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1 Bioeletricidade Parte 1 2 BIOELETRICIDADE 1. INTRODUÇÃO AO CONTEÚDO O conhecimento dos fenômenos elétricos é importante para uma melhor compreensão dos complexos processos físicos e químicos que caracterizam a vida. Um dos mais impressionantes entre eles é o relacionado ao excesso de íons nos lados externos e interno da superfície celular, e às diferenças entre as concentrações iônicas no interior da célula e no meio extracelular1. 3 Em seres humanos e animais, cerca de 20% da taxa metabólica basal1 é usada para manter o funcionamento elétrico das células, ou seja, esses 20% são usados para controlar: ❖ O fluxo de íons que se encontram em grande quantidade nos lados externo e interno da superfície celular; ❖ Os efeitos devido às diferentes concentrações dos íons presentes no interior da célula e no meio extracelular. Além disso entre os líquidos intra e extracelular há uma diferença de potencial, denominada potencial da membrana, que tem um papel importante no funcionamento elétrico das células2. Estes fatos acima indicam sua importância! A partir da leitura deste texto podemos pensar: Para entendermos os diversos fenômenos elétricos manifestados por uma célula em atividade, precisamos introduzir alguns conceitos básicos de eletricidade. E é o que faremos nas próximas aulas... O estudo da Bioeletricidade é muito importante na Fisioterapia. Entender como a Eletricidade age no corpo humano pode ser interessante e é a fonte de muitos tratamentos utilizados no cotidiano do fisioterapeuta. 1 A Taxa Metabólica Basal (TMB) é o mínimo de energia necesária para manter as funções do organismo em repouso, como os batimentos cardíacos, a pressão arterial, a respiração e a manutenção da temperatura corporal. O que são íons? O que é uma diferença de potencial? 4 Este estudo será dividido em quatro partes: ✓ Introdução a eletricidade: carga elétrica, força elétrica, campo elétrico e potencial elétrico; ✓ Introdução a eletricidade: corrente elétrica, fonte de tensão, resistência elétrica, capacitância; ✓ Efeitos e aplicações; ✓ Terapia e diagnóstico. O conceito de Bioeletricidade é antigo. No entanto, falar que sistemas biológicos geram energia era proibido, já que isso remetia religião, alma, aura e outros assuntos banidos pela ciência até então. Estes estudos só foram possíveis na década de 70, quando a tecnologia ficou mais eficiente. A BIOELETRICIDADE é a parte da ciência que trata de fenômenos elétricos em sistemas VIVOS. O que é Bioeletricidade? Mas sobre o que a Bioeletricidade trata? 5 Pensar nos seres vivos como geradores de energia é muito estranho. Mas se olharmos com mais profundidade veremos que é a pura realidade... A eletricidade é um processo natural inerente a todo e qualquer sistema material, sendo a interação elétrica a interação central para se estabelecer a estrutura da matéria conforme hoje concebida. Todas as reações químicas, incluso as bioquímicas são explicadas mediante a interação eletrônica dos átomos, moléculas ou íons. 1.1. O surgimento da eletricidade Tales de Mileto (Fig. 1), filósofo grego, viveu entre 624 e 546 a. C. Partindo de um pensamento racional ele observava as coisas da natureza procurando uma explicação referente as suas origens. Figura 1. Ilustração de Tales de Mileto Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Tales_de_Mileto A Bioeletricidade não deve ser confundida com o conceito de geração de eletricidade a partir da biomassa, matéria orgânica, geralmente de origem vegetal, usada como fonte de energia limpa. 6 Tales descobriu que havia uma pedra (conhecida como âmbar) que, após ser atritada com pele de animal tinha o poder de atrair objetos leves e secos (Fig. 2). Figura 2. Pedra âmbar atraindo uma pequena pena. https://www.mundodaeletrica.com.br/quem-inventou-a-eletricidade/ A palavra âmbar vêm do grego “elektron”. Daí vem o termo ELETRICIDADE! 1.2. O átomo, as moléculas, os corpos e a carga elétrica Andando séculos no tempo chegamos aos dias modernos, especificamente ao ano de 1897 com a descoberta do átomo2. Na época, o átomo era considerado a menor partícula existente formadora de toda a matéria. O átomo passou por várias definições e vários modelos atômicos foram desenvolvidos ao longo dos anos até o modelo atual. No entanto, na disciplina de Biofísica, o básico sobre o assunto já será suficiente para que possamos compreender a Bioeletricidade. Segue abaixo os principais conceitos sobre o assunto. A natureza é composta por elétrons, prótons e nêutrons, que constituem os átomos. Os prótons e nêutrons encontram-se no núcleo do átomo e os elétrons podem ser encontrados na eletrosfera (Fig. 3). 