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Gustavo Penna Introdução A definição de sarcopenia mais aceita mundialmente é a do European Working Group of Sarcopenia in Older People (EWGSOP), apoiada pelo Asian Working Group on Sarcopenia e atualizada pelo EWGSOP2 em janeiro de 2019. O EWGSOP define sarcopenia como uma síndrome caracterizada por progressiva perda de massa e força muscular esquelética e comprometimento funcional, com risco de desfechos negativos, como incapacidade física, piora da qualidade de vida e morte. A definição operacional de sarcopenia (Cruz-Jentoft et al., 2019) ocorre segundo os critérios: 1.Baixa força muscular. 2.Baixa massa muscular. 3.Baixo desempenho físico. Em que: Provável sarcopenia é identificada pelo critério 1 O diagnóstico é confirmado pelo registro adicional do critério 2 Se todos os critérios forem cumpridos (1, 2 e 3), a sarcopenia é considerada grave. Fisiopatologia A sarcopenia pode ser considerada primária quando não se encontra nenhuma causa identificável, além do próprio envelhecimento pode ser considerada secundária quando uma ou mais causas são evidentes. A fisiopatologia da sarcopenia envolve: Senescência das células satélites: As células satélites são pequenas células miogênicas, dispostas paralelamente às fibras musculares dentro da lâmina basal que envolve as fibras, são responsáveis pelo crescimento e regeneração muscular, contribuindo para o crescimento muscular pós-natal, o reparo de fibras musculares danificadas e a manutenção do músculo esquelético adulto. Células satélites senescentes reduzem sua habilidade de proliferar, reduzindo a reparação da musculatura esquelética Disfunção Mitocondrial: A função mitocondrial pode ser afetada pelo dano cumulativo ao DNA mitocondrial do músculo que é observado com o envelhecimento. Esse fato pode resultar em redução da taxa de síntese de proteína muscular e de trifosfato de adenosina (ATP) e, finalmente, na morte das fibras musculares e perda de massa muscular. ↕ Apoptose: Danos no DNA mitocondrial do tecido muscular são associadas a apoptose acelerada dos miócitos, a qual pode ser a via de ligação entre a disfunção mitocondrial e a perda de massa muscular. Outros mecanismos – mutações, diminuição de fatores de crescimento e imobilidade – também podem resultar em apoptose pelas duas vias(intrínseca e extrínseca). Inflamação crônica: O envelhecimento está associado a aumento gradual e crônico da produção de citocinas pró- inflamatórias (IL-1,IL-6 e TNF-α). Há evidências de que o aumento da massa gordurosa e a diminuição nos níveis de hormônios sexuais circulantes decorrentes do envelhecimento colaborem para isso. A elevação dos níveis séricos das citocinas pró-inflamatórias está relacionada com o aumento no catabolismo proteico das fibras musculares. Perda da função neuromuscular: A contribuição neurológica para a sarcopenia ocorre com a perda de neurônios motores-alfa(células nervosas responsáveis por controlar a contração das fibras musculares extrafusais, que são o principal componente gerador de força de um músculo.) A perda desses neurônios leva os neurônios remanescentes a controlar mais fibras musculares, mas isso causa uma diminuição na coordenação e força muscular devido ao aumento das unidades motoras e à redução dos neurônios alfa. Perda preferencial de fibras tipo II (contração rápida e forte) o que compromete a capacidade de gerar potência muscular. Modificações Hormonais Insulina A sarcopenia pode ser acompanhada por aumento progressivo da gordura corporal total e da gordura intramiocelular, as quais estão associadas a risco elevado de resistência à insulina, reduzindo assim o efeito anabólico da insulina(↑síntese e armazenamento de proteínas). Além disso, é válido ressaltar que nos idosos, após a ingestão de glicose e aminoácidos, os níveis de insulina aumentam, mas a taxa de síntese proteica resultante é menor em comparação com os jovens. Isso sugere que a resposta anabólica à insulina é menos eficiente em idosos. Ademais, a hiperinsulinemia pode estar associada à redução da função mitocondrial no idoso.* Estrogênio Estudos epidemiológicos sugerem que o estrógeno previne a perda de massa muscular, já que, com o seu declínio associado à idade, aumentam os níveis de citocinas pró-inflamatórias envolvidas no processo da sarcopenia. GH e IGF-1 Tanto o GH quanto o IGF-1 declinam com a idade e estão entre os prováveis contribuintes para o desenvolvimento da sarcopenia. Reposição de GH diminui a gordura corporal, aumenta a massa magra e melhora o perfil lipídico. O IGF-1 ativa a proliferação e a diferenciação de células satélites, além de aumentar a síntese de proteína nas fibras existentes. Testosterona Os níveis de testosterona declinam lentamente no homem idoso a uma taxa de 1% ao ano. A testosterona provoca aumento no número de células satélites musculares. Quando indicada para indivíduos hipogonádicos ou para idosos com baixos níveis séricos de testosterona, ela aumenta a massa, a força muscular e a síntese proteica. Deidroepiandrosterona(DHEA) Os níveis de DHEA, outro hormônio esteroide anabolizante(possui ação semelhante a testosterona), diminuem consideravelmente com a idade. Vitamina D e Paratormônio(PTH) Os níveis de 25(OH) vitamina D diminuem com a idade. Estudo epidemiológico recente evidenciou associação