Prévia do material em texto
PNEUMONIAS P R O F . B R U N O B U Z O Estratégia MED Prof. Bruno Buzo | PneumoniasINFECTOLOGIA 2 PROF. BRUNO BUZO APRESENTAÇÃO: Fala, futuro Residente, tudo bem com você? Hora de usar toda sua energia e dedicação para estudarmos juntos um tema que não cai, despenca em provas de Residência Médica e Revalidação: Pneumonia e suas complicações. Sem dúvida, este é um dos livros mais importantes da Clínica Médica e da Infectologia, não só por sua frequência nas provas do país, mas também por sua importância prática. Os examinadores cobram, incessantemente, esse tema, porque é uma das urgências médicas mais comuns, tanto nos ambulatórios quanto nos pronto atendimentos e nas unidades de terapia intensiva. Portanto, além de preparar você um candidato muito gabaritado para esses exames, este livro trará diversos conhecimentos, que darão um upgrade em sua prática médica! Não se desespere: estou aqui para desfazer cada nó em sua cabeça sobre esse tema, além de garantir que nenhum dos detalhes favoritos das bancas seja uma dificuldade para você. Conte comigo tanto nas dúvidas sobre pneumonia e suas complicações quanto para organizar seus estudos e, assim, chegar mais perto de seus objetivos. Meu nome é Bruno, sou médico infectologista, nascido e criado em Rio Claro - SP, professor e viajante do mundo. Provavelmente, ao contrário de você, resolvi fazer Medicina aos quarenta e cinco do segundo tempo, após desistir das carreiras de Comunicação e Artes Cênicas Estratégia MED Prof. Bruno Buzo | PneumoniasINFECTOLOGIA 3 e dizer ao meu professor de Biologia: "quero estudar fisiologia humana e ajudar pessoas". O que fez ele rir, virar para mim e dizer: "acho que você acabou de decidir que quer ser médico". Na hora, ouvindo isso, fiquei assustado e senti um frio subindo pela espinha quando pensei: Medicina? Concorrência? Anos no cursinho? O resultado foi uma insônia por três longos dias. Porém, algo que sempre admirei em mim mesmo é a persistência em um objetivo e assim aconteceu, muitas horas de estudo diário renderam duas aprovações nos vestibulares, sem precisar de uma segunda chance. A partir daí, sou um entusiasta das primeiras chances e, durante todo esse processo, tenho certeza que farei você acreditar na sua! Estudei Medicina na PUC-Campinas e sempre fui reconhecido pelos resumos cheios de tabelas, esquemas, desenhos e a letra redondinha. Acredito que o conhecimento só cresce quando a gente compartilha e sempre aprendia mais quando ensinava aos colegas. Por causa disso, fiz muitas monitorias na universidade: histologia, microbiologia, imunologia e epidemiologia clínica. Percebeu que eu sempre nadei contra a maré, né? Nunca gostei das coisas populares, como técnica cirúrgica, mas bastava ter um assunto cheio de flechinhas, números, nomes em itálico e lá estava eu: fascinado. Como nada na minha vida foi fruto de decisões fáceis, decidi seguir em alguma especialidade da clínica médica, mas a batalha era grande entre infectologia, hematologia e oncologia. No quinto ano, fiz estágio opcional no Instituto de Infectologia Emílio Ribas, onde me apaixonei pela especialidade e suas nuances entre microrganismos, pessoas e sociedade: eram pacientes que melhoravam rápido e para os quais eu poderia falar a palavra “cura” mais frequentemente que o normal. Foi aí que resolvi deixar as concorrentes de lado para me tornar Infectologista. Em 2016, iniciei minha Residência Médica no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, programa que escolhi por ter maior foco em infectologia geral e porque tinha essa visão acadêmica que misturava ensino e pesquisa, o que sempre foi muito agradável para mim. No segundo ano da Residência, uma nova paixão surgiu: transplantes. Que ideia maluca transferir um órgão de uma pessoa e oferecer muitos anos de vida a uma outra com doença terminal, não é mesmo? E se a gente temperar essa maluquice toda com imunossupressores de diversas classes, fungos com nomes estranhos e diagnósticos diferenciais desafiadores? Eu estava lá, olhinhos brilhando! Resolvi, então, deixar a proposta de preceptoria de lado, guardei o giz no armário e fui fazer um ano adicional de Fellowship em Infecção de Transplantados e Oncologia na University of Alberta, no Canadá. Percebi que, no fundo, eu estava juntando todas as áreas em que tinha dúvidas lá atrás, com mais 7 meses de neve no caminho e um pager que não parava de tocar (e eu achando que só existia isso em seriado). Quando percebi, estava randomizando estudos-chave em infectologia e respondendo a mensagens de outros médicos que pediam minha opinião sobre casos. Sou a prova viva de que muita coisa muda em 10 anos e de que, logo, você certamente vai estar onde nunca imaginou que estaria. Além de ser professor no Estratégia MED, trabalho em Salvador - BA com infectologia geral e desenvolvo protocolos para prevenção, tratamento e acompanhamento de infecções em pacientes transplantados. Acredito que repassar informações é fácil, mas ensinar, tirar o balãozinho da dúvida da cabeça e garantir um sorriso seguido de “entendi!” é algo totalmente diferente. Um forte abraço e muita persistência nessa jornada. Lembre-se: é ela que vai definir a distância do seu sucesso. @estrategiamed /estrategiamed Estratégia MED t.me/estrategiamed @estrategiamed @drbrunobuzo https://www.instagram.com/estrategiamed/ https://www.facebook.com/estrategiamed1 https://www.youtube.com/channel/UCyNuIBnEwzsgA05XK1P6Dmw https://t.me/estrategiamed https://t.me/estrategiamed https://www.tiktok.com/@estrategiamed https://www.instagram.com/drbrunobuzo http://instagram.com/drbrunobuzo Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 4 SUMÁRIO O QUE CAI SOBRE PNEUMONIA POR AÍ? 6 1.0 PNEUMONIA ADQUIRIDA NA COMUNIDADE (PAC) 7 1.1 DEFINIÇÃO, HISTÓRICO E EPIDEMIOLOGIA 7 1.2 FISIOPATOLOGIA 8 1.3 ACHADOS MACROSCÓPICOS E MICROSCÓPICOS 10 1.4 FATORES DE RISCO 11 1.5 QUADRO CLÍNICO TÍPICO, ATÍPICO E EXAME FÍSICO 14 1.6 EXAMES COMPLEMENTARES 15 1.6.1 RADIOGRAFIA DE TÓRAX 15 1.6.2 EXAMES LABORATORIAIS 16 1.7 ETIOLOGIAS BACTERIANAS 21 1.7.1 PNEUMONIA PNEUMOCÓCICA 21 1.7.2 PNEUMONIA POR HAEMOPHILUS INFLUENZAE 26 1.7.3 PNEUMONIA DO LOBO PESADO (KLEBSIELLA PNEUMONIAE) 28 1.7.4 PNEUMONIA POR STAPHYLOCOCCUS AUREUS 30 1.7.5 PNEUMONIA POR PSEUDOMONAS AERUGINOSA 34 1.7.6 PNEUMONIA POR MORAXELLA CATARRHALIS. 36 1.7.7 PNEUMONIA POR LEGIONELLA PNEUMOPHILA 38 1.7.8 PNEUMONIA POR MYCOPLASMA PNEUMONIAE 44 1.7.9 PNEUMONIA POR CHLAMYDOPHILA PNEUMONIAE 49 1.7.10 PNEUMONIA ASPIRATIVA 53 1.7.10.1. CONCEITO E FISIOPATOLOGIA 53 1.7.10.2. FATORES DE RISCO E MICROBIOLOGIA 54 1.8 TRATAMENTO AMBULATORIAL OU HOSPITALAR? 61 1.8.1 ESCORE CURB-65/CRB-65 63 1.8.2 ESCORE PSI/PORT 64 Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 5 1.9 TRATAMENTO EMPÍRICO 69 1.9.1 PACIENTES EM TRATAMENTO AMBULATORIAL 69 1.9.2 PACIENTES EM TRATAMENTO EM ENFERMARIA 70 1.9.3 PACIENTES EM TRATAMENTO INTENSIVO 71 1.9.4 TRATAMENTO GUIADO 78 1.10 SEGUIMENTO DO PACIENTE COM PNEUMONIA 80 1.11 COMPLICAÇÕES 82 1.11.1 DERRAMES PLEURAIS 82 1.11.2 ABSCESSOS PULMONARES 85 2.0 PNEUMONIAS ASSOCIADAS À ASSISTÊNCIA EM SAÚDE 87 2.1 DEFINIÇÃO E IMPORTÂNCIA CLÍNICA 87 2.2 PATOGÊNESE E FATORES DE RISCO 87 2.3 QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO 90 2.4 TRATAMENTO EMPÍRICO 92 2.5 PNEUMONIA ASSOCIADA À VENTILAÇÃO MECÂNICA (PAV) 95 2.5.1. DEFINIÇÃO, APRESENTAÇÃO CLÍNICA E EXAMES COMPLEMENTARES 95 2.5.2 EPIDEMIOLOGIA, FISIOPATOLOGIA E FATORES DE RISCO 97 2.5.3 PREVENÇÃO 98 3.0 VACINAS PNEUMOCÓCICAS 101 3.1 ASPECTOS GERAIS 101 3.2 INDICAÇÕES E CONTRAINDICAÇÕES 101 3.3 EVENTOS ADVERSOS ASSOCIADOS À APLICAÇÃO 103 4.0 LISTA DE QUESTÕES 105 5.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 106 6.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS 107 Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024para MDRs); - Carbapenêmicos: meropenem e imipenem (lembre-se de que o ertapenem não cobre Pseudomonas); -Fluoroquinolonas: ciprofloxacino e levofloxacino; -Polimixinas: polimixina B e colistina. Apesar dos aminoglicosídeos (amicacina, gentamicina) terem ação anti-Pseudomonas, eles não devem ser utilizados em monoterapia para tratar pneumonias, pois têm baixa penetração pulmonar, combinado? Figura 23: opções terapêuticas na pneumonia por Pseudomonas aeruginosa. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 36 Vamos, agora, falar rapidinho da última pneumonia típica: a Moraxella catarrhalis. 1.7.6 PNEUMONIA POR MORAXELLA CATARRHALIS. Figura 24: Moraxella catarrhalis. Fonte: Shutterstock A Moraxella catarrhalis tem esse nome por ser um agente etiológico comum nas sinusites, otites e outras infecções de via aérea superior. Ela é um diplococo Gram-negativo que pode ser etiologia de PAC, mas que ainda fica atrás do S. pneumoniae e do H. influenzae. Em um exemplo prático, ela vai ser a causa de pneumonia naquele "idoso fumante com DPOC grave”, uma vez que seus principais fatores de risco são: idade avançada, DPOC com múltiplas exacerbações infecciosas e uso crônico de corticosteroides (inalatórios ou orais). Sua apresentação clínica também é a de pneumonia típica, mas ela não faz uma pneumonia tão severa quanto outros agentes, como o S. pneumoniae, a K. pneumoniae ou o S. aureus. A Moraxella catarrhalis causa infecções mais frequentemente nos meses de inverno, apresentando-se com febre, calafrios, tosse e exacerbação do DPOC ou de asma prévios, sendo a sibilância um achado comum nessa pneumonia. Figura 25: Pneumonia por Moraxella catarrhalis. As radiografias de tórax e/ou tomografias raramente apresentam consolidação lobar ou derrame pleural, sendo apenas visto um infiltrado broncopneumônico, com espessamento brônquico e nódulos centrolobulares. Sobre o tratamento, ela geralmente é sensível a muitos antimicrobianos, mas também pode produzir betalactamases, necessitando do uso de inibidores de betalactamase, como os que aprendemos para o H. influenzae. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 37 Agora, vamos praticar um pouquinho antes de irmos para o pequeno universo das pneumonias atípicas, venha comigo. CAI NA PROVA (AMRIGS (2018) Acesso Direto) Paciente portador de mucoviscidose é internado na UTI devido a uma pneumonia adquirida na comunidade. Qual é o patógeno mais provável? A) Pseudomonas aeruginosa. B) Moraxella catarrhalis. C) Legionella pneumophila. D) Streptococcus pneumoniae. E) Staphylococcus aureus. COMENTÁRIO: Correta a alternativa A: Olhe só que questão maldosa da AMRIGS! O bom é que ela não pegaria nenhum dos nossos Estrategistas. O examinador descreve um paciente vindo da comunidade com pneumonia e frisa que ele é portador de mucoviscidose (que é o outro nome da fibrose cística). Lembre-se de que, nessa doença, a colonização por Pseudomonas aeruginosa é muito frequente e aumenta exponencialmente com a idade, sendo ela a bactéria que mais causa pneumonia nesses pacientes, superando até o pneumococo. (MA-UDI (2016) Acesso Direto) São as bactérias mais classicamente associadas à pneumonia em pacientes com alteração pulmonar estrutural (fibrose cística, bronquiectasias etc.): A) Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis. B) Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus. C) Staphylococcus aureus e Streptococcus pneumoniae. D) Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae. E) Moraxella catarrhalis e Pseudomonas aeruginosa. COMENTÁRIO: Essa questão do Hospital UDI do Maranhão é bastante discutível. Ela pergunta quais são os mais frequentes agentes etiológicos causadores de pneumonia em pacientes com fibrose cística e com bronquiectasias. Lembre-se sempre da duplinha P. aeruginosa e S. aureus ao atender esses pacientes, seja com uma PAC ou com uma pneumonia associada à assistência em saúde. Vamos ver por que as outras estão erradas? Incorreta a alternativa A. O Haemophilus influenzae pode ser encontrado em uma frequência maior em pacientes com doença pulmonar estrutural, mas lembre-se de que seu principal fator de risco é a deficiência de anticorpos e a asplenia, que impedem a opsonização dessa bactéria. Já o principal fator de risco para a M. catarrhalis é o DPOC avançado (aquele que utiliza corticosteroides de forma habitual), não sendo ela vista com maior frequência nas fibroses císticas. Correta a alternativa B. Tanto a P. aeruginosa quanto o S. aureus colonizam frequentemente os pacientes com bronquiectasias e fibrose cística. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 38 Incorreta a alternativa C. O S. pneumoniae não é encontrado com maior frequência nos pacientes com fibrose cística. Lembre-se de que seu principal fator de risco é a deficiência de anticorpos e a asplenia, que impedem a opsonização. Incorreta a alternativa D. Conforme as justificativas dos itens anteriores. Incorreta a alternativa E. Conforme as justificativas dos itens anteriores. E aí, Estrategista? Aposto que você já está sabendo muito sobre as pneumonias típicas. Certamente, esses capítulos iniciais já mudaram sua percepção clínica sobre seus pacientes com pneumonia nos plantões de pronto atendimento e emergência. Vamos agora para o mundo das pneumonias bacterianas atípicas: Legionella sp., Mycoplasma pneumoniae e Chlamydophila pneumoniae. Não desanime! 1.7.7 PNEUMONIA POR LEGIONELLA PNEUMOPHILA Figura 26: Legionella pneumophila. Fonte: Shutterstock. A pneumonia causada por Legionella pneumophila também é chamada historicamente de doença dos legionários ou legionelose. Entre os microrganismos atípicos, ela é a mais cobrada em provas, certamente devido a sua gravidade, manifestações extrapulmonares e fatores de risco ambientais. A L. pneumophila é um pequeno cocobacilo Gram-negativo que é parasita intracelular obrigatório, ou seja, raramente será achada viva fora dos macrófagos que parasita. Ela também é encontrada no meio-ambiente, especialmente na água, por isso é considerada uma hidronose (doença cujo reservatório é a água). Como essa bactéria resiste até 60°C, ela pode ser encontrada facilmente em encanamentos com aquecimento central (encanamentos a gás) ou em locais úmidos e mornos, como nas tubulações de exaustão de sistemas de ar-condicionado. Entendendo que essa bactéria é ambiental, conceituamos que ela – diferentemente do S. pneumoniae, H. influenzae e da M. catarrhalis – não coloniza a via aérea superior, mas sim é adquirida por meio da inalação de vapor e gotículas contaminadas. Vale lembrar, ainda, que ela não é transmitida de pessoa a pessoa. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 39 Figura 27: o clássico Hotel Bellevue-Stratford. "Professor, e o que tem a ver com legionários?" Para começo de conversa, “legionário” é um termo histórico, usado para designar os soldados de uma legião (formação militar do Império Romano), mas também é utilizado, informalmente, para descrever veteranos de guerra. Em 1976, o elegante Hotel Bellevue-Stratford (Filadélfia, EUA) recebeu uma conferência de veteranos de guerra. Dias depois, 182 participantes (quase 25% dos que visitaram o evento) passaram a desenvolver mialgia, febre e tosse seca persistente, em sua maioria homens e idosos, sendo que 29 evoluíram para óbito sem causa definida. Tantas mortes levaram o hotel a ser fechado, e o que tinha ocorrido permaneceu sob mistério durante muito tempo. Até que, em 1977, Dr. Joseph McDade encontrou e descreveu uma nova bactéria durante sua investigação (a Legionella pneumophila), chegando à conclusão de que as tubulações de ar-condicionado e de aquecimento de banheiras daquele hotel foram as prováveis fontes de transmissão. Agora te mostro que esse fato históricoo ajudaria a responder uma questão difícil. Veja só: Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 40 CAI NA PROVA (SCMSJRP (2018) Acesso Direto) Qual dos agentes etiológicos de pneumonia tem relação com sistemas de ar-condicionado? A) Klebsiella. B) Chlamydia. C) Mycoplasma. D) Legionella. COMENTÁRIO: Correta a alternativa D: Viu como saber a história das doenças pode ser importante? Entre as bactérias citadas, a única correlacionada com a transmissão por tubulações de exaustão de sistemas de ar-condicionado é a Legionella pneumophila. Todas as pessoas têm alto risco de desenvolver pneumonia por Legionella? Não, ela é mais comum em idosos, imunossuprimidos (especialmente pacientes em uso crônico de corticosteroides e imunobiológicos, pacientes em quimioterapia e transplantados) e etilistas crônicos (assim como na Klebsiella pneumoniae, por haver facilidade de microaspiração). A pneumonia por Legionella terá um curso mais subagudo, com incubação de 2 a 10 dias. Após inalação de formas ativas da bactéria, os macrófagos alveolares serão parasitados, desencadeando uma febre muito alta (39-40°C) e sintomas toxêmicos, como mialgia, artralgia, cefaleia e, diferentemente dos outros patógenos atípicos, uma tosse expectorada, dispneia e dor torácica ventilatório-dependente. Um sinal clínico clássico encontrado nessa pneumonia e que sempre é cobrado nas provas é o Sinal de Faget. Atenção para a Corujinha abaixo: A legionelose é uma das doenças que se apresenta com o Sinal de Faget, também conhecido como dissociação pulso-temperatura. Esse sinal é descrito quando temos febre associada à redução da frequência de pulso (bradisfigmia), e seus mecanismos fisiopatológicos não são bem estabelecidos. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 41 Figura 28: doenças que podem cursar com o sinal de Faget. Confira, a seguir, outras doenças que podem se apresentar com o Sinal de Faget: Um fato interessante na pneumonia por Legionella pneumophila é sua capacidade de gerar sintomas extrapulmonares, por esse motivo ela é a “queridinha” dos professores de Clínica Médica. Em até 30% dos pacientes, podemos observar sintomas gastrointestinais como diarreias, náuseas e vômitos. É possível ocorrer, também, hepatite transitória por lesão direta, com aumento ocasional de ALT e AST. Os achados de hemograma serão semelhantes aos das pneumonias típicas: leucocitose com desvio neutrofílico. Outro fato importante é a capacidade dessa pneumonia de causar uma síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SIADH), gerando uma hiponatremia. Grave esse detalhe, porque é um rodapé bastante perguntado em provas. Qual é a pneumonia que causa hiponatremia? A pneumonia por Legionella pneumophila. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 42 Embora a Legionella pneumophila seja um agente atípico, seus achados de imagem não são compatíveis com pneumonias atípicas: habitualmente, há um infiltrado broncoalveolar que rapidamente evoluirá para uma consolidação lobar extensa de apresentação uni ou bilateral. Sempre temos que pensar em fazer diagnóstico dessa pneumonia? Sim, especialmente em pacientes com pneumonias graves, visto que, pelo fato de seu agente ser intracelular, somente algumas classes de antibióticos podem ser utilizadas. Quando tentamos identificar a L. pneumophila por cultura de escarro, não podemos utilizar o meio de semeadura comum (o ágar-sangue, usado de rotina com o objetivo de isolar a S. pneumoniae), pois ele não permite o seu crescimento. Para isolá- la, os microbiologistas usam o ágar BCYE, por isso sempre é bom preencher aquela parte do pedido de exame com sua suspeita clínica, certo? Um teste não invasivo, fácil e com excelente sensibilidade para Legionella (> 90% a partir do quarto dia da doença) é o teste de antígeno urinário (TAU), que também tem uma excelente especificidade. Quanto ao tratamento, quando confirmada uma legionelose, que antibiótico eu faço? Lembre-se de que essa bactéria, apesar de ter uma fina membrana celular, fica escondida dentro dos macrófagos. Dessa forma, não podemos utilizar antibióticos que agem na parede celular (como os betalactâmicos). Consecutivamente, a primeira escolha de tratamento são as fluoroquinolonas (levofloxacino ou moxifloxacino) ou um macrolídeo (azitromicina ou claritromicina). O tempo de tratamento sempre será longo, variando de 10 a 21 dias, a depender da resposta clínica e do estado de imunossupressão do paciente. Figura 29: Pneumonia por Legionella – quadro de conceitos. Vamos praticar um pouco? Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 43 CAI NA PROVA (HSM-DF (2019) Acesso Direto) Um paciente fumante, de 56 anos de idade, com histórico de hipertensão arterial e insuficiência cardíaca leve, vai ao serviço de emergência em razão de tosse produtiva, febre e dispneia ao repouso. O quadro clínico iniciou há uma semana com febre, dor muscular, dor abdominal difusa e diarreia sem muco, pus ou sangue, com três dias de duração. Realizou raios X de tórax que evidenciam sinais de broncopneumonia em base pulmonar direita. Considerando esse caso clínico, assinale a alternativa que indica o microrganismo para qual se deve iniciar o tratamento antimicrobiano. A) Chlamydia pneumoniae. B) Legionella pneumophila. C) Mycoplasma pneumoniae. D) Aspergillus fumigatus. E) Candida albicans. COMENTÁRIO: Correta a alternativa B: Veja esse caso, querido Estrategista: um adulto, com comorbidades cardiovasculares, admitido com quadro de pneumonia (tosse produtiva, febre e dispneia) antecedido de um quadro gastrointestinal (diarreia sem muco). Que patógeno faz síndrome pulmonar-intestinal e é causa de uma pneumonia grave? Isso mesmo, a Legionella pneumophila. Os outros patógenos não causam quadros clínicos que podem ser antecedidos por quadros gastrointestinais. Vamos analisar as assertivas? Incorreta a alternativa A. Chlamydia pneumoniae é um patógeno que causa pneumonia atípica, embora, muitas vezes, o quadro seja indistinguível de outras pneumonias. Sintomas de vias aéreas superiores e tosse não produtiva são os mais comuns nesse microrganismo. Incorreta a alternativa C. Mycoplasma pneumoniae causa uma pneumonia atípica, de evolução insidiosa. Na maioria dos casos, a doença não é grave. São comuns sintomas de vias aéreas superiores e manifestações extrapulmonares, como a anemia hemolítica. Incorreta a alternativa D. A aspergilose pulmonar invasiva é uma doença que acomete principalmente indivíduos imunossuprimidos e não é antecedida de quadros gastrointestinais. Incorreta a alternativa E. Candida albicans não é um patógeno que habitualmente causa pneumonia. Portanto, o crescimento desse microrganismo em amostras de vias aéreas deve ser considerado como contaminação em praticamente todos os casos. (SES-MA (2021) Acesso Direto) Qual o distúrbio hidroeletrolítico mais presente nos pacientes com pneumonia por Legionella? A) Hipomagnesemia. B) Hiperfosfatemia. C) Hipercalemia. D) Hiponatremia. E) Hipocalcemia. COMENTÁRIO: Correta a alternativa D: Questão decoreba, que inspirou até um quadrinho em nosso capítulo, não é mesmo? Qual é o distúrbio hidroeletrolítico mais encontrado na legionelose? A hiponatremia, pois essa bactéria causa uma síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SIADH), com níveis séricos de sódio reduzidos e de sódio urinário aumentados. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 44 Figura 30: Mycoplasma pneumoniae. Fonte: Shutterstock. 1.7.8 PNEUMONIA POR MYCOPLASMA PNEUMONIAE Essa pneumonia atípica será vista com maior frequência nas provas de Pediatria. O Mycoplasma pneumoniae é uma bactéria atípica que, por ser tão pequena, não tem um formato definidode coco ou bacilo. Essa microbactéria também não tem parede celular, apenas uma fina membrana, o que não permite que ela seja classificada pelo método de Gram. Ela pertence a uma classe de bactérias inclassificáveis por métodos diretos denominada molicutes, que também engloba a Ureaplasma spp. O primeiro conceito, portanto, vem da microbiologia que acabamos de apresentar: como essa bactéria não tem parede celular, não podemos utilizar betalactâmicos em seu tratamento (afinal, eles são antibióticos que têm essa parede como alvo, certo?). Definitivamente, a doença causada por essa bactéria aparece mais nas provas de Pediatria (e não é na parte de neonatologia), pois o Mycoplasma pneumoniae é a principal causa de pneumonia atípica em crianças e adolescentes a partir dos 5 anos, mas torna- se incomum a partir dos 18 anos. Boa dica para memorizar isso: é uma pneumonia que atinge as pessoas que estão na escola. A transmissão do M. pneumoniae também ocorre pelo contato com gotículas respiratórias, seguida de uma incubação prolongada, de 14 dias ou mais, o que, muitas vezes, dificulta que se saiba a "origem" da transmissão. Até os clínicos mais experientes podem confundir seu quadro clínico com o das pneumonias virais, pois a maior parte das pneumonias causadas pelo M. pneumoniae começa com uma infecção de vias aéreas superiores, apresentando coriza, odinofagia, febre baixa e cefaleia. Na pequena parcela que evolui para infecção do trato respiratório inferior (cerca de 15%), observamos uma tosse persistente (que, eventualmente, pode até levar à síncope, incontinência urinária ou fratura de costelas), de característica seca ou com expectoração hialina. Essa pneumonia raramente apresenta-se com síndrome de condensação pulmonar ou com sepse, portanto, se o examinador apresentar esses achados no enunciado, você já sabe que Mycoplasma pneumoniae não será sua resposta. Figura 31: radiografia de tórax na pneumonia por Mycoplasma. A radiografia de tórax apresenta, na maior parte das vezes, um infiltrado intersticial bilateral e peri-hilar. Nos exames laboratoriais, podemos notar uma leucocitose pouco aumentada (por volta de 12.000 leucócitos/mm³), com desvio neutrofílico. Essa doença também é queridinha dos clínicos que elaboram provas de Residência e de Revalidação, visto que ocorrem diversas e interessantes manifestações extrapulmonares. Algumas proteínas de membrana do M. pneumoniae assemelham-se a algumas proteínas do nosso corpo contidas na superfície das hemácias, no endotélio de arteríolas, no epitélio timpânico e no tecido perineural. Dessa forma, durante esse curso subagudo de 14 dias, a pneumonia causada por essa bactéria pode gerar fenômenos autoimunes com inflamação em diversos locais. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 45 A miringite bolhosa, marcada pela identificação de vesículas e bolhas ao examinarmos a membrana timpânica, é a manifestação extrapulmonar mais cobrada em provas e acontece em até 10% dos casos, especialmente nas crianças. Outra manifestação também cobrada em provas é a anemia hemolítica mediada por crioaglutininas (lembre-se: anticorpos frios são os IgM, pois os IgG são "guentes"). Os anticorpos IgM produzidos pelo M. pneumoniae grudarão na superfície das hemácias e, para marcá-las, atrairão o sistema complemento. Uma vez marcadas, elas serão fagocitadas e hemolisadas no fígado e no baço. O que esperar de um paciente com essa síndrome? Febre (marcador inflamatório), anemia, alterações morfológicas das hemácias, aumento de reticulócitos (por aumento de produção medular para "repor as hemácias perdidas"), hiperbilirrubinemia indireta e hemoglobinúria. A oclusão vascular pela presença de crioaglutininas pode levar ao surgimento do fenômeno de Raynaud, caracterizado por uma resposta anormal do tônus vascular de artérias e arteríolas das extremidades. A presença de crioaglutininas também pode causar a Síndrome de Stevens-Johnson, temida complicação cutânea de alta mortalidade. Saiba tudo sobre essa síndrome no livro Farmacodermias do Prof. Bruno Souza. Figura 32: manifestações extrapulmonares da pneumonia por Mycoplasma pneumoniae. Fonte: Adaptado de Shutterstock Outras manifestações podem acontecer na doença invasiva, especialmente em pacientes imunossuprimidos, como derrame pleural, miopericardite com distúrbios de condução, alterações neurológicas (síndrome de Guillain-Barré, mielite transversa, encefalites e neurites), além de fenômenos articulares (poliartrite pós-Mycoplasma). "Preciso diagnosticar esse patógeno sempre?" Não, pois ele é pouco prevalente em adultos e sua identificação não mudará substancialmente o manejo. O diagnóstico específico será necessário nos casos em que é necessário excluir as manifestações extrapulmonares de outros diferenciais (como das doenças autoimunes ou das síndromes paraneoplásicas). Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 46 Por exemplo, é sempre importante excluir a pneumonia por Mycoplasma em pacientes com anemia falciforme e síndrome torácica aguda, visto que a autoesplenectomia da anemia falciforme impede a opsonização adequada do Mycoplasma e pode aumentar as chances de hemólise nesses pacientes, combinado? Como o M. pneumoniae é uma bactéria "chatinha" de detectar pelo Gram e, consequentemente, pelas culturas em meios sólidos comuns, seu método de identificação é molecular, através do PCR de amostras do trato respiratório superior (swab de nasofaringe) ou inferior (secreção traqueal, escarro e lavado broncoalveolar), indisponíveis na maior parte dos serviços. A pesquisa de crioaglutininas com títulos maiores que 1:64 é inespecífica, mas pode sugerir o M. pneumoniae como causa da pneumonia. Quanto ao tratamento, é a parte mais simples. Lembre-se de que essa bactéria não tem parede celular, portanto precisa de algo que atue dentro da célula. Dessa forma, em crianças, o tratamento preconizado é com macrolídeos (azitromicina, eritromicina ou claritromicina), durante 5 dias. Já em adultos, o tratamento específico ainda é feito com macrolídeos, mas isso vem sendo discutido e provavelmente mudará em breve, vista a crescente resistência do M. pneumoniae a essa classe de antibióticos. No entanto, na suspeita de resistência, não se desespere, pois esse microrganismo também é sensível às fluoroquinolonas e às tetraciclinas. Vamos praticar com algumas questões? Venha comigo! CAI NA PROVA (UERJ (2015) Acesso Direto) Um regimento do exército brasileiro servindo na fronteira norte do país desenvolve um surto de pneumonia atípica. Vários recrutas apresentam, ao longo de alguns dias, febre baixa, mialgias, artralgias e tosse seca. Alguns evoluem com quadro cutâneo compatível com eritema multiforme, enquanto outros são afetados por otalgia e evidências de miringite bolhosa. Considerando-se que todos os recrutas foram acometidos pelo mesmo agente etiológico, o padrão clínico descrito sugere que tal regimento foi infectado por: A) Mycoplasma pneumoniae. B) Legionella pneumophila. C) Chlamydia pneumoniae. D) Chlamydia psittaci. COMENTÁRIO: Correta a alternativa A: A expressão pneumonia atípica, ou pneumonia por agentes atípicos, faz referência às infecções do trato respiratório inferior, causadas por Mycoplasma pneumoniae, Chlamydophila pneumoniae e Legionella pneumophila. Esses são agentes que não crescem em meios de cultura habituais, apresentam sintomatologia frequentemente mais leve e, mais frequentemente, são adquiridos na comunidade (à exceção da Legionella, que está associada a quadros graves, particularmente em imunocomprometidos, e que pode ser adquirida em ambiente hospitalar por contaminação ambiental, principalmente da água ou do ar). Os termos típico e atípico estão em desuso, porque temos o conceito atual de que, apenas com a históriaclínica e o padrão radiológico, não é possível confirmar, mas somente suspeitar, da natureza um agente etiológico. Há muitas discussões e atualizações sobre essas expressões, mas elas ainda são usadas por algumas sociedades, como a Sociedade Brasileira de Pediatria, portanto você precisa ficar atento. Quando o examinador informou que os pacientes acometidos eram militares, você deve ter se lembrado dos legionários, né? Pois bem, mas vamos continuar. Os pacientes descritos apresentaram uma pneumonia subaguda com "evolução de alguns dias", persistente e recorrente, pouco toxêmica e com febre baixa. Além disso, veja que, no exame físico, o examinador, claramente, sugere o agente etiológico com o achado de miringite bolhosa relacionada à infecção de via aérea superior pelo Mycoplasma pneumoniae, ou seja, nada relacionado com a legionelose. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 47 Vamos ver por que as outras são incorretas? Incorreta a alternativa B. Recorde que a pneumonia por Legionella tem apresentação aguda, grave e muito toxêmica, além disso, ela não é correlacionada com miringite bolhosa ou otites. Incorreta a alternativa C. Como vamos aprender no próximo e penúltimo capítulo de etiologias, a Chlamydophila pneumoniae (antiga Chlamydia pneumoniae) não está associada a sintomas extrapulmonares, como miringite bolhosa e otites. Incorreta a alternativa D. A Chlamydia psittaci causa a psitacose, uma doença transmitida a humanos predominantemente por pássaros, como o enunciado não faz referência a essa exposição epidemiológica, essa hipótese é pouco provável. Além disso, a psitacose não causa otite nem miringite bolhosa. (UFRJ (2018) Acesso Direto) Escolar, oito anos, feminina, é levada à unidade básica de saúde com tosse iniciada há três semanas, cefaleia, febre baixa e odinofagia. Exame físico: sibilos bilaterais à ausculta respiratória. RX de tórax: infiltrados intersticiais discretos em ambas as bases pulmonares. O exame laboratorial que justifica o tratamento com macrolídeo é: A) Crioaglutininas > 1:64. B) Leucocitose com linfocitose. C) Linfócitos atípicos > 25%. D) Hematócrito > 20%. COMENTÁRIO: Correta a alternativa A: Veja que interessante essa questão. Temos uma paciente de 8 anos, em idade de risco para a pneumonia atípica por Mycoplasma pneumoniae, com quadro de tosse há mais de 14 dias e sintomas de infecção de via aérea superior (odinofagia e cefaleia). Em seu exame físico, há broncoespasmos, não estertores, sugerindo que essa paciente não tem uma síndrome de consolidação alveolar. Para ajudar mais, o examinador fala que o infiltrado radiológico é atípico, ou seja, intersticial (em vez de broncopneumônico ou lobar). Essa criança, definitivamente, tem um quadro sugestivo de pneumonia por M. pneumoniae. Com esses achados clínico-radiológicos, poderia ser uma pneumonia viral? Não. Perceba que a menina tem 21 dias de tosse persistente. Os quadros virais melhoram ou pioram muito em uma semana, não se prolongando com essa evolução subaguda, tudo bem? O que vemos na pneumonia pelo M. pneumoniae? Uma leucocitose com neutrofilia e um aumento de crioglobulinas, que não confirmam especificamente, mas sugerem essa causa bacteriana, indicando o uso de macrolídeos para seu tratamento adequado. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 48 (HCPA - RS 2023) Paciente de 7 anos, previamente hígido, com calendário vacinal completo, foi trazido à consulta por febre de até 38 ºC há 24 horas, antecedida por 2 dias de dor de garganta, mialgias nos membros inferiores e dorso, tosse com sibilos e cefaleia frontal. Seus dois irmãos também estavam com tosse e faringite. A radiografia de tórax mostrou infiltrado peri-hilar, mais evidente nos lobos inferiores, e um pequeno derrame pleural à direita. Qual é a provável etiologia e qual é o primeiro tratamento recomendado? A) Micoplasma – azitromicina por via oral. B) Estafilococo – oxacilina por via intravenosa. C) Pneumococo – amoxicilina-clavulanato por via oral. D) Vírus sincicial respiratório – oxigenoterapia. COMENTÁRIOS Nesse enunciado, vemos uma criança com pródromos de odinofagia e mialgia, que evolui com sintomas respiratórios. Além disso, há antecedente familiar de irmãos que estavam com tosse e faringite. A radiografia evidenciou infiltrado bilateral com pequeno derrame pleural. Essas manifestações são muito sugestivas da pneumonia atípica, cuja prevalência aumenta em crianças acima de 5 anos de idade. O principal agente envolvido nas pneumonias atípicas é o Mycoplasma pneumoniae. Os sintomas da pneumonia atípica usualmente se iniciam com IVAS, de evolução insidiosa de mais de uma semana, geralmente sem febre ou com febre baixa e intermitente, com o paciente em bom estado geral. Os principais sintomas são tosse, habitualmente seca, e coriza. Correta a alternativa A. O quadro clínico e radiológico é compatível com pneumonia atípica e o tratamento indicado é adequado. Incorreta a alternativa B. Suspeitamos de pneumonia estafilocócica quando existem algumas condições associadas, tais como: celulite, impetigo estafilocócico, artrite séptica, desnutrição grave, osteomielite, fibrose cística, entre outras. Incorreta a alternativa C. Os dados de dor de garganta, mialgia, antecedentes de irmãos com sintomas semelhantes reforçam a probabilidade de pneumonia típica, além disso, na pneumonia pneumocócica o padrão radiológico é de consolidação homogênea, e não peri-hilar. Incorreta a alternativa D. A pneumonia pelo vírus sincicial respiratório é mais frequente em lactentes até 2 anos de idade e manifesta-se com sibilância, o padrão radiológico clássico é de hiperinsuflação pulmonar e não é comum encontrarmos derrame pleural nessa condição. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 49 1.7.9 PNEUMONIA POR CHLAMYDOPHILA PNEUMONIAE Figura 33: Chlamydophila pneumoniae dentro de um macrófago. Fonte: Shutterstock. A Chlamydophila pneumoniae (antiga Chlamydia pneumoniae) é uma bactéria Gram-negativa que é parasita intracelular obrigatório. Por quê? Ela não produz o próprio ATP, precisando utilizar enzimas das células do hospedeiro para gerar sua energia. Como essa bactéria fica dentro da célula, dificilmente encontraremos a Chlamydophila nas bacterioscopias. A incidência de C. pneumoniae como causa de PACs varia muito entre os estudos (1 a 20% das etiologias encontradas na comunidade), possivelmente devido à indisponibilidade de testes moleculares para a sua identificação em alguns centros. Observa- se que essa incidência alta é vista mais na comunidade do que em pacientes admitidos em hospitais, o que nos permite inferir que a pneumonia por C. pneumoniae é menos grave. A C. pneumoniae gera uma infecção assintomática na maior parte dos pacientes (tanto que 50 a 85% da população tem sorologia positiva para Chlamydophila pneumoniae), sendo ela transmitida de pessoa a pessoa por gotículas, tanto quanto o Mycoplasma pneumoniae. Pacientes obesos, tabagistas, idosos e com comorbidades cardíacas, como insuficiência cardíaca congestiva ou infarto miocárdico prévio, têm maior incidência desse tipo de pneumonia. Sua apresentação clínica dificilmente é distinguível da pneumonia por M. pneumoniae. Elas assemelham-se na apresentação subaguda de semanas de duração, com febre baixa, tosse seca (eventualmente hialina) e dispneia. Até os pródromos de via aérea superior (coriza, odinofagia e cefaleia) podem acontecer nas duas. Como manifestações extrapulmonares são incomuns na pneumonia por Chlamydophila, o que você precisa lembrar é que ela é “o M. pneumoniae sem manifestações extrapulmonares”, tudo bem? A radiografia de tórax também apresenta um infiltrado intersticial bilateral peri-hilar e o hemograma apresenta-se com uma leucocitose pouco aumentada. Assim como no M. pneumoniae, testes específicos para C. pneumoniaesó devem ser feitos quando suspeitamos de outros diferenciais (como pneumonites intersticiais não infecciosas, insuficiência cardíaca descompensada, DPOC exacerbado por outras bactérias etc.). Nesses casos, pode-se utilizar cultura em meios especiais e PCR de amostras de nasofaringe, secreção traqueal ou lavado broncoalveolar. Na prática é: pensou, tratou! O racional é o mesmo das pneumonias por Mycoplasma: em bactérias dentro das células, eu uso antibióticos que agem lá dentro. Dessa forma, o tratamento recomendado para os adultos é com macrolídeos (azitromicina ou claritromicina) durante 5 a 7 dias (varia com a fonte). Também podemos usar fluoroquinolonas (levofloxacino ou moxifloxacino) ou tetraciclinas (doxiciclina) como tratamentos alternativos. O especial dessa pneumonia é a possibilidade de uma tosse residual mesmo depois do tratamento, que pode ser manejada com anti-histamínicos (pois ela é mediada por IgE) e antitussígenos, durando de 1 a 4 semanas. Vamos praticar para terminar nosso estudo das pneumonias atípicas? Questão "mamão com açúcar": Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 50 CAI NA PROVA (HFA-DF (2019) Acesso Direto) No pronto-socorro de clínica médica, um adolescente entra com quadro de asma grave. Com base nas evidências atuais, o médico explica à mãe do paciente que as infecções virais são comuns nesse tipo de exacerbação, mas, pela gravidade da situação, não pode ser descartada uma infecção por bactérias atípicas. Considerando-se esse caso clínico e os conhecimentos médicos correlatos, entre as bactérias atípicas referidas, é correto citar as duas mais comuns, que são: A) Mycoplasma sp. e Chlamydophila sp. B) Pseudomonas sp. e Acinetobacter sp. C) Morganella sp. e Haemophilus sp. D) Proteus sp. e E. coli. E) Legionella sp. e Staphylococcus sp. COMENTÁRIO: Correta a alternativa A: Essa questão é para sedimentar se você memorizou quais são as bactérias que causam pneumonias atípicas. Por ordem de incidência, temos, como agentes etiológicos dessas pneumonias, o Mycoplasma pneumoniae, a Chlamydophila pneumoniae e a Legionella pneumophila. Lembre-se de que, clinicamente, a Legionella se apresentará diferentemente dos outros patógenos atípicos, podendo ter eventualmente um quadro agudo e grave. A Pseudomonas, o Acinetobacter, a Morganella, o Haemophilus, o Proteus, a E. coli e o Staphylococcus são bactérias típicas, extracelulares e facilmente coradas pelo método Gram. Dessa forma, só há uma alternativa que descreve dois microrganismos atípicos. (UNICAMP-2023) Menina, 3 m, é internada em enfermaria com história de tosse seca, recusa das mamadas e cansaço há dois dias. Nega febre. Antecedentes pessoais: parto vaginal domiciliar a termo, com peso adequado; conjuntivite purulenta aos 15 dias de vida, em acompanhamento com oftalmologista. Exame físico: bom estado geral; corada; hidratada; T = 36,2 ºC; FR = 71 irpm; FC = 152 bpm; pulsos cheios; enchimento capilar = 2 seg.; pulmões = murmúrio vesicular presente, simétrico, com estertores subcrepitantes bilateralmente, tempo expiratório normal, com presença de retração de fúrcula, tiragem intercostal e subcostal. O AGENTE ETIOLÓGICO RESPONSÁVEL PELO QUADRO É: A) Streptococcus pneumoniae. B) Staphylococcus aureus. C) Chlamydia trachomatis. D) Streptococcus agalactiae. COMENTÁRIOS Vamos aproveitar essa questão para discutir uma pneumonia atípica que pode ocorrer no lactente. Observe os principais dados que podemos extrair desse enunciado: Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 51 • lactente jovem; • tosse seca; • antecedente de parto normal; • conjuntivite prévia; • taquipneia; • presença de estertores subcrepitantes bilateralmente; • desconforto respiratório. Esses dados são muito sugestivos da pneumonia afebril do lactente. A pneumonia afebril do lactente acomete crianças de 1 a 3 meses de idade que nasceram de parto normal, apresentaram uma conjuntivite no período neonatal e encontram-se com um quadro de tosse arrastada, sem febre. Os principais agentes etiológicos são: a Chlamydia trachomatis, que é uma bactéria Gram-negativa e o Ureaplasma, além de alguns vírus que podem induzir quadros de pneumonia afebril nessa idade. A história clínica das pneumonias típicas começa quase sempre com sintomas de infecções de vias aéreas superiores (IVAS). No caso da pneumonia afebril do lactente, esse início é bastante insidioso e AFEBRIL, como o próprio nome da patologia indica, com o paciente em bom estado geral. Grande parte desses pacientes tem história de uma conjuntivite prévia. Ao exame físico, costuma haver bom estado geral, taquipneia leve, com ou sem sibilos à ausculta pulmonar, mas, principalmente, estão presentes os clássicos estertores finos. Hipoxemia não é usual, mas pode ocorrer. O diagnóstico é eminentemente clínico. Não é necessária a realização da radiografia de tórax, mas, quando realizada, observamos um infiltrado intersticial bilateral na maioria das vezes. O achado de infiltrado intersticial bilateral ou difuso é um padrão clássico, absoluto e frequentemente encontrado. É comum também estar associado à hiperinsuflação, mas uma radiografia normal não afasta o diagnóstico. Se houver indicação de internação, os exames de sangue, hemocultura (HMC) e HMG (hemograma), devem ser colhidos. Se houver dúvida diagnóstica, podemos coletar somente o HMG, pois, nele, geralmente, observamos leucocitose com eosinofilia. O tratamento da pneumonia afebril do lactente deve ser feito com macrolídeos por via oral. As opções são: eritromicina, claritromicina ou azitromicina. Incorreta a alternativa A. A pneumonia desencadeada pelo pneumococo cursa com febre elevada, toxemia e ausculta localizada. Não há relação com conjuntivite prévia. Incorreta a alternativa B. Nesse caso, a pneumonia está relacionada a impetigo estafilocócico, ou celulite, ou infecção secundária de varicela, infecções osteoarticulares ou comorbidades como desnutrição e fibrose cística. Correta a alternativa C. Esse é o principal agente etiológico relacionado à pneumonia afebril do lactente. Incorreta a alternativa D. O estreptococo B causa pneumonia no período neonatal, ou seja, em recém-nascidos. Antes de seguirmos para o próximo, vamos responder a mais essa questão: Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 52 (SUS-SP 2023) Apesar do desenvolvimento de vacinas eficazes e novos testes de diagnósticos rápidos para detectar agentes virais e bacterianos, a PAC e suas complicações representam uma importante causa de morbidade e mortalidade na população pediátrica. O pneumococo é o principal agente bacteriano na PAC, mas há situações e condições clínicas que se relacionam a possíveis agentes etiológicos. Com relação a esse assunto, considere as seguintes condições de risco de pneumonias complicadas na infância e possíveis agentes etiológicos. Considerando essas informações, assinale a alternativa que apresenta a correta correlação de condições de risco e possíveis agentes etiológicos. A) 1b; 2c; 3d; 4e; 5a. B) 1b; 2d; 3c; 4e; 5a. C) 1a; 2c; 3d; 4e; 5b. D) 1a; 2d; 3c; 4e; 5b. E) 1d; 2c; 3a; 4e; 5b. COMENTÁRIOS Como a detecção do agente etiológico das pneumonias nem sempre é possível, algumas condições clínicas podem indicar um agente mais provável. Vamos analisar as condições apresentadas: 1) tosse crônica, febre prolongada, emagrecimento e piora radiológica — essas manifestações são muito sugestivas de tuberculose — B; 2) quadro de varicela — a varicela provoca muitas lesões na pele que funcionam como porta de entrada para bactérias que podem causar uma pneumonia. Os agentes mais prováveis, nesse caso, seriam o Staphylococcus aureus e o Streptococcus pyogenes — D; 3) pacientes com fibrose cística — crianças com fibrose cística podem ter infecções pelo Staphylococcus aureus e pela Pseudomonas aeruginosa— C; 4) infectados pelo HIV em tratamento irregular — nessa condição, precisamos pensar em germes oportunistas, como o Pneumocystis jirovecii — E; 5) maiores de 5 anos de idade com tosse pouco produtiva subaguda ou crônica — nesse contexto de um quadro respiratório arrastado em crianças maiores de 5 anos, devemos pensar em pneumonias atípicas pelo Mycoplasma pneumoniae e Chlamydophila pneumoniae — A O diagnóstico da pneumonia em crianças é clínico e baseia-se na presença de sintomas respiratórios e taquipneia. Na criança sem sinais de gravidade, não há necessidade de realização de radiografia de tórax para o diagnóstico, mas, quando há sinais de perigo, suspeita de complicações ou necessidade de internação, a radiografia de tórax é necessária. Gabarito: B Café na mão, rosto lavado e muita atenção, pois o próximo tópico cai muito nas provas! Vamos falar das pneumonias aspirativas. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 53 Tomás estava feliz da vida com o casamento de seu primo Teteu, tanta felicidade que o levou a um excesso de cerveja, whisky e tudo mais a que tinha direito na festa. Já na alta madrugada, Tomás foi encontrado no banheiro do clube desacordado e com a roupa suja de vômito. Estava consciente, porém obnubilado. A família, rapidamente, levou-o para a UPA de Piraporinha, onde a doutora Taysa dividia seus tranquilos plantões de clínica com a doutora Maria Tereza. Rapidamente, Tomás foi avaliado pelas médicas, estando normocárdico (78 bpm), taquipneico (26 ipm), afebril e com oximetria limítrofe em ar ambiente (94%). Taysa percebeu, em sua ausculta, estertores crepitantes na base pulmonar direita de Tomás e pediu logo uma radiografia de tórax, que demonstrou uma radiopacidade nesse local. Ao retornar para a emergência, foi tirar uma dúvida com Maria Tereza: “Tetê, você acha que deveríamos deixar Tomás com antibiótico? Ele está tão bem, já recuperando a consciência, isso pode ser só uma pneumonite pelo conteúdo gástrico aspirado.” Entretanto, Maria Tereza, incrédula de sua sorte nos plantões noturnos, prontamente respondeu: “ah, amiga, acho melhor deixar com antibiótico sim, pois grande parte desses pacientes que aspiram, evoluem dias depois com pneumonia e abscessos pulmonares”. E agora, qual das duas condutas você seguiria? Certamente, em pelo menos um de seus plantões de pronto- socorro, você já viveu essa cena relatada. O primeiro conceito que precisamos explorar aqui é: um paciente com aspiração sempre irá desenvolver uma pneumonia aspirativa? A resposta é não. A microaspiração de conteúdo gástrico é fisiológica, comum durante o período em que dormimos, por exemplo, e raramente trará problemas. Como, nessas microaspirações, o inóculo bacteriano é pequeno e frequentemente inativado pelo suco gástrico, nosso corpo lida com a maior parte dessas bactérias quase que diariamente, sem precisar de antibióticos. No entanto, em algumas situações podemos ter a aspiração de um volumoso conteúdo gástrico e orofaríngeo, levando inicialmente a uma pneumonite. A pneumonite química após aspiração (também chamada de síndrome de Mendelson) resulta da inflamação química do espaço alveolar, não sendo sinônimo de infecção. Ela ocorre pelo dano alveolar direto causado pelo ácido e enzimas gástricas, levando, muitas vezes, a uma inflamação local mediada por neutrófilos. Frequentemente, essa inflamação pode, inclusive, produzir um discreto exsudato e gerar hipoxemia, afinal, o alvéolo estará preenchido de líquido ao invés de oxigênio. 1.7.10 PNEUMONIA ASPIRATIVA 1.7.10.1. CONCEITO E FISIOPATOLOGIA Vamos começar este capítulo com um caso clínico que, provavelmente, você já atendeu no pronto-socorro. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 54 Figura 34: fisiopatologia da pneumonia aspirativa. Alguns dias após, os pacientes poderão desenvolver uma pneumonia aspirativa, que será causada pela proliferação alveolar de microrganismos da flora oral e gástrica. Isso resultará em uma inflamação excessiva dentro dos alvéolos, que eventualmente se complicará com empiemas e abscessos, temidas consequências dessa síndrome clínica. Entendendo a fisiopatologia, tudo se torna mais fácil. Vamos agora conhecer a microbiologia das pneumonias aspirativas e os fatores de risco para essa síndrome. 1.7.10.2. FATORES DE RISCO E MICROBIOLOGIA Os microrganismos que, mais frequentemente, causam as pneumonias aspirativas são aqueles contidos no trato gastrointestinal superior e na região orofaríngea. Como vimos no livro Mordeduras Animais, Raiva e Tétano, a boca dos seres humanos é colonizada principalmente por bactérias anaeróbias ou anaeróbias facultativas, como os Streptococcus do grupo A, a Prevotella sp. e os Peptostreptococcus. Em adição, o S. aureus também é isolado com frequência em pacientes com pneumonia aspirativa. As condições que influenciam diretamente o perfil de bactéria isolada são: o estado de conservação dos dentes e o etilismo crônico. Além do mau estado dentário aumentar a microbiota polimicrobiana, ele também aumenta a porcentagem de anaeróbios em boca e orofaringe, além da participação de Figura 35: microbioma oral prevalente em humanos. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 55 Gram-negativos nessas infecções, como a Klebsiella pneumoniae, que vimos anteriormente. O que tem mudado na concepção da pneumonia aspirativa é o grau de participação de anaeróbios. Antes, acreditava-se que eles eram os maiores responsáveis por elas, entretanto trabalhos científicos recentes demonstraram que os anaeróbios são isolados apenas em 10 a 25% dos casos. Agora, vamos falar dos fatores de risco para pneumonia aspirativa, que são de fácil compreensão. Essa pneumonia é mais prevalente em pacientes com deglutição prejudicada (disfunção faríngea da DPOC, doenças esofágicas, doenças neurológicas que cursam com engasgos frequentes e falha pós-extubação), pacientes com nível de consciência alterado (etilistas, acidentes vasculares encefálicos, hipóxia cerebral, sedação intensa) e pacientes com uma chance maior de refluxo gástrico (doença do refluxo gastroesofágico e uso de alimentação enteral). Pacientes com reflexo de tosse diminuído (o reflexo protetor contra a aspiração) também estão sob maior risco, sendo isso frequente naqueles com doenças neurodegenerativas, demências ou com supressão medicamentosa da tosse. Observe, na figura abaixo, esses fatores de risco organizados de forma sistemática. Certamente, ao avaliar um paciente com pneumonia aspirativa em seu próximo plantão, você se lembrará dessa figura: Figura 36: fatores de risco para pneumonias aspirativas. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 56 O paciente com pneumonia aspirativa frequentemente apresenta tosse irritativa intensa, taquipneia e febre. Em casos extensos, também pode ocorrer dor torácica ventilatório- dependente. Em que região do pulmão essa pneumonia é mais encontrada? Na base pulmonar direita, pois o brônquio fonte à direita é mais verticalizado, facilitando a passagem de líquidos e restos alimentares. É também nessa base que são encontrados 80% dos infiltrados broncopneumônicos nessa pneumonia. Portanto, faça como a doutora Taysa, sempre ouça atentamente essa região do pulmão quando atender um paciente com suspeita de aspiração. Figura 37: apresentações radiológicas das pneumonias aspirativas. As temidas complicações da pneumonia aspirativa são os abcessos pulmonares, que podem ocorrer em 15 a 25% dos casos. Geralmente, são ipsilaterais à região de macroaspiração e aparecem dias a semanas depois do evento. Veja, a seguir, uma radiografia de um paciente com abscesso pulmonar após aspiração. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo| 2024 INFECTOLOGIA 57 Figura 38: abscesso pulmonar em base direita em uma pneumonia aspirativa complicada. Quanto ao diagnóstico, precisamos sempre realizar bacterioscopia com cultura na pneumonia aspirativa? A resposta a essa pergunta é: não. É necessário definir o agente etiológico apenas nas graves (com necessidade de intubação orotraqueal, por exemplo) e nas complicadas (com empiemas e abscessos). Nesses casos, podemos utilizar hemoculturas, culturas de líquido pleural, secreção traqueal e também do lavado broncoalveolar. É importante, nesses casos, enviar uma amostra para bactérias aeróbias e outra para anaeróbias (já que as anaeróbias não crescem no meio de cultura com oxigênio). Para finalizar, e resolvendo o caso das doutoras Taysa e Maria Tereza: todo paciente com pneumonite aspirativa precisará de tratamento preemptivo (antes de a infecção acontecer) com antibióticos? A resposta é: nem sempre. Sedimente esse conhecimento, caro Estrategista: a maior parte das pneumonites com aspiração de conteúdo gástrico irá resolver-se de forma espontânea após 48 a 72 horas, sem a necessidade de antibióticos. Nesse período de observação, casos leves e moderados deverão ter conduta expectante e reavaliação breve (febre, piora do expectorado, dispneia), sendo os antibióticos adicionados apenas na piora clínica. No caso de Tomás, a doutora Taysa está correta em sua avaliação: ele poderia ter conduta expectante e ser reavaliado. As únicas situações em que adicionamos antibióticos de forma preemptiva em um paciente com macroaspiração são os casos graves (insuficiência respiratória ou sepse associada), tudo bem? Então, com o que esse paciente deve ser tratado? Cuidado: zona cinzenta, pois depende da bibliografia. Vou ensiná-lo o que a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia preconiza, pois é o que as provas mais cobram. O voo da Coruja (e que provavelmente será a resposta da sua questão) é o uso de um antibiótico com cobertura para anaeróbios sempre. Então, a SBPT indica: Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 58 Na suspeita de aspiração de conteúdo gástrico, pneumonia necrotizante, abscesso pulmonar ou doença periodontal grave, o tratamento poderá ser feito com um betalactâmico + um inibidor de betalactamase (para melhorar a cobertura para anaeróbios, por exemplo, temos as associações: ampicilina + sulbactam, amoxicilina + clavulanato ou piperacilina + tazobactam), clindamicina (que cobre bem Gram-positivos e anaeróbios) e moxifloxacino (que é a quinolona que não cobre bem Pseudomonas, mas que tem excelente ação contra pneumococo e anaeróbios, por isso é chamada de quinolona respiratória). Agora, atenção que o tempo de tratamento é mais prolongado: de 7 a 21 dias, a depender da extensão e da presença de abscessos ou empiemas. Vamos praticar? CAI NA PROVA (SCMA (2018) Acesso Direto) Qual dos fatores abaixo não é considerado correto fator de risco para pneumonia aspirativa: A) Idade maior que 75 anos. B) Diabetes mellitus. C) Etilismo. D) Doenças esofágicas. COMENTÁRIO: Mais uma questão “mamão com açúcar” para você, hein? Vimos muito bem os fatores de risco para a macroaspiração e, consecutivamente, para as pneumonias aspirativas. Entre os pacientes com maior risco, estão aqueles com deglutição prejudicada (disfunção faríngea da DPOC, doenças esofágicas, doenças neurológicas que cursam com engasgos frequentes e falha pós-extubação), nível de consciência alterado (etilistas, acidentes vasculares encefálicos, hipóxia Figura 39: opções terapêuticas na pneumonia aspirativa. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 59 cerebral, sedação intensa), pacientes com uma chance maior de refluxo gástrico (doença do refluxo gastroesofágico e uso de alimentação enteral) e aqueles com reflexo de tosse diminuído. Então, vamos analisar as alternativas? Correta a alternativa A. A senilidade eleva o risco de demências, acidentes vasculares encefálicos e doenças neurodegenerativas, aumentando o risco de broncoaspiração e, consequentemente, das pneumonias aspirativas. Incorreta a alternativa B. O diabetes mellitus não é considerado um fator de risco para as pneumonias broncoaspirativas. Incorreta a alternativa C. O etilismo pode facilitar o refluxo do conteúdo gástrico e reduzir o nível de consciência e de proteção de vias aéreas, aumentando o risco de broncoaspiração e, como consequência, das pneumonias aspirativas. Incorreta a alternativa D. Doenças esofágicas, tanto as que envolvem a motilidade do esôfago quanto as obstrutivas, podem aumentar o refluxo por engasgos ou fistulização, elevando o risco de broncoaspiração e, assim, das pneumonias aspirativas. Fácil, né? Vamos ver agora uma questão decoreba. (SCMM (2016) Acesso Direto) A complicação pós-operatória, conhecida como síndrome de Mendelson, diz respeito à: A) Broncoaspiração. B) Trombose venosa. C) Reação anafilática. D) Insuficiência renal. COMENTÁRIO: Correta a alternativa A: Como falei, epônimos são eventualmente cobrados, veja um exemplo nessa questão decoreba da Santa Casa de Misericórdia de Maceió. Como vimos, a síndrome de Mendelson é um outro nome para a pneumonite química pós-broncoaspiração (não é pneumonia, hein!), que pode ser observada em pacientes em pós-operatório por seu esvaziamento gástrico mais reduzido ou macroaspirações após extubação. Agora, para finalizar o capítulo de pneumonias aspirativas, uma questão sobre tratamento. (UFRJ (2018) Acesso Direto) Mulher, 80 anos, com diagnóstico de encefalopatia isquêmica, em cuidados domiciliares, é internada com quadro de febre há dois dias, sonolência e piora do padrão respiratório. A cuidadora nega internação no último ano e informa que houve aspiração de grande conteúdo gástrico há nove dias. Exame físico: sopro anfórico em terço médio do hemitórax direito. O antibiótico empírico a ser iniciado é: A) Cotrimoxazol. B) Secnidazol. C) Clindamicina. D) Norfloxacina. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 60 COMENTÁRIO: Estrategista, essa é uma questão em que a banca foi generosa ao fornecer muitas pistas que levam ao diagnóstico de pneumonia aspirativa e arremata tudo o que vimos. Observe que temos uma paciente encefalopata, o que frequentemente está associado à disfagia (fator de risco para pneumonia aspirativa). Além disso, é descrito um episódio presenciado de aspiração de conteúdo gástrico dias antes da admissão, com um quadro clínico que sugere pneumonia neste momento (febre e piora do padrão respiratório). Repare que, ainda, foi relatada no exame físico a presença de sopro anfórico, achado semiológico que se relaciona à existência de cavitação ou pneumotórax. No contexto dessa paciente, provavelmente há um abscesso pulmonar, que é uma complicação tardia da pneumonia aspirativa. Esse achado modifica a conduta, pois a terapia precisa ser mais prolongada e deve ser feito um seguimento com exames de imagem para acompanhar a evolução da lesão. Vamos analisar as assertivas? Incorreta a alternativa A. O cotrimoxazol (sulfametoxazol-trimetoprim), embora tenha boa concentração em parênquima pulmonar, não tem atividade contra anaeróbios, não se justificando seu uso em terapia empírica, nesse caso. Incorreta a alternativa B. O secnidazol é um derivado nitroimidazólico, utilizado, por exemplo, para vaginose bacteriana, mas não para terapia empírica, nesse caso. Correta a alternativa C. Conforme vimos anteriormente, a clindamicina é uma das opções de tratamento para a pneumonia aspirativa, pois confere uma excelente cobertura contra bactérias anaeróbias. Entre as citadas, ela é a única com atividade contra esse tipo de bactéria, presente em até 25% dos abscessos pulmonares. Incorreta a alternativa D. O norfloxacino é uma fluoroquinolona sem atividade contra pneumococo ou anaeróbios. (Hospital Sírio Libanês - 2023)Homem de 42 anos, com alcoolismo grave, vivendo em situação precária de higiene, procura o pronto-socorro com queixa de febre, sudorese noturna, cansaço, anorexia, emagrecimento e tosse produtiva há 1 semana. Está toxemiado, emagrecido, com dentes em mau estado, taquipneico, PA: 108 × 68 mmHg, pulso fino: 98 bpm, saturando 94% em ar ambiente; tem estertores finos e grosseiros no 1/3 inferior do pulmão direito, sem outras alterações significativas. Imagens dos pulmões a seguir. O tratamento empírico deve incluir, necessariamente, cobertura contra: A) bacilo de Koch. B) fungos. C) S. aureus. D) Pseudomonas aeruginosa. E) anaeróbios. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 61 Agora, água no rosto, duas xícaras de café e muito descanso prévio: o próximo capítulo é pequeno, mas muito importante, pois despenca nas provas de Residência. 1.8 TRATAMENTO AMBULATORIAL OU HOSPITALAR? Veja outra situação que, provavelmente, você já vivenciou ou irá vivenciar na sua prática. COMENTÁRIOS O conjunto dos achados traz a principal hipótese diagnóstica de uma pneumonia aspirativa complicada com abscesso pulmonar, a qual é corroborada com as imagens radiográficas e tomográficas. O que vemos na imagem? Perceba que há uma consolidação no lobo inferior direito com cavidades com nível hidroaéreo de permeio. O nível é mais evidente na radiografia, uma vez que esse exame é realizado com paciente em pé, enquanto a tomografia é feita com o paciente deitado. A seta preta demonstrada na imagem aponta para opacidades com morfologia de árvore em brotamento, características de disseminação endobrônquica. Feito o diagnóstico, é importante saber que os abscessos pulmonares podem apresentar etiologia polimicrobiana, mas os germes anaeróbicos relacionados à cavidade oral estão intimamente relacionados à doença e devem ser cobertos em qualquer esquema terapêutico empírico. Incorreta a alternativa A, pois os achados não são compatíveis com diagnóstico de tuberculose pulmonar. Incorreta a alternativa B, pois os achados não são sugestivos de infecção fúngica. Incorreta a alternativa C. Os achados são sugestivos de uma pneumonia aspirativa complicada com abscesso pulmonar. Incorreta a alternativa D. Não é frequente a Pseudomonas causar abscesso pulmonar. Correta a alternativa E conforme explicação acima. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 62 Doutor Bruno já estava no finalzinho de mais um plantão tranquilo na enfermaria quando recebe dois pedidos de internação vindos do doutor Alexandre, que tinha iniciado alguns plantões de pronto atendimento para “engrossar” sua viagem de férias. Alexandre prontamente inicia sua passagem de plantão: “o primeiro caso é de dona Jandira, mulher de 63 anos, diabética e tabagista de 30 anos/maço, com infarto prévio há 2 anos. Ela apresenta-se à emergência com tosse expectorada e febre há 4 dias. Está consciente, orientada, com uma FC de 96 bpm, FR de 16 ipm e uma PA de 100 x 65 mmHg. Na radiografia, conseguimos ver uma broncopneumonia à esquerda.” Ao ouvir esse caso, Bruno franze o cenho – desconfiado – mas ouve a segunda solicitação: “o segundo caso é de Seu Hernandes, que vem aqui pela quarta vez em 7 dias. Ele tem 65 anos, diz que só tem problema de tireoide e tem dor torácica, tosse expectorada e febre há 48 horas. No exame, esse senhor estava confuso, com uma FC de 85 bpm, FR de 22 ipm e uma PA de 90 x 60 mmHg. Na radiografia, consigo ver uma consolidação lobar total em base direita, mas sem derrame pleural.” Ao terminar de ouvir o relato, Bruno surpreende o colega com sua resposta: “desculpe, Alê, um desses pacientes não precisa ser internado para manejo, então eu só cederei uma vaga, que é a que tenho disponível. Dê alta para um deles com antibiótico via oral, pode ser?”. Você ficou surpreso, como Alexandre, ou concorda com a conduta do doutor Bruno? Internaria um dos pacientes, os dois, ou nenhum deles? Primeiro conceito, querido Estrategista: nem toda pneumonia é grave a ponto de precisar de internamento para manejo. Só devemos internar os pacientes com maiores chances de desfechos ruins, como, por exemplo, possibilidade de insuficiência respiratória, insuficiência renal, sepse, descompensação de comorbidades e óbito. "E como eu decido isso, professor?" Existem escores prognósticos (que estimam a mortalidade) auxiliares para essa decisão em relação às pneumonias adquiridas na comunidade. Os mais famosos são o CURB-65 (adaptado, eventualmente, com a sigla CRB-65) e o PSI/PORT (Pneumonia Severity Index). A maior parte das questões das provas serão descritas como a do caso que vimos acima: o examinador relatará a anamnese e os achados de triagem de um paciente com pneumonia e, em seguida, pedirá para você decidir entre a terapia ambulatorial (com antibióticos via oral) ou em regime hospitalar (com antibióticos endovenosos). Falaremos agora do primeiro e o mais importante deles. Sem preguiça aqui, hein? Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 63 1.8.1 ESCORE CURB-65/CRB-65 Essa dúvida, entre internar ou dar alta para uma pneumonia motivou a criação de um escore de decisão clínica, em 2002, quando pesquisadores da Universidade de Nottingham (Reino Unido) realizaram um pequeno estudo caso-controle. Esse estudo analisou parâmetros clínicos e laboratoriais de pacientes com pneumonia que eram associados à mortalidade. Por meio dele, pesquisadores observaram que alguns pacientes tinham maior chance de morrer caso fossem liberados para tratamento ambulatorial: pacientes com confusão mental, nível elevado de ureia, taquipneia excessiva, hipotensão sistólica ou diastólica e idade superior a 65 anos. Estratificando esses fatores de risco, um escore foi desenvolvido para ajudar na decisão entre dar alta ou internar um paciente com pneumonia, veja abaixo: Figura 40: escore CURB-65 (estimativa de mortalidade e decisão clínica na PAC) Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 64 Parece ser um escore bem fácil de entender, não é mesmo? Mas, tenho que explicar algumas particularidades sobre ele. Em teoria, a confusão mental deveria ser definida por meio de um teste mental abreviado (Abbreviated mental test – AMT) ≤ 8 pontos estabelecido pelos criadores do escore. Entretanto, na prática, ninguém faz esse teste, pois ele engloba perguntas como: “em que ano a primeira guerra mundial começou?” E facilmente, a depender do seu gosto por história, até você seria considerado confuso. Sem contar a sua baixa aplicabilidade clínica. O examinador geralmente vai usar as palavras confuso, inapropriado, sonolento, obnubilado ou rebaixado quando quiser que você considere a confusão mental no CURB-65. Outra confusão que sempre ocorre é a unidade dimensional da ureia. No Brasil, a maior parte dos laboratórios, das provas e das diretrizes usará o limite de 50 mg/dL, mas, caso você pegue alguma banca que utiliza a referência de mmol/L (americana), o limite será de 8,3mmol/L. Para finalizar, repare que todos os critérios são menor ou igual ou maior ou igual, exceto a pressão arterial sistólica, em que ele considera só o menor como critério. Cuidado com as pegadinhas, Estrategista! Agora, imagine a seguinte situação: você fez um diagnóstico clínico de pneumonia em um paciente de uma população ribeirinha e precisa decidir entre levá-lo de barco para um hospital ou tratá- lo ambulatorialmente. No seu barco não há disponibilidade de exames radiológicos ou laboratoriais. Como você calculará o CURB- 65 dele no meio da floresta? Pensando nisso, em 2006, um grupo espanhol criou o “CRB-65”, que nada mais é do que um “CURB-65 sem a ureia”, para facilitar na tomada de decisão em locais sem retaguarda de laboratório. Ele é mais fácil, veja: • 0 pontos(1,2% de mortalidade): tratamento ambulatorial; • 1 e 2 pontos (8,15% de mortalidade): tratamento hospitalar deve ser considerado; • 3 e 4 pontos (31% de mortalidade): tratamento hospitalar; "Mas, professor, estou eu lá no plantão, aplico o CRB-65 e o resultado dá esse: 'tratamento hospitalar deve ser considerado', o que eu faço?" Use o bom senso e interne o paciente caso ele tenha: hipoxemia, comorbidades descompensadas, radiografia com complicações (derrame pleural e abscessos, por exemplo) e reduzida rede de apoio, com chances de má adesão. Entendeu em que ponto quero chegar? Essa é a principal crítica ao CURB-65 e ao CRB-65: eles ignoram totalmente a história pregressa do paciente e suas comorbidades, que, muitas vezes, influenciam no desfecho de uma pneumonia. Pensando em valorizar esses aspectos, o escore PSI/PORT (Pneumonia Severity Index) foi criado, o qual veremos rapidamente a seguir. Ele quase nunca é usado nas questões de prova, portanto não gaste muito tempo com ele. 1.8.2 ESCORE PSI/PORT O escore PSI/PORT (Pneumonia Severity Index) foi criado em 1997 e validado apenas em 2010. Tinha como objetivo valorizar antecedentes pessoais e outros parâmetros clínico-laboratoriais na decisão entre internar ou tratar em casa. Como é um escore superlongo e complexo de se memorizar, nunca aparece nas provas de R1. Entretanto, já foi cobrado nas provas de R3 por ser o escore com maior acurácia que temos no momento. O que eu quero que você preste atenção é que: quanto maior a pontuação, mais grave é o paciente. Gostaria, inclusive, que você percebesse (não decorasse) as variáveis que têm maior pontuação e, portanto, maior participação na letalidade desses pacientes. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 65 Antes de praticarmos muito com as questões, vamos voltar ao caso dos pacientes do doutor Alexandre e aplicar o CRB-65 para decidirmos sobre a internação. Agora que conhecemos o critério, sabemos o que é importante grifar neles. “o primeiro caso é de Dona Jandira, mulher de 63 anos, tabagista e diabética de 30 anos/maço, com infarto prévio há 2 anos. Ela tem tosse expectorada e febre há 4 dias. Aqui ela está consciente, orientada, com uma FC de 96bpm, FR de 16 ipm e uma PA de 100 x 65 mmHg. Na radiografia conseguimos ver uma broncopneumonia à esquerda.” Análise de Dona Jandira pelo CRB-65: confusão mental + 0 pontos, respirações aumentadas + 0 pontos, “blood pressure” + 0 pontos, idade + 0 pontos. Total: 0 pontos. Conduta sugerida: realizar tratamento ambulatorial. “o segundo caso é de Seu Hernandes, que vem aqui pela quarta vez em 7 dias. Ele tem 65 anos, diz que só tem problema de tireoide e tem dor torácica, tosse expectorada e febre há 48 horas. No exame ele estava confuso, com uma FC de 85 bpm, FR de 22 ipm e uma PA de 90 x 60mmHg. Na radiografia consigo ver uma consolidação lobar total em base direita, mas sem derrame pleural.” Análise de Seu Hernandes pelo CRB-65: confusão mental + 1 ponto, respirações aumentadas + 0 pontos, “blood pressure” + 1 ponto, idade + 1 ponto. Total: 3 pontos. Conduta sugerida: realizar tratamento hospitalar. Figura 41: escore PSI/PORT (risco de mortalidade e decisão clínica na PAC). Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 66 Dessa forma, Bruno tem razão em sua conduta, pois apenas um dos pacientes do doutor Alexandre precisaria de sua única vaga de enfermaria. Vamos, agora, praticar com as bancas. Certamente essa questão estará nos seus exames e na sua vida de médico(a). CAI NA PROVA (FUNDHACRE (2020) Acesso Direto) Na pneumonia comunitária, para que serve o escore CURB-65: A) Para avaliar comorbidades. B) Para escolher classe de antibiótico. C) Para estabelecer mortalidade e local de tratamento do paciente. D) Para detectar potenciais doadores de órgãos. COMENTÁRIO: Correta a alternativa C: Questão para aquecermos e você entender o essencial. O CURB-65, como vimos anteriormente, utiliza 4 critérios clínicos e 1 critério laboratorial para estimar o risco de mortalidade associada à PAC e, assim, avaliar a indicação de internamento hospitalar em enfermaria ou UTI. Ele é pontuado de 0 a 5 pontos e, quanto maior o escore, maior é a chance de o paciente evoluir a óbito. (SES-DF (2020) Acesso Direto) Uma paciente de 73 anos de idade, residente na cidade do Rio de Janeiro-RJ, é diabética e hipertensa. Negou história de tabagismo ativo ou passivo. Procurou atendimento de emergência por dispneia, tosse produtiva, febre de 39°C e dor torácica ventilatório-dependente. Ao exame físico, apresentava-se em regular estado geral, alerta, PA = 80 mmHg X 50 mmHg, FC = 115 bpm, SatO2 = 91% em ar ambiente, FR = 26 irpm; ausculta respiratória com crepitantes pulmonares à direita. Exames complementares: Hb = 13,3g/dL, Ht = 39%, leucócitos = 19.000/mm3 e 15% de bastões, 177 mil plaquetas, ureia = 108mg/dL, Cr = 1,6mg/dL, raio X de tórax com consolidação em lobo inferior direito. Quanto ao caso clínico apresentado e tendo em vista os conhecimentos médicos correlatos, julgue o item a seguir. Com base no escore de gravidade (CURB-65), essa paciente possui mortalidade em torno de 31%. A) Certo. B) Errado. COMENTÁRIO: Correta a alternativa B: Questão do mal do SES-DF, hein? Em vez de perguntar se a pessoa deve ser tratada em casa ou internada, ela questiona a mortalidade estimada segundo a pontuação do CURB-65. Vamos ver a pontuação? Grifei para você em verde o que está sem pontuar e em amarelo o que pontua. Confusão mental? Não → +0 pontos Ureia elevada? Sim → +1 ponto Respiração > 30 ipm? Não → +0 pontos Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 67 “Blood pressure” (pressão arterial) alterada? Sim (PADde consolidação segmentar em lobo inferior direito). Chegamos facilmente no diagnóstico, certo? Agora vamos decidir sobre a pontuação dele no CURB-65, para definirmos entre tratamento ambulatorial ou hospitalar. Já deixei tudo grifado. Confusão mental? Não → +0 pontos Ureia elevada? Não foi mencionada, mas como ele não achou importante mencionar seu valor ou uma clínica de uremia, vamos considerá- la normal → +0 pontos Respiração > 30 ipm? Não → +0 pontos “Blood pressure” (pressão arterial) alterada? Não → +0 pontos 65 anos ou mais? Não → +0 pontos Total: 0 pontos. Repare que você nem precisa saber de opções de fármacos para responder. Esse paciente tem um CURB-65 ou um CRB-65 (já que não menciona a ureia) de zero pontos. Pacientes com CURB-65/CRB-65 de zero têm baixo risco e devem realizar tratamento ambulatorial com antibióticos via oral. Correta a alternativa B: Questão simples de um exame onde todo ponto faz diferença: a UNIFESP, que tem uma competição na primeira fase bem acirrada. Esse jovem paciente tem um quadro clínico-radiológico de pneumonia lobar Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 68 Causa um pouco de estranheza a indicação de controle radiográfico ao final do tratamento, pois não é uma conduta recomendada formalmente para pacientes com resposta clínica adequada ao tratamento. De qualquer maneira, essa é a resposta mais correta, embora passível de anulação por essa derrapada teórica. (SES-GO (2019) Acesso Direto) Paciente do sexo masculino, de 70 anos, com diagnóstico prévio de diabetes e hipertensão arterial não controladas, em uso irregular das medicações. Residente em asilo. Iniciou há sete dias queda do estado geral, hiporexia, febre não aferida, dispneia. Exame físico: regular estado geral, consciente, orientado, hidratado, temperatura axilar 38,2°C, frequência respiratória 32 irpm, pressão arterial 120x80 mmHg, frequência cardíaca 125 bpm. Exames laboratoriais sem alterações. Conforme avaliação clínica e de acordo com os escores CURB 65 e PSI (Pneumonia severity index), qual é o melhor tratamento para esse paciente? A) Observação no domicílio, sem medicamentos no momento. B) Antibioticoterapia domiciliar. C) Antibioticoterapia e internação em unidade de terapia intensiva. D) Antibioticoterapia e internação em enfermaria. COMENTÁRIO: Correta a alternativa D: Você reparou que eu nem tive dificuldade para encontrar questões recentes de pneumonia, certo? Todo ano essas perguntas caem nas provas. Ou seja, este livro vai dar muitos pontos a você, portanto chegue até o final dele! Mesma questão de sempre: contou um caso clínico de pneumonia, pediu para você calcular o CURB-65 e decidir se irá tratar em casa ou internado. Não se preocupe, grifei para você o que é importante. “Ah, professor, mas perguntaram usando o CURB-65 e o PSI, e agora?” Com o CURB-65 você já resolve, quer ver? Confusão mental? Não → +0 pontos Ureia elevada? Mencionou que exames laboratoriais eram “normais” → +0 pontos Respiração > 30 ipm? Sim → +1 ponto “Blood pressure” (pressão arterial) alterada? Não → +0 pontos 65 anos ou mais? Sim → +1 ponto Total: 2 pontos. Meu Deus, caímos no paradoxo dos 2 pontos, que pede para que você considere tratamento em enfermaria. Como eu decido isso para não errar a questão na hora da prova? Vamos ver se o examinador dá alguma dica de bom senso para a internação? Temos: Hipoxemia? Não. Comorbidades descompensadas? Não. Radiografia com complicações? Não foi mencionado. Reduzida rede de apoio e má adesão? Sim! Olhe a singela dica: “diagnóstico prévio de diabetes e hipertensão arterial não controladas, em uso irregular das medicações.” O examinador diz, de forma bem discreta, que o paciente teria falha de adesão à medicação via oral, além de não ter nenhum familiar para fazer isso por ele (morador de asilo). Como você garantiria que ele iria tomar as medicações? Não dá para correr esse risco, portanto a conduta é internação. Como a pontuação do CURB-65 é 2, ela pode ser em enfermaria. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 69 Agora, que você já é fera em pneumonias adquiridas na comunidade, falta só arrematarmos esse tópico com o tratamento. Muita atenção, porque isso cai muito nas provas (lembre-se de que é o tópico que aparece como mais pedido na engenharia reversa). 1.9 TRATAMENTO EMPÍRICO A escolha de drogas para o tratamento de pneumonia tem mudado nos últimos anos e depende da bibliografia que a banca utiliza na resolução das questões. A diretriz que é mais frequentemente utilizada pelos examinadores é a da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), de 2018. Portanto, fique atento ao resolver questões sobre o tratamento de pneumonia anteriores a essa data, pois, além de mostrarem esquemas antimicrobianos ultrapassados, também podem atrapalhar a memorização dos esquemas atuais. Nesses anos, o que mais mudou no entendimento dos consensos foi a contraindicação das fluoroquinolonas como esquema de primeira linha, visto que elas podem estar relacionadas a arritmias, rompimento tendíneo, confusão mental em idosos e disglicemias. O tratamento é dividido entre pacientes ambulatoriais, internados na enfermaria e internados em UTI, e depende de alguns fatores: comorbidades, fatores de risco para resistência bacteriana (colonização prévia, internação recente ou uso recente de antimicrobianos), gravidade do episódio de pneumonia e alergias. A seguir, vamos segmentar o nível de tratamento desses pacientes, venha comigo. 