidões o procuravam” (Lc 4:42). E tendo-o achado, 
“insistiram que não as deixasse”. A resposta de Jesus a essa multidão 
é o texto de Lucas 4:43. O apelo da multidão pode ser um símbolo ou 
uma representação de um dos grandes desafi os que se percebe na igreja 
hoje ou que tem perpassado a sua história. O que notamos é a tendência 
ad intra em sobreposição ao ad extra, ou seja, a tentação de privatizar
Aquele que veio para todos.
Essa mesma tentação é percebida no episódio do Monte da 
Transfi guração. Sabemos que a fé se alimenta no relacionamento 
particular com Jesus: “tomou Jesus consigo a Pedro e aos irmãos Tiago 
e João e os levou, em particular, a um alto monte” (Mt 17:1). Esse é o 
aspecto do secreto: “Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, 
fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê 
em secreto, te recompensará” (Mt 6:6). Pedro deseja que esse momento 
especial seja o centro da sua relação com o mestre: “Então, disse Pedro 
35Teologia Bíblica da Missão | FTSA | 
a Jesus: Senhor, bom é estarmos aqui; se queres, farei aqui três tendas; 
uma será tua, outra para Moisés, outra para Elias” (Mt 17:4). No entanto, 
o locus da sua manifestação está no público. Tão logo desceram do 
monte, no espaço público, surge uma situação de possessão demoníaca:
E, quando chegaram para junto da multidão, aproximou – se 
dele um homem, que se ajoelhou e disse: Senhor, compadece 
– te de meu fi lho, porque é lunático e sofre muito; pois muitas 
vezes cai no fogo e outras muitas, na água. Apresentei – o 
a teus discípulos, mas eles não puderam curá-lo. Jesus 
exclamou: Ó geração incrédula e perversa! Até quando 
estarei convosco? Até quando vos sofrerei? Trazei – me 
aqui o menino. E Jesus repreendeu o demônio, e este saiu 
do menino; e, desde aquela hora, fi cou o menino curado (Mt 
17:14-18).
De certa forma, podemos afi rmar que é no público que a missão 
acontece, mas é no privado que a fé é nutrida. A multidão queria reter 
Jesus para ela, queria que Jesus fosse seu refém, de suas necessidades, 
sem perceber as necessidades das outras pessoas que ali não gozavam 
do mesmo privilégio. Assim, a resposta de Jesus está encharcada de 
teologia bíblica da missão. Olhemos com mais cuidado, apenas em um 
versículo, essa resposta de Jesus que revela os seguintes elementos da 
missão (de novo, em apenas um versículo!).
3.3.1. A importância: “é necessário”
A principal visão que precisamos ter e desenvolver é esta: “Porque Deus 
amou a cidade (o mundo)”. A cidade é alvo do amor de Deus. Deus amou 
tanto as pessoas e suas cidades que enviou seu único Filho para que 
elas encontrassem esperança. E Jesus compreende esse amor do Pai 
e engaja-se em sua missão nos centros urbanos de sua época. Se a 
multidão vê Jesus como uma oportunidade para o isolamento, por meio 
de uma atitude de egoísmo e desprezo para com os que estão de fora, 
Jesus olha a necessidade dos outros de forma inclusiva. “O egoísmo não 
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é amor por nós próprios, mas uma desvairada paixão por nós próprios” 
(Aristóteles). Jesus entende e vê a vida humana por meio da necessidade. 
A multidão não vê a necessidade do outro, apenas a dela. Jesus, além de 
ver, se percebe como o agente de Deus para a cidade. Da mesma forma que 
o apóstolo João nos informa: “E era-lhe necessário atravessar a província 
de Samaria” (Jo 4:4). Jesus ainda disse: “Estai vós de sobreaviso, porque 
vos entregarão aos tribunais e às sinagogas; sereis açoitados, e vos farão 
comparecer à presença de governadores e reis, por minha causa, para 
lhes servir de testemunho. Mas é necessário que primeiro o evangelho 
seja pregado a todas as nações” (Mc 13:9-10). E ainda, disse Jesus que “é 
necessário que façamos as obras daquele que me enviou, enquanto é dia; 
a noite vem, quando ninguém pode trabalhar” (Jo 9:4), revelando seu senso 
de que a necessidade está diante de nós, seus discípulos.
