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PROCESSO DE LATIFUNDIZAÇÃO BRASILEIRO Introdução Todo acontecimento social/jurídico tem uma razão histórica de ser, aliás, como não poderia ser diferente, todas as sociedades que figuraram na história trouxeram alguma influência ou consequência, uns mais outros menos, para o nosso atual estágio de desenvolvimento. Assim aconteceu também com o desenvolvimento histórico de ocupação do território nacional, que acabou gerando inúmeros problemas tanto de questão social (falta de meio de produção agrícola, fome, função social da propriedade), quanto problemas jurídicos e políticos. Neste diapasão, para poder entender um pouco melhor o desenrolar destes acontecimentos históricos e entender como chegamos, exatamente, ao estágio atual de Reforma Agrária, é preciso entender o histórico de ocupação de nosso território, fatos esses que passamos a analisar. O Período Colonial Os portugueses, quando chegaram/invadiram ao/o Brasil, não sabiam exatamente o que fazer com aquela região que acabavam de conhecer/conquistar. Nos primeiros trinta anos de colonização, o único tipo de atividade que fora desenvolvida em território tupiniquim foi a extração de Pau-brasil, atividade esta que servia para extração de uma tintura vermelha, tendo esta alto valor comercial na Europa. Depois desse período inicial, caracterizado pela atividade extrativista, a coroa portuguesa percebeu que as terras que ficavam além-mar deveriam ser exploradas de uma forma mais racional, de modo a tornar mais efetiva a presença de Portugal em sua nova colônia. Desta forma, em 1530/31 teve início um projeto de colonização e distribuição de terras chamado, naquele período, de regime de sesmarias. As sesmarias era um regime de distribuição de terras feito pela coroa portuguesa que, através da doação de faixas de terras, transferia ao sesmeiro apenas a posse destas, ficando responsável por cultivá-las e colonizá-las. De certa forma, já naquele período, a ideia era dar uma função social a terra, porém de maneira diferente do que se entende hoje por função social. Todavia, este tipo de política ocupacionista acabou por transmitir áreas de terras muito extensas para um pequeno número de pessoas. Como se pode notar, é a partir da implantação desta política, no período colonial, que começam a surgir os latifúndios no Brasil. Sobre o contexto histórico, Oswaldo Opitz (2012, p. 51) faz o seguinte comentário: Vimos ainda nessas doações latifundiárias cláusulas que permitiam a concessão de terras, em sesmarias, àqueles que quisessem cultivar. Aos donatários, veda-se-lhes, numa palavra, apropriarem-se dos maninhos existentes dentro dos limites de suas capitanias, não lhes sendo lícito se não conceder em regime de semarias. Com a vinda de Tomé de Souza como primeiro governador do Brasil, modificou-se a legislação sobre doações, passando-se às sesmarias, pois se dizia: “Dar-se-hão de sesmaria – conforme regimento do Governador-Geral – as terras ribeiras vizinhas a pessoas, que tenham posses para estabelecer engenhos de açúcar, ou outras coisas, dentro de um certo prazo lhes será assignado. Pode-se observar, portanto, partindo-se da visão supracitada, que já no Governo-Geral de 1548, era exigido do sesmeiro que demonstrasse possuir condições financeiras de arcar com o cultivo da cultura canavieira, existindo, pois, um pré- requisito para a aquisição e manutenção da sesmaria. Fica assim evidenciado que, nesse período da história nacional, não havia a preocupação com a quantidade de terra que se encontrava sob a posse de uma pessoa e, muito menos, com a quantidade de latifúndios existentes. Na realidade, o que se pretendia era que a área doada fosse produtiva, por isso a exigência de renda bastante para o cultivo da cana-de-açúcar era essencial. Com isso, evidentemente, a quantidade de latifúndios nas mãos de poucos proprietários de terras se alastrou, contudo, apesar da exigência legal acima citada, muitos dos que receberam estas terras não tinham a intenção de cultivá-las, ao contrário do que o Governo-Geral pretendia, o que acabou gerando uma latifundização das terras brasileiras. Observe-se que esse tipo de distribuição de terras foi mantido até 1822, isso ocorreu porque as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, que regulavam o regime de sesmaria em suas disposições, fizeram parte de nosso ordenamento até a independência do Brasil, e, em alguns pontos, por muito mais tempo. Pode-se concluir que, durante o período colonial, o regime de distribuição de terras foi extremamente desigual, haja vista que o único foco político neste período era o de produção e colonização da terra doada, não existindo nenhum outro parâmetro racional de sua utilização e, por essa razão, teve início o processo de latifundização das terras em nosso país. O Império Durante o período de 1822 a 1850 houve um hiato na legislação a cerca do regime de terras no Brasil, por conseguinte, nesta fase de quase trinta anos, a questão fundiária foi esquecida pelo legislativo nacional. Com isso, muitas posses de fato (aquelas que não decorriam da lei ou do contrato) se multiplicaram pelo território nacional, haja vista a falta de legislação específica que disciplinasse o modo de aquisição de terras no território, o que acabou por gerar uma enorme quantidade de propriedades ilegais dentro do território nacional, ou seja, aquelas que surgiram pela tomada de uma área, pelo cultivo ou colonização do local, sem que existisse, contudo, algum tipo de título de aquisição de propriedade do imóvel, e/ou pior, sem critério de tamanho e limites de ocupação de