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Texto 15 - Ciência Política - Dicionario de Politica. Sociedade Civil

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1206 SOCIEDADE CIVIL 
 
em conseqüência de fatores sociais e políticos, como a 
mobilidade social e territorial, as experiências de 
autoridade e subordinação no ambiente de trabalho e 
os acontecimentos políticos diários, que a tradição da 
pesquisa sobre a Socialização política tende a 
subestimar. É Justamente pela importância de tais 
fatores de mudança que alguns autores põem também 
em dúvida o caráter progressivo e isento de conflitos 
do processo de aprendizagem política. Segundo eles, 
esta progressividade e continuidade são antes supostas 
que demonstradas: no processo podem ocorrer 
rupturas e descontinuidades em decorrência das 
mudanças sociais e políticas que se refletem também 
nos primeiros estádios da vida dos indivíduos. Isto se 
deveria à ação dos interesses e das ideologias em 
conflito e seria resultado do entre-cruzamento de 
influências várias. As pesquisas de Socialização 
política deveriam, por isso, prestar maior atenção às 
possíveis descontinuidades, aos possíveis "atrasos" no 
despontar e afirmar-se das inclinações políticas, e, 
principalmente, analisar mais a fundo as condições 
que fazem com que uma tendência ganhe raízes ou, ao 
contrário, esteja sujeita a mudanças, observando como 
os acontecimentos sucessivos da vida dos indivíduos 
ajudam a fortalecer ou a atenuar as primeiras e mais 
profundas impressões sobre o universo político. 
Se bem que estas críticas sejam perfeitamente 
justificadas e seja ainda necessário muito trabalho de 
pesquisa e reflexão para se dizer uma palavra 
definitiva sobre o processo que leva à estruturação da 
identidade política dos indivíduos, os resultados até 
aqui conseguidos possuem pelo menos um duplo 
mérito: o de haver investigado e muitas vezes 
descoberto a origem e desenvolvimento das crenças 
políticas fundamentais nos primeiros estádios da vida 
das pessoas e, principalmente, o de haver evidenciado 
os mecanismos emotivos e afetivos que entram em ação 
na construção das categorias interpretativas da 
realidade política. Dado que o processo de 
Socialização política se prolonga ao longo da vida 
adulta, não será difícil constatar que, mesmo neste 
estádio da vida, a aprendizagem política poderá dar-se 
amiúde sob a influência de fortes identificações e 
envolvimentos emotivos. 
BIBLIOGRAFIA - R. E. DAVSON e K. PREWITT. Political 
socialization. Little & Brown, Boston 1967; F. Y. GREENSTEIN, 
Children and politics. Yale University Press. New Haven 1965; H. 
HYMAN, Political socialization: Study in the psychology of 
political behavior, The Free Press. New York 1959; M. K. 
JENNINGS e R. G. NIEMI, The political character of adolescence 
The influence of families and 
schools. Princeton University Press. Princeton 1974; La 
socializzazione política, ao cuidado de A. OPPO, Il Mulino, 
Bologna 1980; A. PERCHERON, Le vocabulaire politique des enfants. 
Colin, Paris 1974; Handbook of political socialization. ao 
cuidado de S. A. RENSHON, The Free Press. New York 1977; D. 
SCARING, J. SCHWARTZ e A. LIND, The structuring principie: 
political socialization and political belief systems. in "American 
political science review", LXVII. 1973, pp. 415-32; R. 
WEISSBERG, Political learning. political choice and democratic 
citisenship. Prentice-Hall, Englewood Cliffs 1974. 
 
[ANNA OPPO] 
 
Sociedade Civil. 
I. A SOCIEDADE CIVIL NOS JUSNATURALISTAS. 
² A expressão Sociedade civil teve, no curso do 
pensamento político dos últimos séculos, vários 
significados sucessivos; o último, o mais corrente na 
linguagem política de hoje (v. § 6), é profundamente 
diferente do primeiro e, em certo sentido, é-lhe até 
oposto. 
