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Algumas considerações sobre o conceito de libido em Freud e Lacan Aríete Garcia Lopes E ste trabalho se propõe a tecer algumas considerações sobre o desenvolvimentodo conceito de libido em Freud, propondo uma descontinuidade com o conceitode libido apresentado por Lacan. Esta descontinuidade, teria sido possibilitada pelo corte entre a física clássica e a física moderna. O termo libido aparece pela primeira vez em Freud no Rascunho E de sua correspondência com Fliess. Discute nesta correspondência a questão da neurose de angustia ligada à transformação da tensão sexual acumulada em angústia, devido ao fracasso da descarga pelas vias psíquicas. Diz:"... a tensão sexual física aumenta a certo nível e desperta a libido psíquica". Aqui a libido é tomada enquanto quantidade, podendo ser suficiente ou insuficiente, entretanto, ela já é claramente definida como psíquica. Em 1915, no capítulo "Teoria da libido", texto escrito após a "Introdução flo Narcisismo" e publicado nos 'Três ensaios da sexualidade", Freud define libido como "força quantitativamente variável que poderia servir de medida do processo e das transformações que ocorrem no campo da excitação sexual". Seria uma energia especial que se deve supor subjacente aos processos mentais em geral. Diz ele que ao fazer a distinção entre energia libidinal e outras formas de energia psíquica, expressa a diferença entre processo sexual do organismo e processo nutritivo. Em 1920, em "Além do princípio do prazer", Freud amplia o conceito de libido pela via do mito (mito de Eros) e pela biologia (libido das células individuais). Libido está, neste momento, estritamente ligado à necessidade de manter a dualidade pulsio- nal, assim como manter o conceito de compulsão à repetição, sobre a qual postula a pulsão de morte. Para falar de compulsão à repetição, supõe que todo organismo vivo está determi- nado historicamente para voltar a um estado anterior das coisas e aí, ele pode falar em pulsão de morte desde a origem. No entanto, a pulsão sexual o que claramente visaria 272 LETRA FREUDIANA - Aao XI - ns 10/11/12 Algumas considerações sobre o conceito de libido em Freud e Lacan é a conjunção entre duas células germinais diferentes; então, onde estaria a repetição? Isto colocaria por terra a pulsão sexual desde a origem, caindo no monismo pulsional. Então Freud postula, através de estudos da biologia, partindo primeiro da Teoria de Weissman, que divide o organismo entre soma (mortal) e célula germinal (imortal), que nas células individuais haveria pulsão de morte e pulsão de vida. A libido existente nestas células teria a função de se ligar a outra, tomar outra célula como seu objeto, o que parcialmente neutralizaria a pulsão de morte. Mas existiriam também as células germinais, que são as de reprodução, que se reservariam desta função, mantendo a sua libido, libido narcísica para outra função. Teríamos então aqui, tanto a libido do objeto como a libido narcísica atuando nas células. Ficando ainda para Freud explicar, a questão da repetição da pulsão sexual, que só poderia provar supondo a origem do sexual, como uma força para unir. Recorre então, ao mito de Eros de Platão, dizendo em 1921, na Psicologia das massas: "Em sua função, origem e relação com o amor sexual, o Eros do filósofo Platão, coincide exatamente com a força amorosa, a libido da psicanálise." O mito de Aristófanes, em que um ser original haveria sido dividido em duas partes, desejando sempre se reunir a outra parte, possibilita que Freud possa colocar a compulsão à repetir em Eros e mais ainda, traz em sua estrutura intrínseca a questão da divisão do sujeito. Em 1921, Freud define libido dizendo: "Libido é uma expressão extraída da teoria das emoções. Damos este nome à energia considerada como uma magnitude quantita- tiva, daquelas pulsões que tem a ver com tudo o qúe pode ser abrangido sob a palavra "amor", e logo depois em 1923, em O Eu e o Isso diz: "Dificilmente se pode duvidar que o princípio do prazer serve ao Id como bússola em sua luta contra a libido - a força que introduz distúrbios no processo de vida". Daí podemos extrair, que a libido, ao mesmo tempo que vem de uma força para reunir, ligar (Eros) é por isto mesmo quem traz desordem, ao se ligar a outro diferente, o que impossibilita um nível de tensão = 0, que é a busca da pulsão de morte. Neste percurso teórico da obra de Freud sobre a libido, podemos destacar que libido: é energia; visa satisfação; é móvel, quer dizer, investe e desinveste objeto, se desloca; é psíquica, investe necessariamente representações do objeto; não se confunde com Eros, é a energia de Eros; tem a evolução de sua teoria concomitante com a evolução da teoria das pulsões; tem sua imagem como uma ameba com seus pseudópodes. A partir deste trabalho sobre a libido em Freud, surgiu a questão: em Lacan, como o conceito de libido é tomado? Percorrendo o texto "Posição do Inconsciente" e o Seminário 11, de 1963 e 1964, vemos que: enquanto Freud fala de energia, Lacan fala em superfície organizando o campo de forças; Freud dá a imagem de uma ameba com seus pseudópedes e Lacan a imagem de um órgão; Freud traz o mito de Aristófanes para falar sobre a origem da libido e Lacan constrói o mito do ovo. LETRA FREUDIANA - Ano XI - n« 10/11/12 273 Algumas considerações sobre ó conceito de Hbido em Freud e Lacan Então de que se trata? ^ ; Propomos que tenha havido um corte, uma descontinuidade