área. Porém, em 1850 surge a lei 601, chamada Lei de Terras 1 . Essa lei tinha como um de seus objetivos principais proibir o domínio sobre as terras devolutas, excetuando-se as realizadas através de compra e venda; legitimar a propriedade dos detentores de sesmarias não confirmadas; transformar a posse mansa e pacífica, que muito aconteceu naquele período, em aquisição de domínio. Nesta esteira, com a entrada em vigor desse novo dispositivo legal, o registro de aquisição de imóveis passou a ocorrer no registro paroquial, servindo como prova da posse do bem. Esta lei inovou ainda mais o nosso ordenamento jurídico, pois foi a primeira a regular a aquisição de imóveis no Brasil, que passou a ocorrer através da compra e registro do mesmo. Sendo assim, durante o Império, o Brasil experimentou, pela primeira vez, uma grande alteração no que diz respeito ao modo de aquisição da propriedade, sendo o primeiro passo para dar uma maior “democratização” à posse da terra. A República Na Constituição de 1891, as terras devolutas passaram a integrar o patrimônio da União, assim como acontece na atual Carta Magna. Contudo, apesar das mudanças que a Lei de Terras trouxe para o ordenamento jurídico nacional, estas não foram suficientes para que houvesse uma melhor distribuição de terras no Brasil, pelo contrário, uma pequena aristocracia permanecia no controle das maiores propriedades, enquanto a massa de trabalhadores rurais permanecia na miséria, sem ter, muitas vezes, onde cultivar ou trabalhar. Todos estes acontecimentos acabaram por gerar uma série de protestos para que fosse elaborado um Código Rural que regulamentasse os problemas fundiários que assolavam o Brasil. Contudo, o primeiro documento que surgiu após o início dos movimentos rurícolas foi o Código Civil de 1916, que regulava algumas poucas relações jurídicas rurais, que eram mais relacionadas aos contratos agrários, do que efetivamente as questões de política agrária (redistribuição de terras). Posteriormente, a Constituição de 1946,pela primeira vez, trouxe a baila o instituto das desapropriações por utilidade, necessidade pública e interesse social. Neste sentido, esta foi a primeira constituição a tratar de um instrumento que se mostraria muito importante para que houvesse a efetivação de uma reforma agrária através da desapropriação por interesse social, apesar de, até aquele momento, não existir um precedente legislativo de reforma agrária. Já em 1964, foi elaborada a Emenda Constitucional nº 10 que alterou a Constituição de 1946 ao transferir para a União a competência legislativa para editar normas sobre direito agrário. Com esta alteração constitucional o direito agrário ganhou 1 A promulgação da Lei Eusébio de Queirós, que pôs fim ao tráfico de escravos, deu-se duas semanas antes da promulgação da Lei de Terras, restritiva do acesso de pequenos agricultores à propriedade da terra. A obtenção de lotes passou a se dar por meio de compra e venda, não mais por posse e cessão, como ocorria desde os tempos coloniais. A medida dificultou o acesso à pequena propriedade rural e estimulou a expansão dos latifúndios em todo o país. autonomia dentro do cenário jurídico nacional e, como consequência, no mesmo ano, fora sancionado o Estatuto da Terra. Como se pode depreender, através destas mudanças, começou a surgir uma base para o direito agrário, faltando apenas legislações que regulamentassem determinados pontos do “Código Agrário” que acabara de surgir. No que se refere à legislação específica sobre a desapropriação por interesse social, haja vista que o próprio Estatuto da Terra evidenciou que a reforma agrária teria como um de seus instrumentos a desapropriação, começaram a surgir no ordenamento jurídico legislações que tivessem como objetivo disciplinar tal procedimento administrativo/jurisdicional. Neste sentido, o primeiro ato normativo que regulou esta matéria foi o decreto 554/69 que hoje se encontra revogado. Atualmente, a legislação que rege esta modalidade de desapropriação é a Lei Complementar nº 76 de 1993. Ela é inspirada na Constituição Federal de 1988, a qual possui um capítulo que disciplina a reforma agrária, e artigos que discorrem sobre a própria desapropriação para fins de reforma agrária. Aliás, Wellington Pacheco Barros, em seu livro curso de direito agrário, fala acerca da influência da Constituição de 88 e seus princípios sobre o processo de desapropriação, senão vejamos (2007, p.50): Assim o princípio do devido processo legal desapropriatório, garantia constitucional ao indivíduo proprietário mesmo de uma grande propriedade improdutiva, de só se ver privado de seu imóvel rural mediante regramento específico, tem nestas leis suas regras procedimentais. Sendo assim, fica evidenciado que, com a vigência de uma nova Constituição, com novos parâmetros e princípios, existiu a necessidade de se editar uma lei que disciplinasse o processo de desapropriação de acordo com os novos ditames constitucionais, o que efetivamente veio a acontecer. Conclusão Como se pode notar, os acontecimentos históricos no Brasil foram fundamentais para que hoje a situação fundiária necessite de um projeto de reforma agrária para que seja realizada e efetivada uma redistribuição de terras. Este país possui um número muito elevado de minifúndios e latifúndios, retrato do que ocorreu durante a história. Por conseguinte, com a evolução das Constituição, Leis e Atos Normativos foi possível regular as formas e instrumentos para se realizar uma efetiva reforma agrária, e hoje, um destes principais instrumentos é o processo de desapropriação para fins de reforma agrária.