Em sua acepção original, corrente na doutrina 
política tradicional e, em particular, na doutrina 
jusnaturalista. Sociedade civil (societas civilis) 
contrapõe-se a "sociedade natural" (societas naturalis), 
sendo sinônimo de "sociedade política" (em 
correspondência, respectivamente, com a derivação de 
"civitas" e de "pólis") e, portanto, de "Estado". 
Conforme o modelo jusnaturalístico da origem do 
Estado, que se repete, com sensíveis variações, mas 
sem alterações substanciais da dicotomia fundamental 
"Estado de natureza-Estado civil", de Hobbes, que é 
seu criador, até Kant e seus seguidores, o Estado ou 
Sociedade civil nasce por contraste com um estado 
primitivo da humanidade em que o homem vivia sem 
outras leis senão as naturais. Nasce, portanto, com a 
instituição de um poder comum que só é capaz de 
garantir aos indivíduos associados alguns bens 
fundamentais como a paz, a liberdade, a propriedade, 
a segurança, que, no Estado natural, são ameaçados 
seguidamente pela explosão de conflitos, cuja solução 
é confiada exclusivamente à autotutela. Digamo-lo com 
as palavras de Locke: "Aqueles que se reúnem num só 
corpo e adotam uma lei comum estabelecida e uma 
magistratura à qual apelar, investida da autoridade de 
decidir as controvérsias que nascem entre eles, se 
encontram uns com os outros em Sociedades civis; 
mas os que não têm semelhante apelo comum ... estão 
sempre no Estado de natureza" (Segundo tratado 
sobre o Governo, § 87). 
SOCIEDADE CIVIL 1207 
 
Agora as palavras de Kant: "O homem deve sair do 
Estado de natureza no qual cada um segue os 
caprichos da própria fantasia, para unir-se como 
todos os outros ... e submeter-se a uma pressão 
externa publicamente legal. . .: quer dizer que cada um 
deve, antes de qualquer outra coisa, entrar num Estado 
civil" (Metafísica dos costumes. I. Doutrina do 
direito, § 44). 
No sentido de sociedade política ou Estado, a 
expressão Sociedade civil é comumente usada por 
teólogos, canonistas e, em geral, por escritores de 
direito eclesiástico e história religiosa, para distinguir 
a esfera do temporal da esfera do espiritual, a esfera 
das relações sobre que se estende o poder político, da 
esfera de relações sobre que se estende o poder 
religioso. Na linguagem da doutrina cristã referente 
às relações entre Igreja e Estado, o problema destas 
relações é apresentado e ilustrado como problema das 
relações entre a Sociedade civil e a sociedade 
religiosa. O que muda neste uso da expressão não é 
tanto o seu significado de Sociedade civil, quanto o 
critério de distinção em relação ao seu oposto: 
enquanto a Sociedade civil e a sociedade natural se 
distinguem entre si, porque uma é instituída 
apoiando-se em relações de poder e a outra não, a 
Sociedade civil e a sociedade religiosa distinguem-se 
entre si pelos diferentes tipos de relações de poder 
que existem numa e na outra. Em Filosofia del diritto 
(1841-1845), Rosmini distingue três formas de 
sociedade que ele denomina teocrática, doméstica e 
civil. 
II. EM ROUSSEAU. ² Uma segunda acepção deriva 
do fato de que os mesmos escritores, quando querem 
apresentar um argumento a favor da historicidade do 
Estado de natureza, costumam identificá-lo com o 
estado no qual vieram a encontrar-se e se encontram 
ainda hoje os novos selvagens. 
Para provar a realidade do Estado de natureza, 
Hobbes mostra, na época presente, o exemplo dos 
"Americanos" e, em épocas passadas, o de raças 
"atualmente civilizadas e florescentes, mas 
antigamente compostas de um número relativamente 
pequeno de homens ferozes, de vida breve, pobres, 
sujos, com absoluta falta de todos aqueles confortos e 
requintes que a paz e a sociedade costumam oferecer" 
{De cive, I, 13). O mesmo autor diz que, "em muitos 
lugares da América, os selvagens não têm nenhuma 
forma de Governo, a não ser o Governo de pequenas 
famílias, cuja concórdia tem como fundamento a 
concupiscência natural" (Leviathan. cap. XII I) . 
