Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS FACULDADE DE DIREITO DE ALAGOAS MONITORIA CIÊNCIA POLÍTICA – TEORIA GERAL DO ESTADO Madalena Menezes. ➢ INTRODUÇÃO • Qual seria a metodologia adequada para seu estudo? • Os conceitos e valores clássicos ainda servem para identificar o fenômeno estatal? • O Estado contemporâneo é um objeto digno de um trato específico de uma disciplina autônoma? • Se o Estado se torna mero instrumento de aplicação do Direito, não seria mais producente uma teoria da Constituição? • profícua uma teoria da constituição em vez de uma teoria do Estado? • O fenômeno estatal se aperfeiçoa paralelamente à sociedade • Os valores intrínsecos ao Estado moderno são a democracia, as liberdades públicas, a unidade política e o Estado de direito. ➢ EVOLUÇÃO DO ESTADO • Estado oriental (Egito e Mesopotâmia): confluência entre poder político e poder religioso, a rígida hierarquia social e a inexistência de igualdade e garantias jurídicas. • O Estado helênico: primeiro modelo democrático e igualdade jurídica entre o grupo restrito dos cidadãos. • O Estado romano: base familiar e igualdade jurídica aos descendentes dos fundadores de Roma (crença em sua superioridade). A expansão imperial, então, engendra um desafio para o Estado romano: como aglutinar com algum grau de legitimidade povos tão distintos em um território tão vasto? A saída é recorrer ao Direito: os éditos de Caracala (elaborado em 212 d.C., naturaliza todos os povos submetidos ao jugo do império) e de Milão (de 313 d.C., consagra a liberdade religiosa). • Medievo: descentralização política entre os feudos. Todavia, a busca por unidade política, ainda que sem um completo sucesso, persistiu, seja por figuras seculares como Carlos Magno, seja pela própria Igreja. • Idade Moderna: a formação dos Estados-nação é formalizada pelo Tratado de Westfália, que, para além de pôr fim à Guerra dos Trinta Anos, reconhece o princípio da soberania e da igualdade interestatal. • O Iluminismo, marcado pelo racionalismo jurídico e liberalismo político, enseja a limitação do poder estatal pelo estabelecimento de normas jurídicas. Neste momento, afirmam-se valores incontornáveis do Estado moderno: submissão à legalidade e proteção de direitos e garantias fundamentais. Engendra-se, ademais, o famigerado conceito de Estado a partir da tríade soberania-povo-território. ➢ ESTUDO DE UMA TEORIA PARA O ESTADO CONTEMPORANÊO – Bambini • Bobbio destaca o jusnaturalismo como responsável por impor o limite (existência e legitimidade à garantia dos direitos fundamentais mediante o equilíbrio entre liberdade e autoridade) e finalidade estatal por meio da lavra teórica da doutrina dos direitos naturais. • Bobbio traz à baila a interdependência entre democracia e liberalismo, argumentando que só há democracia quando os cidadãos detêm liberdades públicas para, inclusive, o exercício do controle político, ao passo que liberdade só pode ser mantida em governos democráticos, e não ditatoriais. • Na pós-modernidade há a prevalência de uma tendência sócio-políticas, a sociedade corporativa e organizacional norte-americana. Nesse quadro, o poder das corporações está em disputa com o poder estatal, obtendo maior controle sobre as decisões políticas. • O espaço público se derrete, transformando-se em espaço midiático e publicitário onde os cidadãos figuram como consumidores, e não como formadores da vontade estatal. Assim, se a globalização econômica potencializou a hegemonia do capital internacionalizado, a globalização política e social provoca crises de identidade nacional e de legitimidade estatal. ➢ ESTADO CONSTITUCIONAL E ESTADO DE DIREITO - Bambini • Somando-se ao fortalecimento do poder econômico em detrimento do estatal, outro óbice que surge ao desenvolvimento de uma teoria geral do Estado é a possibilidade de que as regras jurídicas engendradas pelo próprio fenômeno estatal o tenham sufocado. • No famigerado esquema em que a lei é concebida como expressão da vontade