O que justifi ca a missão? A necessidade. Entender isso é fundamental 
para justifi car a presença da igreja e dos cristãos em uma determinada 
cidade. Deixar de se envolver e de se perceber como um instrumento 
de Deus para suprir as necessidades das pessoas é deixar de realizar a 
missão de Deus. E, normalmente, as necessidades vêm carregadas de 
problemas, difi culdades, crises, dores, e tantas outras coisas. Jesus é 
a resposta de Deus para as necessidades do mundo. Se os discípulos 
de Jesus e sua igreja se recusarem a abençoar as pessoas em suas 
necessidades, nada mais resta, se não, ser “pisado pelos homens” (Mt 
5:13). Devemos, portanto, por mais difícil que seja, ver as necessidades 
das pessoas como oportunidades missionais. E nos dias de hoje, diante 
de tantas necessidades e problemas, a porta está escancarada para 
realizarmos a missão de Deus. Suprir as necessidades não é sinônimo 
de atender os desejos das pessoas e nem mesmo fazer por elas. Fazer 
por elas ou no lugar delas é gerar dependência e paternalismo. Nosso 
desafi o é fazer com elas.O que justifi ca a missão é a necessidade. Se não houver necessidade 
(espiritual, material, emocional, entre outras), não há necessidade da 
missão. Mas, como há a necessidade da missão, quem a realiza?
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3.3.2. O agente: “que eu”
Só existe missão porque existem necessidades. Missão é sempre resposta 
à necessidade. Quem age primeiro é Deus. Mas, se existem necessidades, 
alguém precisa supri-las. Jesus se coloca como o agente de Deus: “é 
necessário que eu”. Existem dois tipos de cristãos: os que não percebem 
a necessidade dos outros - neste caso aqui representados por essas 
multidões - e os que percebem a necessidade dos outros - representados 
por Jesus. Ou imitaremos as multidões ou imitaremos Jesus. A igreja só 
é missional quando todas as pessoas que dela participam se percebem 
como agentes da missão. Cada discípulo é um agente da missão de 
Deus no mundo, e isso, onde estiver. É esse eu missional, esse “Cristo 
em vós, a esperança da glória” (Cl 1:27). Se cada discípulo não tiver a 
consciência desse “é necessário que eu”, a missão trunca, paralisa e 
se torna dependente dos pastores e missionários profi ssionais. Cada 
pastor tem a responsabilidade de conscientizar, educar e capacitar cada 
pessoa para que ela diga: “eu um missionário(a)”. E a missão acontece 
majoritariamente no ad extra, nessa geografi a da Parábola da Grande 
Ceia: “sai depressa para as ruas e becos da cidade” (Lc 14:21) e “sai pelos 
caminhos e atalhos” (Lc 14:23). Nenhuma geografi a pode escapar ou fi car 
de fora da esfera do agente missional: ruas, becos da cidade, caminhos 
e atalhos. A direção é que este agente missional saia e depressa, porque 
“ainda há lugar”, pois o desejo de Deus é este: “para que fi que cheia a 
minha casa” (Lc 14:23).
3.3.3. O método: “anuncie”
“É necessário que eu anuncie”. Esse “anuncie”, em algumas versões 
“pregue”, em grego, é εαγγελίσασθαί (euangelisasthai). Esse anúncio 
não pode ser interpretado como sendo apenas palavras. Ao estudar os 
relatos de Lucas sobre o ministério urbano de Jesus e da igreja primitiva, 
fi camos perplexos ao vê-lo em ação: “Jesus começou a fazer e a ensinar” 
(At 1:1). Ele é “poderoso em obras e palavras, diante de Deus e de todo 
o povo” (Lc 24:19). Seu anúncio é integral: obra e palavras em Jesus 
são inseparáveis. A transformação da cidade acontece por meio da 
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manifestação concreta do amor de Deus e poder transformador do 
Evangelho. O Evangelho é o próprio Jesus. Ele é a boa notícia manifestada 
em atitudes e em palavras. Quando agimos em nome de Jesus estamos 
pregando por meio do nosso testemunho de vida imitando-o. Quando 
anunciamos Jesus estamos pregando por meio de palavras de vida 
baseadas nEle.
É bem perceptível a força dessa bênção que o apóstolo Paulo deu à Igreja 
em Tessalônica. Em suas palavras, lemos: “Que o próprio Senhor Jesus 
Cristo e Deus nosso Pai, que nos amou e nos deu eterna consolação e 
boa esperança pela graça, dê ânimo aos seus corações e os fortaleça 
para fazerem sempre o bem, tanto em atos como em palavras” (2 Ts 
2:16 – 17).
3.3.4. O conteúdo: “o evangelho do Reino”
É o Evangelho do reino que transforma, tanto as pessoas como as cidades. 
Jesus disse: “Quando entrarem numa cidade e forem bem recebidos, 
comam o que for posto diante de vocês. Curem os doentes que ali houver 
e digam – lhes: O reino de Deus está próximo de vocês” (Lc 10:8-9). O 
evangelho do reino não trata de distração, mas de atração. Somente ele 
tem o poder de atrair as pessoas para Deus. Só o evangelho do reino - 
βασιλεία tο Θεο (basileia tou Theou) - cujo centro é a cruz, tem o poder 
de transformar. Infelizmente, existem comunidades que já renunciaram à 
cruz na sua pregação do Evangelho. Pode até ser Evangelho, ou seja, não 
deixa de ser uma notícia, que distrai as pessoas, mas certamente não é 
o Evangelho do reino que atrai as pessoas para Deus por meio da cruz. 