1.9.1 PACIENTES EM TRATAMENTO AMBULATORIAL Quero que você repare em três cenários possíveis para tratarmos um paciente com pneumonia em regime ambulatorial, querido Estrategista. O mantra desta parte que você deve repetir mil vezes para não cair nas pegadinhas é: quinolona não, quinolona é para alérgicos, quinolona é a última opção! Beleza? Para os pacientes de baixo risco (jovens, sem comorbidades e sem uso recente de antibióticos), podemos oferecer só uma classe de antibiótico. A SBPT oferece a possibilidade de escolher entre: • Amoxicilina – tem boa ação contra Streptococcus pneumoniae; • Amoxicilina + clavulanato - caso você esteja com receio da betalactamase do Haemophilus influenzae, da Moraxella catarrhalis e da Klebsiella pneumoniae; • Macrolídeos (azitromicina e claritromicina) - além de terem ação contra o pneumococo, cobrem muito bem os microrganismos atípicos que vimos anteriormente. Para pacientes com risco de complicações (idosos, com comorbidades cardíacas, pulmonares, renais, pneumonia muito grave e extensa ou que fizeram uso de antibióticos recentemente) não podemos errar, certo? Por isso, nesses pacientes, sempre devemos fazer duas classes de antibióticos: um betalactâmico sempre associado a um macrolídeo. "E quando eu uso fluoroquinolonas no ambulatório, professor?" Lembre-se do mantra: somente para pacientes com alergia aos betalactâmicos e aos macrolídeos. Veja, no esquema a seguir, um resumo dessas situações: Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 70 Figura 42: tratamento empírico da pneumonia adquirida na comunidade para pacientes ambulatoriais. 1.9.2 PACIENTES EM TRATAMENTO EM ENFERMARIA Quando comparamos o tratamento de um paciente em enfermaria com o dos pacientes ambulatoriais vistos anteriormente, conseguimos perceber algumas diferenças importantes: não há diferença na escolha de antimicrobianos entre os pacientes com alto ou baixo risco. A outra coisa interessante é que um dos esquemas, cefalosporinas de 3ª geração, ou amoxicilina + clavulanato (esquema 3), não cobrirá microrganismos atípicos. "Mas, professor, se o paciente está limítrofe a ponto de ser internado, eu vou deixar de cobrir atípicos?" Esse questionamento é interessante, inclusive, é debatido pela SBPT. Alguns autores defendem o esquema acima baseados que a incidência de microrganismosINFECTOLOGIA 6 O QUE CAI SOBRE PNEUMONIA POR AÍ? Os temas deste livro definitivamente estarão na sua prova de Residência ou Revalidação. É um dos assuntos mais frequentes na infectologia, sendo este um livro prioritário em seu planejamento de estudos. Revisei, entre os períodos de 2006 e 2020, nada menos que 357 questões sobre pneumonia em adultos e suas complicações. Lembro que para saber tudo sobre o diagnóstico e manejo da pneumonia em crianças você pode acessar o livro da professora Andrea Makssoudian - Pneumonias na infância. Dividindo os assuntos deste livro entre: pneumonias adquiridas na comunidade (PACs), pneumonias associadas à assistência em saúde (PAAS), pneumonias associadas à ventilação mecânica (PAVs) e vacinação pneumocócica, observamos que a maior parte das questões se refere às PACs, como mostra o gráfico ao lado. Figura 2: engenharia reversa específica sobre pneumonias adquiridas na comunidade. Dentro das PACs, os temas mais cobrados pelos examinadores (quero seu foco total neles) são: escolha de antimicrobianos, etiologias das pneumonias e escores de gravidade (CURB-65, CRB- 65 e PSI/PORT). Observe, ao lado, as diferentes frequências dos subtópicos das pneumonias adquiridas na comunidade. Entre as instituições, esses tópicos são especialmente cobrados no Revalida Nacional, no SUS-RO (Rondônia), na AMRIGS- RS e na Santa Casa de Misericórdia de Araçatuba (SCMA-SP). Figura 1: engenharia reversa sobre pneumonias entre os anos 2006 e 2020. 78% Pneumonia adquirida na comunidade (PAC) Pneumonia associada à ventilção mecânica (PAV) Pneumonia relacionada à assistência à saúde (PAAS) Vacinação pneumocócica 9% 9% 4% 33% Tratamento Escores de gravidade Etiologias Diagnóstico e Exames complementares 15% 18% 19% 9% 4% 2% Quadro clínico Epidemiologia e Fatores de Risco Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 7 CAPÍTULO 1.0 PNEUMONIA ADQUIRIDA NA COMUNIDADE (PAC) 1.1 DEFINIÇÃO, HISTÓRICO E EPIDEMIOLOGIA Figura 3: Sir William Osler. A pneumonia pode ser caracterizada como a inflamação do parênquima ou interstício pulmonar, causada por infecções virais, bacterianas, parasitárias ou fúngicas. Acomete, mais precisamente, a região alveolar e, eventualmente, o espaço intersticial interalveolar. Desde as eras antigas, essa doença tem sido uma causa comum de morte. O médico inglês William Osler, um dos pais da Medicina clássica do século XIX, referenciou-a como a “inimiga natural do homem idoso”, já que, em sua época, as infecções pulmonares eram as principais causas de morbimortalidade em idosos no Reino Unido. De fato, foi o estudo das pneumonias que levou ao início do entendimento da imunossenescência e da suscetibilidade dos idosos às infecções graves. Em sua obra, Osler comenta: “não é improvável que a debilidade dos idosos reduza sua resistência e capacidade de lidar com infecções. Neles, a resposta pode ser branda, sem febre, com tosse e expectoração muito discretas”. Nessa obra, ele reitera que a causa mais comum de morte em idosos frágeis, nessa época no Reino Unido, eram as infecções pulmonares. Atualmente, graças à capacidade da medicina de oferecer cuidados intensivos, fisioterapia respiratória eficaz e antibioticoterapia potente e assertiva, a sobrevida dos pacientes com pneumonia aumentou consideravelmente. Entretanto, mesmo que as taxas de mortalidade por infecções do trato respiratório, entre 1990 e 2015, tenham sido reduzidas em cerca de 25%, as pneumonias ainda são a quarta causa de óbito em idosos e a terceira doença que mais demanda hospitalizações para tratamento, o que acarreta um grande fardo para o Sistema Único de Saúde. Para você ter uma ideia, querido Estrategista, entre Janeiro e Agosto de 2018, foram internados 417.924 pacientes devido à pneumonia, totalizando mais de R$ 378 milhões em gastos com serviços hospitalares. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 8 Pergunta importante: por que dividimos a pneumonia entre adquiridas na comunidade e adquiridas no ambiente hospitalar? Fazemos essa divisão técnica para definir que antibióticos serão mais adequados para tratar nossos pacientes. Vou dar um exemplo prático: um paciente advindo da comunidade, tipicamente, apresenta bactérias multissensíveis. Entretanto, quando internado por um período maior que 48 horas, ele poderá ser colonizado por microrganismos hospitalares, que frequentemente apresentam maior resistência aos antibióticos que utilizamos. Agora, fique ligado na última definição de Pneumonia Adquirida na Comunidade (PAC) pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia: A Pneumonia Adquirida na Comunidade (PAC) é uma infecção de via aérea inferior com acometimento alveolar que ocorre fora do ambiente hospitalar ou que se manifesta até 48 horas após a internação. Após 48 horas internado, o paciente com sinais e sintomas de pneumonia será classificado com uma Pneumonia Associada à Assistência em Saúde, que é o nosso próximo capítulo. Começaremos falando da PAC e do essencial: o entendimento de sua fisiopatologia. 1.2 FISIOPATOLOGIA Dessa forma, sabendo que a pneumonia é definida pela infecção do parênquima pulmonar, vamos entender a fisiopatologia da pneumonia mais comum, aquela com disseminação broncogênica. Sabemos que, em um estado fisiológico, nossas vias aéreas têm diversos mecanismos protetores contra a invasão de patógenos. Começando pelo nariz, onde as vibrissas nasais executam a primeira função de filtro do sistema respiratório, impedindo a progressão de particulados grosseiros para a via aérea inferior. Em seguida, temos a epiglote, que impede a passagem de conteúdo líquido ou mucoso para as vias aéreas inferiores durante a respiração. Nas vias aéreas inferiores, encontra-se o epitélio pseudoestratificado cilíndrico ciliado, que consegue eliminar, de forma retrógrada, o muco com microrganismos e células de defesa das vias aéreas inferiores. Esse muco é produzido, prioritariamente, pelas células caliciformes, também localizadas no epitélio das nossas vias aéreas. No nível alveolar, há duas outras células importantes para a fisiologia pulmonar: os pneumócitos tipo I, que têm, por função principal, o revestimento alveolar e a troca gasosa; e os pneumócitos tipo II, que produzem surfactante, atuam na resposta imune inata alveolar e regeneram os tecidos pulmonares danificados pelos processos inflamatórios. Agora, que compreendemos os mecanismos de defesa dos nossos pulmões, fica fácil responder àquela pergunta que todo o paciente com pneumonia faz: “mas, doutor(a), de onde eu peguei essa pneumonia?” A resposta é simples e direta: “De lugar nenhum! A pneumonia é causada por microrganismos que vivem em nossas narinas e garganta. Quando não temos uma defesa adequada, eles podem descer para os pulmões causando essa infecção.” Dessa forma, conceituamos que vírus, bactérias e fungos presentes nas vias aéreas superiores podem progredir, de forma broncogênica, para os alvéolos pulmonares. No interior dos alvéolos, esses patógenos induzirão uma intensa resposta inflamatória, com o recrutamento de macrófagos alveolares e neutrófilos. Essas células de defesa invadirão o espaço alveolar na tentativa de eliminar o patógeno, produzindo um exsudato alveolar (líquido com alto teor de proteínas e leucócitos). Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 9 Além disso, toda essa inflamação levará ao espessamento das paredes alveolares, aumentando a distância entre alvéolos e capilares. Você já imaginou o que acontece, certo? O exsudato dentro do alvéolo deixa a permeabilidade alveolocapilar menor, devido à inflamação, o que leva à troca inadequada de CO2 e O2, levando à hipoxemia. Em contrapartida, podemos ter outras pneumonias que ocorrematípicos (Legionella pneumophila, Mycoplasma pneumoniae e Chlamydophila pneumoniae) é muito pequena, ou seja, 30 ipm? Não → +0 pontos. “Blood pressure” (pressão arterial) alterada? Sim (PAD = 60 mmHg) → +1 ponto. 65 anos ou mais? Não → +0 pontos. Total: 1 ponto. Perfeito, pelo CRB-65 podemos indicar tratamento ambulatorial para esse caso. Volte lá na figura 42, então: em que categoria o paciente da questão se enquadra? Ele tem comorbidades (insuficiência cardíaca). Logo, deverá receber um betalactâmico com um macrolídeo, pois a cobertura de atípicos sempre será necessária nos comórbidos. Em tempo, devo mencionar que a amoxicilina com clavulanato não cobrirá atípicos, você lembra que a maioria deles não tem parede celular, certo? (UNESP (2020) Acesso Direto) Homem de 75 anos refere tosse com expectoração amarelada, febre de 39 °C e dispneia aos esforços há 2 dias. Exame físico: orientado, FR: 24 irpm, oximetria de 87%, ausculta respiratória com crepitações em base pulmonar direita. O tratamento deve ser: A) hospitalar com cefalosporina de 3ª geração e macrolídeo. B) ambulatorial com macrolídeo. C) ambulatorial com fluoroquinolona. D) hospitalar com betalactâmico e fluoroquinolona. COMENTÁRIO: Correta a alternativa A: Questão de um exame importante e concorrido de São Paulo: a UNESP. Temos aqui um quadro clássico de um idoso com tosse expectorada, febre e dispneia, que são sinais e sintomas sugestivos de pneumonia. Perceba a evolução aguda, mais sugestiva de pneumonia típica. Primeira pergunta: vamos tratá-lo em casa ou internado? Como sempre, vamos aplicar o CURB-65 ou o CRB-65. Como o examinador não forneceu o nível de ureia, vamos preferir o segundo critério: Confusão mental? Não → +0 pontos. Respiração > 30 ipm? Não → +0 pontos. “Blood pressure” (pressão arterial) alterada? Não menciona → +0 pontos. 65 anos ou mais? Sim → +1 ponto. Pelo CRB-65, pacientes com 1 ponto devem ser “considerados para tratamento hospitalar”. Aí, precisamos usar os critérios de bom senso: temos um idoso com sensação de dispneia aos esforços e hipoxemia. Como vou liberá-lo para ir para casa? Tenho que internar, certo? Perfeito. Agora, conseguimos responder com tranquilidade: quais são os três esquemas possíveis segundo a SBPT para o tratamento da PAC em enfermaria? Voltemos à figura 43: Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 75 (PUC-SP (2020) AcessoDireto) Maria, 23 anos, estudante, vem à Unidade Básica de Saúde com queixa de tosse há 4 dias, expectoração amarelada, dor torácica ventilatória dependente no hemitórax direito e febre. Refere rinite alérgica sazonal e nega ter usado antibióticos nos últimos 2 anos. Apresenta-se consciente, orientada e eupneica, com frequência respiratória de 16 respirações por minuto e cardíaca de 82 bpm, temperatura corporal de 39°C e PA igual a 110/70 mmHg. No radiograma do tórax apresentava consolidação segmentar no terço superior direito, hemograma com leucocitose e desvio à esquerda. A ureia não foi avaliada. Baseado no Escore CRB 65, qual seria o tratamento mais adequado para tratar a pneumonia dessa paciente? A) Internação e tratamento com quinolona de segunda geração, durante 7 a 10 dias. B) Tratamento ambulatorial com macrolídeo via oral, durante 7 dias. C) Internação e uso de betalactâmico IV, associado a macrolídeo. D) Internação e tratamento com betalactâmico por via oral, durante 7 dias. COMENTÁRIO: Correta a alternativa B: Mesmo exercício, hein? Temos uma paciente com pneumonia, jovem, hígida e sem fatores de risco. Vamos calcular o CRB-65 (não temos ureia) para decidir onde devemos tratá-la? Confusão mental? Não → +0 pontos. Respiração > 30 ipm? Não → +0 pontos. “Blood pressure” (pressão arterial) alterada? Não → +0 pontos. 65 anos ou mais? Não → +0 pontos. Total: 0 pontos. Zero pontos, em qualquer um dos escores, significa um baixo risco de complicações, permitindo um tratamento ambulatorial. Relembre comigo o conceito: paciente ambulatorial sem comorbidades ou uso recente de antibióticos, posso usar apenas uma classe de antibiótico. Vamos ver quais são as opções para esse caso na nossa figura 42? • Amoxicilina; • Amoxicilina-clavulanato; • Macrolídeos; Agora, vamos analisar as alternativas: a única correta é aquela que indica tratamento ambulatorial, que poderá ser feito isoladamente com azitromicina ou claritromicina. "Mas, professor, 7 dias não é muito?" Exatamente. Eu utilizaria 5 dias de macrolídeos com tranquilidade nesse caso, mas o consenso da SBPT indica uma duração de tratamento de 5 a 7 dias. Dessa forma, essa alternativa não é incorreta e nem passível de recurso. Já se foram quatro questões, querido Estrategista. Não desista! Só mais duas sobre tratamento empírico e vamos em frente, ok? • Cefalosporinas de 3ª geração OU ampicilina/sulbactam + macrolídeos (cobrindo atípicos); • Cefalosporinas de 3ª geração OU amoxicilina/clavulanato (sem cobrir atípicos); • Fluoroquinolonas respiratórias. Excelente! Entre as alternativas, excluímos as que autorizam tratamento ambulatorial (B e C). A alternativa D não é correta, pois, na enfermaria, as fluoroquinolonas podem ser utilizadas sozinhas, sem a necessidade de um betalactâmico. Portanto, apenas a alternativa A está correta. Aproveitando a oportunidade de ensino: caso esse paciente estivesse grave a ponto de necessitar de uma UTI, tanto a alternativa A quanto a alternativa D estariam certas, pois, nessa situação, poderíamos utilizar as cefalosporinas de 3ª geração (betalactâmicos) associadas às fluoroquinolonas. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 76 (SUS-SP (2018) Acesso Direto) Um paciente de 48 anos é admitido no pronto-socorro com queixa de tosse produtiva e febre nos últimos 3 dias. Refere ser hipertenso em uso de losartana 50 mg/dia e alérgico a betalactâmicos. Há cerca de 20 dias utilizou Azitromicina para tratamento de sinusite (sic). Ao exame físico: BEG, consciente, orientado, febril (38°C), ausculta cardíaca sem achados. FC: 89 bpm, PA: 120 × 80 mmHg e FR: 17 ipm, saturando 98% em ar ambiente. Não há quaisquer sinais de desconforto respiratório, porém há estertores em base pulmonar à direita. Não há outras alterações ao exame físico. Rx de tórax demonstra opacidade em base pulmonar à direita e broncogramas aéreos compatíveis com processo infeccioso atual. Qual a melhor conduta para este caso? A) Repetir o tratamento com macrolídeo pois o achado radiológico indica infecção por germes atípicos. B) Indicar tratamento ambulatorial com Levofloxacino oral e orientar retorno em caso de evolução desfavorável. C) Solicitar exames laboratoriais para adequada estratificação do risco posto a alteração radiológica evidente. D) Indicar tratamento ambulatorial com Levofloxacino com retorno obrigatório em 48 horas para repetir radiografia. E) Indicar antibioticoterapia endovenosa em regime de internação posto o uso recente de Azitromicina. COMENTÁRIO: Nessa altura do campeonato, é inquestionável que esse paciente hipertenso tem uma pneumonia, certo? Vamos decidir onde devemos tratá-lo pelo CRB-65: Confusão mental? Não → +0 pontos. Respiração > 30 ipm? Não → +0 pontos. “Blood pressure” (pressão arterial) alterada? Não → +0 pontos. 65 anos ou mais? Não → +0 pontos. Total: 0 pontos. Zero pontos, em qualquer um dos escores significa um baixo risco de complicações, permitindo um tratamento ambulatorial. Relembre comigo o conceito: paciente ambulatorial sem comorbidades ou uso recente de antibióticos, posso usar apenas uma classe de antibiótico. Vamos ver quais são as opções na nossa figura 42? • Amoxicilina; • Amoxicilina-clavulanato; • Macrolídeos. Qual das opções acima eu vou escolher? Nenhuma. Releia o enunciado: o paciente é alérgico a betalactâmicos, logo, temos que eliminar as opções com amoxicilina; e fez uso recente de macrolídeos, o que impedirá a reutilização dessa classe de antibióticos. Sendo assim, o que sobrou para o tratamento desse paciente? As fluoroquinolonas respiratórias, que são especialmente indicadas quando há alergia às opções de primeira escolha. Vamos analisar as alternativas? Incorreta a alternativa A. Não devemos utilizar macrolídeos novamente. Correta a alternativa B. Devemos utilizar o levofloxacino ou o moxifloxacino e orientar sinais de alarme para o paciente retornar, se necessário. Incorreta a alternativa C. Não há necessidade de exames laboratoriais, pois, mesmo se a ureia viesse alterada, o CURB-65 dele seria de apenas um ponto, permitindo o tratamento ambulatorial. Incorreta a alternativa D. Não se indica repetição de radiografias em pacientes com desfecho clínico favorável. Como veremos adiante, as imagens de pneumonias podem ficar persistentes nas radiografias durante semanas, mesmo após o tratamento. Incorreta a alternativa E. Como conceituamos acima, o CRB-65 de zero pontos não indica a necessidade de internação. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 77 (IAMSPE (2018) Acesso Direto) Paciente D.P.O.C., 75 anos, é admitido em PS com tosse, febre e expectoração purulenta há 5 dias. Nota-se, ao exame físico taquipneia (FR: 32 irpm) FC = 100 bpm; PA = 100 x 50 mmHg. O RX de tórax demonstra consolidação em base de hemitórax direito. Nesse caso, a melhor conduta é o tratamento: A) Ambulatorial com azitromicina. B) Hospitalar com azitromicina. C) Ambulatorial com ampicilina sulbactam + azitromicina. D) Hospitalar com ampicilina sulbactam + azitromicina. E) Hospitalar com meropenem. COMENTÁRIO: Para finalizarmos tratamento empírico, uma questão importante do IAMSPE. Repare que o paciente tem comorbidades pulmonares (DPOC). Esse é um caso de DPOC descompensado ou uma pneumonia? Uma clara pneumonia, pois há uma consolidação na radiografia de tórax. Próximo passo, verificar o CRB-65 (já que não tem ureia): Confusão mental? Não sabemos → +0 pontos. Respiração > 30 ipm? Sim → +1 ponto. “Blood pressure” (pressão arterial) alterada? Sim (PAD = 50 mmHg) → +1 ponto. 65 anos ou mais? Sim → +1 ponto. Total CRB-65: 3 pontos. Três pontos no CRB-65 é internação na certa, caro Estrategista. Vamos além. Lembra-se do quick SOFA, aquele que utilizamos para diagnosticar sepse? Vamos aplicá-lo nesse caso. É só lembrar do “CPF da sister” (veja mais detalhes em meu livro sobre sepse): C – Consciência: não mencionada → +0 pontos. Pressão sistólica ≤ 100 mmHg: sim→ +1 ponto. Frequência respiratória ≥ 22 ipm: sim → +1 ponto. Total quick SOFA: 2 pontos (pacientes são suspeitos de sepse com 2 ou 3 pontos). Esse paciente tem uma pneumonia adquirida na comunidade com necessidade de hospitalização pelo CRB-65 e também uma sepse de foco pulmonar, necessitando de internamento em UTI. Ufa, chegamos até aqui. Quais são as opções de esquemas de antibióticos que poderemos fazer para um paciente de UTI? Lembra? Tenho que cobrir tudo, até atípicos, porque não posso errar (figura 44): • Cefalosporinas de 3ª geração ou ampicilina + sulbactam + macrolídeos; • Cefalosporinas. Vamos analisar as alternativas? Incorreta a alternativa A. Jamais devemos tratar um paciente com CRB-65 de 3 pontos de forma ambulatorial. Incorreta a alternativa B. Lembre-se sempre: azitromicina em monoterapia deve ser usada apenas em pacientes sem comorbidades, sem exposição recente a antibióticos e em tratamento ambulatorial, tudo bem? Incorreta a alternativa C. Jamais deveremos tratar um paciente com CRB-65 de 3 pontos de forma ambulatorial, além disso, a ampicilina + sulbactam está sendo descontinuada em sua apresentação oral em nosso país e nem faz parte do rol de escolhas para o tratamento ambulatorial (relembre na figura 42). Correta a alternativa D. Conforme explicado acima. Incorreta a alternativa E. O meropenem nunca é primeira escolha para tratamento de PAC sem exposição prévia a outros antibióticos, mesmo para pacientes internados em UTI. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 78 1.9.4 TRATAMENTO GUIADO E quando temos resultados da cultura de escarro, secreção traqueal ou lavado broncoalveolar dos pacientes com pneumonia? Poderemos fazer o tratamento guiado. A SBPT menciona alguns microrganismos e seus tratamentos específicos, que merecem sua atenção porque podem ser alvos de questões. Anteriormente, já conversamos sobre o tratamento de pneumonias por Pseudomonas e também sobre as aspirativas. Dos agentes que foram destacados no último consenso e que ainda não foram mencionados neste livro, temos: Streptococcus pneumoniae resistente à penicilina: o pneumococo com resistência intermediária às penicilinas tem sido cada vez mais comum no hemisfério Norte, especialmente nos EUA. Nos casos em que ele é identificado, além de aminopenicilinas em alta dose (como a amoxicilina na dose de 1g - 8/8h), também poderemos fazer cefalosporinas de 3ª geração (ceftriaxona e cefotaxima), cefalosporinas de 4ª geração (cefepima) ou de 5ª geração (ceftarolina), sempre associadas a uma segunda cobertura, que poderá ser feita com macrolídeos (azitromicina ou claritromicina) ou fluoroquinolonas respiratórias (moxifloxacino ou levofloxacino). O consenso também menciona o famoso MRSA (S. aureus resistente à meticilina), que não é uma bactéria exclusiva de ambientes hospitalares. A resistência à meticilina, causada por uma mudança no sítio de ligação da parede celular dessa bactéria, impedirá a ação de praticamente todos os betalactâmicos, com exceção da ceftarolina e do ceftobiprole. Nesses casos em que o MRSA é suspeito, podemos usar clindamicina, linezolida ou vancomicina, caso o paciente venha da comunidade. Para os que se infectaram por MRSA no ambiente hospitalar, onde temos uma alta taxa de resistência à clindamicina, só resta utilizarmos a vancomicina ou a linezolida. Por último, algumas bactérias Gram-negativas (como o Enterobacter sp., a Klebsiella sp. etc.) podem produzir uma betalactamase de espectro estendido (ESBL), enzima que hidrolisará todas as cefalosporinas. Nesses casos, sempre utilizamos um carbapenêmico (meropenem, imipenem e ertapenem) quando visamos uma cobertura segura de ESBLs. Embora tenhamos três opções de carbapenêmicos, o último consenso da SBPT considera apenas o ertapenem para o tratamento de ESBLs (relembrando, o único carbapenêmico que não cobre Pseudomonas). Antes de 2018, a escolha entre os três carbapenêmicos disponíveis ainda não era discriminada. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 79 Figura 45: tratamento alvo-específico de microrganismos nas pneumonias. Vamos praticar um pouquinho e passar a régua nesse módulo, que representa 80% do conteúdo deste livro. CAI NA PROVA (UFES (2012) Acesso Direto) Homem, 66 anos, é admitido na UTI em estado grave com pneumonia adquirida no hospital. Hemoculturas e cultura de secreção traqueal foram positivas para Klebsiella pneumoniae produtora de Betalactamase de Espectro Expandido (ESBL). O esquema de antibiótico mais apropriado para ser utilizado é: A) Ceftriaxona + gentamicina. B) Ciprofloxacina. C) Meropenem. D) Piperacilina/Tazobactam. E) Cefepima. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 80 COMENTÁRIO: Correta a alternativa C: Você está vendo como as bancas estão cada vez mais criativas e dificultando essas perguntas sobre resistência bacteriana? Trouxe essa questão para respondermos e já seguirmos em frente com as “pneumonias hospitalares” (esse é um nome antigo). Temos aqui um paciente com uma pneumonia causada por uma K. pneumoniae produtora de ESBL. Elas são enzimas que degradam as penicilinas e cefalosporinas. Como tratar infecções pulmonares por bactérias que produzem essa enzima? Com carbapenêmicos! Algumas vezes, essas bactérias podem ser sensíveis à combinação de betalactâmico + inibidor da betalactamase (IBL), como nos esquemas de piperacilina + tazobactam, ou cefalosporina + IBL. Mesmo com essa sensibilidade, as drogas de escolha continuam sendo os carbapenêmicos, por estarem associados à menor mortalidade. Se você leu ESBL, respondeu carbapenêmico (meropenem, imipenem ou ertapenem). Em 2012, o consenso não pedia para você preferir um ou outro, mas, desde 2018, a SBPT preconiza que você escolha o ertapenem como 1ª opção, tudo bem? O motivo dessa opção é reservar o uso do meropenem e do imipenem para quando precisarmos cobrir Pseudomonas, já que o ertapenem é o único carbapenêmico sem ação contra ela. 1.10 SEGUIMENTO DO PACIENTE COM PNEUMONIA Veja a situação abaixo que, frequentemente, é vista na prática e nas provas de Residência: Professor Dilson estava em seu novo emprego como preceptor no ambulatório de Clínica Médica quando ouve seu Residente passar o primeiro caso: "Paula é uma paciente diabética e lúpica de 48 anos, este é seu segundo retorno ambulatorial por uma pneumonia que nunca melhora, doutor. No mês passado, ela esteve internada com a gente por causa dessa pneumonia lobar na base direita. Ela recebeu ceftriaxona e claritromicina durante 7 dias. Acontece que, na semana seguinte da alta, minha colega Residente a atendeu no seu primeiro retorno ambulatorial após a internação. Paula referiu – nessa ocasião – que estava ótima, sem febre ou tosse, mas a radiografia de controle mostrava que o infiltrado na base direita não tinha melhorado. Aí, com medo, a colega deixou mais 7 dias de levofloxacino para garantir. Hoje, faz dez dias da consulta anterior, Paula retornou e também está sem sintomas, em excelente estado geral. No entanto, uma outra radiografia de tórax que foi pedida na última consulta ainda mostra a mesma pneumonia lobar em base direita. Pensei em internar para fazermos um carbapenêmico, doutor, porque não está melhorando. O que acha?" Ao ouvir o relato, Dilson dá um suspiro profundo e pensa: “a sorte deste Residente é que acabei de voltar das férias!” O que você faria nesse caso? Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 81 Querido Estrategista, aposto que você já se deparou com essa situação. Vamos pensar: um paciente com pneumonia adquirida na comunidade tratada precisa ser reavaliado ambulatorialmente? Sim! Nesse retorno ambulatorial pesquisaremos sinais e sintomas de piora clínica, como febre persistente, tosse com piora de expectoração, dispneia e dortorácica ventilatório-dependente, por exemplo. Caso o paciente esteja assintomático e melhorando, a conduta é considerar sucesso terapêutico e dar alta ambulatorial. Não precisamos solicitar exames laboratoriais ou radiografias seriadas para pacientes em melhora. Por que não é correto pedir radiografias seriadas? Porque a fase de condensação nas pneumonias pode demorar de 3 a 6 semanas para ser reabsorvida. Ou seja, mesmo com melhora clínica, o paciente poderá apresentar uma persistência de infiltrado, que é irrelevante na indicação de novos tratamentos. Dessa forma, existem apenas duas situações em que precisamos repetir radiografias de tórax após o tratamento de pneumonias adquiridas na comunidade. Fique ligado na Corujinha abaixo: Após o tratamento de pneumonias, quando devemos repetir a radiografia de tórax? Situação 1: persistência ou piora dos sintomas; Situação 2: para tabagistas com carga tabágica maior que 50 anos/maço, a repetição deve ser feita 30 dias depois com o objetivo de excluir o câncer de pulmão entre os diagnósticos diferenciais. Quer ver como as bancas cobram esse assunto? CAI NA PROVA (AMP-PR (2016) Acesso Direto) Paciente de 57 anos de idade apresenta 4 dias de evolução de tosse produtiva e febre. Nega comorbidades. Tabagista 40 anos/maço. Ao exame apresenta estertores crepitantes em base pulmonar esquerda. Radiografa de tórax com consolidação em base esquerda. Levando em consideração o caso, é correto afirmar que: A) Como as fluoroquinolonas são bem absorvidas em pacientes selecionados, mesmo quando hospitalizados, a antibioticoterapia pode ser administrada por via oral. B) A ausência de resposta radiográfica no quinto dia indica a troca do esquema antimicrobiano ou pesquisa de diagnóstico alternativo. C) Atualmente preconiza-se ciclos mais curtos de antibióticos, mesmo em pacientes com foco metastático. D) A história de tabagismo aumenta a probabilidade de infecção por anaeróbios orais. E) A positividade das hemoculturas é elevada. COMENTÁRIO: Essa paciente tem um quadro clínico-radiológico sugestivo de pneumonia, tendo o examinador explorado diversos conceitos dessa doença, fazendo uma miscelânea. O melhor jeito para revisá-los é analisando as alternativas, vamos lá! Correta a alternativa A. Fluoroquinolonas apresentam excelente absorção pelo trato digestivo, sendo possível o tratamento por via oral mesmo em pacientes internados, desde que não exista contraindicação para a administração de medicamentos por via oral ou risco de má-absorção. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 82 Incorreta a alternativa B. Como vimos, alterações radiográficas nas pneumonias podem perdurar por semanas após o início do tratamento. Deve-se suspeitar de falha terapêutica quando não há melhora clínica após 5 dias de tratamento. Incorreta a alternativa C. Preconiza-se sim os ciclos mais curtos de antibióticos, mas pacientes com foco metastático (aqui o autor da questão refere-se a foco infeccioso metastático, também conhecido como abscesso pulmonar, não neoplásico) devem receber cursos mais prolongados de antibioticoterapia. Incorreta a alternativa D. Não há relação entre tabagismo e maior incidência de pneumonia por anaeróbios orais. Incorreta a alternativa E. A positividade de hemoculturas nas pneumonias é baixa (inferior a 10%). Esse exame é indicado para pacientes internados com pneumonia adquirida na comunidade grave, especialmente no contexto de sepse associada. 1.11 COMPLICAÇÕES Algumas complicações podem ocorrer nos casos de pneumonias, muitas vezes necessitando de intervenção cirúrgica. Vamos ver, a seguir, com um pouco de detalhamento, uma breve abordagem do paciente com derrames pleurais (derrames parapneumônicos e empiemas), além de abscessos pulmonares. 1.11.1 DERRAMES PLEURAIS Aqui vou ser bem breve, caro Estrategista, porque o professor Philippe Colares fez um livro inteiramente dedicado à remover sindrômica de todos os derrames pleurais, sejam eles parapneumônicos, neoplásicos, relacionados à tuberculose pleural etc. Para aprofundar-se nesse tema, não deixe de estudar o livro- digital de derrames pleurais. Ao fazer o exame físico, se desconfiarmos de um derrame pleural, nossa primeira atitude deve ser diagnosticá-lo. Ele é suspeitado em pacientes com redução da amplitude respiratória, FTV reduzido na região acometida, macicez no lugar do som claro pulmonar e, principalmente, com redução dos murmúrios vesiculares na região afetada. Podemos ser criativos ao tentarmos diagnosticar o derrame pleural, já que temos diversas modalidades para diagnosticá-lo: radiografias de tórax, ultrassonografia à beira leito (point of care) e tomografia computadorizada de tórax, por exemplo. O exame mais cobrado pelos examinadores é a radiografia de tórax. Na suspeita de derrame pleural, ela deve ser executada em 3 incidências: PA, perfil e decúbito lateral (Laurell). A primeira incidência analisada sempre deverá ser a PA (posteroanterior), evitando o decúbito dorsal, pois ele distribuirá o derrame pleural. Nela, poderemos ver, além do velamento do seio costofrênico, o sinal do menisco, também chamado de parábola de Damoiseau. Na incidência em perfil, conseguiremos visualizar esse derrame pleural no seio costofrênico posterior, com um velamento deste. Observe esses três achados na imagem abaixo: Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 83 Figura 46: derrame pleural na radiografia de tórax em incidências AP e perfil. Na terceira incidência, chamada de Laurell, o paciente fica em decúbito lateral e recebe raios horizontais. Nela, observaremos o derrame pleural escorrendo no espaço pleural, formando uma linha horizontal. Esse método é sempre indicado na suspeita do derrame pleural, porque permite a detecção de derrames menores. Para que você tenha uma ideia, nas incidências posteroanteriores e em perfil, só conseguimos ver derrames pleurais acima de 200 mL, já a incidência lateral consegue detectar derrames a partir de 50 mL. Observe como essa incidência funciona: Figura 47: derrame pleural na radiografia de tórax em incidência lateral (incidência de Laurell). Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 84 Qual é o próximo passo da investigação? Fazer uma toracocentese diagnóstica, que sempre deve ser indicada ao visualizarmos um derrame pleural de causa não estabelecida. Veja detalhes de sua execução no livro sobre derrames pleurais do professor Philippe Colares. O primeiro objetivo na análise do líquido pleural das pneumonias é determinar se ele é um: • Transudato - líquido pleural sem inflamação pleural importante, portanto com pouca celularidade, que vemos habitualmente em insuficiências cardíacas descompensadas, por exemplo; ou • Exsudato - líquido pleural resultante de uma inflamação pleural importante, marcado pela alta celularidade com consumo de glicose e aumento de proteínas. Agora, repare, Estrategista, existem diferenças bioquímicas entre um transudato e um exsudato, e elas compõem os critérios de Light, que foram desenvolvidos para diferenciá-los. Os transudatos têm pouca inflamação, com baixa desidrogenase lática, baixa celularidade e poucas proteínas produzidas; em contrapartida, os exsudatos são hiperinflamatórios, com alta desidrogenase lática, alta celularidade e muitas proteínas produzidas. A seguir, veja comigo esses critérios, pois eles são muito cobrados em todas as provas: Transudato Exsudato Relação proteína no líquido pleural/ proteína no soro ≤ 0,5 > 0,5 Relação LDH no líquido pleural/ LDH no soro ≤ 0,6 > 0,6 LDH no líquido pleural > ⅔ limite superi- or da normalidade sérica Não Sim Figura 48: critérios de Light para o diagnóstico de exsudatos pleurais. Pois bem, quando temos qualquer critério positivo da coluna de exsudato, o paciente automaticamente tem um derramepleural exsudativo, tudo bem? Seguindo, quando diagnosticamos um exsudato, temos que responder à seguinte pergunta: esse derrame pleural é um derrame parapneumônico não complicado, um derrame parapneumônico complicado ou um empiema pleural? Essa listagem corresponde a uma evolução, acompanhe comigo: todo paciente começa com um derrame parapneumônico não complicado, que pode evoluir para um complicado e, em seguida, para um empiema pleural. Conforme isso acontece, a inflamação aumenta, elevando o consumo de glicose e também o metabolismo anaeróbio, o que produzirá ácido lático, deixando o meio mais ácido (portanto, com o pH reduzido). Com o avanço da inflamação, teremos um aumento de produtos de necrose local, como proteínas e DHL, além da celularidade do líquido pleural. Saber essa diferença é importante, pois ela muda a conduta do paciente. Por exemplo, derrames complicados e empiemas sempre deverão ser drenados e eventualmente necessitarão de cirurgia para seu manejo adequado, como no caso de uma decorticação pulmonar. Veja um resumo das condutas propostas em cada situação de derrame pleural na figura a seguir: Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 85 Figura 49: condutas frente ao derrame pleural parapneumônico e empiemas. 1.11.2 ABSCESSOS PULMONARES Outra complicação que temos que mencionar em detalhes são os abscessos pulmonares, marcas registradas das pneumonias aspirativas e estafilocócicas. A maior parte desses abscessos pulmonares responde à primeira etapa de tratamento, ou seja, antibioticoterapia, preferencialmente guiada, por tempo mais prolongado (até 21 dias, a depender do número de abscessos e de sua extensão). No entanto, pacientes que não melhoram as dimensões dos abscessos pulmonares após 7 a 10 dias de antibióticos devem ser submetidos à drenagem de seu conteúdo, por via transtorácica percutânea ou por via transbrônquica, acessada por meio de uma broncoscopia flexível. Os abscessos podem gerar complicações tardias, como hemorragias cavitárias, quando eles contêm vasos em seu interior, e fístulas broncopleurais. Quando se apresentar nessas condições críticas, o abscesso precisará de tratamento cirúrgico definitivo. Vamos praticar e encerrar as PACs com mais uma vitória na sua reta de estudos! Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 86 CAI NA PROVA (UNESP (2021) Acesso Direto) Homem de 48 anos encontra-se no 5° dia de tratamento de pneumonia comunitária com cefalosporina de 2ª geração, porém está mantendo febre e leucocitose. Raio X de tórax: velamento do 1/3 inferior do hemitórax direito, formando a parábola de Damoiseau. Realizada toracocentese diagnóstica. Exames do líquido pleural: aspecto amarelo opaco; pH 7,1; glicose 30 mg/dL; DHL 1 800 UI/L. A conduta mais adequada é a: A) drenagem torácica. B) tomografia computadorizada de tórax. C) broncoscopia com lavado broncoalveolar. D) decorticação pulmonar. COMENTÁRIO: Correta a alternativa A: Querido Estrategista, esse é o caso de um adulto com falha terapêutica (febre e leucocitose) após uma antibioticoterapia inadequada para um paciente internado (cefalosporina de 2ª geração). Na radiografia, o autor descreve um elemento radiológico no diagnóstico do derrame pleural, a parábola de Damoiseau. Tudo certo, o paciente foi submetido à toracocentese, que mostrou um pH baixo, com glicose consumida e um DHL elevado. Dessa forma, esse derrame pleural pode ser um derrame parapneumônico complicado ou um empiema. Já temos um diagnóstico, não precisamos de mais exames complementares, já que eles não mudarão nossa conduta, certo? Qual é o próximo passo para o tratamento tanto de um derrame parapneumônico complicado quanto de um empiema? Realizar a drenagem torácica, considerar intervenção cirúrgica e antibioticoterapia prolongada, preferencialmente guiada pelas culturas do líquido pleural. Caro aluno, quero que você pratique os outros exercícios sobre derrames pleurais após a leitura do livro do professor Philippe Colares, tudo bem? Então, vamos seguir para as pneumonias de ambiente hospitalar: a Pneumonia Associada à Assistência em Saúde (PAAS) e a Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica (PAV). Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 87 2.0 PNEUMONIAS ASSOCIADAS À ASSISTÊNCIA EM SAÚDE CAPÍTULO 2.1 DEFINIÇÃO E IMPORTÂNCIA CLÍNICA A pneumonia associada/relacionada à assistência em saúde(PAAS), antigamente chamada de pneumonia hospitalar ou nosocomial, é o termo utilizado atualmente para designar pneumonias que ocorrem em pacientes internados por outros motivos. Algumas dessas pneumonias ocorrem em pacientes intubados ou traqueostomizados em uso de ventilação mecânica, casos em que são especialmente denominadas de pneumonias associadas à ventilação mecânica (PAV ou PAVM). Para que você tenha uma ideia, os EUA reportam anualmente entre 5 e 10 casos de pneumonia para cada 1.000 admissões hospitalares, sendo essa uma complicação prevalente na prática médica. Dando uma dimensão: 25% das infecções que ocorrem em pacientes em UTI são do trato respiratório, sendo que as pneumonias em UTI têm de 20 a 50% de mortalidade. Portanto, saber sobre o diagnóstico, o manejo e, o mais importante, sua prevenção é essencial para sua prática e também alvo das perguntas dos examinadores. "Mas, professor, o que tem de especial se o paciente adquiriu a pneumonia dentro ou fora do hospital?" A principal necessidade em dividi-las dessa forma didática é para auxiliar na escolha do espectro antimicrobiano mais adequado. Para isso, vamos começar pela fisiopatologia: por que pacientes internados desenvolvem pneumonia? 2.2 PATOGÊNESE E FATORES DE RISCO A via de infecção das pneumonias associadas à assistência em saúde não é diferente das pneumonias comuns: o paciente colonizado por determinado microrganismo em sua região oral fará uma microaspiração de secreções orais e nasofaríngeas, que não serão eliminadas adequadamente pelo epitélio ciliado pulmonar. Essas secreções acumuladas no espaço alveolar causarão uma resposta inflamatória exacerbada e exsudativa que chamaremos de pneumonia, usando o mesmo raciocínio da PAC. Embora a patogênese dela seja muito semelhante à da pneumonia adquirida na comunidade, há uma diferença importante entre um paciente procedente da comunidade e outro hospitalizado. A região oral e nasofaríngea de pacientes da comunidade de maneira típica é colonizada, predominantemente, por bactérias Gram-positivas. Após 48 horas de internação, esses pacientes terão uma mudança em sua microbiota, que será colonizada com maior proporção de Gram-negativos. Entre esses Gram-negativos, temos uma participação prevalente dos bacilos fermentadores (K. pneumoniae, E. coli, Enterobacter spp.), dos bacilos não fermentadores (Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumannii, Burkholderia sp. e Stenotrophomonas sp.), além de uma incidência maior de Gram-positivos multidrogarresistentes, como o S. aureus resistente à meticilina (MRSA). Por que isso acontece? No hospital, frequentemente somos expostos à água, nebulizações úmidas e ambientes em que essas bactérias colonizam. Além disso, bactérias multirresistentes colonizantes podem ser transmitidas de um paciente a outro por transmissão de contato direto ou por meio da equipe de saúde, o que chamamos de transmissão indireta ou cruzada, caso a higiene das mãos seja inadequada. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 88 Também é importante pontuar que cerca de 20% dos pacientes hospitalizados utilizam algum tipo de antimicrobiano durante seu internamento, levando a uma pressão seletiva, que reduzirá a colonização por bactérias multissensíveis e aumentará a proporção de bactérias resistentes. Figura 50: alteração da microbiotaoral e nasofaríngea durante a hospitalização. Agora, que entendemos como ocorre a mudança da microbiota oral, sabemos que pacientes que desenvolvem pneumonia no ambiente hospitalar depois de 48-72h de internação têm uma necessidade de cobertura adicional para enterobactérias e Pseudomonas aeruginosa, tudo bem? Então, vamos memorizar alguns fatores de risco que facilitam o desenvolvimento das pneumonias associadas à assistência em saúde. Ninguém que está internado está integralmente saudável, certo? Vem daí o primeiro fator de risco para o desenvolvimento das PAAS: fatores relacionados ao paciente. Como: • Comorbidades imunossupressoras - diabetes mellitus, câncer em atividade, pacientes transplantados e que usam corticoterapia oral ou inalatória; • Comorbidades cardiopulmonares e renais – que reduzem o clearance pulmonar e também podem predispor à inflamação pulmonar excessiva; • Fatores que favorecem a microaspiração, como demências, disfagias, doença do refluxo gastroesofágico e náusea não controlada; Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 89 • Colonização prévia com bactérias multidroga-resistentes (MDR). Outro fator predisponente é o uso de medicações. Vimos que os antibióticos podem exterminar a microbiota multissensível por até 90 dias, deixando prevalecer bactérias multirresistentes. Entretanto, a aplicação de outras medicações, como, por exemplo, o uso agudo (por menos de 30 dias) de inibidores de bomba de prótons, também pode predispor às pneumonias, pois reduz o efeito protetor do ácido gástrico. Cirurgias são outro fator de risco clássico para pneumonias adquiridas no ambiente hospitalar, pois elas geralmente envolvem intubação prévia, que possibilita a microaspiração; além de poderem evoluir com atelectasias no pós-operatório, o que dificulta a higiene brônquica espontânea; e dor, que reduz o reflexo de tosse e mobilidade. Quanto mais mórbida a cirurgia, maior é a chance de o paciente desenvolver uma pneumonia durante a internação. Dispositivos invasivos podem facilitar a microaspiração de conteúdo oral e nasofaríngeo, especialmente em pacientes que utilizam sonda nasogástrica e orogástrica, o que facilita engasgos e refluxo e, consecutivamente, contribui para o desenvolvimento de pneumonias. Devo mencionar, também, que a superfície desses dispositivos possibilita a formação de biofilmes, comunidades bacterianas de difícil erradicação que se assentam nessas superfícies inertes, como nos plásticos e borrachas de sondas e cateteres. Dos dispositivos, não podemos esquecer daqueles relacionados à via aérea, como cânulas nasais de baixo e alto fluxo e máscaras de ventilação não invasiva, que, além de terem biofilme formado quando não higienizados corretamente, poderão dissipar grandes inóculos bacterianos que ficam em sua superfície durante a ventilação do paciente. Veja, no esquema abaixo, um resumo desses fatores de risco: Figura 51: fatores de risco no desenvolvimento de pneumonia associada à assistência em saúde Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 90 Agora que você já aprendeu muita coisa nova, que tal praticarmos um pouco? CAI NA PROVA (ADAPTADA – HVL-SP (2020) Acesso Direto) São fatores de risco para infecções por bactérias multirresistentes e pneumonias associadas à assistência em saúde, exceto: A) Uso prévio de antibióticos há 90 dias. B) Alimentação oral. C) Imunossupressão, bloqueador gástrico e hemodiálise. D) Colonização intestinal prévia por bactéria multirresistente ou MRSA nasal. COMENTÁRIO: Querido Estrategista, veja aqui uma questão que pergunta, de forma explícita, sobre os fatores de risco para o desenvolvimento de pneumonias associadas à assistência em saúde e também para infecções por bactérias multidrogarresistentes (MDR). O enunciado pede a incorreta, então, vamos analisar as alternativas: Correta a alternativa A. O uso prévio de antibióticos nos últimos 90 dias pode alterar a colonização habitual da pele, regiões inguinais, orofaringe, trato gastrointestinal e genital, permitindo uma maior ocorrência de microrganismos MDR. Além disso, aumentará a chance de o paciente ter uma PAAS. Incorreta a alternativa B. A alimentação oral, pelo contrário, protege contra pneumonias adquiridas no ambiente hospitalar, visto que reduz o uso de sonda gástrica ou enteral. Correta a alternativa C. Imunossupressores reduzem a capacidade da resposta inata do organismo, aumentando a chance de pneumonias, e o uso de bloqueador gástrico (que acredito serem inibidores de bomba de prótons) também reduz a imunidade inata do ácido gástrico. Pacientes com doença renal crônica dialítica também têm uma maior chance de colonização por bactérias MDR e disfunção imunológica da doença crônica, o que é um fator de risco para a PAAS. Correta a alternativa D. Colonização por MDR previamente à internação aumentará a chance de pneumonia em uma internação subsequente. 2.3 QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO Agora, que temos claro os fatores de risco para o desenvolvimento de uma pneumonia associada à assistência em saúde, vamos ver como ela se apresenta e como podemos diagnosticá-la. Pode ser desafiador diagnosticar uma pneumonia em um paciente internado, já que ela geralmente ocorre em pacientes com comorbidades, o que possibilitará uma variedade de diagnósticos diferenciais, como insuficiência cardíaca, DPOC exacerbado, tromboembolismo pulmonar etc. Mas, lembre-se de que, tipicamente, as PAAS ocorrem após 48-72 horas da internação hospitalar. A maior parte dos pacientes irá apresentar febre (> 38.0 °C), piora do escarro produzido (em maior quantidade e com aspecto purulento), tosse persistente, dor torácica e dispneia. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 91 Alguns também apresentam aumento de demanda ventilatória no período, por exemplo, um paciente que estava usando 3 L/min de oxigênio para manter uma oximetria adequada passa a utilizar 5 L/ min para obter a mesma oximetria de um dia para o outro. Ao suspeitarmos de uma infecção respiratória em um paciente internado, podemos solicitar os exames a seguir: • Radiografias de tórax em 2 incidências, que devem ser sempre comparadas com radiografias anteriores: caso se identifique um novo infiltrado sugerindo uma broncopneumonia ou pneumonia lobar, temos uma pneumonia associada à assistência em saúde; caso não se identifique novos infiltrados, podemos considerar o caso como uma traqueobronquite, que é definida como uma inflamação de vias aéreas que ainda não acometeu o parênquima pulmonar. • Hemograma: pode evidenciar leucocitose ou leucopenia, com ou sem desvios à esquerda. • Provas inflamatórias: proteína C-reativa e procalcitonina, esta sendo um marcador inflamatório com alta especificidade para infecções bacterianas, o que ajudaria a excluir diagnósticos diferenciais de pneumonia. • Testes microbiológicos: envolvem a bacterioscopia e cultura de secreções do trato respiratório inferior: • Escarro de qualidade - coletado após higiene oral e com poucas células epiteliais da orofaringe, o que indicará que a amostra é a mais fidedigna possível da via aérea inferior; • Secreção traqueal; • Lavado broncoalveolar - coletado por meio de uma broncoscopia flexível. • Hemoculturas: são pouco úteis fora do contexto de sepse, com uma positividade de cerca de 10%. Portanto, não são recomendadas de rotina, somente quando há dúvida diagnóstica. Estude um pouquinho, pratique um pouquinho! CAI NA PROVA (SES-DF (2015) Acesso Direto) No que se refere às doenças respiratórias infecciosas agudas, julgue o próximo item. A Pneumonia Adquirida na Comunidade (PAC) pode manifestar-se até o quinto dia de internação hospitalar. A) Certo. B) Errado. COMENTÁRIO: A) Febre, leucocitose e secreção purulenta são suficientes para o diagnóstico. B) A disseminação hematogênicae a translocação de bactérias do trato digestivo são as principais vias para seu desenvolvimento. C) A tomografia de tórax é imprescindível como exame complementar. D) É a pneumonia que ocorre, pelo menos, após 48 horas de internação (em média 5 a 7 dias). Correta a alternativa B: Questão conceitual, querido Estrategista. A pneumonia adquirida na comunidade é aquela que se manifesta até 48 horas de internação hospitalar. Após esse período, caso o paciente apresente um quadro de pneumonia, ela já será considerada uma PAAS, visto que ele já estará colonizado com microrganismos do ambiente hospitalar. (CERMAM (2020) Acesso Direto) A pneumonia nosocomial ou adquirida no hospital (PAH) é a segunda infecção hospitalar mais comum, com alta morbimortalidade. Quanto ao assunto, assinale a alternativa correta: Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 92 COMENTÁRIO: Questão que engloba várias coisas que vimos sobre a pneumonia associada à assistência em saúde, hein, Estrategista? Então, vamos lá: Incorreta a alternativa A. Lembre-se de que febre, leucocitose e tosse secretiva também podem ser vistas na traqueobronquite, sendo necessária a radiografia de tórax para a confirmação de PAAS. Incorreta a alternativa B. Como vimos, a maior parte dos pacientes terá infecção por via respiratória, a partir de microaspirações. Incorreta a alternativa C. O exame de imagem imprescindível para o diagnóstico de PAAS é a radiografia de tórax, preferencialmente em 2 incidências. Correta a alternativa D. O paciente apresentará microbiota hospitalar, que será a responsável por causar uma PAAS, a partir de 48 a 72 horas da internação. Antes disso, a microbiota oral é comunitária. Dessa forma, toda pneumonia que acontece antes de 48 horas da admissão hospitalar é classificada como uma pneumonia adquirida na comunidade (PAC). 2.4 TRATAMENTO EMPÍRICO Antes de falarmos sobre tratamento, quero falar a respeito de uma definição usada por muitos examinadores, mas que está caindo, cada vez mais, em desuso. Tínhamos antes dois conceitos: pneumonia nosocomial precoce, que é aquela que ocorre antes de 5 dias de internação, e pneumonia nosocomial tardia, definida como a pneumonia associada à assistência em saúde, que ocorre a partir do quinto dia de internação. "Ai que chatice, professor! Por que essa divisão?" Calma, ela é importante porque alguns autores acreditavam que o risco de Pseudomonas aeruginosa só seria considerável após o 5º dia de internação. No entanto, diversos trabalhos recentes comprovaram PAAS por Pseudomonas antes do 5º dia, fazendo esse conceito ser cada vez mais enterrado. Grave isto, Estrategista. Não há receita de bolo para antibióticos empíricos na pneumonia associada à assistência em saúde. Essa decisão deve considerar: antibióticos que o paciente utilizou nos últimos 90 dias (que aumentarão a chance de resistência), perfil de bactérias que circulam no hospital em que o paciente está internado, alergias, comorbidades (para evitar toxicidade de algumas classes de antibióticos), fatores de risco para colonização por MRSA e risco de mortalidade (se o paciente está em sepse, choque séptico ou em ventilação mecânica - VM). A Infectious Diseases Society of America (IDSA) desenvolveu uma tabelinha sugerindo alguns antibióticos em três cenários, dependendo do risco de mortalidade do paciente e da colonização por MRSA. Não quero que você decore droga a droga, mas que perceba três conceitos fundamentais na escolha: Nas pneumonias associadas à assistência em saúde: 1) Sempre deveremos cobrir Pseudomonas aeruginosa; 2) Pacientes com colonização por MRSA também devem tê-lo como alvo de terapia; 3) Pacientes graves eu não posso errar (lembra?), então sempre cobrir Pseudomonas aeruginosa (considerar as MDR a depender do uso prévio de antibióticos) + MRSA. Portanto, o mantra para responder às questões de pneumonia associada à assistência em saúde é: "Pseudomonas sempre, pseudomonas sempre, pseudomonas sempre", combinado? Agora, dê uma olhadinha nas opções terapêuticas que o IDSA coloca: Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 93 Figura 52: escolhas de antimicrobianos para pacientes com pneumonia associada à assistência em saúde. Vamos praticar um pouquinho sobre o tratamento antes de falarmos da prevenção. CAI NA PROVA (UFMT (2017) Acesso Direto) Paciente J.J.J., 58 anos, internado no pronto-socorro há dez dias devido a acidente vascular encefálico, sem necessidade de transferência para unidade de terapia intensiva. Apresenta há dois dias febre, tosse com expectoração amarelada, prostração, confusão e hiporexia. Ao exame físico, PA: 120 x 60 mmHg; FC: 110 bpm; FR: 28 IRM; T: 38°C. Regular estado geral, leve taquidispneia, hipocorado 1+/4+, desidratado 1+/4+, sendo também evidenciados estertores crepitantes na base pulmonar direita. Qual é o diagnóstico correto e a antibioticoterapia adequada? A) Pneumonia nosocomial precoce; ceftriaxona e azitromicina. B) Pneumonia nosocomial precoce; piperacilina + tazobactam e vancomicina. C) Pneumonia nosocomial tardia; piperacilina + tazobactam e vancomicina. D) Pneumonia nosocomial tardia; ceftriaxona e azitromicina. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 94 COMENTÁRIO: Correta a alternativa C: Temos aqui um paciente com internamento prolongado (10 dias) e com risco para microaspirações (acidente vascular encefálico). Há dois dias, ele evolui com febre, tosse e estertores crepitantes em base pulmonar direita (local que mais broncoaspiramos, lembra?). Pois bem, posso falar que esse paciente tem uma pneumonia associada à assistência em saúde? Ainda não, afinal, não há radiografia. Esse é o calcanhar de Aquiles do examinador. Continuando, essa classificação entre pneumonia hospitalar precoce e tardia tem caído em desuso. Ela era definida como precoce caso se apresentasse até 5 dias da internação (menor chance de Pseudomonas) e tardia se fosse após 5 dias (com maior chance de Pseudomonas). Nesse caso, então, ela seria tardia, porque o paciente está internado há 10 dias (incorretas as alternativas A e B). Agora, vamos lá: esse paciente tem sepse? Sim! Ele tem 2 critérios do quick SOFA, confusão mental e taquipneia, portanto deve receber, obrigatoriamente, uma droga que cubra Pseudomonas (piperacilina + tazobactam) e outra que cubra MRSA (vancomicina). Fácil, né? Repare que o esquema com ceftriaxona e azitromicina deixaria escapar tanto a Pseudomonas quanto o MRSA, não sendo utilizado para pneumonias adquiridas no ambiente hospitalar. Esse esquema é para pacientes advindos da comunidade, certo? (UFMT (2016) Acesso Direto) Paciente A.L.M., 62 anos, sexo feminino, internou-se no hospital devido à diabetes mellitus descompensada. No sétimo dia de internação, a paciente evoluiu com tosse produtiva, febre alta, prostração e piora da glicemia. O raio X de tórax evidencia infiltrado alveolar na base pulmonar direita. Assinale a alternativa que apresenta o diagnóstico correto e o antibiótico apropriado: A) Pneumonia comunitária; ceftriaxona e azitromicina. B) Pneumonia nosocomial tardia; cefepima. C) Pneumonia comunitária; levofloxacino. D) Pneumonia nosocomial precoce; ceftriaxona e azitromicina. COMENTÁRIO: Correta a alternativa B. Você percebeu que a UFMT adora pneumonia associada à assistência em saúde, né? Nessa, eles fizeram o caso direitinho: mulher com comorbidades, 7° dia de internação com tosse, febre e disglicemia. Pneumonia associada à assistência em saúde? Sim. Ela tem radiografia com infiltrado alveolar em base direita. Devo considerar tardia ou precoce? Sétimo dia é tardia (> 5 dias), mas lembre-se de que esse termo está caindo em desuso na literatura. Como eu trato uma PAAS em uma paciente que não tem choque ou fatores de risco para colonização por MRSA? Apenas com cobertura anti-Pseudomonas (cefepima é uma delas). Vamos veras alternativas? Incorreta a alternativa A. Essa pneumonia foi desenvolvida após 48h de internamento, sendo classificada como associada à assistência em saúde. Incorreta a alternativa C. Essa pneumonia foi desenvolvida após 48h de internamento, sendo classificada como associada à assistência em saúde. Incorreta a alternativa D. Essa pneumonia nosocomial é classificada como tardia, pois foi identificada no 7º dia de internação. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 95 São muitos antibióticos, né? Eu sei que dá até medo em quem não é entusiasta da Infectologia. A pergunta que deve estar na sua cabeça agora é: o que posso fazer, então, para proteger meu paciente internado e evitar que ele desenvolva uma PAAS? Venha comigo! 2.5 PNEUMONIA ASSOCIADA À VENTILAÇÃO MECÂNICA (PAV) Esse tópico é muito importante para todos que dão ou darão plantão de UTI, pelo menos uma vez na vida! O mais importante que devemos entender sobre a PAV são seus fatores de risco específicos e como podemos preveni-los. Vamos ao último caso clínico deste livro: Antes de se tornar um renomado mestre da Hematologia, o professor Rubens estava passando seus perrengues no seu último plantão noturno de UTI no R2 de Clínica Médica. Seu primeiro paciente foi Roberto, de 74 anos, intubado por uma insuficiência cardíaca com edema agudo pulmonar há 6 dias. Rubens foi chamado pelo fisioterapeuta da unidade, que percebeu que Roberto estava com febre e uma piora de secreção pelo tubo orotraqueal. Com tanta experiência nos plantões de UTI, o professor foi logo ver os exames que tinham sido coletados recentemente, quando notou uma leucocitose de 34.000 com desvio importante à esquerda e um PCR que tinha ido de 8 para 64 mg/L de um dia para o outro. Em seguida, deu um longo suspiro e esbravejou: "poxa, o que houve de errado? Fiz de tudo para prevenir uma possível PAV: a cabeceira está elevada, o paciente recebeu higiene oral duas vezes ao dia e a sonda nasogástrica está bem alocada. Onde foi que eu errei?" "Eu sei!", respondeu o interno que estava no computador ao lado. Agora, Rubens tinha duas surpresas: uma nova PAV em seu plantão noturno e um interno que ele nem sabia de onde tinha saído, mas que, aparentemente, tinha a resposta para todos os seus problemas. E agora? Será que o interno sabe mesmo quais seriam os passos de prevenção adicionais que poderiam ter sido realizados para Roberto? 2.5.1. DEFINIÇÃO, APRESENTAÇÃO CLÍNICA E EXAMES COMPLEMENTARES A pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV) é aquela identificada em pacientes dependentes de ventilação mecânica por mais de 48h, por meio de intubação nasotraqueal, orotraqueal ou traqueostomia. Os pacientes com PAV estão graves, certo? Afinal, eles dependem de ventilação mecânica. Dessa forma, a apresentação clínica usual acontece com: • Piora da resistência ventilatória - aumento ou piora de secreção durante a terapia de higiene brônquica (THB); • Nova hipoxemia ou piora de hipoxemia vigente, representada pelo aumento de FiO2, por exemplo; • Febre ou hipotermia. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 96 Os exames complementares desses pacientes poderão apresentar leucocitose ou leucopenia com desvio à esquerda, além do aumento de provas inflamatórias indiretas (proteína C-reativa) ou diretas (procalcitonina – que tem melhor performance para diagnosticar infecções bacterianas). Quando suspeitamos de PAV, sempre precisamos fazer o diagnóstico, então a radiografia de tórax é essencial. Como o paciente em UTI nunca apresenta radiografia de tórax normal, é sempre interessante comparar a radiografia atual com as anteriores, sendo a PAV definida a partir de um quadro clínico sugestivo, associado a um novo infiltrado em parênquima pulmonar. Confira, na figura a seguir, a apresentação radiológica de um paciente com PAV: Figura 53: apresentação radiológica do paciente com pneumonia associada à ventilação mecânica. Veja bem, querido Estrategista: o paciente com PAV é sempre muito grave, por isso o diagnóstico microbiológico é peça fundamental no manejo dele. Podemos utilizar bacterioscopias e culturas de trato respiratório inferior, como secreção traqueal ou lavado broncoalveolar, além de hemoculturas. Nos casos em que há derrame pleural inusitado, sempre são recomendadas sua punção e análise microbiológica. A escolha terapêutica na PAV seguirá o mesmo raciocínio que vimos anteriormente para as PAAS, portanto sem tabelinha adicional. Vamos em frente! Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 97 2.5.2 EPIDEMIOLOGIA, FISIOPATOLOGIA E FATORES DE RISCO Independentemente dos bons cuidados clínicos e da prevenção contra a PAV, essa pneumonia ainda pode ocorrer em até 3% dos pacientes submetidos à ventilação mecânica, chegando a 10% quando falamos de internados há mais de 7 dias. Para que você tenha uma ideia, nos EUA, ocorrem de 0,9 a 3,1 PAVs diagnosticadas para cada 1.000 dias de ventilação mecânica (denominador que usamos para determinar a incidência desse evento). Em comparação, no Brasil, as taxas variam entre 6,5 e 13,4 PAVs para a mesma população exposta, ou seja, quase três vezes mais. Sendo assim, temos muito a melhorar, principalmente na prevenção dessa doença. A fisiopatologia é bem semelhante à da PAAS, com uma observação especial: pacientes sem intubação ainda têm, como mecanismo de proteção para pneumonias, a tosse e a ventilação espontânea; na sedação e no bloqueio neuromuscular, utilizados habitualmente durante a ventilação mecânica, os pacientes ficam sem essa proteção. Vale lembrar, também, que a intubação orotraqueal não é um procedimento estéril, visto que, nela, podemos levar microrganismos da microbiota oral com o tubo endotraqueal. Além disso, o tubo traqueal, seja ele nasotraqueal, orotraqueal ou cânula de traqueostomia, pode acumular secreções acima do cuff (aquele balãozinho que insuflamos para o tubo não sair), que podem ser broncoaspiradas caso o cuff não esteja insuflado adequadamente. Para finalizar, o próprio tubo endotraqueal possibilitará a formação de biofilmes em sua superfície, facilitando a ocorrência de PAVs. Pronto, agora você entende de onde a PAV de seu paciente pode ter surgido. Confira esses detalhes nesse esquema super legal a seguir: Figura 54: fisiopatologia da pneumonia associada à ventilação mecânica (PAV). Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 98 2.5.3 PREVENÇÃO Agora, que você entendeu como as PAAS, sejam elas PAVs ou não, acontecem e os fatores de risco associados a elas, fica mais fácil falarmos de prevenção. Confira na tabela a seguir, de um lado, os fatores de risco e, do outro, o que podemos fazer para modificá-los: Prevenção da Pneumonia Associada à Assistência em Saúde e da Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica Fator de risco Racional Prevenção Higiene inadequada de mãos Permite transmissão cruzada de microrganismos hospitalares Estímulo à higiene de mãos Decúbito dorsal a 0° Favorece a broncoaspiração Decúbito elevado entre 30 e 45° Pausar dieta ao modificar o decúbito para 0° durante banhos e exame físico Sedação profunda Reduz reflexo de tosse e impede higiene brônquica adequada Estimular o despertar diário Estimular modos de ventilação espontâneos (como o PSV) Bloqueadores neuromusculares Impedem tosse e autonomia diafragmática Abreviar seu uso o máximo possível Ventilação prolongada Aumenta chance de colonização e formação de biofilmes Abreviar, o máximo possível, o tempo de VM Considerar VNI Secreção subglótica acumulada em cima do cuff Pode ser aspirada caso o cuff se esvazie Aspiração estéril intermitente Tubo de aspiração subglótico (se disponível) Manter pressão do cuff entre 18 e 22 mmHg Colonização oral com microrganismos MDR Aumenta inóculobacteriano aspirado Higiene oral com clorexidina 0,12% Colonização de circuitos e umidificadores Gera biofilme com bactérias que colonizam a água hospitalar Retirada de água acumulada durante o período Sonda nasoenteral e nasogástrica Permitem refluxo de secreções gástricas Sonda nasogástrica pode causar sinusites Sempre preferir a enteral em região pós-pilórica (garantindo menor refluxo gástrico) Extubação acidental Broncoaspiração de conteúdo subglótico Evitar estado de agitação intensa Observar constantemente o paciente intubado que não esteja em sedação profunda Medicações Seleção de microbiota MDR Redução de barreiras naturais Sempre questionar uso inadvertido de antibióticos e inibidores de bombas de prótons Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 99 Fechando o caso do professor Rubens, o interno realmente tinha razão. Ao verificar a prescrição de Roberto, Rubens percebeu que o paciente não fazia o despertar diário recomendado para pacientes em UTI, estava com uma sonda nasogástrica em vez de nasoenteral pós-pilórica e recebia pantoprazol sem justificativa alguma. Todos esses são fatores de risco modificáveis e médico- dependentes. Agora, que sabe de tudo isso, verifique durante seus plantões o que pode ser melhorado no cuidado desses pacientes, combinado? Estamos no finalzinho! Vamos praticar! CAI NA PROVA (FJG (2021) Acesso Direto) Dentre as intervenções a serem implementadas para evitar complicações e agravos do paciente com infecção pela COVID 19, a redução da incidência de pneumonia associada à ventilação pode ser obtida por meio de: A) intubação nasal. B) sistema de sucção fechado. C) conservação do paciente em posição reclinada. D) manutenção de tempo de ventilação mecânica prolongado. COMENTÁRIO: Clássica questão, cobrada recentemente, que pergunta sobre fatores de risco para o desenvolvimento de PAV. Aqui, o examinador disfarçou um pouco falando de situações que poderiam ocorrer durante a pandemia da COVID-19. No fim, ele quer saber qual das medidas é um fator de proteção contra PAV. Vamos comentar: Incorreta a alternativa A. A intubação nasal segue a mesma lógica da sonda nasogástrica: aumenta o risco de sinusite, e, consequentemente, o risco de PAV. Correta a alternativa B. O sistema de sucção fechado, que permite a sucção das secreções subglóticas, é uma das maneiras de prevenção da PAV. Incorreta a alternativa C. Manter o paciente em posição reclinada (0°) aumenta o risco de PAV, não diminui. Incorreta a alternativa D. Conforme vimos, quanto mais tempo intubado, maior a chance de PAV. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 100 (ADAPTADA – UNIOESTE (2016) Acesso Direto) Todas as medidas a seguir comprovadamente reduzem a incidência de PAV (Pneumonia Associada à Ventilação mecânica), exceto: A) Higiene oral com Clorexidina. B) Manter a cabeceira do leito elevada entre 30-45 graus. C) Interrupção diária da sedação. D) Utilização de antibiótico profilático para a descolonização do trato gastrointestinal. COMENTÁRIO: Questão "pá-pum" sobre medidas de prevenção de PAV, que é o tópico mais perguntado. Certamente é fácil para você, aluno do Estratégia. O examinador quer a medida que não protege contra PAV. Então, vamos analisar: Incorreta a alternativa A. Higiene oral com clorexidina a 0,12% reduz a colonização oral com bactérias patogênicas e, assim, protege contra a PAV. Incorreta a alternativa B. Elevar a cabeceira entre 30 e 45° reduz a chance de broncoaspiração, sendo assim, é uma medida que protege contra a PAV. Incorreta a alternativa C. Interromper diariamente a sedação, dando ao paciente a oportunidade do despertar diário, melhora a autonomia diafragmática e pode auxiliar a higiene brônquica por meio da tosse, protegendo-o contra a PAV. Correta a alternativa D. Como a questão pede a medida que não protege, a resposta é essa. Lembre-se de que não há recomendação de antibióticos preventivos para pacientes em ventilação mecânica, e que essa prática pode aumentar a incidência de PAV por microrganismos MDR. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 101 CAPÍTULO 3.0 VACINAS PNEUMOCÓCICAS 3.1 ASPECTOS GERAIS Vimos, anteriormente, que o S. pneumoniae (pneumococo) é o principal causador da pneumonia adquirida na comunidade e que não é transmitido de pessoa a pessoa. Ele coloniza a nasofaringe e a orofaringe dos seres humanos, podendo levar à pneumonia, meningites, otites e bacteremias quando a cepa colonizante tem um sorotipo mais agressivo, com piores fatores de virulência de adesão, invasão e escape imunológico. No entanto, podemos prevenir a pneumonia e a meningite pneumocócica por meio da vacinação. Existem 3 vacinas pneumocócicas licenciadas no Brasil, todas inativadas, ou seja, incapazes de causar a doença. Elas são classificadas em dois tipos: • Vacinas pneumocócicas conjugadas (Pneumo-10 e Pneumo-13) - combinadas com um antígeno forte, como os antígenos do H. influenzae, utilizados como transportadores; • Vacinas pneumocócicas polissacarídicas (Pneumo-23) – vacinas em que o epítopo, a parte que estimula a imunidade do hospedeiro, é ligado a um açúcar, induzindo uma resposta mais robusta de células T, mas sem memória imunológica. 3.2 INDICAÇÕES E CONTRAINDICAÇÕES Vamos falar rapidamente das indicações das vacinas pneumocócicas, pois a vacinação de grupos especiais (imunossuprimidos, asplênicos e transplantados) será abordada em um livro específico. Aqui, vou me ater às crianças e aos idosos. Porém, antes de começarmos, quero expor, na caixa de destaque, uma situação que considero injusta e que, eventualmente, é cobrada em provas: As vacinas pneumocócicas não estão disponíveis para todos os idosos (> 60 anos) pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI), apenas para acamados ou moradores de instituições fechadas (como asilos). Ainda, nessas duas situações, só é oferecida 1 dose da Pneumo-23. Das 3 vacinas existentes, temos a Pneumo-10, que pode ser feita no calendário vacinal infantil aos 2 e 4 meses de vida, com um reforço aos 12 meses. Ela é bem imunogênica e garante uma boa proteção nos primeiros anos de vida, momento em que as crianças têm maior risco de pneumonias, otites e meningites. Seguindo, temos a Pneumo-13, que é a queridinha da Sociedade Brasileira de Pediatria (que acha que ela deve ser escolhida no lugar da Pneumo-10), mas que ainda não é coberta pelo SUS. Portanto, pode ser feita nas redes particulares aos 2, 4 e 6 meses de vida, com reforço aos 12, e para idosos. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 102 Para finalizar, temos a Pneumo-23, que é muito discutida por ser pouco imunogênica a longo prazo quando comparada com a Pneumo-10 e a Pneumo-13. Ela não faz parte do calendário infantil (exceto em populações especiais, a partir dos 2 anos de idade). No PNI, é reservada para populações especiais (assunto que será abordado em um livro à parte) e para maiores de 60 anos acamados ou institucionalizados (1 dose apenas). No esquema privado, ela serve de booster para a vacina Pneumo-13. Caso atenda um paciente maior de 60 anos em condições de imunizar-se na rede particular, o esquema ideal preconizado pela SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações) é: 1 dose de Pneumo-13, 1 dose de Pneumo-23 depois de 6 meses, seguida de outra dose de Pneumo-23 depois de 5 anos. Vamos organizar tudo isso em uma tabela? Atenção: não é preciso decorar os sorotipos. Até hoje, apenas uma questão cobrou isso. Figura 55: vacinas pneumocócicas. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 103 A única contraindicação às vacinas pneumocócicas é uma reação anterior de hipersensibilidade imediata (anafilaxia) a uma vacina pneumocócica prévia. Lembre-se de que elas não contêm patógenosvivos, portanto até imunossuprimidos podem (e devem) recebê-las. 3.3 EVENTOS ADVERSOS ASSOCIADOS À APLICAÇÃO “Ai meu braço!” vai ser a frase que você mais vai ouvir dos pacientes que receberam essa vacina. Todos os 3 tipos disponíveis podem causar dor, endurecimento e eritema no local da aplicação, mas nada disso contraindica as doses subsequentes. Essa reação no local da aplicação é facilmente tratada com compressas mornas, massagem local e analgésicos simples, como paracetamol e dipirona. Raramente, podem causar febre baixa e astenia em adultos, além de irritabilidade em lactentes. Vale salientar que a anafilaxia associada à vacina pneumocócica é um evento raro. Vamos praticar e arrematar este livro? CAI NA PROVA (FBHC (2017) Acesso Direto) Em relação à vacina pneumocócica conjugada, É correto afirmar: A) Duas doses conferem imunidade permanente. B) Não é disponibilizada pela rede pública de saúde. C) Vacinar com 3, 5 e 7 meses de vida. D) Deve ser iniciada com dois meses de vida. E) Deve receber reforço com dois anos de vida. COMENTÁRIO: Questão que certamente derrubou muita gente nesse exame, mas que é "fichinha" para os alunos do EMED! Vamos relembrar? As vacinas pneumocócicas conjugadas são as Pneumo-10 e Pneumo-13, enquanto a polissacarídica é a Pneumo-23. Relembrando isso, vamos analisar as alternativas: Incorreta a alternativa A. A imunidade para a Pneumo-10 é atingida após as doses de 2 e 4 meses com um reforço aos 12 meses (3 doses), enquanto, para a Pneumo-13, é atingida após as doses de 2, 4 e 6 meses com um reforço aos 12 meses (4 doses). Incorreta a alternativa B. A Pneumo-10 é disponibilizada pela rede pública e faz parte do Programa Nacional de Imunizações (PNI). Incorreta a alternativa C. A Pneumo-10 é aplicada de rotina aos 2 e 4 meses de vida, com um reforço no 12º mês, enquanto a Pneumo-13 (disponível na rede privada) é realizada nos 2, 4 e 6 meses de vida, com um reforço no 12º mês. Correta a alternativa D. Conforme vimos acima, tanto a Pneumo-10 quanto a Pneumo-13 devem ser iniciadas aos dois meses de vida. Incorreta a alternativa E. O reforço tanto da Pneumo-10 quanto da Pneumo-13 acontece no 12º mês. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 104 (SES-DF (2015) Acesso Direto) Em relação à vacinação de idosos, julgue o item seguinte. "A vacina contra a pneumonia causada pelo pneumococo deve ser feita anualmente, principalmente nos indivíduos que convivem em instituições fechadas, tais como casas geriátricas, hospitais, asilos e casas de repouso." A) Certo. B) Errado. COMENTÁRIO: Correta a alternativa B: Questão que aborda a injustiça que destaquei. A vacina pneumocócica é boa e indicada para idosos maiores de 60 anos? Sim. É disponível pelo SUS? Não, apenas para idosos que vivem em casas de repouso ou na condição de acamados (1 dose da Pneumo-23, polissacarídica). Ficou com vontade de responder "certo", né? Mas, calma: a Pneumo-23 não é aplicada anualmente, pelo contrário, ela é uma vacina de dose única. E qual é a vacina que idosos tomam anualmente? A vacina contra Influenza sazonal. Parabéns, você teve muita garra para chegar até o final deste livro extenso! Tenho certeza de que ficou fera em pneumonias e tudo ficará mais fácil a partir de agora. Baixe na Google Play Baixe na App Store Aponte a câmera do seu celular para o QR Code ou busque na sua loja de apps. Baixe o app Estratégia MED Preparei uma lista exclusiva de questões com os temas dessa aula! Acesse nosso banco de questões e resolva uma lista elaborada por mim, pensada para a sua aprovação. Lembrando que você pode estudar online ou imprimir as listas sempre que quiser. Resolva questões pelo computador Copie o link abaixo e cole no seu navegador para acessar o site Resolva questões pelo app Aponte a câmera do seu celular para o QR Code abaixo e acesse o app Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 105 https://estr.at/4Auy https://estr.at/4Auy Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 106 CAPÍTULO 5.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Corrêa, R.A. et al. 2018 Recommendations for the management of community acquired pneumonia. J Bras Pneumol. 2018 Sep- Oct;44(5):405-423. 2. Metlay, J.P. et al. Diagnosis and Treatment of Adults with Community-acquired Pneumonia. An Official Clinical Practice Guideline of the American Thoracic Society and Infectious Diseases Society of America. Am J Respir Crit Care Med. 2019 Oct 1;200(7):e45-e67. 3. Alcón, A; Fàbregas, N.; Torres, A. Pathophysiology of pneumonia. Clin Chest Med. 2005 Mar;26(1):39-46. 4. Falguera, M.; Ramírez, M.F. Community-acquired pneumonia. Rev Clin Esp (Barc). 2015 Nov;215(8):458-67. 5. Reynolds, J.H.; McDonald, G.; Alton, H.; Gordon, S.B. Pneumonia in the immunocompetent patient. Br J Radiol. 2010 Dec;83(996):998- 1009. 6. Katz, D.S.; Leung, A.N. Radiology of pneumonia. Clin Chest Med. 1999 Sep;20(3):549-62. 7. Arnold, F.W.; Summersgill, J.T.; Ramirez, J.A. Role of Atypical Pathogens in the Etiology of Community-Acquired Pneumonia. Semin Respir Crit Care Med. 2016 Dec; 37(6):819-828. 8. Fally, M.; Israelsen, S.; Anhøj, J.; Benfield, T.; Tarp, B.; Kolte, L.; Ravn, P. The increasing importance of Haemophilus influenzae in community- acquired pneumonia: results from a Danish cohort study. Infect Dis (Lond). 2021 Feb;53(2):122-130. 9. Ashurst, J.V.; Dawson, A. Klebsiella Pneumonia. 2021 Feb 5. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021 Jan. 10. Thau, L.; Asuka, E.; Mahajan, K. Physiology, Opsonization. 2021 May 9. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021 Jan. 11. Cunha, B.A.; Burillo, A.; Bouza, E. Legionnaires' disease. Lancet. 2016 Jan 23;387(10016):376-385. 12. Waites, K.B.; Xiao, L.; Liu, Y.; Balish, M.F.; Atkinson, T.P. Mycoplasma pneumoniae from the Respiratory Tract and Beyond. Clin Microbiol Rev. 2017 Jul;30(3):747-809. 13. Krafft, C.; Christy, C. Mycoplasma Pneumonia in Children and Adolescents. Pediatr Rev. 2020 Jan;41(1):12-19. doi: 10.1542/pir.2018-0016. 14. Basarab, M.; Macrae, M.B.; Curtis, C.M. Atypical pneumonia. Curr Opin Pulm Med. 2014 May;20(3):247-51. 15. DiBardino, D.M.; Wunderink, R.G. Aspiration pneumonia: a review of modern trends. J Crit Care. 2015 Feb;30(1):40-8. 16. Marik, P.E. Aspiration pneumonitis and aspiration pneumonia. N Engl J Med. 2001 Mar 1;344(9):665-71. 17. Lim, W.S.; Lewis, S.; Macfarlane, J.T. Severity prediction rules in community acquired pneumonia: a validation study. Thorax. 2000;55(3):219- 23. 18. Capelastegui, A.; España, P.P.; Quintana, J.M.; Areitio, I.; Gorordo, I.; Egurrola, M. et al. Validation of a predictive rule for the management of community-acquired pneumonia. Eur Respir J. 2006;27(1):151-7. 19. Fine, M.J.; Auble, T.E.; Yealy, D.M.; Hanusa, B.H.; Weissfeld, L.A.; Singer, D.E. et al. A prediction rule to identify low-risk patients with community acquired pneumonia. N Engl J Med. 1997;336(4):243-50. 20. Saguil, A.; Wyrick, K.; Hallgren, J. Diagnostic approach to pleural effusion. Am Fam Physician. 2014 Jul 15;90(2):99-104. 21. Godfrey, M.S.; Bramley, K.T.; Detterbeck, F. Medical and Surgical Management of Empyema. Semin Respir Crit Care Med. 2019 Jun;40(3):361- 374. 22. Kalil, A.C. et al. Management of Adults With Hospital-acquired and Ventilator-associated Pneumonia: 2016 Clinical Practice Guidelines by the Infectious Diseases Society of America and the American Thoracic Society. Clin Infect Dis. 2016 Sep 1;63(5):e61-e111. 23. Mandell, L.A.; Niederman, M.S. Aspiration Pneumonia. N Engl J Med. 2019 Feb 14;380(7):651-663. 