racional do povo e, por isso, deve o poder político a ela se dobrar, a modernidade logrou construir coesão social e atribuir legitimidade ao Estado. Em tal conjuntura, a arbitrariedade cede espaço à discricionariedade. Diante disso, não teria o Estado se enredado de tal maneira na legalidade que a ação política perdeu sua margem de manobra? • Gilberto Bercovici faz questão de ressaltar que a Constituição é a expressão da vontade política do povo. Resultado que é de acordos políticos entre forças políticas, não pode deixar de ter caráter político. Tratá-la sob um prisma normativista é dessubstancializá- la. Todavia, a globalização econômica impõe as exigências de certeza e previsibilidade de tal sorte que matérias como a previdência social têm passado por agudo processo de constitucionalização (dificultando-se, desse modo, as alterações legislativas). O sistema jurídico, com efeito, tem se expandido e, concomitantemente, se enrijecido. • A incursão pelas posições teóricas acerca do Estado nos revelou a atualidade de valores como o liberalismo, a democracia e, adiciona Bambini, a redução das desigualdades econômicas. Donde se infere a necessidade do fenômeno estatal enquanto estruturador da sociedade e promotor, nos termos de Dallari, do bem comum. • O Estado permanece como uma organização política racional que, como preconizava Weber, dispõe do monopólio do uso da violência legítima. Por meio deste, deve o Estado conduzir a sociedade à consecução de seus fins. Daí decorre a possibilidade e a imprescindibilidade de uma teoria geral do Estado, teorizando e racionalizando a ação estatal, ainda que, para tal, se reconheça a relativização da soberania estatal pela globalização política, econômica e jurídica. Afinal, a soberania, ao longo da história do Estado engendrado pelas revoluções liberais, sempre esteve limitada e domada. ➢ KELSEN • Afirma que Direito e Estado se equivalem enquanto ordem coerciva da conduta humana. • O Direito é visto como o fiel da balança, equilibrando autoridade e liberdade. • Qualquer juízo acerca do grau de democracia ou de segurança jurídica adentram um campo político e é, portanto, irrelevante para a ciência jurídica. Por isso, a teoria do direito e do Estado, mais do que interdependentes, se equivalem. • Conceito jurídico do Estado: o Estado O Estado só é Estado na medida em que ele aparece como uma norma jurídica (ser imperiosa e sancionadora). • Kelsen também classifica as formas de governo em autocracia e democracia. Na autocracia a norma jurídica é feita sem a participação do povo, na democracia a norma jurídica é feita com a participação direta ou indireta da população. • Bambini rechaça a posição kelseniana. Argumenta que o percurso histórico de fenômeno estatal anterior à modernidade é prova cabal de sua precedência ao Direito, o qual se imbrica com o Estado porque por ele é criado e dele extrai sustentação política. Outra evidência seria a existência da ordem jurídica internacional sem que esteja vinculada a um Estado único e soberano ➢ CONCEITO MARXISTA • De partida, Mascaro arremata que o Estado é, em sua especificidade e historicidade, a forma política do capitalismo. É só no modo de produção capitalista que se procede uma separação estrutural entre o poder político e o poder econômico. • Na reprodução capitalista é imprescindível que exista um garantidor da exploração do trabalho e da circulação mercantil. • Ocupando posição estrutural e necessária à reprodução do capital, o Estado não é, de modo algum, um aparato neutro e técnico, nem tampouco expressa os interesses imediatos da burguesia. É capitalista e é burguês, sob esse prisma, por sua forma. Também deve-se desvanecer a falsa ideia de que o Estado age apenas negativamente por meio do seu aparelho repressivo, obstaculizando condutas. Mais do que isso, o Estado engendrao espaço de comunidade que junge capitalistas e trabalhadores, isto é, constrói a nação, a pátria, promovendo a coesão social necessária à sociabilidade