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T 2-MUNDOS DO TRABALHO NOVOS

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MUNDOS DO TRABALHO NOVOS- Estudos sobre História Operária
Texto de: ERIC J. HOBSBAWM
5ª edição revista
Tradução: Waldea Barcellos e Sandra Bedran
Revisão técnica: Edgar de Decca e Michael Hall
Editora: Paz e Terra
MUNDOS DO TRABALHO NOVOS Estudos sobre História Operária
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Subtítulo: NOTAS SOBRE CONSCIÊNCIA DE CLASSE
 O título do presente artigo foi inspirado no conhecido - mas raramente lido - livro de George Lukács, History and CLass Consciousness (História e Consciência de Classe), uma coletânea de estudos publicada em 1923, duramente criticada dentro do movimento comunista e praticamente fora de circulação por trinta a quarenta anos a partir daquela data. De fato, desde que, até bem pouco tempo nenhuma versão inglesa fora publicada, esta obra é ainda, para a maior parte dos ingleses, pouco mais do que um título. 
 Desejo refletir, como historiador, sobre a natureza e o papel da consciência de classe na história, partindo do pressuposto de que estamos todos de acordo quanto a uma proposição básica: que as classes sociais, o conflito de classes e a consciência de classe existem e desempenham um papel na história. Podemos perfeitamente discordar sobre qual o papel que desempenham, ou sobre sua importância, mas para o propósito da presente discussão nenhuma outra premissa de caráter geral é necessária. Não obstante, por justiça tanto ao assunto quanto ao pensador cujo nome vem tão obviamente associado a ele, devo talvez iniciar pela explicação de onde minhas próprias reflexões estão ligadas às da argumentação extremamente interessante de Lukács (derivada, naturalmente, de Marx), bem como de onde elas não o estão.
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 Como o sabe a maioria das pessoas que têm razoável familiaridade com o marxismo, há uma certa ambiguidade no tratamento de Marx das classes sociais, talvez devido ao fato de que Marx jamais escreveu de modo sistemático sobre o assunto. O manuscrito de O Capital termina no exato momento em que tal exposição sistemática deveria começar, de modo que o Capítulo S2 do volume III, sobre classes, não pode ser considerado sequer um esboço ou uma obra inacabada. Em outros momentos, Marx usou o termo "classe" em dois sentidos bastante diferentes, de acordo com o contexto. Primeiro, ele podia significar aqueles amplos conjuntos humanos que podem ser reunidos sob uma classificação segundo um critério objetivo - por manterem relações similares com os meios de produção -, e, mais especificamente, os agrupamentos de exploradores e explorados que, por razões puramente econômicas, são encontrados em todas as sociedades humanas que ultrapassem a fase primitiva comunal e, como argumentaria Marx, até o triunfo da revolução proletária. "Classe" é usada nesta acepção na célebre passagem de abertura do Manifesto Comunista ("A história de todas as sociedades existentes até hoje é a história da luta de classes") e para os propósitos gerais do que poderíamos chamar de macroteoria de Marx. Não pretendo que esta simples formulação esgote o significado de "classe" na primeira acepção usada por Marx, mas ela servirá ao menos para distingui-la da segunda, que introduz um elemento subjetivo no conceito de classe - a saber, a consciência de classe. Para os propósitos do historiador, isto é, do estudioso da micro-história, ou da história "como ela aconteceu" (e, no presente, "como ela acontece") - em oposição aos modelos gerais e bem mais abstratos das transformações históricas das sociedades - a classe e o problema da consciência de classe são inseparáveis. Uma classe, em sua acepção plena, só vem a existir no momento histórico em que as classes começam a adquirir consciência de si próprias como tal. Não é por acaso que o locus classicus da discussão de Marx sobre consciência de classe é uma obra de história contemporânea, tratando de anos, meses ou mesmo semanas e dias - a saber, a obra de gênio que é O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte. As duas acepções de "classe" obviamente não são conflituosas. Cada uma delas tem seu lugar no pensamento de Marx.
 O tratamento de Lukács, se bem o entendo, parte dessa dualidade. Ele distingue o fato objetivo da classe das deduções teóricas a partir dele que poderiam ser e/ou foram extraídas pelos homens. Mas ele estabele
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ce uma segunda distinção: entre as idéias reais que todos constroem sobre classes, e que são temas do estudo histórico, le o que ele chama de consciência de classe "atribuída" (zugerechnetes). Esta consiste nas "ideias, sentimentos etc., que homens em uma dada situação de vida teriam, se eles pudessem compreender inteiramente essa situação e os interesses dela derivados, tanto com respeito à ação imediata quanto com respeito à estrutura da sociedade que corresponder(ia) a esses interesses".' Em outras palavras, trata-se do que, digamos, um burguês ou um proletário idealmente racionais pensariam. É uma construção teórica baseada em um modelo teórico da sociedade, não uma generalização empírica sobre o que as pessoas realmente pensam. Lukács ainda argumenta que em classes diferentes a "distância" entre consciência de classe efetiva e atribuída é maior ou menor, podendo atingir o ponto de constituir não apenas uma diferença de grau, mas de espécie. 
 Lukács deduz algumas ideias muito interessantes a partir desta distinção, mas não vou ocupar-me delas aqui. Não afirmo que o historiador enquanto historiador deva ocupar-se apenas com os fatos. Se o historiador é marxista, ou mesmo se ele tenta responder de algum modo a qualquer das questões realmente significativas sobre as transformações históricas da sociedade, ele também deve ter subjacente um modelo teórico de sociedades e de transformações, e o contraste entre comportamento efetivo e racional não pode deixar de lhe interessar porque pelo menos ele deve estar interessado na efetividade histórica das ações e ideias que estuda, que usualmente - pelo menos até (e inclusive) a era da sociedade burguesa - não correspondem às intenções dos indivíduos e organizações que as realizam ou sustentam. A título de exemplo, é importante observar - como, aliás, notaram Lukács e Marx - que a consciência de classe dos camponeses é geralmente bastante ineficaz, exceto quando organizada e conduzida por não-camponeses com ideias não-camponesas, e por que isso ocorre. Ou é importante notar a divergência entre a consciência de classe efetiva, isto é, observável, do proletariado, que é programaticamente bastante modesta, e o tipo mais amplo de consciência de classe não meramente "atribuível" (no sentido de Lukács) ao proletariado, mas incorporada realmente na classe operária através dos movimentos operários socialistas que essa classe desenvolveu. Não obstante, embora os historiadores não possam negligenciar esses problemas, eles naturalmente têm maior interesse profissional pelo que realmente aconte
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ceu (incluindo o que poderia ter acontecido sob circunstâncias específicas), do que pelo que deveria realmente ter acontecido. Irei portanto abandonar grande parte da discussão de Lukács como não pertinente a meu propósito, que é o propósito bastante modesto do historiador. 