Apoiado em José de Acosta, Locke aceita a 
informação de que "em muitos lugares da América 
não havia nenhum Governo" e de que "aqueles 
homens ... por longo tempo, não tiveram nem rei, 
nem repúblicas, vivendo, apenas, em bandos". 
(Segundo
tratado, § 102). Através da identificação do 
Estado de natureza e do Estado selvagem, a Sociedade 
civil não se contrapõe mais somente à sociedade 
natural, abstrata e idealmente considerada, mas também 
à sociedade dos povos primitivos. Assim sendo, a 
expressão Sociedade civil adquire, neste novo 
contexto, também o significado de sociedade 
"civilizada" (onde "civil" não é mais adjetivo de 
"civitas", mas de "civilitas"). 
De resto, já Hobbes, numa célebre passagem de 
sua obra De cive, contrapõe, através de uma série de 
antíteses muito nítidas, os benefícios do Estado civil 
aos inúmeros inconvenientes do Estado de natureza 
(X, I). Atribui claramente à vida no Estado todas as 
características que distinguem o viver "civil" (entre as 
quais "o domínio da razão, a paz, a segurança, a 
riqueza, a decência, a sociabilidade, o requinte, a 
ciência e a benevolência"). 
É importante a distinção entre as duas acepções 
² "Sociedade civil" como "sociedade política" e 
"Sociedade civil" como "sociedade civilizada" 
² porque, enquanto na maior parte dos escritores dos 
séculos XVII e XVIII, os dois significados se 
sobrepõem, no sentido de que o Estado se contrapõe 
conjuntamente ao Estado de natureza e ao Estado 
selvagem, passando "civil" a significar, ao mesmo 
tempo, "político" e "civilizado", em Rousseau os dois 
significados são nitidamente distintos. Quando 
descreve, na segunda parte do Discurso sobre a origem 
da desigualdade, a passagem do Estado de natureza ao 
da "société civile" ("o primeiro que, após haver 
cercado um terreno, pensou em dizer isto é meu e 
achou os outros tão ingênuos que acreditaram, foi o 
verdadeiro fundador da Sociedade civil"), usa a 
expressão Sociedade civil, não no sentido de 
sociedade política, mas no sentido exclusivo de 
"sociedade civilizada" (onde, de resto, "civilização" 
tem, como se sabe, uma conotação negativa). Esta 
Sociedade civil descrita por Rousseau é tão pouco 
identificável com a sociedade política ou Estado que, 
em certas passagens, é apresentada como um estado em 
que "as usurpações dos ricos, o banditismo dos pobres 
e as paixões desenfreadas de todos" geram um estado 
de "guerra permanente" que faz pensar no Estado de 
natureza de Hobbes. Por outras palavras, enquanto 
para Hobbes (e igualmente para Locke) a Sociedade 
civil é a sociedade política e ao mesmo tempo a 
sociedade civilizada (civilizada na medida em que é 
política), a Sociedade civil de Rousseau é a sociedade 
civilizada, mas não necessariamente ainda a sociedade 
política, que surgirá do contrato 
1208 SOCIEDADE CIVIL 
 
social e será uma recuperação do estado de natureza e 
uma superação da sociedade civil. A Sociedade civil 
de Rousseau é, do ponto de vista hobbesiano, uma 
sociedade natural. 
III. EM HEGEL. ² A terceira acepção é aquela que 
Hegel tomou célebre na sua obra Lineamentos de 
filosofia do direito. No sistema hegeliano, o espírito 
objetivo (que segue ao espírito subjetivo e precede o 
espírito absoluto) é distinto nos três momentos do 
direito abstrato, da moralidade e da eticidade. A 
eticidade, por sua vez, é distinta nos três momentos da 
família, da Sociedade civil e do Estado. Como se vê, a 
Sociedade civil, nesta sistematização geral das matérias 
tradicionalmente ligadas à filosofia prática, não 
coincide mais com o Estado, mas constitui um dos seus 
momentos preliminares. A Sociedade civil não é mais 
a família, que é uma sociedade natural e a forma 
primordial da eticidade, mas também não é ainda o 
Estado, que a forma mais ampla de eticidade e, como 
tal, resume em si e supera, negando-as e sublimando-
as, as formas precedentes da sociabilidade humana. 