capitalista. • O Estado é o momento de condensação de relações sociais específicas do capitalismo. Tais interações são conformadas pela forma política estatal, enquanto um continuum estrutural e relacional. • O Estado alimenta a valorização do valor, sem ser o centro criador do capitalismo (pelo contrário, resulta deste) e sem que os dirigentes políticos tenham necessariamente consciência disso (as formas operam às costas dos indivíduos). ➢ ESTADO E FORMAS SOCIAIS - Mascaro • Em poucas palavras e nos termos propostos por Mascaro, as formas talham as possibilidades de interação social • Formas são “modos relacionais constituintes das interações sociais, objetificando-as”. • Emergem da valorização do valor e possibilitam a inteligibilidade e a reiteração das relações. • As formas sociais moldam sujeitos, atos e relações, garantindo a reprodução capitalista. • Surgem da miríade de relações, em sua historicidade e socialidade. • Para que a circulação mercantil possa abranger todo o tecido social, a própria relação de produção tem que se processar nos limites da forma-mercadoria e da forma-valor. • A forma das relações de troca (equivalência universal) se expande para a rede de relações sociais. • A forma-dinheiro desempenha papel fundamental para que a forma-valor se universalize. • Figura o Estado como o responsável por engendrar o espaço de garantia da universalidade do dinheiro - unificando a moeda, encabeçando a política monetária, etc. • Não há que se buscar relações automáticas de funcionalidade ou logicidade entre as formas. A sua imbricação é histórica e factual. ➢ A FORMA POLÍTICA - Mascaro • Mascaro reitera que se deve olhar para além da manifestação imediata do fenômeno estatal e, em uma mirada mais profunda, alcançar a forma. Passar da internalidade à externalidade. De um lado, a análise do Estado, enquanto aparato terceiro, pode nos fornecer uma noção de suas variedades. De outro, a apreciação da forma política nos revela a causa, a identidade e a existência do Estado. ➢ DERIVAÇÃO DA FORMA POLÍTICA ESTATAL- Mascaro • A forma política estatal não deriva das formas econômicas capitalistas por um procedimento lógico ou funcional. • As formas sociais do capitalismo são engendradas de um solo atravessado por conflitos e antagonismos (luta de classes). • A derivação é estrutural e resulta de um encontro histórico que estabelece esse fluxo contínuo entre as formas, não sem alguma aleatoriedade. • Isso quer dizer que a forma política estatal não é necessariamente a melhor arranjo político para o capitalismo, mas que foi construído sobre o plexo das relações de produção e de circulação de capital e a elas se vinculou de tal modo que é necessária à reprodução da sociabilidade. • A forma fagocita materialidades políticas precedentes ao capitalismo, como os corpos militares e administrativos da sociedade feudal. Não se trata, por óbvio, de continuidade, aumento quantitativo ou clivagem interna dessas instituições pré-capitalistas. Elas se conformam, em verdade, a um novo substrato relacional ➢ FORMA POLÍTICA E INSTITUIÇÕES POLÍTICAS- Mascaro • A forma política se desdobra materialmente em instituições específicas, pontos de condensação da rede de relações. • Porque monopoliza a violência legítima, o Estado se desdobra nas Forças Armadas. • A forma política estatal reaproveita, rechaça, reforma e inova instituições, que com base em sua lógica se estruturam. O Estado, contudo, só pode ser apreendido por meio da apreciação das instituições (averiguar a situação, a posição concreta e a função na totalidade social). ➢ ESTADO E INSTITUIÇÕES POLÍTICAS- Mascaro • Sob um prisma organicista, pode-se compreender o Estado como detentor de uma constituição e dinâmica internas, mas sem deixar de ser atravessado pelas determinações gerais da estrutura. • Assumindo tal perspectiva, é possível classificá-lo a partir de distintos critérios, como o espacial (estados e municípios aglutinados em torno de um centro político) e o funcional (a consabida, mas não única possibilidade histórica, tripartição dos poderes. • Ademais, é possível elencar os órgãos estatais como governamentais e administrativos. Os órgãos governamentais concentram um maior grau de poder decisório, menos limitados pela legalidade. Incluem-se, aqui, os poderes estatais. Os órgãos administrativos, por seu turno, vinculam-se à burocracia, possuindo um poder discricionário restringido pela legalidade. • Em um sentido amplo, as instituições políticas incluiriam algumas organizações que tangenciam o Estado, mas não são propriamente estatais, a exemplo dos partidos, das ONGs, das associações, etc. • É de se ressaltar, ainda, que existem algumas formas de identificação por generalização de condensações do tecido social. Como nomenclatura recorrente, destacam-se aparato, aparelho e instância. Aparatos são suprainstituições materiais, agrupadas por similitude estrutural, funcional ou prática. Como exemplo, Mascaro traz o Estado. Aparelhos são “núcleos materiais de sociabilidade, condensando tipos de relação social específicos”. ➢ FORMA POLÍTICA E FORMA JURÍDICA- Mascaro • Ambas derivam das formas econômicas do capitalismo e remontam à lógica da reprodução do capital. Não se pode perder de vista, porém, que suas respectivas existências, até certo ponto, independem uma da outra. Não se pode cometer o mesmo erro dos juspositivistas. Com sua visão míope, incapaz de ultrapassar o manejo imediato das técnicas normativas estatais, identificam o Estado e o Direito. • Em um sentido, o Estado, enquanto ente político soberano, cria o conjunto de normas jurídicas a que se reduz o Direito. Via reversa, o Direito disciplina a atuação política do Estado. • A forma jurídica, em certa medida, independe da forma política. Basta mirar o florescimento da subjetividade jurídica entre os escravos brasileiros que entesouravam dinheiro e bens, não obstante estarem desprovidos formalmente de subjetividade jurídica. Por conseguirem ingressar, ainda que de modo limitado, no circuito das relações de produção, apresentam subjetividade jurídica, apesar de esta só começar a receber chancela estatal a partir de 1888. Quando o Estado lhe fornece um talhe, o Direito já é um dado social. • A consubstanciação entre a forma política e forma jurídica assume contornos nítidos com as revoluções burguesas. Deste momento em diante, o Estado molda o Direito ao engendrar uma normatividade e garanti-la, ao passo que o Direito molda o Estado à medida em que as ações políticas se processam sob determinações jurídicas. Essa conformação, todavia, não compromete o núcleo das formas. • O Estado não pode extinguir a subjetividade jurídica sem inviabilizar sua própria existência, ao mesmo tempo em que a autonomia da vontade não pode sobrepujar a intermediação estatal sem ela própria deixar de subsistir. Afinal, são componentes fundamentais para a reprodução da sociabilidade capitalista. • Nesse sentido, o Estado limita a autonomia da vontade quando fixa a instituição normativa do salário mínimo, enquanto a arbitragem restringe a esfera de atuação do Judiciário. • O manejo imediato da técnica jurídica e o da técnica política se jungem, de tal modo que, a nível prático, é possível falar de um complexo jurídico-político. Em certo sentido, o direito privado invade a seara do direito público (impondo categorias como a subjetividade jurídica), ao mesmo tempo em que o inverso acontece (as normas de direito privado são prioritariamente produzidas pelo processo legislativo). ➢ A AUTONOMIA DO ESTADO – Mascaro • Por uma razão estrutural, o Estado dota-se de uma autonomia relativa. A forma política derivada forma-valor e dá azo a um aparato terceiro aos indivíduos, grupos e classes. • Há, com efeito, uma separação estrutural entre o poder político e poder econômico, mas o Estado é, ele próprio, a condensação de relações sociais específicas do capitalismo. • Para que exista, o Estado precisa salvaguardar as condições estruturais necessárias à