 O primeiro ponto que desejo estabelecer também foi tratado por Marx e Lukács. Enquanto se pode dizer que as classes em sua acepção objetiva existem desde a desagregação da sociedade baseada essencialmente em relações de parentesco, a consciência de classe é um fenômeno dá era industrial moderna. Este fato é familiar aos historiadores, que com frequência acompanharam a transição do conceito pré-industrial de "ordem" ou "estado" ao conceito moderno de "classe", a partir de termos tais como "o populacho" ou "os trabalhadores pobres" até os termos "o proletariado" ou "a classe operária" (via o termo intermediário "as classes trabalhadoras"). Da mesma forma acompanharam, um pouco mais cedo historicamente, a formação de termos tais como "classe média" ou "burguesia", a partir do antigo termo "ordem(s) média(s) da sociedade". Na Europa Ocidental esta mudança ocorreu aproximadamente na primeira metadedo século XIX, provavelmente antes da década de 1830 a 1840. Por que a consciência de classe viria a surgir tão tardiamente? 
 Na minha opinião, o argumento de Lukács é convincente. Ele assinala que, economicamente falando, todas as sociedades pré-capitalistas possuem coesão incomparavelmente menor como entidades únicas do que a economia capitalista. Os diversos setores de uma sociedade pré-capitalista são muito mais independentes entre si, e suas dependências econômicas recíprocas muito menores. Quanto menor for o papel da troca de mercadorias em uma economia, mais setores da sociedade serão economicamente auto-suficientes (como, os setores da economia rural) ou não desempenharão nenhuma função econômica específica, com exceção talvez do consumo parasitário (como na antiguidade clássica), mais distantes, indiretos e "irreais" serão os laços entre o que as pessoas realmente vivenciam como economia, política ou sociedade, e o que na realidade constitui a estrutura política, econômica etc., mais ampla dentro da qual elas atuam.3 
 Inversamente, poderíamos acrescentar, aquelas camadas relativamente raras e pouco numerosas, nas quais a experiência real coincide com esta estrutura mais ampla, podem desenvolver, mais cedo que as demais, algo semelhante a uma consciência de classe. Isso é verda
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deiro, por exemplo, com respeito à aristocracia e à pequena nobreza, compostas de pequeno número de membros inter-relacionados e que atuam em parte através de sua relação direta com instituições que exprimem ou simbolizam a sociedade como um todo - como o rei, a corte, o parlamento, etc. Diga-se de passagem que alguns historiadores usaram este fenômeno como um argumento contra interpretações marxistas da classe e das lutas de classes na história. Como se tornará evidente, a análise marxista, na verdade, já se encontra especificamente preparada para esta argumentação. 
 Em outras palavras, no capitalismo a classe é uma realidade histórica imediata e em certo sentido vivenciada diretamente, enquanto nas épocas pré-capitalistas ela pode ser meramente um conceito analítico que dá sentido a um complexo de fatos que de outro modo seriam inexplicáveis. Essa distinção, certamente, não deve ser confundida com a proposição marxista mais conhecida de que no curso do desenvolvimento capitalista a estrutura de classes é simplificada e polarizada até o momento em que (em casos extremos como o da Grã-Bretanha em determinados períodos) se pode trabalhar na prática com um sistema simples de duas classes – a "classe burguesa" e a "classe operária". Isto pode também ser verdadeiro, mas pertence a outra linha de pensamento. Por sinal, isso não implica uma perfeita homogeneidade em cada classe, e Marx jamais o sugeriu. Para determinados propósitos, não precisamos nos preocupar com a heterogeneidade interna de cada classe, como, por exemplo, quando definimos determinadas relações cruciais entre classes, tais como as que se dão entre patrões e trabalhadores. Para outros propósitos, não podemos deixar de levá-las em consideração. Nem Marx nem Engels, quer em seus trabalhos diretamente históricos ou em suas análises da política contemporânea, jamais negligenciaram as complexidades sociais, as estratificações etc., intrínsecas às classes. De qualquer modo, isto é um comentário à margem. 
 Se tentarmos olhar para a consciência das camadas sociais nos períodos pré-capitalistas, iremos portanto nos deparar com uma situação de certa complexidade. Temos no topo grupos como a alta aristocracia, que muito se aproximam da consciência de classe em escala moderna, isto é, em uma escala que poderíamos chamar de escala "nacional" (a escala dos grandes Estados), para usarmos um anacronismo, ou mesmo, sob alguns aspectos, em uma escala internacional. É, todavia, altamente provável que o critério de autodefinição, mesmo
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nesses casos de "consciência de classe", venha a ser primordialmente não-econômico - enquanto nas classes modernas ele é basicamente econômico. Pode ser impossível ser um nobre sem possuir terras e dominar camponeses, e abster-se de trabalho braçal, mas essas características não seriam suficientes para definir um nobre segundo a sociedade medieval. Esta definição exigiria também laços de parentesco ("sangue"), status e privilégios legais especiais, um relacionamento especial com o rei, ou vários outros fatores. 