A Sociedade civil coloca-se entre a forma primitiva 
e a forma definitiva do espírito objetivo e representa, 
para Hegel, o momento no qual a unidade familiar, 
através do surgimento de relações econômicas 
antagônicas, produzidas pela urgência que o homem 
tem em satisfazer as próprias necessidades mediante o 
trabalho, se dissolve nas classes sociais (sistema das 
necessidades). É então que a luta de classes acha uma 
primeira mediação na solução pacífica dos conflitos 
através da instauração da lei e da sua aplicação 
(administração da justiça). É então, enfim, que os 
interesses comuns encontram uma primeira 
regulamentação meramente externa na atividade da 
administração pública e na constituição das 
corporações profissionais (polícia e corporação). Para 
fazer compreender que a Sociedade civil possui 
algumas características do Estado, mas não é ainda 
Estado, Hegel define-a como "Estado externo" ou 
"Estado do intelecto". O que falta à Sociedade civil 
para ser um Estado é a característica da organicidade. 
A mudança da Sociedade civil em Estado verifica-
se quando cada uma das partes da sociedade, que 
nascem da dissolução da família, se unificam num 
conjunto orgânico. "Se se troca em Estado a Sociedade 
civil e a sua finalidade é colocada na segurança e na 
proteção da propriedade e da liberdade pessoal, o 
interesse do indivíduo como tal é o fim último onde 
tudo se unifica. Por causa disto, ser componente do 
Estado pode ser considerado uma opção caprichosa" 
(§ 258, anotação). 
Ao distinguir a Sociedade civil do Estado, Hegel 
quer justamente contrariar as teorias precedentes, 
muito caras aos jusnaturalistas, que, identificando o 
Estado com a Sociedade civil, isto é, com uma 
associação voluntária que nasce de um contrato para a 
proteção externa dos bens de cada indivíduo, não 
conseguiam aperceber-se da real, efetiva excelência do 
Estado, em nome do qual os cidadãos são chamados, 
em tempos mais difíceis, até ao supremo sacrifício da 
vida. 
Antes de Hegel, uma distinção muito semelhante 
entre Sociedade civil e Estado havia sido sustentada 
por August Ludwig Schlözer (1793); com uma 
referência direta ao mesmo Schlözer, ela foi depois 
repetida e confirmada por Anselm Feuerbach, que, 
acolhendo a velha doutrina dos dois pactos 
constitutivos do Estado, afirmou que, com o primeiro 
(o pactum societatis), os indivíduos dão origem pura e 
simplesmente à Sociedade civil e, somente com o 
segundo (o pacto subiectionis, ao qual Feuerbach junta 
um terceiro, o pactum ordinationis civilis), conseguem 
transformar a Sociedade civil em Estado (Antihobbes, 
1798, cap. II). 
IV. EM MARX. ² Não é improvável que, ao 
sujeitar esta terceira maneira de entender a Sociedade 
civil à crítica das teorias jusnaturalistas, especialmente 
à teoria de Locke, para o qual o Estado, não sendo 
outra coisa senão uma associação de proprietários, 
não pode ser considerado um Estado no sentido pleno 
da palavra à maneira de Hegel, se haja interposto uma 
terceira significação de "civil" que, em sua forma 
alemã, "bürgerlich", significa também "burguês". Na 
realidade, algumas páginas que Hegel dedicou à 
Sociedade civil, especialmente as que descrevem o 
sistema das necessidades, onde, entre outras 
considerações, achamos o reconhecimento da 
importância e da novidade da economia política, 
"ciência que faz honra ao pensamento", constituem 
representação fiel das relações econômicas entre 
indivíduos em conflito entre si, características da 
imagem que a sociedade burguesa tem de si mesma. 
Foi com Marx que se deu a passagem do significado 
de Sociedade civil, nas várias acepções até aqui 
mostradas, ao significado de "sociedade burguesa". 