reprodução do capital. É imprescindível que ocupe essa posição estrutural de terceiro garantidor da circulação e produção de mercadorias, para que se mantenha a igualdade formal entre capital e trabalho, bem como a exploração daquele sobre este, fundada na liberdade contratual. • Sob um prisma jurídico, é comum definir o Estado como um poder incontrastável e superior aos indivíduos, classes e grupos. Trata-se de uma concepção limitada, incapaz de se aproximar do fenômeno diretamente, sem estipulações jurídicas. O Estado não é, em sua materialidade, um poder supremo. De fato, detém o monopólio do uso legítimo da violência, mas está imerso na complexidade que é o tecido social capitalista. Embora possua um maior poderio do que a maioria dos grupos empresariais, alguns conglomerados, sem dúvida alguma, superam alguns Estados. • Nas palavras de Mascaro, “para toda tentativa de vislumbrar uma autonomia estatal total pode lhe ser posto um dado fático contrário”. Se há, em certa medida, um apartamento entre o político e o social, ele não é absoluto, visto que as instituições políticas estão esparramadas na rede de relações sociais. • A luta de classes, grupos e indivíduos atravessa o Estado, conformando a sua concreção. Determina a geografia e as funções desempenhadas pelo Estado, estabelecendo, então, mais um motivo para que se reconheça a relatividade da autonomia estatal. • As classes e os grupos, contudo, não podem nunca se apropriar por completo do Estado, justamente pela complexidade e contraditoriedade das relações sociais capitalistas. Por isso, o Estado não é capitalista por estar dominado diretamente pela burguesia, mas, como vimos, por sua forma. • É de se ressaltar, ainda, que a autonomia relativa do aparato se desdobra nas instituições estatais, que apresentam díspares configurações, funções e permeabilidade às classes e grupos. Ao mesmo tempo, no entanto, não se pode perder de vista que o Estado constitui a dinâmica contraditória das relações sociais, modelando-as. • Sempre ativamente, o Estado sustenta a reprodução do capital, alterando, em situações de crise, o padrão específico que rege a acumulação e a regulação. Não necessariamente, porém, a intervenção estatal é lúcida, sendo possível, inclusive, que se majore crises. • Os agentes estatais agem enredados pelas formas da sociabilidade capitalistas, desprovidos de uma visão panorâmica e estrutural. Decerto, no fundo, suas ações reforçam a lógica de reprodução do capital, mas nem sempre favoravelmente em termos imediatos. • Ademais disso, o Estado age positivamente quando filtra, seleciona e processa demandas sociais sob os termos postos pelas formas. A luta de classes, ao mesmo tempo que o perpassa, é reprocessada pelo aparato estatal. As demandas das classes são lapidadas de modo a obedecer a fórmula do indivíduo-cidadão. Esse sujeito atomizado demanda o gozo de direitos subjetivos, o cumprimento de deveres estatais ou de terceiros. • Essa mesma estreiteza das formas, contudo, pode inviabilizar, em situações extremas, quando a luta de classes se agudizado, a absorção das contradições e pôr em risco o modo de produção capitalista. ➢ SOBERANIA ESTATAL – BAMBINI • De plano, Bambini apresenta a sua tese de que, com efeito, a noção de soberania foi relativizada em razão da globalização, da consolidação da economia de mercado e da formação de blocos econômicos e políticos. Não obstante, apresenta-se como um instrumento imprescindível de legitimação do poder estatal, aglutinando e atribuindo coesão à sociedade. • Em uma primeira aproximação do conceito, Bambini recorre a Carré de Malberg para definir a soberania como uma qualidade do poder que lhe atribui supremacia. Decerto, a noção de soberania só surge quando da formação dos Estados Modernos e instalação do Antigo Regime. • Em Maquiavel, alguns indícios já podem ser identificados, na medida em que o florentino concebe um poder absoluto de posse do príncipe cujo desiderato é a unificação do Estado e a manutenção