24. Jameson, J.L.; Fauci, A.S.; Kasper, D.L.; Hauser, S.L.; Longo, D.L.; Loscalzo, J. eds. Harrison's Principles of Internal Medicine. 20th ed. McGraw Hill; 2018. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 107 É com muito carinho quepor disseminação hematogênica. Nesse tipo de disseminação, um outro foco infeccioso (por exemplo, uma endocardite) forma êmbolos, contendo bactérias que, ao se soltarem, vão parar na microcirculação pulmonar, causando um microinfarto local e, em seguida, uma resposta inflamatória neutrofílica contra as bactérias desse êmbolo. A pneumonia broncogênica tende a progredir dentro de um mesmo bronquíolo, sendo assim, é propensa a ser unilateral e, quando se expande, é para os lobos vizinhos de forma contígua. Em comparação, a pneumonia hematogênica pode envolver múltiplos lobos bilateralmente e de forma aleatória – afinal, a bactéria será disseminada pelo parênquima pulmonar através da corrente sanguínea. Veja, abaixo, um resumo do que conceituamos: Figura 4: fisiopatologia da pneumonia broncogênica e da pneumonia hematogênica. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 10 1.3 ACHADOS MACROSCÓPICOS E MICROSCÓPICOS A consolidação pulmonar aparece diretamente após a infecção? Não, querido Estrategista. Ela é produto de uma progressão inflamatória alveolar. Temos quatro fases histopatológicas da pneumonia, confira abaixo: Ao examinar uma radiografia de tórax, se visualizarmos aqueles infiltrados alveolares e consolidações que vimos acima, estamos observando a fase de hepatização vermelha, cinzenta ou de resolução. Lembre-se de que a fase inicial (congestiva) produz um exsudato com poucas células, logo, não é radiopaco. Agora, Estrategista, você sabe qual é a diferença entre uma broncopneumonia e uma pneumonia lobar? Fique ligado no quadro de conceitos abaixo: Figura 5: fases evolutivas da pneumonia. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 11 Figura 6: broncopneumonia e pneumonia lobar. Fonte: Shutterstock Broncopneumonia é a apresentação radiológica mais comum das PACs, sendo vista na radiografia de tórax como uma consolidação de múltiplos ácinos pulmonares, sem consolidar o lobo inteiro. Quando não tratada, pode progredir para pneumonia lobar. Pneumonia lobar é definida pela consolidação envolvendo um lobo pulmonar inteiro. Ela é mais frequente na infecção pelo pneumococo (Streptococcus pneumoniae) e tem maior gravidade do que a broncopneumonia, além de complicações mais frequentes (abscessos, derrames parapneumônicos e empiemas). 1.4 FATORES DE RISCO Existem fatores de risco que predispõem nosso paciente a desenvolver um quadro de pneumonia. Eles envolvem, essencialmente, condições que reduzem a reserva e a funcionalidade imunológica do hospedeiro, além de promoverem alterações estruturais e dificultarem a limpeza mucociliar das vias aéreas. Veja, a seguir, um resumo dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de pneumonias e o racional clínico por trás deles: Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 12 Figura 7: fatores de risco que predispõem às pneumonias. Vamos ver como esses fatores de risco foram cobrados em questões: Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 13 CAI NA PROVA (FBHC-SE (2017) Acesso Direto) Quais dos seguintes fatores têm sido implicados no aumento do risco do paciente para pneumonia adquirida na comunidade durante tratamento com Inibidor da Bomba de Prótons (IBP)? A) Idoso, duração prolongada do tratamento (acima de 6 meses) e dose elevada de IBP. B) Jovem, comorbidades, baixa dose de IBP. C) Idoso, curta duração do tratamento (abaixo de 30 dias), baixa dose de IBP. D) Gênero masculino, duração prolongada do tratamento (acima de 6 meses) e dose elevada de IBP. E) Gênero feminino, comorbidades, idoso. COMENTÁRIO: Essa questão aborda o risco dos inibidores de bomba de prótons na predisposição a pneumonias. Quando um paciente utiliza inibidores de bomba de prótons, o período mais crítico, em que há maior efeito dessa droga, são os primeiros 30 dias. Após esse período, o paciente passa a desenvolver uma resposta “rebote” à produção de ácido, diminuindo novamente o pH estomacal. Mas, por que o pH estomacal menos ácido aumenta o risco de pneumonia adquirida na comunidade? Diversos trabalhos já provaram que a acidez gástrica é componente essencial da resposta inata, pois ela inativa e destrói bactérias que potencialmente podem ser aspiradas em casos de refluxo gastroesofágico. Portanto, pacientes recém-iniciados em IBP têm maior risco de desenvolver pneumonias, pois possuem menor potência da acidez gástrica. Agora, vamos analisar as assertivas a seguir: Incorreta a alternativa A: é exatamente o contrário. A duração curta (finalizo este livro digital, feito especialmente para que você gabarite todas as questões sobre pneumonias que aparecerem em seu caminho. Depois de tanto trabalho, certamente você merece um sorvete, um filme ou um pouco de videogame. Este tema, apesar de parecer muito fácil, pode ser mesclado com conhecimentos de antimicrobianos, medicina intensiva (sepse, indicações de IOT e ventilação mecânica), pneumologia (no contexto da DPOC) e até aparecer na sua prova de cirurgia geral (na abordagem de derrames pleurais complicados e complicações pós-operatórias). Quero que você sempre recorde que o pneumococo (S. pneumoniae) é o grande causador de todas as pneumonias adquiridas na comunidade e que o tratamento dessas pneumonias pode ser feito dentro ou fora dos hospitais, a partir da decisão com os escores CURB-65 ou CRB-65. Nos tratamentos ambulatoriais das pneumonias adquiridas na comunidade (PACs), lembre-se sempre de que a monoterapia pode ser feita para pacientes sem comorbidades ou sem exposição prévia a antibióticos. Para pacientes comórbidos e aqueles com uso recente de antibióticos, sempre vamos usar duas classes de antimicrobianos, porque não há espaço para erros! Além disso, lembre-se do mantra: "quinolona não, quinolona nunca, quinolona em casa é só para alérgicos", combinado? Nos internados em enfermaria, podemos ou não cobrir agentes atípicos, a depender do esquema escolhido, e estamos autorizados a administrar fluoroquinolonas, porque o paciente será assistido diariamente. Para o paciente com PAC internado na UTI, não há negociação, temos que tentar diagnóstico microbiológico sempre e bater em todos os agentes comunitários, porque não há espaço para erro: cobrindo típicos e também os atípicos. Dos derrames pleurais, recorde-se sempre dos critérios de Light para ajudá-lo a diferenciar um transudato de um exsudato. Entre os derrames exsudativos, se você identificar um derrame parapneumônico complicado ou um empiema, a conduta é: dreno de tórax, pois o antibiótico não resolverá nada sozinho, combinado? Das pneumonias associadas à assistência em saúde, é importante lembrar o risco e a necessidade de cobrir Pseudomonas aeruginosa, especialmente a partir do 5º dia de internação, e também que MRSA nem sempre precisará ser coberto no esquema inicial. Outro ponto essencial sobre as pneumonias adquiridas no hospital: podemos preveni-las com alguns atos simples, principalmente higienizando as mãos, elevando a cabeceira do paciente entre 30 e 45°, com uma higiene oral adequada, evitando dispositivos que causem sinusite ou engasgos e sempre objetivando que o paciente respire sozinho e consiga tossir, evitando a sedação profunda e o bloqueio neuromuscular. Agora, aperte o cinto, que sua vaga de Residência ou de Revalidação está vindo na velocidade da luz. É hora de praticar com a lista de questões que selecionei especialmente para você. Estou acessível por meio do nosso fórum, caso você tenha qualquer dúvida sobre o assunto. Estamos juntos nessa! Bons estudos. Prof. Bruno CAPÍTULO 6.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 108 http://med.estrategia.comfrequentemente há o achado de estertores crepitantes, tanto na broncopneumonia quanto na pneumonia lobar. Em casos de consolidação alveolar mais extensa, podemos ouvir o sopro tubário, que é intenso, agudo e rude à respiração, gerado pela vibração dos grandes brônquios com a caixa torácica. Esse sopro é praticamente um sinônimo de consolidação. Além de sentirmos com nossas mãos uma vibração maior nas regiões consolidadas, também podemos ouvir mais nitidamente a voz falada ou sussurrada nessas regiões, resultado da transmissão otimizada do som em meios mais sólidos. É o que chamamos de pectoriloquia, que pode ser encontrada nas pneumonias lobares. A pneumonia bacteriana atípica é muito semelhante às pneumonias virais, tendo uma apresentação clínica subaguda, com 7 a 14 dias de evolução. Pode ser precedida de pródromos gripais: coriza, obstrução nasal, odinofagia e febre baixa. A tosse atípica é geralmente pouco produtiva e hialina (diferentemente da característica purulenta da pneumonia bacteriana típica). O exame físico da pneumonia atípica é muito frustro, podendo ser identificados estertores crepitantes e, eventualmente, sibilos, resultantes de broncoespasmos ocasionais. Deu branco na hora de se lembrar dos sinais semiológicos? Não se desespere, você não é o único, eles confundem muitos por aí. Revise o exame físico pulmonar com o professor Philippe Colares no livro de Introdução à Pneumologia. Veja, no quadrinho abaixo, exemplos de algumas bactérias típicas e atípicas que podem causar pneumonias adquiridas na comunidade e seus principais sinais, sintomas e achados semiológicos: Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 15 Figura 8: bactérias típicas e atípicas nas pneumonias adquiridas na comunidade. 1.6 EXAMES COMPLEMENTARES Agora, vamos falar rapidamente dos exames complementares que podemos solicitar na avaliação inicial de um paciente com pneumonia adquirida na comunidade. Quero conceituar que a radiografia de tórax sempre deverá ser solicitada quando disponível (pois ela poderá identificar complicações, extensão da pneumonia e auxiliará nos diagnósticos diferenciais dela). Outros exames laboratoriais só servem para estratificar gravidade ou excluir diagnósticos diferenciais, combinado? 1.6.1 RADIOGRAFIA DE TÓRAX Aqui é rápido, pois veremos os detalhes das diferenças da radiografia de tórax nos capítulos específicos de cada etiologia bacteriana. A radiografia de tórax da pneumonia típica apresenta infiltrados radiopacos irregulares, distribuídos unilateralmente ou bilateralmente no parênquima pulmonar. Como falado anteriormente, quando a broncopneumonia evolui para uma pneumonia lobar, podemos ver o lobo inteiro consolidado. Além disso, é possível notar a presença de broncogramas aéreos. Para conceituarmos o que é um broncograma aéreo, vamos voltar ao básico: normalmente, os brônquios não são visíveis em radiografias ou tomografias, já que eles possuem a mesma densidade do parênquima pulmonar repleto de ar que os circunda. Quando temos uma pneumonia, os alvéolos são preenchidos com exsudato e os brônquios ainda apresentam ar em seu interior, o que causa um contraste entre o ar contido na via área e a consolidação peribrônquica. É importante ressaltar que os broncogramas aéreos não são encontrados exclusivamente em pneumonias, também podem estar presentes nas edemas pulmonares e em infartos pulmonares, por exemplo. A pneumonia atípica, em contrapartida, apresenta-se com infiltrados intersticiais (reticulares ou reticulonodulares) que se Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 16 assemelham a um “rendilhado” no parênquima. Diferentemente da distribuição irregular da pneumonia típica, eles são encontrados de forma simétrica nas regiões peri-hilares, muitas vezes levando até médicos experientes a confundi-los com o hilo pulmonar normal. As complicações das pneumonias, como o derrame pleural e os abscessos pulmonares, já podem ser vistas nessa avaliação radiológica inicial. Falaremos detalhes sobre elas mais adiante. Veja, a seguir, uma figura mostrando esses principais achados: 1.6.2 EXAMES LABORATORIAIS Na pneumonia típica, o paciente frequentemente apresenta uma intensa reação inflamatória, certo? Logo, seu hemograma apresentará uma importante leucocitose, sendo esse o achado laboratorial mais comum. A leucocitose pode apresentar-se, inclusive, com um eventual desvio à esquerda (aumento de formas granulocíticas jovens, como bastonetes, metamielócitos e mielócitos), além de uma desproporcional neutrofilia. Embora menos comum nas pneumonias típicas, a leucopenia pode ocorrer, especialmente, em grupos de risco (extremos de idade, imunossuprimidos e pacientes com comorbidades pulmonares), estando relacionada a piores desfechos clínicos. Em contrapartida, a pneumonia atípica frequentemente apresentará um leucograma normal, ou pouco alterado, com discreta neutrofilia, dificilmente com desvio à esquerda. As provas inflamatórias de fase aguda, como o PCR e a Figura 9: achados radiográficos frequentes das pneumonias típicas e atípicas. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 17 procalcitonina, estão elevadas na pneumonia típica e pouco alteradas nas atípicas. Análises bioquímicas podem ser realizadas para toda suspeita de pneumonia, apresentando-se normais na maioria dos casos, tanto para as pneumonias típicas quanto para as atípicas. Duas exceções são a pneumonia por Legionella sp. (na qual frequentemente identificamos hiponatremia) e a pneumonia típica grave. Nesta, há um aumento de ureia devido à desidratação por perdas insensíveis (taquipneia, taquicardia e febre). Veja, na tabela abaixo, alguns exames que podemos solicitar no atendimento de um paciente com pneumonia e quais são as alterações esperadas nos quadros típicos e atípicos. Exames laboratoriais complementares e alterações esperadas na pneumonia típica e atípica Exame laboratorial Pneumonia típica Pneumonia atípica Hemograma Leucocitose Neutrofilia Desvio à esquerda (↑ bastonetes, ↑ metamielócitos, ↑ mielócitos) Leucopenia (pacientes mais graves) Normal Leucocitose discreta Neutrofilia discreta Proteína C reativa Muito aumentada Pouco aumentada Procalcitonina Muito alterada Pouco alterada Ureia Aumentada (casos graves) Normal Sódio Normal ou hiponatremia (se Legionella sp.) Normal CAI NA PROVA (PMFI (2020) Acesso Direto) O sopro tubário é um sopro intenso, agudo, mais rude que o murmúrio vesicular gerado pelos grandes brônquios em consonância com a caixa de ressonância torácica. Este achado semiológico é característico de: A) Asma B) Pneumonia alveolar C) Derrame pleural D) Pneumotórax Vamos praticar um pouquinho antes de irmos em frente? Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 18 COMENTÁRIO: Correta a alternativa B. Questão de semiologia do aparelho respiratório que talvez tenha confundido muitos alunos que fizeram esse exame. Como vimos, o sopro tubário (que se assemelha ao som de assoprar uma garrafa) é gerado por uma transmissão aumentada dos sons inspiratórios. Isso acontece devido ao parênquima pulmonar estar "mais duro e denso", o que amplifica as ondas sonoras e causa um som agudo, rude e alto à ausculta da inspiração do lobo afetado. Ele é percebido nas pneumonias lobares, onde a consolidação alveolar é extensa. Vamos ver por que as outras alternativas estão incorretas? Incorreta a alternativa A. O parênquima pulmonar está normal na asma, não havendo uma transmissão aumentada de sons inspiratórios, portanto não gerando sopro tubário. Incorreta a alternativa C. Lembre-se de que, no derrame pleural, haverá líquido entre o pulmão e a pleura. No líquido, as ondas sonoras não se disseminam muito bem. Sendo assim, é exatamente o contrário:o murmúrio vesicular está reduzido nessa condição, não havendo o aumento da transmissão dos sons pulmonares e sopro tubário. Incorreta a alternativa D. No pneumotórax encontramos ar entre o pulmão e a pleura. Com o ar nesse espaço, as ondas sonoras não se disseminam muito bem (da mesma forma como ocorre com o derrame pleural). Dessa forma, observamos uma redução do murmúrio vesicular e todos seus sopros derivados (incluindo o sopro tubário). (PSU-MG (2020) Acesso Direto) Um homem de 50 anos comparece à UPA com queixa de tosse seca há 45 dias. É tabagista há 30 anos e fuma um maço de cigarros por dia. Nega outras queixas ou doenças prévias. Realizou uma radiografia do tórax que pode ser vista a seguir. Um achado não esperado ao exame físico respiratório na base do hemitórax direito desse paciente seria: A) Pectorilóquia afônica à ausculta. B) Redução do frêmito toracovocal à palpação. C) Som bronquial à ausculta. D) Submacicez à percussão. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 19 COMENTÁRIO: Essa questão pode ter surpreendido vários concorrentes seus, mas não você, querido Estrategista! Temos um paciente com fator de risco (tabagismo) e tosse crônica. Definitivamente, não é o quadro clássico de uma "pneumonia típica". Repare que também não notamos sintomas sistêmicos: febre, mialgia, artralgia ou outros sinais de toxemia. Além disso, a tosse do paciente é seca. Superatípico, certo? Enfim, os examinadores colocam essas dificuldades em nosso caminho para confundir. Mas, veja que eles também ajudam quando mostram um exame com características clássicas de uma pneumonia lobar. À radiografia, observamos uma consolidação completa do lobo inferior direito. Se você olhar atentamente, consegue até ver os brônquios aerados no meio dessa consolidação, o que caracteriza um broncograma aéreo. Então: o examinador quer saber que achado não esperaríamos em um paciente com pneumonia lobar em lobo inferior direito. Vamos ver as alternativas? Incorreta a alternativa A. A pectoriloquia afônica é um achado esperado nas pneumonias lobares. Ela corresponde à ausculta da voz falada (fônica) ou sussurrada (afônica) com nitidez, transmitida através do parênquima pulmonar consolidado. Correta a alternativa B. A redução do frêmito toracovocal à palpação não é um achado desse tipo de pneumonia, portanto é nosso gabarito. A FTV é a sensação vibratória percebida pela palma da mão do examinador quando o paciente emite um som. Os sons transmitidos para a parede torácica através da árvore brônquica aberta têm maior transmissibilidade em meio sólido (consolidação/preenchimento alveolar). Já na presença de um terceiro meio, extrapulmonar (como no caso das doenças pleurais), ou na ausência de passagem de ar (oclusão/obstrução brônquica), ocorrerá uma redução da transmissibilidade do som, levando ao FTV reduzido ou abolido. Por outro lado, nas consolidações maciças, o preenchimento do espaço alveolar propagará as ondas sonoras, causando um aumento do FTV. Incorreta a alternativa C. Na consolidação, o preenchimento do espaço alveolar é meio propagador de ondas sonoras, causando, habitualmente, a presença de som bronquial deslocado (aumento dos sons transmitidos naquela área), podendo até gerar um sopro tubário. Incorreta a alternativa D. Ao percutir-se corpos com densidades diferentes, eles produzem sons diferentes. O preenchimento do espaço aéreo por secreção produz uma alteração da percussão pulmonar, resultando na presença de submacicez/macicez, que, portanto, é um achado desse tipo de pneumonia. (PSU-AL (2018) Acesso Direto) Qual das alterações na radiografia de tórax sugere etiologia bacteriana típica nas pneumonias? A) Atelectasia lobar, envolvendo o lobo médio. B) Espessamento de paredes brônquicas. C) Infiltrado lobular, bem definido. D) Infiltrado peri-hilar. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 20 COMENTÁRIO: Mais uma pegadinha para seus concorrentes, mas não para você, Estrategista! Para começo de conversa: na pneumonia, não existe infiltrado "100% típico" ou "100% atípico", mas temos algumas características mais comuns em uma ou em outra. Na pneumonia típica (causada por bactérias extracelulares em sua maioria), são frequentemente observados infiltrados alveolares (radiopacos) irregulares, consolidação lobular ou lobar e broncogramas aéreos. Na atípica, temos, com mais frequência, infiltrados peri-hilares, intersticiais e reticulonodulares. Vamos analisar as alternativas? Incorreta a alternativa A. A atelectasia lobar é consequência de um bloqueio da via aérea, como, por exemplo, no caso de uma neoplasia pulmonar com obstrução de via aérea. O ar que ficou retido distalmente a essa oclusão é reabsorvido e os alvéolos colapsam, levando à atelectasia. Incorreta a alternativa B. O espessamento de paredes brônquicas geralmente sugere que há inflamação nas vias aéreas. Qual é a doença que faz bastante isso? A asma. Algumas outras patologias que podem ter esse achado na radiografia são as traqueobronquites e a fibrose cística. Correta a alternativa C. O infiltrado lobular sugere uma pneumonia bacteriana. Mesmo assim, é bom lembrar que, em nossa prática diária, nunca podemos definir com certeza a etiologia da infecção (se é uma bactéria típica ou atípica) com base exclusiva nos achados radiológicos. Incorreta a alternativa D. O infiltrado peri-hilar é mais característico das pneumonias atípicas, mas também pode ser encontrado no edema pulmonar. (UFES (2016) Acesso Direto) Paciente de 21 anos, sem comorbidades, apresenta, pós-quadro gripal, início de febre alta com calafrios, tosse produtiva com expectoração amarelada e dor torácica direita em pontada que piora com tosse ou respiração profunda. Ao exame físico, mostra síndrome de condensação pulmonar em terço inferior de hemitórax direito. Para manuseio do diagnóstico provável, que exames são indispensáveis? A) Raio X de tórax posteroanterior e perfil. B) Tomografia computadorizada de tórax. C) Raio X de tórax posteroanterior e perfil, hemograma e proteína C-reativa. D) Tomografia computadorizada de tórax, pesquisa de BAAR (Bacilos Álcool-Ácido Resistentes) no escarro e PCR para Mycobacterium tuberculosis. E) Raio X de tórax posteroanterior, hemograma e proteína C-reativa. COMENTÁRIO: Correta a alternativa A. Querido Estrategista, esse examinador descreve um paciente jovem e hígido, com quadro presumivelmente agudo de febre alta, calafrios e tosse produtiva (típicos da pneumonia bacteriana) após um fator de risco importante (quadro gripal). Seu exame físico apresenta uma "síndrome da condensação pulmonar" (provavelmente FTV aumentado, pectoriloquia, estertores crepitantes e, eventualmente, até sopro tubário), indicando, aí, uma pneumonia lobar. Qual é o exame indispensável para diagnosticarmos uma pneumonia? Somente a radiografia de tórax em duas incidências (posteroanterior e perfil torácico). Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 21 Vamos analisar as alternativas? Incorreta a alternativa B. Embora a tomografia de tórax seja um exame com elevadas sensibilidade e especificidade para pneumonia, é um método de custo elevado e menos disponível que a radiografia convencional, além de expor o paciente a uma dose maior de radiação. Ela é indicada quando há dúvida diagnóstica ou para avaliar possíveis complicações, como um derrame pleural, por exemplo. Incorreta a alternativa C. Apenas a radiografia de tórax é imprescindível, o hemograma e a proteína C-reativa não são exames indispensáveis para o diagnóstico de pneumonia. Incorreta a alternativa D. O paciente tem um quadro presumivelmente agudo e incompatível com tuberculose pulmonar, que se manifestaria com tosse crônica, febre vespertina/noturna e perda ponderal. Incorreta a alternativa E. Como falado, o hemograma e a proteína C-reativa não são exames indispensáveis, apenas a radiografia de tórax é imprescindívelpara a avaliação diagnóstica, devendo sempre ser solicitada em duas incidências Agora, que você está fera nos conceitos gerais de pneumonias, vamos falar sobre as etiologias bacterianas específicas. Venha comigo! 1.7 ETIOLOGIAS BACTERIANAS Vamos ver um pouco mais sobre manifestações clínicas, laboratoriais e radiológicas específicas de algumas pneumonias, organizadas pelos agentes etiológicos. Essa é uma parte essencial para você responder a algumas questões moderadas e difíceis sobre pneumonia. Além das particularidades clínicas e de investigação, vamos entender alguns fatores de risco que aumentam a incidência de infecção de uma determinada bactéria ou outra. Vamos lá! 1.7.1 PNEUMONIA PNEUMOCÓCICA Começaremos com um conceito básico que é muito cobrado nas provas de Residência: Qual é o agente etiológico mais comum nas Pneumonias Adquiridas na Comunidade (PACs)? É o Streptococcus pneumoniae. O Streptococcus pneumoniae é a estrela das pneumonias, responsável por, aproximadamente, 30 a 45% delas, tanto em adultos quanto em crianças. Não pestaneje para responder. A questão perguntou o agente mais comum de pneumonia, responda S. pneumoniae (ou pneumococo, como é popularmente conhecido). Para você ter uma ideia do alcance dessa doença, querido Estrategista, anualmente, ocorrem mais de um milhão de óbitos Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 22 por pneumonia pneumocócica no mundo, especialmente em países em desenvolvimento. No entanto, com o aumento das campanhas de vacinação, a incidência dessa doença vem sendo reduzida globalmente. Quanto às faixas etárias mais atingidas, a letalidade da pneumonia pneumocócica varia entre 2 e 5% em crianças, podendo chegar a 15% em pacientes idosos e imunossuprimidos. Vamos relembrar quem é o pneumococo? O Streptococcus pneumoniae é um diplococo Gram-positivo (lembre-se: P de Pneumococo, P de "purple", porque fica roxo na coloração de Gram) encapsulado (possui uma cápsula que protege sua parede celular). Por que essa cápsula é importante? As bactérias encapsuladas são um problema para nosso sistema imunológico, porque suas cápsulas aumentam sua resistência às enzimas extracelulares de neutrófilos e à fagocitose comum, por exemplo. Sendo assim, como o corpo se livra das bactérias encapsuladas? Por meio de um processo imunológico chamado opsonização. Nele, os linfócitos B produzem anticorpos que se ligarão à cápsula dessas bactérias, tornando-as mais "facilmente Figura 10: Streptococcus pneumoniae. Fonte: Shutterstock fagocitáveis" (é como se, para deixar um frango mais apetitoso, você o empanasse). Após fagocitadas, essas bactérias são filtradas e eliminadas na polpa vermelha do baço, uma das regiões onde a opsonização mais acontece. Veja como isso acontece na imagem abaixo: Figura 11: mecanismo de opsonização. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 23 Entendendo isso, você conclui que, para se livrar de uma bactéria encapsulada, são necessários: anticorpos, fagócitos e o baço. Logo, os fatores de risco para a pneumonia pneumocócica estão relacionados à falta deles. O tabagismo é o fator independente que mais eleva o risco de infecções pneumocócicas em adultos jovens. Condições que reduzem a produção ou ação de anticorpos (idade avançada, neoplasias linfoproliferativas, transplantes, deficiências da imunidade humoral), que reduzem a ação de fagócitos (imunodeficiências variadas e diabetes mellitus) e a asplenia também aumentam o risco da pneumonia pneumocócica. A infecção invasiva pelo pneumococo também pode ser vista com maior frequência em pacientes com comorbidades pulmonares (más- formações, DPOC e bronquiectasias), cardíacas e renais. O quadro clínico da pneumonia pneumocócica é o clássico da pneumonia típica: apresentação aguda, com febre alta, tosse expectorada purulenta e, eventualmente, dor torácica e dispneia. Na radiografia de tórax, o padrão radiológico também é o típico, com achados de uma broncopneumonia ou uma pneumonia lobar, como conceituamos acima, com consolidações uni ou bilaterais. Cerca de 25% dos pacientes também apresentam um achado de derrame parapneumônico (reacional), que - em poucos casos - evoluirá para um empiema. Esqueceu a diferença entre um e outro? Relembre com o Prof. Philippe Colares no livro de derrames pleurais. Os exames complementares também são típicos: leucocitose ou leucopenia, com provas inflamatórias (VHS e PCR) aumentadas e ureia elevada nos casos graves. Figura 12: fatores de risco para pneumonia pneumocócica. Fonte: Shutterstock Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 24 Precisamos confirmar a pneumonia pneumocócica sempre? Não, apenas nos casos graves (com insuficiência respiratória, complicações parapneumônicas e manifestações extrapulmonares, como a endocardite). Essa confirmação poderá ser feita por meio da bacterioscopia e da cultura do escarro, detecção do S. pneumoniae em hemoculturas (positivas em 20% dos casos que requerem hospitalização) e da pesquisa de antígenos urinários do S. pneumoniae. Historicamente, o pneumococo sempre foi facilmente tratado com penicilinas, entretanto sua resistência a esse antibiótico aumentou muito nas últimas décadas. O que ocorre é que, com o tempo, o S. pneumoniae desenvolveu mutações em sua proteína ligadora de penicilinas (também chamada de PBP), o que lhe conferiu uma resistência aos betalactâmicos. Saiba tudo sobre essas proteínas no livro Antibióticos da professora Clarissa Cerqueira. Embora seja um problema muito frequente na América do Norte (onde se usa, por exemplo, vancomicina para tratar pneumonia e meningites pneumocócicas), a maior parte das cepas brasileiras de S. pneumoniae permanece suscetível às aminopenicilinas (amoxicilina) e às cefalosporinas (por exemplo, ceftriaxona), visto que os sorotipos que aqui circulam dificilmente apresentam essa mutação nas PBPs. O que eu quero que você guarde: pneumococos não produzem betalactamase, logo, na suspeita de resistência dessa bactéria, não há sentido nenhum em utilizar inibidores de betalactamase (como o sulbactam, o tazobactam e o clavulanato). "Mas, professor, eu aprendi que, eventualmente, 'usamos clavulanato e tazobactam no tratamento de pneumonias', me ensinaram errado?" Calma, quando usamos esses inibidores de betalactamase, estamos pensando em cobrir microrganismos que podem produzi-la, como o H. influenzae, M. catarrhalis e a K. pneumoniae, beleza? Não tem nada a ver com o coitado do pneumococo. Pratique um pouco comigo! Figura 13: métodos diagnósticos na pneumonia pneumocócica. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 25 CAI NA PROVA (UNIRV (2019) Acesso Direto) H.J.M., 45 anos, procura atendimento médico referindo dor precordial, ventilatório dependente, tosse produtiva, dispneia e febre há 4 dias. Radiografia de tórax evidencia infiltrado pulmonar e hemograma mostra uma leucocitose com desvio para a esquerda. Nega tabagismo e etilismo, sedentário. O agente etiológico mais provável desse caso é a(o): A) Staphylococcus aureus. B) Legionella spp. C) Chlamydia psittaci. D) Streptococcus pneumoniae. COMENTÁRIO: Querido Estrategista, questão clássica que pergunta qual é o agente etiológico mais provável de uma pneumonia típica em um paciente jovem e sem fatores de risco. Observe que o paciente dessa questão tem quadro clínico típico de pneumonia: tosse produtiva, febre, dor torácica ventilatório- dependente, além de infiltrado pulmonar em radiografia de tórax e leucocitose em hemograma. Então, vamos ver as alternativas: Incorreta a alternativa A. Staphylococcus aureus não é um patógeno comum em casos de pneumonia adquirida na comunidade. Na maioria das vezes em que ocorre, ele está relacionado àdisseminação hematogênica secundária à bacteremia, como nos casos de endocardite infecciosa. Incorreta a alternativa B. Como veremos adiante, a Legionella spp. é um agente atípico, que pode causar pneumonia, especialmente em indivíduos com exposição à água e vapores contaminados. Não é muito prevalente nos casos de pneumonia adquirida na comunidade. Incorreta a alternativa C. Chlamydia psittaci é um agente atípico, que pode causar pneumonia em pessoas expostas a aves (também chamada de psitacose). Não é um microrganismo que frequentemente causa pneumonia adquirida na comunidade. Correta a alternativa D. Como já falamos, pensou em pneumonia adquirida na comunidade e seu agente mais comum, respondeu: “pneumococo!”. (REVALIDA (2015) Acesso Direto) Uma mulher de 75 anos de idade procurou atendimento em uma Unidade Básica de Saúde por apresentar, há três dias, quadro de febre baixa, tosse com escarro purulento e leve dispneia. Fumante há cerca de 35 anos (cerca de 25 cigarros/dia), possui diagnóstico prévio de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica. Há 10 dias, aproximadamente, iniciou quadro com coriza diária, tosse seca e mialgia. Ao exame físico, observa-se: mucosas descoradas (++/4+), paciente hidratada, pressão arterial = 120 x 70 mmHg, frequência cardíaca = 120 bpm, frequência respiratória = 32 irpm, temperatura axilar = 38°C. A ausculta pulmonar permitiu constatar frêmito toracovocal aumentado e estertores crepitantes no terço inferior do hemitórax esquerdo. A radiografia de tórax evidenciou condensação em lobo inferior esquerdo, sem derrame pleural. Considerando o quadro apresentado, quais são, respectivamente, o principal agente infeccioso do quadro clínico descrito e a conduta apropriada a ser tomada nesse momento para a paciente? A) Streptococcus pneumoniae; encaminhamento para internação hospitalar e início de antibioticoterapia venosa. B) Staphylococcus aureus; prescrição de antibioticoterapia empírica e acompanhamento ambulatorial. C) Moraxella catarrhalis; encaminhamento à emergência para macronebulização com O2 e tratamento ambulatorial. D) Pneumocystis jirovecii; encaminhamento à internação hospitalar e realização de hemoculturas antes do início da antibioticoterapia. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 26 COMENTÁRIO: Correta a alternativa A. Estrategista, o Revalida é um exame que praticamente em todas as provas cobra pneumonias! Seja em adultos ou em crianças, questões sobre pneumonia vão estar lá. Mas, não quero falar de condutas agora, quero apenas mostrar que, apenas com o agente etiológico, você conseguiria responder a essa questão sem dificuldades. Observe que a paciente tem fatores de risco (DPOC, idade avançada e tabagismo) e apresenta um pródromo gripal (coriza, tosse seca e mialgia) que evoluiu com um quadro de pneumonia (taquipneia e achados de consolidação lobar no exame físico, como o FTV aumentado com estertores crepitantes). Para que você não tenha dúvidas, o examinador fala, ainda, que a radiografia de tórax mostra uma pneumonia lobar em lobo inferior esquerdo, um infiltrado encontrado predominantemente nas pneumonias típicas. Em crianças, adultos, idosos, pacientes com DPOC e em pacientes com HIV/AIDS, qual é o principal agente etiológico de pneumonias adquiridas na comunidade, Estrategista? Pneumococo, pneumococo e pneumococo! Combinado? Incorreta a alternativa B. O Staphylococcus aureus não é um patógeno comum nas pneumonias adquiridas na comunidade. Quando ocorre, na maioria das vezes, é relacionado à disseminação hematogênica secundária à bacteremia, como em casos de endocardite infecciosa. Incorreta a alternativa C. A Moraxella catarrhalis é um dos três principais microrganismos envolvidos na PAC, juntamente ao Streptococcus pneumoniae e ao Haemophilus influenzae, no entanto o principal agente sempre é o pneumococo. Incorreta a alternativa D. O Pneumocystis jirovecii causa a pneumocistose, uma pneumonia intersticial (não lobar) relacionada a estados de imunossupressão (pacientes com HIV/AIDS, transplantados e usuários crônicos de corticoterapia). Vamos dar uma pausa! Levante-se dessa cadeira, alongue-se, pegue uma água ou um café, porque agora vamos falar da pneumonia causada pelo Haemophilus influenzae. 1.7.2 PNEUMONIA POR HAEMOPHILUS INFLUENZAE Figura 14: Haemophilus influenzae. Fonte: Shutterstock bacteriana na doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Precisa relembrar os critérios de descompensação de DPOC? Veja no livro de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica do Prof. Ricardo Siufi. Ele é um cocobacilo Gram-negativo, que causa pneumonias, principalmente, nos extremos de idade e em pacientes com comorbidades. Pode ou não ser encapsulado, a depender se é um hemófilo tipo B ou não tipável. Conceituando a aplicação prática dessa diferença: o tipo B é imunoprevenível pela vacina Hib, enquanto o não tipável não é coberto por essa vacina. O Haemophilus influenzae (hemófilo) está em segundo lugar quando falamos das etiologias das PACs bacterianas, ficando atrás apenas do S. pneumoniae. Ele também é a causa mais comum de descompensação Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 27 O Haemophilus influenzae tipo B causa infecções graves e potencialmente fatais, como: meningites, epiglotites e bacteremias, por isso é alvo de programas de vacinação. Já o Haemophilus influenzae não tipável (não encapsulado) causa infecções do trato respiratório (com exceção da epiglotite), como: otites, traqueobronquites, sinusites e pneumonias. Veja detalhes na figura ao lado. Essa pneumonia é mais frequente nos extremos de idade (lactentes e idosos), pacientes com doenças pulmonares estruturais (DPOC, bronquiectasias, fibrose cística) e pacientes com asplenia. Seu quadro clínico é semelhante ao de uma pneumonia típica, sendo comum o derrame parapneumônico. Relembre comigo que o H. influenzae pode produzir betalactamase em até 40% das suas cepas, por isso é essencial o uso do clavulanato, tazobactam ou sulbactam quando se suspeita desse agente, especialmente se há falha prévia com betalactâmicos. CAI NA PROVA (HNMD (2016) Acesso Direto) A pneumonia adquirida na comunidade é determinada, com muita frequência, pelos seguintes patógenos bacterianos típicos: A) Mycoplasma pneumoniae e Pseudomonas aeruginosa. B) Klebsiella pneumoniae e Legionella. C) Streptococcus pneumoniae e Haemophilus influenzae. D) Mycoplasma pneumoniae e Staphylococcus aureus. E) Staphylococcus aureus e Chlamydia pneumoniae. COMENTÁRIO: Correta a alternativa C: Estrategista, muita atenção! O autor pergunta a você, diretamente, quais são os patógenos típicos de PAC mais frequentes. Lembra o que eu ensinei? As bactérias atípicas são representadas pelo Mycoplasma pneumoniae, Legionella sp. e Chlamydophila pneumoniae. Só sabendo que esses agentes são atípicos, você já exclui as alternativas A, B, D e E e, assim, mata a questão. Agora, venha relembrar comigo: entre as pneumonias bacterianas típicas, o agente mais comum é sempre o pneumococo (S. pneumoniae), seguido do H. influenzae. Outros agentes, como S. aureus e K. pneumoniae, causam quadros mais graves e mais raros, combinado? Figura 15: infecções por Haemophilus sp. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 28 Chegou a hora de falarmos da Klebsiella pneumoniae. Vamos lá! 1.7.3 PNEUMONIA DO LOBO PESADO (KLEBSIELLA PNEUMONIAE) Figura 16: Klebsiella pneumoniae. Fonte: Shutterstock A pneumonia do lobo pesado também é conhecida historicamente por pneumonia de Friedlander, em homenagem a Carl Friedlander, patologista e microbiologista alemão que auxiliou no entendimento das pneumonias bacterianas. É uma pneumonia típica causada pela Klebsiella pneumoniae. Para recordar: a Klebsiella pneumoniae é um bacilo Gram- negativo, que tipicamente coloniza o trato gastrointestinal, uma vez que pertenceà família das enterobactérias. Vale relembrar que a K. pneumoniae possui alguns fatores de virulência importantes, como o LPS (lipopolissacarídeo de membrana), que funciona como um superantígeno. Os superantígenos são capazes de estimular, de maneira exacerbada, nossa resposta imunológica, causando quadros de sepse e complicações infecciosas (como necrose do parênquima pulmonar, formação de abscessos e empiemas). Apesar de grave, a pneumonia do lobo pesado é rara na prática médica, representando menos de 3% das causas de pneumonias adquiridas na comunidade. Seu quadro clínico- laboratorial é semelhante ao das pneumonias típicas. Apesar de sua raridade, temos dois perfis de pacientes advindos da comunidade com maior chance de adquirir esse tipo de pneumonia: diabéticos e etilistas. O racional desses fatores de risco não é muito bem estabelecido, mas alguns autores defendem que a hiperglicemia e a exposição excessiva ao álcool, além de causarem uma imunossupressão pulmonar, podem mudar a colonização da microbiota oral, aumentando a presença de Gram-negativos. Além disso, o etilismo pode facilitar microaspirações dessa bactéria para o lobo pulmonar afetado. E por que essa pneumonia tem esse nome? Porque a Klebsiella pneumoniae, também encapsulada, produz uma grande quantidade de um denso exsudato dentro dos alvéolos. Essa exsudação expande os alvéolos em contato com as fissuras oblíqua e horizontal do pulmão (principalmente o direito), empurrando essas fissuras e dando um aspecto de "lobo pulmonar pesado". Apesar de muito patogênica, a K. pneumoniae adquirida na comunidade é frequentemente sensível às cefalosporinas utilizadas no tratamento da PAC (como a ceftriaxona) e também pode ser suscetível às fluoroquinolonas (moxifloxacino, levofloxacino e ciprofloxacino). Vale relembrar, no entanto, que essa bactéria pode produzir betalactamases diversas, ou seja, os inibidores de betalactamase são úteis no manejo de cepas resistentes ou de pacientes com exposição prévia a antimicrobianos. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 29 Figura 17: fatores de risco e radiografia da “pneumonia do lobo pesado” (Klebsiella pneumoniae). Fonte: Shutterstock Veja um resumo no quadro abaixo: Os aspectos importantes que você precisa guardar sobre a pneumonia do lobo pesado são: sua gravidade, apresentação radiológica, capacidade de complicações e, principalmente, que ela não é uma causa comum de pneumonia típica. Saiba que os examinadores tentarão confundi-lo, comparando-a com a pneumonia pneumocócica, quer ver? CAI NA PROVA (SUS-RO (2018) Acesso Direto) Paciente idoso procedente da sua casa, com antecedentes de diabetes mellitus. Admitido no pronto atendimento com febre, início abrupto de tosse, dispneia e produção de escarro, dor torácica ventilatório-dependente, calafrios, mialgias, confusão e mal- estar. O seu exame físico era notável por taquipneia, taquicardia, estertores crepitantes ao exame do tórax, macicez à percussão de área do tórax em área correspondente à consolidação lobar, que foi notada na radiografia de tórax. O hemograma demonstra 16.000 leucócitos. Qual o agente etiológico mais provável? A) Klebsiella pneumoniae. B) Streptococcus pneumoniae. C) Pseudomonas aeruginosa. D) Staphylococcus aureus. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 30 COMENTÁRIO: Correta a alternativa B: Temos aqui um paciente com pneumonia adquirida na comunidade, certo? Ele tem febre com um quadro respiratório bem documentado de dispneia, tosse, taquipneia, estertores no exame físico e uma radiografia evidenciando consolidação lobar. Qual é o agente etiológico mais frequente na pneumonia adquirida na comunidade? O pneumococo! Mas... ele é diabético. Não importa... pneumococo. Grave como um mantra: PAC é igual a pneumococo. Incorreta a alternativa A. Embora a Klebsiella pneumoniae possa causar a "pneumonia do lobo pesado", sua ocorrência é rara e menos provável quando comparada com outros microrganismos. Incorreta a alternativa C. A Pseudomonas está mais associada à pneumonia nos pacientes com alterações estruturais pulmonares, como, por exemplo, os pacientes com fibrose cística ou DPOC avançado. Além disso, ela também é mais frequente como causa de pneumonia hospitalar e pouco prevalente entre os agentes da comunidade. Incorreta a alternativa D. O S. aureus não é um dos agentes mais frequentes de pneumonia comunitária. Além disso, em adultos, ele causará uma pneumonia de disseminação hematogênica, com focos pulmonares geralmente bilaterais, não lobares. Parabéns, você foi muito bem até aqui. Vamos seguir falando de um queridinho das bancas: o Staphylococcus aureus. 1.7.4 PNEUMONIA POR STAPHYLOCOCCUS AUREUS Figura 18: Staphylococcus aureus. Fonte: Shutterstock A pneumonia estafilocócica é, como vimos nas questões anteriores, uma pneumonia que é frequentemente relacionada à assistência à saúde (especialmente cuidados hospitalares). Para que você tenha uma ideia, Estrategista, ela é responsável por menos de 3% das pneumonias adquiridas na comunidade, sendo, assim como a K. pneumoniae, uma causa rara de PAC. Relembre a microbiologia do Staphylococcus aureus comigo: ele é um coco Gram-positivo, que se apresenta em cachos (parecendo um cacho de uva) e nem sempre é patogênico: ele habitualmente, coloniza pele, períneo e região oral dos seres humanos. Embora seja um eterno parceiro nosso, quando causa a doença, ele é extremamente invasivo, devido a seus múltiplos fatores de virulência e mecanismos de escape imunológico, que podem gerar desde uma sepse até complicações supurativas mórbidas, como abscessos, embolias pulmonares e endocardites. O quadro clínico-laboratorial é semelhante ao das pneumonias típicas, porém com evolução muito aguda (de horas a dias), grave e com febre marcante. A origem dessa pneumonia é, na maior parte das vezes, hematogênica. Em outras palavras, o S. aureus não entrará pelo pulmão, mas sim por um outro foco (como endocardites de câmaras direitas, artrites sépticas e celulites) e, subsequentemente, atingirá o pulmão. Ele tem disseminação broncogênica (com porta de entrada respiratória), principalmente em lactentes. Os fatores de risco são tipicamente encontrados nos pacientes com infecções osteoarticulares e cutâneas (que facilitam a porta de entrada), usuários de drogas injetáveis (maior risco de endocardite), pacientes com insuficiência renal crônica dialítica (mais colonizados e com dispositivos) e pacientes com fibrose cística, além dos lactentes mencionados acima. Um fato interessante é que infecções virais do trato respiratório inferior também são um importante fator de risco, a pneumonia estafilocócica pode aparecer dias a semanas depois de uma infecção por influenza ou coronavírus, por exemplo. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 31 Sua apresentação radiológica mais comum são focos consolidativos bilaterais (afinal, vem de forma hematogênica), quase sempre com derrame pleural associado. Diferentemente do pneumococo, que, com frequência, possui um derrame pleural parapneumônico, o S. aureus frequentemente causará empiemas pleurais que necessitarão de drenagem de tórax. Além do derrame pleural, observamos outros três achados comuns: a pneumatocele (distensões alveolares que dão um aspecto de "cisto" ao parênquima pulmonar), que pode se romper gerando um pneumotórax, e também os abscessos pulmonares (cavitações de paredes espessadas com conteúdo líquido em seu interior). Veja, abaixo, como esses achados se apresentam: Figura 19: fatores de risco para pneumonia estafilocócica. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 32 Nas pneumonias estafilocócicas, é imprescindível buscar o diagnóstico por meio da cultura aeróbia de diversos locais(escarro, secreção traqueal, líquido pleural e hemoculturas). Por que isso é importante? Para a determinação de antibioticoterapia adequada. Na comunidade, a maior parte dos S. aureus é sensível à meticilina (MSSA), tipicamente suscetível aos betalactâmicos (com exceção de algumas cefalosporinas) e às penicilinas sintéticas (como a oxacilina). Em contrapartida, no ambiente hospitalar, o risco desse S. aureus ser resistente à meticilina (MRSA) aumenta, ou seja, encontramos resistência aos betalactâmicos e às penicilinas sintéticas, situação em que deveremos utilizar um glicopeptídeo (vancomicina e teicoplanina) ou uma oxazolidinona (linezolida). Deu branco? Relembre essas classes, espectro de ação e efeitos colaterais no Livro de Antibioticoterapia da professora Clarissa Cerqueira. Para finalizar, precisamos lembrar que o S. aureus pode se disseminar facilmente pela corrente sanguínea, complicando com embolizações diversas, que podem causar acidentes vasculares encefálicos, endoftalmites sépticas, osteomielites, artrites hematogênicas e novas endocardites, por exemplo. Veja como você está mais seguro depois desse pequeno subtópico! CAI NA PROVA (SUS-SP (2010) Acesso Direto) Na escolha de um antibiótico para tratamento domiciliar empírico de uma pneumonia adquirida na comunidade, habitualmente, não se leva em consideração uma possível etiologia por: A) Chlamydia pneumoniae. B) Haemophilus influenzae. C) S. aureus. D) Mycoplasma pneumoniae. E) Legionella pneumophila. Figura 20: particularidades radiológicas da pneumonia estafilocócica. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 33 COMENTÁRIO: Correta a alternativa C: Essa questão é para ver se você prestou atenção na epidemiologia e na apresentação clínica da pneumonia estafilocócica: lembre-se de que ela é rara e grave, portanto, dificilmente será coberta em um esquema domiciliar empírico, haja vista sua incidência menor que 3% das PACs. Mais uma coisa: pensou em pneumonia estafilocócica, pensou em um quadro grave e com necessidade de hospitalização, tudo bem? Nada de esquema empírico em casa! O H. influenzae não tipável é o segundo agente que mais causa pneumonias adquiridas na comunidade. O Mycoplasma pneumoniae e a Legionella pneumophila são agentes de pneumonias atípicas que também são bem mais frequentes que as estafilocócicas caso o paciente venha de casa. (UFRGS (2019) Acesso Direto) Paciente de 8 anos foi atendido em uma Unidade de Pronto-Atendimento por febre persistente há 4 dias, calafrios e dor torácica, mais acentuada à direita. Ao exame físico, havia leves retrações intercostais bilaterais, estertores rudes nas bases e diminuição de murmúrio vesicular à direita. A radiografia de tórax mostrou áreas irregulares de cavitação no parênquima pulmonar direito e presença de prováveis cistos broncopulmonares. Considerando os achados, qual o principal agente etiológico dessa enfermidade? A) Streptococcus pneumoniae. B) Staphylococcus aureus. C) Mycoplasma pneumoniae. D) Adenovírus. E) Mycobacterium tuberculosis COMENTÁRIO: Correta a alternativa B. Vamos usar essa questão para relembrar a apresentação clínica da pneumonia estafilocócica. Pense comigo: temos um paciente de 8 anos com quadro agudo e toxêmico, tendo sua radiografia de tórax demonstrado pneumatoceles (cistos broncopulmonares) e abscessos pulmonares. Que agente etiológico faz isso de forma tão marcante? O S. aureus. Incorreta a alternativa A. Apesar do S. pneumoniae ser causa comum de broncopneumonias na infância, inclusive com apresentação aguda, ele não evolui habitualmente com pneumatoceles e abscessos pulmonares. Incorreta a alternativa C. O Mycoplasma pneumoniae é um agente etiológico que causa uma pneumonia atípica, incompatível com esse quadro agudo e toxêmico. Além disso, ele jamais cursaria com pneumatoceles e abscessos pulmonares. Incorreta a alternativa D. As pneumonias virais apresentam-se habitualmente com uma pneumonia atípica, incompatível com esse quadro agudo e toxêmico. Além disso, vírus não causam pneumatoceles e abscessos pulmonares. Incorreta a alternativa E. A tuberculose pulmonar apresenta-se de forma crônica e é frequentemente associada à perda ponderal ou ao déficit de crescimento nas crianças, não sendo compatível com o quadro clínico descrito. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 34 1.7.5 PNEUMONIA POR PSEUDOMONAS AERUGINOSA Figura 21: Pseudomonas aeruginosa. Fonte: Shutterstock A pneumonia causada pela Pseudomonas aeruginosa tem sido cada vez mais cobrada nas provas de Residência Médica. As questões mais abordadas sobre ela referem-se aos fatores de risco específicos para esse patógeno. Vamos começar falando de sua epidemiologia. A Pseudomonas nunca foi e nunca será um patógeno que causa pneumonia adquirida na comunidade em pacientes sem comorbidades. Ela é notada em três cenários: pacientes com comorbidades pulmonares estruturais, com imunidade de neutrófilos reduzida e hospitalizados por muito tempo, em que é causa comum de pneumonia associada à assistência em saúde e de pneumonia associada à ventilação mecânica. Relembrando esse patógeno: a Pseudomonas aeruginosa é um bacilo Gram-negativo não fermentador flagelado (lembra quem são os não fermentadores? Entre os mais populares, temos: Pseudomonas, Burkholderia, Stenotrophomonas e Acinetobacter). Ela pode ser encontrada habitualmente na água hospitalar (umidificadores, circuitos de ventilação, pias e esgoto). O problema central da Pseudomonas é sua capacidade de resistência a diversas classes de antimicrobianos, o que pode dificultar seu tratamento. Essa resistência pode, ainda, ser resultado de diversos mecanismos juntos: enzimas, porinas, bombas de efluxo e inativação enzimática. Problemão, hein? Não deixe de relembrar esses mecanismos de resistência no Livro sobre Antimicrobianos da professora Clarissa Cerqueira. Quem tem maior risco de desenvolver uma pneumonia por Pseudomonas aeruginosa? Os pacientes com bronquiectasias extensas com ou sem DPOC, e aqueles com fibrose cística, por terem bronquiectasias aliadas à hipersecreção de muco, o que facilitará a reprodução dessa bactéria. Também vemos uma maior incidência de Pseudonomas nos pacientes com deficiência numérica de neutrófilos (por exemplo, neutropênicos após quimioterapia) ou com deficiência funcional deles (como os que usam corticosteroides em altas doses). Atenção: na fibrose cística, Figura 22: fatores de risco para a pneumonia por Pseudomonas aeruginosa. Estratégia MED Pneumonias Prof. Bruno Buzo | Curso Extensivo | 2024 INFECTOLOGIA 35 a P. aeruginosa supera até o S. pneumoniae. A apresentação clínico-radiológica é semelhante à de uma pneumonia típica. No entanto, como muitas vezes os pacientes com pneumonia por Pseudomonas estão sob intubação orotraqueal ou utilizando suplementação de oxigênio, infiltrados pulmonares bilaterais podem ser encontrados. Vale ressaltar que complicações supurativas (empiemas e abscessos pulmonares) são menos comuns. O diagnóstico microbiológico na pneumonia por Pseudomonas aeruginosa é essencial, visto que o perfil de resistência dessa bactéria pode variar bastante, levando à necessidade de um antibiograma para ajustar o esquema antimicrobiano em uso. Tanto quanto a pneumonia estafilocócica, podemos isolar o agente etiológico por meio de culturas aeróbias de escarro, secreção traqueal, hemoculturas e lavado broncoalveolar. O tratamento vai depender do perfil de resistência específico da Pseudomonas isolada, mas adianto para você algumas drogas com ação contra Pseudomonas: - Algumas cefalosporinas de 3ª e 4ª geração: ceftazidima e cefepima, respectivamente; - Penicilinas e cefalosporinas com inibidores de betalactamases: piperacilina + tazobactam, ceftazidima + avibactam e ceftolozane + tazobactam (esses dois últimos reservados