entre o conceito de libido em Freud e Lacan, propiciado pelo desenvolvimento da física, ou seja, pelo corte entre a física clássica e a física moderna. O princípio da relatividade de Einstein trouxe importantes implicações na evolução do conceito de campo. A noção de campo devida a Newton diz que são os corpos, as partículas materiais e não o campo que tem realidade física. As idéias relativistas tendem a desvincular os campos das partículas, dando-lhes existência real. A visão clássica, mecanicista do mundo, baseava-se no conceito de partículas sólidas e indes- trutíveis deslocando-se no vazio. A física moderna trouxe à tona uma revisão radical dessa representação, levando não apenas a uma noção inteiramente inédita do que sejam partículas, mas transformando o conceito clássico de vazio. Nas teorias quânti- cas de campo a distinção entre partículas e o espaço circunvizinho perde a nitidez original e o vazio passa a ser reconhecido como uma quantidade dinâmica. Lacan toma então, a teoria eletromagnética, que foi a primeira teoria física formulada de acordo com o princípio da relatividade e mais especificamente o teorema de Stokes que diz o seguinte; o fluxo que provém,da superfície é rotacional, é constante e é igual a da borda fechada em que se apoia. Isto permite a eledizer emPosição do Inconsciente: "A imagem que nos dá a libido pelo que e.la éj eu seja um órgão, ao qual seus costumes a aparentam bem mais do que a um campo de foscas. Digamos que é como superfície, que ela ordena este campo de forças". "O teoremadito de Stòkes nos permitiria situar na condição que essa superfície se apoia sobre uma borda fechada, que é a zona erógena, a razão da constância, da urgência do impulso sobre a qual Freud insiste tanto". Diz também no Seminário 11: "A libido não é algo de fugaz, de fluído, ela não se reparte, nem se acumula, como um magnetismo, nos centros de focalização que lhe oferece o sujeito, a libido deve ser concebida como um órgão, nos dois sentidos do termo, órgão-parte do organismo eórgão instrumento". Ou seja, a imagem que nos dá Lacan da libido é de um orgão-parte do organismo, na medida em que ela vem se inserir em um dos orifícios do corpo, no buraco cuja borda é a zona erógena e ao mesmo tempo como órgão instrumento, enquanto superfície de movimento rotacional que introduz o limite do ser do organismo, fazendo seu recorte. A idéia de superfície e rotacional, enquanto em Freud, a libido com a imagem de umaameba em relação com seus pseudópodes, dá uma idéia de movimento linear de ida e volta, de investimento e retirada de investimento. Sustentado nesta física, Lacan utiliza outro mito para falar da origem da libido, na medida em que o mito de Aristófanes acentua a divisão e Lacan já tem uma física que propicia a ele falar de algo que se produz quando da divisão. Ele fala então, do fantasma que surge pelo mesmo lugar que nasce o homem, um fantasma de forma infinitamente mais primária de vida. 274 LETRA FREUDIANA-Ano X I - n s 10/11/12 Algumas considerações sobre o conceito de libido em Freud e Lacan Ele considera um ovo no ventre vivíparo, sem casca e que cada vez que se rompem, as membranas, é uma parte do ovo que é ferido, mas estas membranas devem ssçp* perfuradas para que o ser fecundado nasça. . 4 Ele diz que ao quebrar o ovo se faz o Homem, mas também a homelete (com H). Esta Homelete teria como característica ser ultra-achatada, de difícil destruição, imortal por ser cissípara e guiada pelo puro instinto de vida. Lacan, assim como Freud, utiliza o exemplo da biologia a nível das células para marcar a relação da libido, do sexual, com a morte. Enquanto Freud acentua neste exemplo o caráter de aglutinação, de reunião das células individuais, Lacan acentua a redução cromossôinica que se processa na reprodução das células germinais. Freud diz que no exercício dessa função de reunião, algumas células tem que morrer, e Lacan que "a libido marca a relação na qual o sujeito toma parte da sexualidade, com sua morte". Então, pelo desenvolvimento da física, Lacan pode tomara libido com ligação com aquilo que falta, a perda, tornando-a como órgão irreal, precedendo e condicionando o subjetivo, por estar em contato direto com o real. Lacan tinha a possibilidade da Física moderna que fala de um vácuo físico -como é denominado na teoria de campo - que não é um estado de um simples nada, mas contém a potencialidade para todas as formas do mundo das partículas, enquanto Freud, apesar da perda já estar colocada em alguns pontos, tem a física falando de partículas e da força entre essas partículas. O que ele tem para acentuar, é a divisão, e desta divisão trazer a libido para a psicanálise. Bibliografia e citações FREUD.S. Correspondência à Fliess-RascunhoE, vol. I. Ed. Standard Brasileira, 1976. Três ensaios sobre sexualidade, vol. VII - 1905. Ed. Standard Brasileira, 1976. Além do princípio do prazer, vol. XVIII - 1920. Ed. Standard Brasileira, 1976. Psicologia de grupo e a análise do eu, vol. XVIII - 1921. Ed. Standard Brasileira, 1976. O Eu e o Isso, vol. XIX -1973. Ed. Standard Brasileira, 1976. LACAN.J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, livro 11 - 1964. JorgeZahar Editor, 1985. Escritos: Posição do inconsciente no longreno de Bonneval retomada de 1960 a 1964. Editora Perspectiva, 1966. Bilbiografia do texto: Considerações sobre a libido - Freud/Lacan. LETRA FREUDIANA-Ano XI-n»10A 1/12 275
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