entre a sarcopenia e os baixos níveis de vitamina D, a qual exerce provável efeito no anabolismo muscular (Rolland et al., 2008). Baixos níveis de vitamina D são frequentemente associados à elevação do PTH. O PTH pode modular a função muscular a partir do aumento do cálcio intracelular ou pela indução de uma via pró-inflamatória Influência genética: Fatores genéticos são os principais fatores relacionados com a variabilidade da força muscular de um indivíduo. Poucos estudos têm investigado genes relacionados com a força muscular. Os genes GDF-8 (fator de diferenciação ou crescimento 8, também conhecido como miostatina), CDKN1A (inibidor de quinase dependente de ciclina 1A) e MYOD1 (antígeno de diferenciação miogênica 1) estão relacionados com a força dos membros inferiores. Outros genes que fazem parte da via da miostatina como quinase dependente da ciclina 2 (CDK2), retinoblastoma 1 (RB1) e fator de crescimento insulina-símile 1 (IGF-1) também estão relacionados com a força muscular. Polimorfismos nos genes ACE (enzima conversora de Unidade Motora: unidade funcional básica do músculo esquelético, é composta por um único neurônio motor alfa e todas as fibras musculares que ele inerva. angiotensina) e VDR (receptor de vitamina D) têm sido associados à sarcopenia. Baixa Ingesta Calórica e Proteica: A taxa de síntese de proteína muscular sofre redução de aproximadamente 30% no idoso. Fatores nutricionais, doenças e inatividade são os principais fatores responsáveis por essa redução. Diversos mecanismos levam à diminuição da ingesta alimentar pelo idoso (anorexia do envelhecimento), como diminuição do apetite, redução da função de órgãos sensoriais como paladar e olfato, alteração na dentição e saciedade precoce (em decorrência do aumento da liberação de colecistocinina e elevação da leptina). Falta de Atividade Física: Idosos que fazem pouca atividade física apresentam fraqueza muscular e, consequentemente, redução maior na capacidade de realizá-la, além de perderem de massa e força nos músculos. Sarcopenia e baixo desempenho físico no idoso estão associados a baixo peso ao nascimento em homens e mulheres, independentemente do peso e da estatura alcançados na idade adulta. Apresentação Clínica Os sintomas mais comuns incluem: Quedas, fraqueza, lentidão, queixa autorreportada de perda muscular ou dificuldades para realização das tarefasdiárias. Estágios Em 2010, o EWGSOP propôs dividir a sarcopenia em 3 estágios, de acordo com a gravidade do acometimento, aferida pelo impacto no organismo. O primeiro estágio, ou pré-sarcopenia, seria caracterizado por redução de massa muscular esquelética, não associada a alterações aferíveis de força muscular e de desempenho físico. O estágio 2, ou apenas sarcopenia, seria identificado pela redução de massa muscular esquelética, associada à redução de força muscular ou de desempenho físico. Finalmente, a sarcopenia grave seria caracterizada pelo aparecimento concomitante de alterações nas 3 esferas. Diagnóstico Segundo o sistema de classificação do EWGSOP, os parâmetros centrais para o diagnóstico de sarcopenia são a massa e a função do sistema musculoesquelético. Na avaliação desses parâmetros, recomenda-se a aferição das variáveis massa muscular, força muscular e desempenho físico. 1o Passo | Mensuração da força muscular Geralmente, a mensuração da força é realizada pela força de preensão palmar. Se a força muscular for menor que o valor de referência, de acordo com o sexo e os valores de corte propostos, deve-se suspeitar de sarcopenia .É importante fazer o diagnóstico diferencial com outras causas potenciais de sarcopenia e considerar outras razões de redução de força muscular, como desordens neurológicas e osteoartrite de mãos. 2o Passo | Mensuração da massa muscular Muitas técnicas podem ser utilizadas para estimar a massa muscular, mas todas apresentam limitações, incluindo a variabilidade de resultados, diferentes pontos de corte e fraca associação entre massa muscular e efeitos negativos em saúde. O procedimento mais efetivo é a densitometria de corpo total (DXA), que estima massa magra. A análise da bioimpedância elétrica (BIA) é útil, porém os pontos de corte devem ser específicos para a população analisada, e a falta de padronização dos limites prejudica a acurácia. A circunferência da panturrilha pode ser utilizada como medida para estimativa da massa muscular, sendo considerada o indicador mais sensível de alterações musculares nos idosos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), pela sua aplicabilidade prática, embora não seja o método de melhor acurácia. Tomografia e ressonância nuclear magnética são mais utilizadas para fins de pesquisa. A ultrassonografia tem sido proposta desde 2018 como alternativa simples para mensuração da massa muscular na prática clínica, mas ainda não foi padronizada e não tem pontos de corte validados. 3o Passo | Avaliação da performance física para mensuração da gravidade da sarcopenia A performance física é definida como a habilidade para realizar tarefas físicas e a independência nas atividades de vida diária. Comumente é avaliada por meio do teste da velocidade de marcha de 4 m. Outros testes também são utilizados, como o Timed Up and Go Test (TUGT) e a bateria curta de performance física (SPPB, do inglês Short Physical Performance Battery).