Quando Marx, na Questão hebraica, descreve o 
processo através do qual a Sociedade civil se emancipa 
do Estado, que impede seu livre desenvolvimento, e se 
cinde em indivíduos independentes que se proclamam 
libertos e iguais perante o Estado, e quando critica os 
pretensos direitos naturais, universais e abstratamente 
humanos, como direitos que nascem da própria 
Sociedade civil, deixa claro que, por Sociedade 
SOCIEDADE CIVIL 1209 
 
civil, devemos entender "sociedade burguesa".
O 
processo de formação da Sociedade civil-burguesa é, 
de fato, contraposto ao da sociedade feudal: "A 
emancipação política foi, ao mesmo tempo, a 
emancipação da sociedade burguesa da política e da 
aparência de um conteúdo universal. A sociedade 
feudal dissolveu-se no seu elemento fundamental, o 
homem; mas o homem que constituía o seu 
fundamento, o homem egoístico. Este homem, 
membro da sociedade burguesa, é agora a base, o 
pressuposto do Estado político. Ele é reconhecido 
como tal pelo Estado nos direitos do homem." 
(Observe-se, entre outras coisas, que, se neste 
contexto traduzíssemos "civil" no lugar de "burguês", 
a frase seria quase incompreensível). 
O trecho canônico desta nova acepção é o do 
prefácio à Crítica da economia política, em que Marx 
afirma que, estudando Hegel, ficara convencido de que 
as instituições políticas e jurídicas tinham suas raízes 
nas relações materiais da existência, "cujo complexo é 
englobado por Hegel. . . sob o termo de 'Sociedade 
civil' ", pelo que "a anatomia da Sociedade civil deve 
buscar-se na economia política". 
Não importa que Marx neste trecho tenha dado uma 
interpretação deformada, ou pelo menos unilateral da 
Sociedade civil de Hegel, fazendo-a coincidir com a 
esfera das relações econômicas, enquanto, como já 
vimos, a Sociedade civil de Hegel é mais extensa e 
abrange também a regulamentação externa (estatal) 
dessas relações, sendo, portanto, já uma forma 
preliminar e, por isso, insuficiente de Estado. 
O que importa relevar é que, na medida em que 
Marx faz da Sociedade civil o espaço onde têm lugar 
as relações econômicas, ou seja, as relações que 
caracterizam a estrutura de cada sociedade, ou "a 
base real sobre a qual se eleva uma superestrutura 
jurídica e política", a expressão Sociedade civil, que, 
nos escritores jusnaturalistas, significava, conforme a 
etimologia, a sociedade política e o Estado, passa a 
significar (e significará cada vez mais de agora em 
diante por influência do pensamento marxista) a 
sociedade pré-estatal; tem, portanto, a mesma função 
conceptual que tinha, para os escritores jusnaturalistas, 
o Estado de natureza ou a sociedade natural, que era 
exatamente a sociedade das relações naturais ou 
econômicas entre os indivíduos, de cuja insuficiência 
nascia a necessidade de evoluir para uma fase superior 
de agregação (de civilização) que seria a sociedade 
política ou Estado. 
Pelo exposto verificamos que, ao final deste 
processo de mudança, ou melhor, de desvios de 
significado, Sociedade civil acabou por ter um 
significado oposto àquele que tinha no início do 
processo. 
Em outras palavras, na grande dicotomia 
"sociedade-Estado", própria de toda a filosofia política 
moderna, Sociedade civil representa, ao princípio, o 
segundo momento e, ao fim, o primeiro, embora sem 
mudar substancialmente o seu significado: com efeito, 
tanto a "sociedade natural" dos jusnaturalistas, 
quanto a "Sociedade civil" de Marx indicam a esfera 
das relações econômicas intersubjetivas de indivíduo a 
indivíduo, ambos independentes, abstratamente 
iguais, contraposta à esfera das relações políticas, que 
são relações de domínio. Em outras palavras, a esfera 
dos "privados" (no sentido em que "privado" é um 
outro sinônimo de "civil" em expressões como 
"direito privado" que equivale a "direito civil") se 
contrapõe à esfera do público. 