7 Figura 3. Modelo atômico Algumas características importantes sobre os átomos: 1. Os elétrons e prótons têm características distintas: os elétrons tem carga elétrica com valor −𝟏, 𝟔. 𝟏𝟎−𝟏𝟗 𝑪 e os prótons tem carga +𝟏, 𝟔. 𝟏𝟎−𝟏𝟗 𝑪. Onde 𝑪 é chamado de Coulomb e é a unidade de medida de carga elétrica no SI2. 2. Quando um átomo apresentar a mesma quantidade de elétrons e prótons ele será neutro. 3. No entanto quando houver diferenças no número de elétrons e prótons ele deixará de ser neutro e passará a ter carga elétrica, ficando eletrizado (positivamente ou negativamente). 4. Se o átomo tiver mais prótons que elétrons o átomo (e consequemente um corpo formado com um conjunto destes átomos) terá carga positiva. 5. Se o átomo tiver mais elétrons que prótons o átomo (e consequemente um corpo formado com um conjunto destes átomos) terá carga negativa. A grosso modo podemos dizer que quanto átomos ligam-se uns aos outros são formadas as moléculas e as moléculas formam todos os corpos que conhecemos (inclusive o nosso corpo) (Fig. 4)3. 2 A presença desta carga elétrica é o motivo da pedra âmbar (que vimos no breve histórico sobre o assunto) atrair corpos leves. Núcleo: Prótons Nêutrons Eletrosfera: Elétrons 8 Figura 4. Representação da molécula de DNA 1.3. As cargas elétricas Como vimos os átomos apresentam carga elétrica pois são estruturas compostas por elétrons e prótons (que são carregados). A grosso modo podemos dizer que a maioria dos corpos presentes na Terra são neutros, ou seja, a quantidade de elétrons e prótons presentes nas moléculas estão em igual número, o que causa esta neutralidade. Quando ocorre um desequilíbrio nestas cargas o corpo ficará carregado negativamente ou positivamente (dependendo das cargas que estiverem em excesso). Aqui estou simplificando muito como este processo ocorre. Na realidade há toda uma teoria sobre este assunto que não será discutida nesta disciplina. Cabe a nós sabermos apenas que há corpos, por exemplo, que dificilmente perderão cargas e ficarão “eletrizados3”. É o caso da madeira e do plástico (que são materiais isolantes). Há também corpos que apesar de neutros podem facilmente se eletrizar e ficar carregado com carga elétrica, tais como os metais e até mesmo o corpo humano. Estes materiais são chamados de materiais condutores. Além destes dois tipos de materiais possivelmente vocês já devem ter ouvido falar nos materiais semicondutores. Este tipo de material é usado no desenvolvimento de dispositivos eletrônicos. Estes materiais são isolantes em condições normais de temperatura e pressão e sob certas condições (a aplicação de energia externa por exemplo) passam a permitir passagem de carga elétrica se transformando em materiais condutores3. 3 Quando um corpo apresenta carga elétrica costumamos dizer que ele fica “eletrizado”. 9 Precisamos entender carga elétrica pois o corpo humano é um material condutor e também apresenta carga elétrica! 1.4. O corpo humano e a carga elétricaAs células que fazem parte do corpo humano são constituídas por íons4 em diferentes concentrações no meio intra e extracelular separadas pela membrana celular (Fig. 5)4. Figura 5. Corpo humano e a representação de alguns íons. 4 Íons são átomos que perderam ou ganharam elétrons. Eles se classificam em ânions e cátions: Ânion: átomo que recebe elétrons e fica carregado negativamente. Cátion: átomo que perde elétrons e adquire carga positiva. Mas porque precisamos estudar as cargas elétricas? + + - + - - + 10 Por enquanto é só isso que iremos saber sobre a Bioeletricidade nos corpos humanos. Nas próximas aulas vamos entrar neste assunto com mais detalhes e iremos compreender a importância deste estudo na fisioterapia. 