 Na base da hierarquia social, por outro lado, os critérios de definição social são por demais limitados ou por demais amplos para a consciência de classe. Em um sentido, podem ser inteiramente localizados, na medida em que as comunidades das aldeias, do distrito, ou de outras áreas limitadas, são de fato a única sociedade e economias reais que importam, o resto do mundo fazendo nelas apenas incursões remotas e ocasionais. No que diz respeito aos homens que vivem em tais circunstâncias, o vizinho do vale próximo pode não ser simplesmente um estrangeiro, mas também um inimigo, por mais semelhantes que sejam suas situações sociais. Programas e perspectivas políticas são por definição geograficamente limitados. Ouvi certa vez de um militante político da América Latina, que trabalhou entre os índios, que: "É inútil dizer-lhes que o lavrador tem direito ao solo. Eles somente compreendem a quarenta anos a partir daquela data. De fato, desde que, até bem à sua comunidade nos tempos do seu avô, e que foi roubado de você pelos senhores de terra. Você pode reclamá-lo de volta." Em outro sentido, tais critérios podem ser tão gerais e universais que excluam qualquer autoclassificação propriamente social. Os camponeses podem portanto estar tão convencidos de que o mundo é formado de camponeses, com raras exceções, e que eles simplesmente podem definir a si mesmos como "povo" ou (na língua russa) "cristãos". (Isto conduz a ironias históricas inconscientes, tais como ado líder libertário ateu e revolucionário da Andaluzia que disse a seus camaradas derrotados que "todo cristão deve se esconder nas montanhas", ou como a do sargento do Exército Vermelho, ouvido durante a última guerra dirigindo-se a seu pelotão como "crentes verdadeiros".) Ou então eles podem simplesmente definir-se como "gente do campo" campesinos, contadinos, paysans), em oposição à cidade. Pode-se argumentar que a conhecida afinidade dos camponeses com movimentos milenares ou messiânicos
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reflete essa realidade social. A unidade de sua ação organizada ou bem alcança a paróquia ou o universo. Não existe meio-termo. 
 Mais uma vez é necessário evitar confusões. Estamos falando da ausência de uma consciência de classe específica. Isto não é O mesmo que um baixo grau de consciência de classe, que Marx e outros observadores notaram, por exemplo, no campesinato na era capitalista. Marx o atribuiu, pelo menos no caso da França do século XIX, ao fato de que ser um camponês implicava ser exatamente como muitos outros camponeses, faltando no entanto relações econômicas entre os mesmos.' Cada família camponesa é, economicamente falando, em grande parte isolada das demais. Isso pode muito bem ser verdadeiro sob condições capitalistas, e pode ajudar a distinguir os camponeses dos operários como classe, pois a concentração em grupos de cooperação mútua é a realidade social básica da existência proletária. O argumento de Marx sugere, no meu entender acertada e proveitosamente, que existem graus de coesão de classe. Como Theodore Shanin certa vez colocou,' o campesinato é uma "classe com baixa classidade" (class of low classness); e, por outro lado, se pode afirmar que o proletariado industrial é uma classe com "classidade" (classness) extremamente alta. (Ela é, afinal, a única classe que desenvolveu movimentos de massa genuinamente políticos, mantidos coesos específica e primariamente pela consciência de classe, por exemplo, como "partidos da classe operária" - partidos trabalhistas, Partis Ouvriers etc.). 
 Não obstante; o ponto que assinalei sobre as sociedades pré-capitalistas não é este, mas um outro. Podemos sugerirque em tais sociedades a consciência social das "camadas baixas" ou classes subalternas será fragmentada em segmentos sociais ou outros, mesmo quando sua realidade social for de cooperação econômica e social, e de ajuda mútua, como no caso de inúmeros tipos de comunidades de aldeias. Haverá com frequência não uma alta ou baixa "classidade", mas sim, no sentido de consciência, absolutamente nenhuma "classidade" além da escala em miniatura. De modo alternativo, podemos sugerir que a unidade sentida pelos grupos subalternos será tão global que ultrapassará a classe e o Estado. Não haverá camponeses, mas "o povo" ou "os homens do campo"; não haverá trabalhadores, mas "pessoas comuns" ou "trabalhadores pobres" indiscriminados, distintos dos ricos meramente pela pobreza, dos ociosos (sejam estes ricos ou pobres), pela
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compulsão a viver de seu próprio suor, e dos poderosos, pelo corolário implícito ou explícito de sua fraqueza e desamparo.
 Entre o topo e a base da hierarquia social pré-industrial encontramos um conglomerado de grupos locais, setoriais e outros cada qual com seus múltiplos horizontes, e por demais complexos para uma análise superficial - ou, quanto a isto, para mais do que a raríssima ação comum em escala "nacional". No interior de uma localidade, tal como uma cidade-Estado, esses grupos podem de fato ser proveitosamente analisados em termos de classe e lutas de classe, como realmente o fizeram observadores contemporâneos e historiadores desde os tempos das cidades da Grécia Antiga. Mesmo aí, todavia, as realidades da estratificação socioeconômica muito provavelmente são sobrepostas, no intelecto dos homens, pelas classificações não-econômicas - por exemplo, a legal- que tendem a prevalecer nessas sociedades. Isto é óbvio quando a nova realidade de uma sociedade explicitamente dividida pela economia entra em conflito com os antigos modelos de uma sociedade hierarquicamente estratificada - a realidade da transformação socioeconômica em conflito com o ideal de estabilidade socioeconômica. Podemos assim observar a acirrada luta entre os critérios conflitantes de consciência social, por exemplo, o declínio da consciência corporativa ou de guilda dos artífices remunerados e a ascensão da consciência de classe dos proletários, qualificados ou não. Até onde persiste tal consciência de status (que, obviamente, é em si econômica, na medida em que privilégios legais ou quase-legais implicam vantagens econômicas), ou até onde ela pode reviver sob o capitalismo moderno, é um tema interessantíssimo de pesquisa, que não irei desenvolver. Lukács teceu algumas considerações sugestivas a respeito, às quais remeto a atenção do leitor.' 
 Podemos, portanto, afirmar que a consciência de classe está ausente nas sociedades pré-capitalistas? Não inteiramente, pois mesmo se deixarmos de lado a história de comunidades pequenas e localmente circunscritas, tal como as cidades-Estado, e o caso especial das classes dominantes, encontramos dois tipos de movimento social que nitidamente atuam numa escala maior do que a local e menor do que a ecumênica. Estes são, primeiro, os movimentos das "pessoas comuns" ou dos "trabalhadores pobres", contra as "elites" ("Quando Adão arava e Eva tecia, quem era o senhor daquela alegria?"), e, em segundo lugar, o fenômeno das guerras camponesas, às vezes realmente reco
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nhecidas e denominadas como tais por seus contemporâneos. A ausência de consciência de classe no sentido moderno não implica a ausência de classes e de conflitos de classe. Mas é evidente que na economia moderna isso se modifica de forma bastante fundamental. 