Em Sagrada família, Marx define a Sociedade civil 
com palavras que não diferem das usadas pelos 
jusnaturalistas para definir o Estado de natureza: "O 
Estado moderno tem como sua base natural (note-se a 
palavra "natural") a Sociedade civil, ou seja, o homem 
independente, unido a outro homem somente pelo 
vínculo do interesse privado e pela inconsciente 
necessidade natural." E, o que é mais significativo, o 
caráter específico da Sociedade civil (burguesa) 
assim definida é o do Estado de natureza descrito por 
Hobbes, isto é, a guerra de todos contra todos: "Tudo 
quanto a Sociedade civil é realmente, esta guerra (do 
homem contra o homem), de um contra o outro, de 
todos os indivíduos que se excluem reciprocamente só 
por causa da sua individualidade, é o universal e 
desenfreado movimento das forças elementares da 
vida desligadas dos vínculos dos privilégios." 
V. EM GRAMSCI. ² Gramsci também distingue 
repetidamente Sociedade civil e Estado. Esta distinção 
é um dos motivos condutores da análise histórica e 
política que ele faz, em Cadernos do cárcere, da 
sociedade burguesa e da evolução da sociedade 
burguesa para a sociedade socialista. Esta distinção, 
porém, apesar da identidade da terminologia, não 
coincide com aquela de Marx. A expressão 
Sociedade civil adquire assim, na obra mais madura 
de Gramsci, um quinto significado. Ele afirma: 
"Podem-se por enquanto fixar dois grandes planos 
superestruturais, o que se pode chamar da Sociedade 
civil, ou seja, do conjunto de organismos vulgarmente 
denominados privados, e o da sociedade política ou 
Estado, que correspondem à função de hegemonia que 
o grupo dominante exerce em toda a sociedade, e ao 
do domínio direto ou de comando que se expressa no 
Estado ou no Governo jurídico." 
1210 SOCIEDADE CIVIL 
 
Desta passagem e de outras análogas que 
poderíamos citar, se deduz claramente que, ao 
contrário de Marx, para quem a Sociedade civil 
compreende a esfera de relações econômicas e, 
portanto, pertence à estrutura, Gramsci entende por 
Sociedade civil apenas um momento da superestrutura, 
particularmente o momento da hegemonia, que se 
distingue do momento do puro domínio como 
momento da direção espiritual e cultural que 
acompanha e integra de fato nas classes efetivamente 
dominantes, e que deve acompanhar e integrar nas 
classes que tendem ao domínio, o momento da pura 
força. 
Parafraseando o que foi dito por Marx, poderíamos 
afirmar, para bem acentuar a distinção, que a 
Sociedade civil compreende, segundo Gramsci, não já 
"todo o complexo das relações materiais", mas todo o 
complexo das relações ideológico-culturais. 
Se toda a forma durável de domínio se apóia na 
força e no consenso, todo o regime político necessita 
não somente de um aparelho coativo, em que consiste 
o Estado no sentido estrito e tradicional da palavra, 
mas também de várias instituições, dos jornais à 
escola, das editoras aos institutos culturais, instituições 
essas que têm por fim a transmissão dos valores 
dominantes e através das quais a classe dominante 
exerce a própria hegemonia. 
O relevo dado por Gramsci ao elemento da 
hegemonia não significa que ele tenha abandonado a 
tese marxista da prioridade da estrutura econômica; 
mostra, quando muito, que ele quis distinguir com 
mais força, no conjunto dos elementos 
superestruturais, o momento da formação e da 
transmissão dos valores (hoje poderíamos dizer da 
"socialização") do momento mais propriamente 
político da coação. 
Na história dos vários significados de Sociedade 
civil o que importa essencialmente notar é que 
Gramsci, chamando Sociedade civil ao momento da 
elaboração das ideologias e das técnicas do consenso, 
a que deu particular relevo, modificou o significado 
marxista da expressão, voltando parcialmente ao 
significado tradicional, segundo o qual a Sociedade 
civil, sendo sinônima de "Estado", pertence, segundo 
Marx, não à estrutura, mas à superestrutura. Em suma, 
Gramsci serviu-se da expressão Sociedade civil, não 
para contrapor a estrutura à superestrutura, mas para 
distinguir melhor do que o haviam feito os marxistas 
precedentes, no âmbito da superestrutura, o momento 
da direção cultural do momento do domínio político. 