Jesus disse de forma muito enfática que este, e não outro evangelho, é 
que deve ser pregado: “E este evangelho do reino será pregado em todo 
o mundo como testemunho a todas as nações” (Mt 24:14). Ninguém tem 
o direito de inventar conteúdos novos. Já nos foi indicado: é o Evangelho 
é este, do reino de Deus. As formas como esse Evangelho é anunciado 
e manifestado fi ca por conta da nossa criatividade e contextualidade, 
desde que não seja motivo e escândalo para o próprio Evangelho.
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3.3.5. A inclusividade: “também às outras cidades”
O desejo e pedido das multidões é justamente o contrário: serem 
exclusivas. A exortação de Deus com as pessoas sempre foi essa: 
enquanto Ele busca a humanidade, o ser humano busca a si mesmo. 
Dois exemplos de inclusividade nos são dados pelo próprio Jesus na 
sinagoga de Nazaré: a viúva de Sarepta e Naamã, o sírio. Jesus acabara 
de reafi rmar sua identidade missional, confi rmada na unção do Espírito, 
para servir especialmente aos excluídos e desfavorecidos do seu 
tempo. Os judeus, assim como as multidões, achavam que eles eram os 
destinatários exclusivos da missão. Estavam errados, e Jesus tratou logo 
de desenganá-los dessa ilusão. A missão de Deus é para todos. E a raiva 
tomou conta dos corações das pessoas (Lc 4:28-29). Mas Jesus, em sua 
vocação missional, não desiste. Ele “passou por entre eles e retirou-se. 
Então ele desceu a Cafarnaum, cidade da Galiléia, e, no sábado, começou 
a ensinar o povo” (Lc 4:30-31). Ele não mudou o foco porque sabia 
exatamente qual era seu propósito de vida.
3.3.6. A fi nalidade: “pois para isso é que fui enviado”
“Para isso” implica em vocação, propósito e senso de destino. Jesus se 
percebe enviado com e para esse propósito. A obra não é de Jesus, mas 
do Pai. E Jesus tem uma profunda compreensão da missio Dei. A missão 
é de Deus, e por isso, convoca seus agentes para realizá-la. Assim, Jesus 
é aquele “que andava de cidade em cidade e de aldeia em aldeia, pregando 
e anunciando o Evangelho do reino de Deus” (Lc 8:1) e como resultado 
vinha “ter com ele gente de todas as cidades” (Lc 8:4).
Jesus é nosso modelo de missão para e com a cidade. Seu ministério 
aconteceu nas cidades e regiões do seu tempo: Galiléia (Lc 4:41-9:50); 
Samaria e Judéia (Lc 9:51-19:27) e Jerusalém (Lc 19:28-24:53). E Ele nos 
convida para andar e visitar as cidades que tanto as abençoou com o 
poder do Evangelho.
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Conclusão 
Surge deste modo uma pergunta crucial: - “para qual contexto a teologia 
responde?” Obviamente que para todos porque o Evangelho do reino 
não faz acepção de pessoas e nem de geografi as e contextos. Contudo, 
deve fi car claro para nós que o contexto emergente que produz um 
volume enorme de desafi os são os contextos urbanos. E em particular, 
as cidades, metrópoles e megalópoles do mundo, particularmente as 
que estão no chamado Mundo Majoritário, também chamado de Dois-
Terços-do-Mundo, sendo a Ásia, África e América Latina.
Saiba mais
A população mundial deve crescer em mais de 2,2 bilhões de pessoas 
até 2050, de acordo com estudo da ONU, e mais da metade deste 
crescimento (1,3 bilhão) deve acontecer na África subsaariana. A 
Índia, a China e a Nigéria vão impulsionar o reforço da urbanização, 
representando 35% do crescimento da população urbana entre 2018 
e 2050. Cerca de 55% da população mundial vive atualmente em 
cidades. O estudo estima que nas próximas décadas esse número 
suba para 68%. A expressão “dois terços do mundo” passou a ser 
utilizada no lugar da expressão “terceiro mundo”. Terceiro mundo 
carregou conceitos pejorativos, como sendo países de categoria 
inferior por estarem em continentes subdesenvolvidos. Busca–se 
com essa mudança de nomenclatura colocar o peso não nos aspectos 
econômicos mas populacional, ou seja, dois terços da população do 
mundo estão na América Latina, África e Ásia.
https://nacoesunidas.org/mundo–tera–22–bilhoes–de–pessoas–a–mais–
ate–2050–indica–onu/
[...] enquanto na Europa e América

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