 Como? Iniciemos com uma observação geral, mas bastante significativa. A escala da consciência de classe moderna é maior do que no passado, mas é essencialmente "nacional", e não global: isto significa que ela atua dentro da estrutura de Estados territoriais que, a despeito do acentuado desenvolvimento de uma economia mundial única e interdependente, permanecem até hoje como unidades principais de desenvolvimento econômico. Neste sentido, nossa situação ainda é análoga à das sociedades pré-capitalistas, embora em um nível mais alto. Os aspectos decisivos da realidade econômica podem ser globais, mas a realidade econômica palpável e vivenciada, o que afeta direta e obviamente avida e a sobrevivência das pessoas, é própria da Grã-Bretanha, dos Estados Unidos, da França etc. Não é impossível que estejamos hoje penetrando na era de uma economia diretamente global. De fato, algumas camadas numericamente pequenas da população já atuam internacionalmente, sujeitas a limitações linguísticas, como, por exemplo, cientistas e alguns outros tipos acadêmicos, um fato expresso e simbolizado por sua rápida mobilidade de emprego nas diferentes partes do mundo. Para a maioria das pessoas, entretanto, este ainda não é o caso, e o controle crescente da economia e dos assuntos sociais pelo governo tem de fato intensificado, sob importantes aspectos, o caráter nacional da consciência social. Nesta medida, classes globais são ainda o mesmo tipo de conceitos teóricos que eram nos tempos pré-capitalistas, exceto nos raros momentos de efervescência revolucionária global. As classes efetivas e reais são nacionais. Os elos de "solidariedade internacional" entre trabalhadores franceses e britânicos, ou mesmo entre seus respectivos movimentos socialistas, são bem mais tênues do que os laços que ligam os trabalhadores britânicos entre si. 
 Dentro desses limites, o que é feito da consciência das diferentes classes? Não tenho a intenção de abordar a lista de classes e camadas que historiadores e sociólogos poderiam ou não concordar em reconhecer como as principais. Ao invés disto, desejo atrair a atenção do leitor para dois aspectos do problema. 
 O primeiro é a questão das relações entre consciência de classe e realidade socioeconômica. Há slogans e programas de "classe" que têm
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pouquíssima possibilidade de realização, porque se opõem à corrente da história, e outros que são mais realizáveis porque vão ao sabor dessa corrente. Os movimentos camponeses e os da pequena burguesia clássica dos pequenos artesãos, lojistas epequenos empresários pertencem ao primeiro tipo. Essas camadas podem ser politicamente importantíssimas, por sua força numérica ou por outras razões, mas historicamente elas são vítimas inevitáveis mesmo quando asseguram a vitória de quaisquer causas que assumam. Elas podem no máximo tornar-se poderosas forças setoriais de oposição, e mesmo estas têm influência bastante limitada em países onde as forças econômicas ou políticas dominantes são extremamente dinâmicas. A enorme força política dos fazendeiros e das pequenas cidades norte-americanas não suavizou em grau significativo o declínio dos fazendeiros como classe, nem a concentração econômica contra a qual os populistas lutaram tão vigorosamente. Os nazistas ascenderam ao poder através da mobilização em massa destas camadas e alguns deles realmente tentaram até certo ponto realizar seu programa. Entretanto, o nazismo se revelou um regime de capitalismo monopolista de Estado, não porque os nazistas o tivessem proposto, mas porque o programa das "pessoas comuns" simplesmente não tinha condições de concorrer. Se as perspectivas socialistas do movimento operário são excluídas, então a única alternativa que resta nos Estados industriais do Ocidente é um régime de forte ingerência estatal e grandes empresas. 
 A relação entre movimentos de camponeses e os regimes que eles levaram ao poder no século XX é análoga. Estas revoluções, como Eric Wolf assinalou, foram vitoriosas principalmente porque mobilizaram o campesinato e sobretudo porque mobilizaram as camadas mais tradicionais do campesinato.' Todavia, o resultado social real dessas transformações foi bastante diferente das aspirações dos camponeses que as tornaram possíveis; mesmo quando estes receberam terras. A história mais do que confirmou os argumentos marxistas contra os Narodniks: não se erigiram sistemaspós-revolucionários sobre os fundamentos das comunidades aldeãs pré-capitalistas, mas sim sobre suas ruínas. (É apenas justo acrescentar, entretanto, que a história deu razão aos Narodniks em oposição a alguns marxistas em outro ponto: os mais eficazes revolucionários rurais não foram nem os kulaks protocapitalistas, nem os trabalhadores aldeões proletarizados, mas sim o médio campesinato.)
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 Mais interessante do que estes casos, que podemos chamar de consciência de classe do tipo beco sem saída, é a situação de classes cuja relação com a realidade social apresentou mudanças. O caso da burguesia é instrutivo e familiar. Em torno de, digamos, 1860, a consciência de classe burguesa, mesmo numa forma pouco sofisticada, refletia de fato e - em um nível muito superficial- explicava a realidade da sociedade burguesa. Em 1960 isso nitidamente já não ocorria, muito embora nossa sociedade possa ainda ser descrita como capitalista. Podemos ainda ler o tipo de opinião que todo bom paterfamilias liberal aceitava sem questionamento no tempo em que Lincoln foi assassinado, principalmente nas colunas principais do Daily Telegraph e nos discursos de uns poucos parlamentares de pouca projeção do Partido Conservador britânico. * Na realidade essas opiniões são ainda aceitas sem questionamento nos bons lares suburbanos. É evidente que hoje em dia essas concepções têm aproximadamente tanta relação com a realidade quanto os discursos de William Jennings Bryan sobre a Bíblia. Por outro lado, hoje é evidente que o programa teórico do liberalismo econômico do século XIX, como foi formulado, digamos, na campanha presidencial de Barry Goldwater em 1964, é tão irrealizável quanto as utopias do camponês ou do pequeno-burguês. A diferença entre eles está em que a ideologia de Goldwater um dia serviu para modificar a economia mundial, embora não sirva mais, enquanto as outras ideologias das "pessoas comuns" jamais o fizeram. Em suma, o desenvolvimento do capitalismo deixou seus primeiros portadores, a burguesia, para trás. A contradição entre a natureza social da produção e a natureza privada da apropriação neste sistema sempre existiu, mas foi (economicamente falando) até certo ponto secundária. A empresa privada competitiva e sem restrições, em poder de firmas familiares administradas por seus proprietários e com abstenção do Estado, não foi meramente um ideal, ou mesmo uma realidade social, mas em certo estágio o modelo mais eficaz para o rápido crescimento econômico das economias industriais. Hoje a contradição é dramática e óbvia. O capitalismo das grandes corporações entrelaçadas com grandes Estados permanece um sistema de apropriação privada, e seus
Nota: * Desde que essa passagem foi escrita, este tipo de político simplório chegou a formar governos tanto nos Estados Unidos quanto na Grã-Bretanha,
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problemas básicos se originam desse fato. Todavia, mesmo em suas operações comerciais usuais, tal sistema considera inteiramente irrelevante o liberalismo econômico do século XIX, bem como desnecessária a classe que o constituiu, a burguesia clássica.