da coesão social. • Coube a Jean Bodin dar um acabamento preciso ao conceito, tratando a soberania como um poder incontrastável que só se submete à lei divina e natural. Assim, no contexto da passagem da Idade Média para a Idade Moderna, a soberania desempenhou uma importante função na legitimação do poder dos Estados incipientes. • Posteriormente, como é consabido, com o surgimento do constitucionalismo e da doutrina de separação dos poderes, aceita-se uma limitação jurídica, política e social à soberania. • Tendo em vista esse material histórico, Bambini propõe duas acepções para a soberania. Em sentido amplo, poder de mando em última instância em uma sociedade política. Em sentido restrito, o poder estatal em si. ➢ PROCESSO HISTÓRICO: PODER E SOBERANIA – Bambini • Na Idade Antiga e na Idade Média, inexistia o conceito de soberania (ao menos em sentido estrito). • Na Grécia, encontra-se a noção de autarquia, a saber, a autossuficiência das cidades- Estado. Em Roma, formulações como majestas, summa potestas e imperium estavam desprovidas da ideia de supremacia frente a outros poderes. • O enfraquecimento das fronteiras entre o poder político e poder religioso, marca da Idade Média, também não permitiu o legado de um conceito de soberania. A razão é simples: não existia uma separação definitiva entre sociedade e Estado. • Com o advento do Estado moderno, que tem como marcos a unificação dos reinos de Aragão e Castela em 1469 e a chegada da dinastia Tudor ao poder na Inglaterra em 1485, surgem as ideias de uma vontade suprema, que não reconhece outra acima de si, e de razão de Estado. Crescentemente, o poder se acumula nas mãos do rei, a quem incumbe o controle da justiça, da polícia e da produção legislativa. Nesse quadro, a soberania assumia um viés marcadamente personalista, afinal, era concebida como o poder incontrastável do rei, com arrimo teológico. • No bojo das revoluções liberais, no entanto, forja-se um conceito de soberania, enquanto um poder supremo titularizado pelo povo/nação, cujo exercício é de responsabilidade dos agentes políticos nos termos imperativos da Constituição. Mediatamente, as prerrogativas da soberania são manejadas pelos representantes, que detêm, em verdade, um dever-poder, e não um poder pessoal ilimitado. • Com a lavra da doutrina da personalidade jurídica do Estado, na segunda metade do século XX, torna-se comum a atribuição da soberania ao Estado. Pessoa jurídica, o ente político dispõe de uma capacidade de declarar e sustentar o direito em um dado território. Nesse sentido, só está juridicamente obrigado a executar os atos que engendra ou com os quais aquiesce. Separa-se de vez a vontade institucional da vontade do agente político. ➢ CONCEPÇÃO DE SOBERANIA NO ESTADO CONTEMPORÂNEO- Bambini • Bambini reafirma, neste passo, os impactos da globalização e da consolidação da economia de mercado. A integração política (com centros de poder extraestratais) e econômica (com os megamercados e os blocos econômicos) conduziram a um reposicionamento do Estado (ou mesmo, a uma crise) e a uma relativização da soberania. • O Estado não detém o monopólio do processo decisório no grau que outrora obtinha à medida em que os conglomerados econômicos, os organismos internacionais e o Direito Internacional limitam, em certa medida, seu poder. De modo algum, porém, pode-se falar de um desaparecimento ou de uma perda de razão de existência do Estado. Ora, o Direito Internacional, por exemplo,como bem lembram Alberto Amaral Jr. e Hans Kelsen, pressupõe a soberania. • Sem o aceite estatal e a admissão da normativa internacional na ordem jurídica interna, o Direito Internacional fica desprovido de cogência. • Ato contínuo, a soberania continua a legitimar o poder político estatal e a servir como elemento constitutivo do Estado. Ora, por exemplo, se as fronteiras geográficas foram relativizadas, decerto, o exercício de soberania sobre o território ainda é um referencial inescapável para sua demarcação.