VI. NA LINGUAGEM DE HOJE. ² De todos os 
significados precedentemente analisados, o mais 
comum na linguagem política atual é o genericamente 
marxista. Tanto é assim que, enquanto a 
contraposição entre Sociedade civil e Estado é 
corrente
na literatura política continental, que sentiu 
mais a influência do marxismo (veja-se, por exemplo, 
a obra de P. Farneti intitulada Sistema político e 
Sociedade civil, 1971), ela é praticamente 
desconhecida na literatura política de língua inglesa, 
onde o "sistema político" é considerado, geralmente, 
como um subsistema em relação ao "sistema social" 
em seu conjunto, e onde a expressão Sociedade civil é 
substituída pelo termo mais genérico de "sociedade". 
Na contraposição Sociedade civil-Estado, entende-
se por Sociedade civil a esfera das relações entre 
indivíduos, entre grupos, entre classes sociais, que se 
desenvolvem à margem das relações de poder que 
caracterizam as instituições estatais. Em outras 
palavras, Sociedade civil é representada como o 
terreno dos conflitos econômicos, ideológicos, sociais 
e religiosos que o Estado tem a seu cargo resolver, 
intervindo como mediador ou suprimindo-os; como a 
base da qual partem as solicitações às quais o sistema 
político está chamado a responder; como o campo das 
várias formas de mobilização, de associação e de 
organização das forças sociais que impelem à conquista 
do poder político. 
Evocando a conhecida distinção de Weber entre 
poder de fato e poder legítimo, pode-se também dizer 
que a Sociedade civil é o espaço das relações do poder 
de fato e o Estado é o espaço das relações do poder 
legítimo. Assim entendidos, Sociedade civil e Estado 
não são duas entidades sem relação entre si, pois 
entre um e outro existe um contínuo relacionamento. 
Uma das maneiras mais freqüentes de definir os 
partidos políticos é a de mostrar sua função de 
articulação, agregação e transmissão das demandas 
que provêm da Sociedade civil e que são destinadas a 
tornar-se objeto de decisão política. 
A contraposição entre Sociedade civil e Estado tem 
sido freqüentemente utilizada com finalidades 
polêmicas, para afirmar, por exemplo, que a Sociedade 
civil move-se mais rapidamente do que o Estado, que 
o Estado não tem sensibilidade suficiente para 
detectar todos os fermentos que provêm da Sociedade 
civil, que na Sociedade civil forma-se continuamente 
um processo de deterioração da legitimidade que o 
Estado nem sempre tem condições de deter. Uma 
velha formulação desta mesma antítese é a que 
contrapõe o poder real ao poder legal. Daí a freqüente 
afirmação de que a solução das crises que ameaçam a 
sobrevivência de um Estado deve buscar-se, antes de 
tudo, na Sociedade civil, onde é possível a 
SOCIEDADE DE MASSA 1211 
 
formação de novas fontes de legitimidade e, portanto, 
novas áreas de consenso. Nos momentos de ruptura, 
se exalta a volta à Sociedade civil, tal como os 
jusnaturalistas exaltavam o retorno ao Estado de 
natureza. 
BIBLIOGRAFIA. - N. BOBBIO, Sulla nozione di 
società civile, in "De homine", 1968; P. FARNETI, 
Sistema politico e sistema civile. Giappichelli, Torino 
1971; J. HABERMAS. Storia e critica dell'opinione 
pubblica (1962). Laterza. Bari 1971; M. RIEDEL. 
Büfgerliche Gesellschaft. Historisches Lexicon zur 
politisch-sozialen Sprache in Deutschland, Klett-
Cotta. Stuttgart 1974, vol. II. 
[NORBERTO BOBBIO] 
Sociedade de Massa. 