 Este é o ponto que desejo ressaltar. Algumas formas de consciência de classe, e as ideologias nelas baseadas, estão, de certo modo, em harmonia com o desenvolvimento histórico, outras não. Algumas, que um dia estiveram em harmonia, deixaram de estar. Quais são hoje, se é que existem, as classes em ascensão cuja ideologia e consciência apontam para o futuro? A questão é importante não apenas em termos políticos, mas (se seguimos Marx) para nossa compreensão da epistemologia, ao menos nas ciências sociais. Não posso, entretanto, desenvolvê-la melhor aqui. 
 O segundo aspecto que desejo discutir diz respeito à relação entre consciência de classe e organização, Iniciemos com algumas diferenças históricas óbvias entre a consciência da burguesia ou da "classe média" e a consciência da classe operária. Os movimentos burgueses se basearam em uma poderosíssima consciência de classe. De fato, nós provavelmente ainda podemos dizer que a luta de classes foi tipicamente travada, ou sentida com amargura muito maior ou mais constante, no lado burguês da frente de batalha (onde a ameaça de revolução é o sentimento dominante), do que no lado proletário (onde a esperança, uma emoção civilizada, é ao menos tão importante quanto o ódio). Mas, elas raramente foram movimentos de classe explícitos. Os poucos partidos que se autodenominaram especificamente partidos de "classe média", ou outro título similar, são normalmente grupos de pressão para propósitos particulares e geralmente modestos, tais como manter baixos os impostos de vários tipos. Os movimentos burgueses agitaram bandeiras liberais, conservadoras, ou de outras ideologias, mas alegando serem 'Socialmente não-classistas, ou então abrangentes a todas, mesmo quando visivelmente não o eram. Os movimentos proletários, por outro lado, se basearam na explícita consciência e coesão de classe. Ao mesmo tempo, os movimentos burgueses foram organizados muito mais elástica e informalmente, às vezes, aparentemente para propósitos limitados, e envolveram muito menos lealdade e disciplina do que os movimentos da classe operária, embora na realidade suas perspectivas políticas pudessem ser bastante ambiciosas. A esse respeito, é instrutivo o contraste entre a Liga Contra a Lei dos Cereais,
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de certa forma o protótipo dos movimentos da classe burguesa, e os cartistas, o protótipo dos movimentos proletários de massa. 
 Como assinalamos, a diferença não está necessariamente na amplitude dos objetivos políticos buscados. Ambos podem ser igualmente ambiciosos, na medida em que visavam superar um tipo de sociedade e substituí-lo por outro. A diferença pode estar na natureza da experiência social das classes ou das camadas, em sua composição e função social. Esse tópico poderia ser formulado de vários modos. A burguesia ou "classe média superior" foi ou é um grupo de elite de quadros políticos, não porque seus membros foram especificamente selecionados por habilidade ou iniciativa (como sempre acreditaram que foram), mas porque esta classe consiste essencialmente em pessoas que estão, ao menos potencialmente, em posições de comando ou influência, por mais localizadas que sejam; de pessoas que, individualmente ou em pequenos grupos, podem provocar acontecimentos. (Esta afirmação não se aplica à pequena burguesia ou à classe média baixa como grupo.) A "campanha" característica das camadas profissionais britânicas modernas, contra a localização de um aeroporto, a rota de uma rodovia, ou alguma outra espécie de rolo compressor administrativo, é por isso de uma eficácia desproporcional ao número de pessoas nela envolvidas. Por outro lado, a classe operária, como o campesinato, é constituída quase que por definição de pessoas que não podem fazer coisas acontecerem exceto coletivamente, embora, ao contrário dos camponeses, sua experiência de trabalho demonstre todos os dias que eles devem agir coletivamente ou não agir de forma alguma. Mas mesmo sua ação coletiva requer estrutura e lideranças para que sejam eficazes. Sem uma organização formal para a ação, exceto sob certas circunstâncias no próprio local de trabalho, é improvável que sejam eficazes; sem alguém que seja capaz de exercer hegemonia (para usarmos a expressão de Gramsci), irão permanecer tão subalternas como a plebe do passado pré-industrial. O fato da história poder, como argumentam os marxistas, caracterizá-las como coveiros de uma velha sociedade e alicerces de uma nova (embora isso precise ser repensado ou ao menos reformulado) não altera esta característica de sua existência social aqui e agora. Em outras palavras, os movimentos burgueses ou de classe média podem atuar como "exércitos de encenação"; ao passo que os movimentos proletários podem atuar apenas como exércitos reais, com generais e estado-maior reais.