1.5. Força elétrica As cargas elétricas quando são aproximadas umas das outras geram uma grandeza conhecida como “força elétrica”. Se as cargas tiverem o mesmo sinal e forem atraídas uma em direção a outra a atração não ocorrerá e teremos uma força de repulsão entre elas (Fig. 6a). Ou seja, mesmo que a gente tente aproximá-las essa aproximação não ocorrerá. Ocorrerá sim uma repulsão elétrica. No entanto, se estas cargas tiverem sinais contrários haverá uma força de atração entre elas (Fig. 6b). Figura 6. a) Força elétrica de repulsão; b) Força elétrica de atração. Para entender a atuação dessa força observe a Fig. 7. Nela vemos a professora primeiramente a professora atritando uma caneta em seu cabelo (Fig. 7a) e após ela pegando esta caneta e aproximando de pequenos pedaços de papel (Fig. 7b). Quando friccionamos a caneta no cabelo estamos carregando a mesma com carga elétrica. Isso ocorre pois durante a fricção pequenas quantidades de carga elétrica são transferidas de um material para outro, rompendo a neutralidade de ambos (caneta e cabelo). Quando aproximamos a caneta eletrizada dos pedacinhos de papel ocorrerá neste segundo uma separação de cargas e nas partes mais próximas do ponto de aproximação ocorrerá uma atração. Figura 7. a) Caneta sendo friccionada. b) Caneta eletrizada atraíndo pequenos pedaços de papel. a) b) 11 Vejam agora a imagem mostrada na Fig. 8. Nela vemos 3 pessoas com suas mãos colocadas sobre um “gerador de Van der graaf”. Figura 8. Cabelo eletrizado após a menina fazer contato com uma superfície também eletrizada. https://saopauloparacriancas.com.br/gratis-shopping-aricanduva-recebe-museu-catavento/ O gerador de Van de Graaf foi idealizado pelo engenheiro americano Jemison Van de Graaf em 1929 com o objetivo de atingir altas tensões. Ele é constituído por um motor capaz de movimentar uma correia feita de material isolante. A correia atrita-se na parte inferior com uma escova metálica ligada ao eletrodo negativo ou positivo de uma fonte. Esse movimento “eletriza” a correia por atrito, que sobe pelo lado esquerdo eletrizada. Ao chegar à parte superior, a correia toca uma segunda escova, que está em contato com a camada esférica do gerador. Cargas elétricas de sinal oposto ao da correia penetram por ela, deixando a esfera do gerador eletricamente carregada e capaz de gerar altas tensões elétricas ao seu redor. Ao nos encostarmos em um gerador há uma separação de cargas em nosso corpo e as partes mais leves (no caso nosso cabelo) sofrerá uma repulsão às cargas formadas no gerador e irão se afastar. Por isso o cabelo das pessoas está arrepiado e afastado do gerador5. 1.6. Campo elétrico Podemos olhar a Fig. 7b e pensar: porque os papéis que estão sobre a mesa sentem as cargas elétricas que estão na caneta e reagem? Podemos dizer que a caneta ao ser atritada cria um campo elétrico no espaço que a cerca. Quando os papeizinhos são colocados em um ponto qualquer desse espaço, os íons (átomos carregados) presentes em sua estrutura “sabem” que este campo elétrico existe porque são afetados https://saopauloparacriancas.com.br/gratis-shopping-aricanduva-recebe-museu-catavento/ 12 por ele. Assim, a caneta afeta os papéis, não através de um contato direto mas através do campo elétrico. De forma simplificada podemos dizer então que campo elétrico é uma região de influência de uma carga elétrica na qual há a ação de uma força elétrica. Para visualizar a orientação e intensidade dos campos elétricos podemos usar “linhas de campo elétrico” (Fig. 9). Figura 9. Campo elétrico; a) Para cargas individuais positivas há um campo de afastamento e para cargas individuais negativas há um campo de aproximação; b) Cargas de sinais contrários há um campo de atração; c) Cargas de sinais iguais há um campo de repulsão. https://brasilescola.uol.com.br/fisica/campo-eletrico.htm# a) b) c) 13 Matematicamente o campo elétrico é um vetor, ou seja, tem módulo (valor numérico), direção e sentido (representados pelas linhas de campo) e é calculado relacionando a força elétrica com o valor da carga elétrica presente no corpo3: �⃗� = 𝐹 𝑞 Onde: �⃗� → campo elétrico (𝑁/𝐶); 𝐹 → força elétrica (𝑁); 𝑞 → carga elétrica (𝐶). Referências bibliográficas 1. OKUNO, Emico; CALDAS, Iberê Luiz; CHOW, Cecil. Física para ciências biológicas e biomédicas. In: Física para ciências biológicas e biomédicas. 1986. p. 490-490. 2. DURÁN, J. E. R. Biofísica: fundamentos e aplicações. São Paulo: Prentice, 2003. 318p. 3. HALLIDAY, David; RESNICK, Robert; WALKER, Jearl. Fundamentos de Fısica Vol. 2. Rio de Janeiro: LTC-Livros Técnicos e Cientıficos Editora SA, 2009. 4. http://maisunifra.com.br/conteudo/bioeletricidade/ 5. https://brasilescola.uol.com.br/fisica/gerador-van-graaff.htm