I. A SOCIEDADE DE MASSA E OS CRÍTICOS. 
² Sob o ponto de vista descritivo, a Sociedade de 
massa pode ser definida como uma sociedade em que 
a grande maioria da população se acha envolvida, 
seguindo modelos de comportamento generalizados, na 
produção em larga escala, na distribuição e no 
consumo dos bens e serviços, tomando igualmente 
parte na vida política, mediante padrões generalizados 
de participação, e na vida cultural, através do uso dos 
meios de comunicação de massa. A Sociedade de 
massa surge num estádio avançado do processo de 
modernização: quer quanto ao desenvolvimento 
econômico, com a concentração da indústria na 
produção de bens de massa e o emergir de um setor 
terciário cada vez mais imponente; quer quanto à 
urbanização, com a concentração da maior parte da 
população e das instituições e atividades sociais mais 
importantes nas grandes cidades e nas megalópoles; 
quer quanto à burocratização, com o predomínio da 
racionalidade formal sobre a substancial e com a 
progressiva redução das margens da iniciativa 
individual. Este conjunto de condições define o tipo e 
estilo que prevalecem nas relações sociais de uma 
Sociedade de massa. Tendem a perder peso 
sucessivamente os vínculos naturais, como os da 
família e da comunidade local, prejudicados pelas 
organizações formais e pelas relações intermediadas 
pelos meios de comunicação de massa: daí o notável 
crescimento das relações mútuas entre sujeitos às vezes 
sumamente distantes entre si e, ao mesmo tempo, o 
empobrecimento e a despersonalização dessas inter-
relações, que envolvem apenas aspectos parciais e 
limitados da personalidade dos indivíduos. 
Na complexidade da sua estrutura, a Sociedade de 
massa é um fenômeno recente, do nosso século; mas, 
ao mesmo tempo, ela é resultado de um longo 
processo de modernização, que pressupõe um 
progressivo envolvimento social, político e cultural 
das grandes massas da população. Não é, pois, de 
admirar que as interpretações e críticas que se fizeram 
da Sociedade de massa, e, particularmente, das suas 
conseqüências políticas, sejam eco, em parte, de 
velhas posições mantidas em face do ingresso das 
massas na cena social e política e, em parte, reflitam, 
pelo contrário, posições novas. Perante o surgimento 
das massas nas sociedades européias, se observam 
fundamentalmente três atitudes diversas: um juízo 
Malmente positivo por parte dos democratas e 
socialistas, Marx por exemplo; uma crítica que 
chamaria aristocrática, como a de Maistre, Le Bon, 
Burckardt, Nietzsche e, finalmente, Ortega y Gasset, 
todos eles a esconjurar o declínio dos valores 
tradicionais e elitizantes sob o embate nivelador das 
massas; uma crítica moderada por parte de alguns 
liberal-democratas, como Tocqueville e Stuart Mill, 
preocupados com salvaguardar a liberdade individual 
diante da possível "tirania da maioria" e da pressão do 
conformismo social. Hoje, em face da Sociedade de 
massa, a posição que continua a apresentar mais 
coerência é a de inspiração liberal-democrática, uma 
posição de crítica moderada, quando não de defesa 
(Kornhauser, Bell, Shils). A esta se opõe uma crítica 
radical e muito agressiva, que provém principalmente 
da esquerda (Fromm, em primeiro lugar, Mills e 
Marcuse). 
Resta-nos agora considerar mais de perto as 
interpretações e críticas da Sociedade de massa. Fá-lo-
emos analisando particularmente dois dos aspectos 
politicamente mais qualificativos: o CONFORMISMO 
(V.), que seria característico das Sociedades de massa, 
e as relações entre Sociedade de massa e 
TOTALITARISMO (V.). 
II. SOCIEDADE DE MASSA E CONFORMISMO. ² Já no 
conceito de "homem-massa" de Ortega y Gasset 
estava presente um traço distintivo do conformismo 
que depois havia de ser considerado como próprio da 
Sociedade de massa: o fato de que o "outro" a quem a 
gente se conforma é uma noção geral e vazia e não 
mais um grupo particular com critérios próprios e 
peculiares de comportamento. O homem-massa se 
sente à vontade ² afirma Ortega y Gasset ² quando 
é igual a "todo o mundo", isto é, à massa 
indiferenciada. Todavia, um ensaio mais elaborado de 
descrição do conformismo da Sociedade de massa se 
encontra na análise do "conformismo de autômatos" 
levada a efeito por E. Fromm em Fuga da

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