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 O problema pode ser colocado de outro modo. Cada classe possui dois níveis de aspirações, ao menos até que se tornepoliticamente vitoriosa: as exigências específicas, imediatas, do dia-a-dia, e as exigências mais gerais pelo tipo de sociedade que lhe convém. (Uma vez vitoriosa, a segunda exigência se transforma em conservadorismo.) Podem existir, naturalmente, conflitos entre esses dois níveis de aspirações, como quando setores da burguesia do século XIX, cuja exigência geral era a abstenção de interferência econômica por parte do governo, surpreenderam-se apelando para o governo em busca de proteção e auxílio específicos. No caso de uma classe como a burguesia, ambos os níveis de aspirações podem ser perseguidos através de organizações de tipos relativamente elásticos ou ad hoc, embora não sem uma ideologia geral que mantenha a classe coesa, como o liberalismo econômico. Mesmo os partidos de classe do liberalismo, no século XIX, não foram partidos ou movimentos de massa (exceto na medida em que atraíram as camadas mais baixas), mas coalizões de notáveis, de indivíduos ou de pequenos grupos influentes. * 
 Por outro lado, a consciência da classe operária em ambos os níveis implica a organização formal; e uma organização que seja ela mesma a portadora da ideologia de classe, que sem ela seria pouco mais que um complexo de hábitos e práticas informais. A organização (o "sindicato", "partido" ou "movimento") torna-se assim uma extensão da personalidade do trabalhador individual, que ela contempla e completa. Quando militantes da classe operária ou membros dos partidos se recusam a expressar sua opinião diante de situações políticas novas e remetem jornalistas visitantes ao "sindicato" (ou qualquer que seja o título que a organização possa ter), isso exprime não a abdicação de sua própria opinião em favor de alguma autoridade superior, mas o pressuposto de que as palavras do "sindicato" são as suas; elas são o que eles diriam se tivessem a capacidade pessoal de dizê-lo. **
Nota: * Mais uma vez isso não se aplica a partidos da classe média baixa, que tenderam e tendem a ser movimentos de massa, embora, refletindo o isolamento socioeconômico dos membros dessas camadas, tenham se tomado movimentos de massa de um tipo especial. Aqui aplica-se a profética perspicácia de Marx sobre a relação dos camponeses franceses com Napoleão III: "Eles não podem representar a si próprios, precisam ser representados. Seu representante deve ao mesmo tempo aparecer como seu mestre, como uma autoridade sobre eles".
Nota: ** Os exemplos mais notáveis de tais identificações são normalmente encontrados nos estágios comparativamente iniciais da organização sindical, antes dos movimentos operários terem se tomado parte do sistema político oficial de ação e em épocas ou lugares onde o movimento consiste em uma organização única que representa, isto é. literalmente "substitui" a classe.
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 Apesar disso, os tipos de consciência e organização que correspondem a cada um dos dois níveis normalmente são distintos, embora algumas vezes ligados ou combinados. O nível mais baixo é representado pelo que Lênin (com sua costumeira visão precisa e realista das realidades sociais) chamou de "consciência sindical", e o mais alto é representado pela "consciência socialista" (ou possivelmente, mas de forma muito mais rara, algum outro tipo de consciência que prefigura a transformação total da sociedade). A primeira (como Lênin também observou) é aquela gerada mais espontaneamente, mas também a mais limitada. Sem a última, a consciência de classe da classe operária é, historicamente falando, incompleta, e sua própria presença como classe pode ser questionada, como nos Estados Unidos, embora este questionamento seja incorreto. Sem ambas os trabalhadores poderiam ser completamente insignificantes, ou mesmo invisíveis, para propósitos políticos, como amassa bastante substancial de "trabalhadores conservadores" que sempre existiu na Grã-Bretanha, sem afetar, além de numa forma efêmera e marginal, a estrutura, a política e o programa do Partido Conservador, que, no entanto, não venceria uma única eleição sem eles. 
 Novamente deve ser feita a distinção entre proletariado e camponeses. Estes últimos, que também são uma classe historicamente subalterna, exigem que mesmo a mais elementar consciência de classe ou organização em escala nacional (isto é, politicamente eficaz) lhes seja importada de fora, enquanto as formas mais elementares de consciência de classe, ação de classe e organização tendem a desenvolver-se espontaneamente dentro da classe operária. O desenvolvimento de movimentos sindicais significativos é quase universal em sociedades de capitalismo industrial (a menos que seja impedido pela coerção física). O desenvolvimento de "partidos" trabalhistas ou socialistas foi tão comum nestas sociedades que os casos infrequentes em que eles não se desenvolveram (como nos Estados Unidos) são comumente tratados como excepcionais em certo sentido, exigindo explicações especiais. Isso não ocorre com os movimentos autônomos de camponeses, e muito menos com os chamados "partidos de camponeses", cuja estrutura é de qualquer forma bastante diferente da dos partidos trabalhistas. Movimentos proletários têm um potencial inerente para a hegemonia, o que falta aos movimentos de camponeses. A "consciência socialista", através da organização, é portanto um complemento essencial da consciência da classe operária. Mas ela
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não é automática, nem inevitável e, mais do que isso, não é consciência de classe no sentido óbvio em que a consciência "sindical" espontânea o é, seja em sua forma reformista moderada, seja em sua forma radical politicamente menos estável e eficaz, ou mesmo em sua forma "sindicalista" revolucionária. E neste ponto o problema da consciência de classe na história transforma-se em um problema crítico da política do século XX. Pois a necessária mediação da organização implica uma diferença e, com maior ou menor probabilidade, uma divergência, entre "classe" e "organização", isto é, "partido" ao nível político. Quanto mais nos afastamos das unidades sociais elementares e das situações nas quais a classe e a organização se controlam mutuamente - por exemplo, no caso clássico, à seção sindical socialista ou comunista nas aldeias de mineiros -, e penetramos na vasta e complexa área em que são tomadas as principais decisões sobre a sociedade, maior a divergência potencial. No caso extremo do que o pensamento de esquerda denominou "substitucionismo", o movimento toma o lugar da classe, o partido o do movimento, o aparato de funcionários o do partido, as lideranças (formalmente eleitas) tomam o lugar do aparato, em exemplos históricos bem conhecidos do inspirado secretário-geral ou de outro líder do comitê central. Os problemas que surgem a partir dessa divergência, em certa medida inevitável, afetam totalmente o conceito da natureza do socialismo, embora se possa também argumentar que, com a crescente insignificância para o capitalismo contemporâneo do velho tipo de burguesia empresarial do século XIX, que controlava quantidades significativas dos meios de produção como indivíduos ou famílias, eles podem estar surgindo também no presente sistema. São problemas, em parte, das estruturas de administração, planejamento, decisão política e executiva etc. (isto é, problemas de "burocracia") que ocorrem em qualquer sociedade complexa moderna, em especial naquelas cuja administração e planejamento social e econômico se deem nas presentes circunstâncias, e, em parte, da natureza das sociedades e regimes que surgem a partir de movimentos operários socialistas. Eles não são os mesmos, embora o uso emocional e impreciso de termos como "burocracia" em discussões da esquerda tenda a confundi-los: eles são congruentes apenas quando uma burocracia formal é ex officio, uma "classe" dirigente no sentido técnico do termo, como era talvez entre os mandarins eruditos da China imperial,
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ou como o são hoje os altos executivos do capitalismo corporativo, com interesses tanto na propriedade quanto na gerência assalariada. * O problema crucialdos socialistas está em que os regimes socialistas revolucionários, em oposição aos sistemas burgueses, não surgem a partir de classes, mas a partir de combinações características de classe e organização. Não é a própria classe operária que toma o poder e exerce a hegemonia, mas o movimento ou O partido da classe operária, e é difícil imaginar (a não ser assumindo uma posição anarquista) como poderia ser de outro modo. A esse respeito, o desenvolvimento histórico da URSS foi bastante lógico, embora não necessariamente inevitável. O "partido" tornou-se o grupo dirigente formal e efetivo, sob o pressuposto de "representar" a classe operária. A subordinação sistemática do Estado ao partido refletiu esse fato. Com o tempo, de modo igualmente lógico, o partido absorveu e assimilou os quadros individuais efetivos da nova sociedade - seus oficiais, administradores, executivos, cientistas etc. - à medida que surgiam, de modo que em certo estágio da história soviética o sucesso, em quase todas as carreiras socialmente significativas, implicava o convite para entrar no partido. (Isto não significava que recrutados "funcionalmente" tivessem igual possibilidade de influenciar a política, como os membros mais antigos do partido, para os quais a política era uma carreira, mas também havia uma diferença análoga na burguesia entre os que eram reconhecidos como pertencentes à classe dominante e aqueles que, nessa mesma classe, pertenciam ao grupo governante.) O fato da base social original do partido, o pequeno proletariado industrial da Rússia czarista, ter sido dispersada ou destruída durante a revolução e a guerra civil, obviamente facilitou essa evolução do Partido Comunista. O fato de que os quadros individuais da nova sociedade, após uma gera
Nota; * Um grupo dirigente pode ser burocratizado ou não, embora na história europeia raramente o tenha sido; ele pode atuar com ou por meio de um sistema administrativo burocratizado, como na Grã-Bretanha no século XX, ou não-burocratizado, como na Grã-Bretanha do século XVIII. O mesmo pode se dar em sociedades socialistas, admitindo-se o distinto status social dos grupos - partidos dirigentes não são classes. O Partido Comunista da União Soviética é burocrático, e atua por meio de um Estado e de uma administração econômica bastante burocratizados. A "revolução cultural" maoísta tentou, se bem a compreendo, destruir a burocratização do PC chinês, mas se pode apostar na certa que o país continua a ser administrado por meio de um sistema burocrático. Não é mesmo impossível descobrir exemplos de grupos dirigentes burocratizados associados a um sistema não-burocrático, isto é, sem um sistema administrativo efetivo, como talvez em alguns Estados eclesiásticos do passado.
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ção do novo regime, eram em grande parte recrutados entre homens e mulheres de origem operária ou camponesa, que haviam feito sua carreira inteiramente no partido e através dele, em detrimento de uma proporção acentuadamente decrescente de recrutamentos entre membros ou filhos de membros da antiga burguesia e das famílias aristocráticas, que o regime tentava naturalmente excluir, acelerou ainda mais o processo. Não obstante, se pode sugerir que um processo desse tipo estava implícito na "revolução proletária", amenos que contramedidas sistemáticas fossem tomadas. * 
 O momento em que a "revolução proletária" tem êxito é, portanto, o momento crítico. Então, quando o pressuposto originariamente razoável de uma identidade virtual entre classe e organização cede lugar à subordinação da primeira à última, o "substitucionismo" torna-se perigoso. Na medida em que a organização continua a manter sua identidade geral automática com a classe, e nega a possibilidade de ocorrerem divergências maiores do que as mais superficiais e temporárias, abre-se um amplo caminho para abusos extremos, até o limite do stalinismo (sem excluí-lo). De fato, algum grau de abuso é praticamente inevitável, pois a organização provavelmente supõe que suas opiniões e ações representam as opiniões reais (ou, em termos lukacsianos, a consciência "atribuída") da classe, e onde as opiniões reais da classe divergem da organização, elas são atribuídas à ignorância, à falta de compreensão, à infiltração hostil etc., devendo ser ignoradas ou mesmo suprimidas. Quanto mais forte a concentração do poder no partido-Estado, maior a tentação de ignorar ou suprimir divergências; e inversamente, quanto mais fraca essa concentração, maior a tentação de acentuá-las. 
 Daí os problemas de democracia política, de estruturas pluralistas, de liberdade de expressão etc. se tornarem mais importantes do que antes, afirmação que não implica que a solução de tais problemas deva ou tenha de ser a do liberalismo burguês. Tomemos um exemplo óbvio. Se sob sistemas socialistas os sindicatos perdem suas antigas funções e as greves são consideradas transgressões à lei, então, qualquer que seja a justificativa geral e os possíveis ganhos finais dos trabalhadores, eles
Nota: * Não estou discutindo os possíveis desenvolvimentos que, em circunstâncias históricas particulares, poderiam levar grande número de quadros individuais a preferirem não filiar-se às organizações formais de "elite", isto é, ao partido.
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perderam um meio essencial de influenciar as condições de suas vidas e, a menos que conquistem algum outro meio para esse período, seu prejuízo é líquido e certo. A burguesia clássica poderia defender o equivalente de uma "consciência sindical" de seus interesses de vários modos mais ou menos informais, onde eles se conflitassem com os interesses mais amplos da classe, como são interpretados pelos governos. A classe operária, mesmo nos sistemas socialistas, só pode fazê-lo através da organização, ou seja, apenas por meio de um sistema político de organizações múltiplas ou através de um movimento único que sensibilize a si mesmo quanto às opiniões de suas bases, isto é, através de uma efetiva democracia interna. 
 Mas este problema é exclusivo apenas das revoluções proletárias e dos sistemas socialistas? Como já observamos de passagem, problemas similares estão surgindo a partir da estrutura em transformação da própria economia capitalista moderna. Mecanismos políticos, legais, constitucionais e outros, por meio dos quais as pessoas tradicionalmente supuseram exercer alguma influência sobre a conformação de suas vidas e de sua sociedade (ainda que fosse por influência negativa), se tomaram cada vez mais ineficazes. Não tão simplesmente no sentido de que tais mecanismos sempre foram ineficazes para os "trabalhadores pobres", a não ser de modo circunstancial, mas no sentido de que são cada vez mais irrelevantes para o mecanismo real das decisões tecnocráticas e burocratizadas. A "política" foi reduzida às relações e manipulações públicas. Decisões vitais, como as que envolvem guerra e paz, não somente ignoram os órgãos oficiais que deveriam toma-las, como podem também ser tomadas - por um punhado de diretores de bancos centrais, por um presidente ou primeiro-ministro em conjunto com um ou dois assessores de bastidores, por juntas ainda menos identificáveis, compostas de técnicos e executivos - por meios que nem sequer formalmente são abertos ao controle político. O mecanismo clássico da política "real" do século XIX gira cada vez mais em falso: os editoriais dos jornais "fortes" são lidos por congressistas de pouca projeção cujas opiniões são ignoradas ou por ministros que são dispensáveis; e seus respectivos pronunciamentos são ainda menos significativos do que suas démarches pessoais junto àqueles que realmente tomam decisões, supondo que estes possam ser identificados. Mesmo os membros do establishment (ou a classe dirigente) podem revelar-se, como indivíduos, influentes apenas no sentido em que o são
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os acionistas, em benefício de cujos investimentos as firmas capitalistas são ainda administradas (ao menos segundo a teoria jurídica). Os membros efetivos da classe dirigente de hoje progressivamente deixam de ser pessoasreais, passando a ser organizações; não mais os Krupp ou os Rockefeller, mas a General Motors e a IBM, sem mencionarmos a organização governamental e o setor público, com os quais estas organizações facilmente permutam executivos. * 
 As dimensões políticas da consciência de classe, e especialmente a relação entre membros da classe e organizações, estão portanto mudando rapidamente. Os problemas das relações do proletariado com os estados operários, ou mesmo as organizações em larga escala de seus movimentos sob o capitalismo, são apenas um caso especial dentro de uma situação mais geral, que os imperativos da tecnologia e da administração pública ou corporativa em grande escala transformaram. Essa observação não deve ser usada apenas para marcar vantagem no debate. Nada é mais fútil e irritante do que o roto rir-se do esfarrapado, e ao fazê-lo supor estar resolvendo o problema que é comum a ambos. As classes continuam a existir e a ter consciência. A expressão prática dessa consciência é que está hoje em questão, dadas as mudanças em seu contexto histórico. Mas neste ponto o historiador pode calar-se, e não sem alívio. Seu interesse profissional não está no presente ou no futuro. Embora ele deva lançar alguma luz sobre ambos, seu interesse está no passado. Não cabe aqui discutir o que provavelmente vai acontecer, e o que podemos ou devemos fazer com relação a isso. (1971)
Nota: * Em um nível inferior, a diferença entre sistemas formalmente liberal-democráticos e outros sistemas políticos parece nitidamente estar diminuindo. Nem o presidente De Gaulle, cuja constituição o garantia contra a excessiva interferência eleitoral ou parlamentar, nem o presidente Johnson, que não estava tão protegido, foram afetados de modo significativo pelas reconhecidas pressões dos sistemas liberais. Ambos só foram vulneráveis a pressões bastante distintas, atuando externamente a esses sistemas.
NOTAS
I. Geschichte und Klassenbewusstsein (História e Consciência de Classe). Berlim, 1923, p. 62. Todas as referências são a esta edição original. 
2. Op, cit., p. 62. 
3. Op. cit., p.67. 
4. O trecho pertinente, do Dezoito Brumário, Capo VII, é famoso, mas não será prejudicado por ser citado mais uma vez: "Os pequenos camponeses constituem uma imensa massa, cujos membros vivem em condições semelhantes, mas sem estabelecerem relações multiformes entre si. Seu modo de produção os isola uns dos outros, em vez de reuni-Ios em interação mútua (...). Seu campo de produção, a pequena propriedade, não permite a divisão do trabalho para o cultivo, nenhuma aplicação da ciência e, portanto, nenhuma multiplicidade de desenvolvimento, nenhuma diversidade de talentos, nenhuma riqueza de relações sociais. Cada família camponesa é praticamente auto-suficiente; ela mesma produz inteiramente a maior parte de seu consumo e, desta forma, adquire seus meios de subsistência mais através da troca com a natureza do que do intercâmbio com a sociedade. Uma pequena propriedade, um camponês e sua família; ao lado deles, outra pequena propriedade, outro camponês e outra família. Algumas dezenas delas formam uma aldeia, e algumas dezenas de aldeias formam um Departamento. Desta maneira, a grande massa da nação francesa é formada pela simples soma de grandezas equivalentes, da mesma forma que batatas dentro de um saco formam um saco de batatas. Na medida em que milhões de famílias camponesas vivem em condições econômicas de existência que isolam seu modo de vida, seus interesses e sua cultura dos de outras classes, e que as colocam em contraste hostil contra estas últimas, elas constituem uma classe. Na medida em que existe apenas uma inter-relação local entre os pequenos camponeses, e que a identidade de seus interesses não origina nenhuma unidade, nenhuma união nacional e nenhuma organização política, eles não constituem uma classe". 
5. "The Peasantry as a Political Factor", Sociol. Rev., ano XIV, n. I, 1966, pp. 5-27.
6. Op. Cit., p. 70

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