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DIREITO CONSTITUCIONAL E METODOLOGIA JURÍDICA GRAAL DA PROVA ORAL DO 30º CPR – 03/2023 Revisado e organizado por Alexandre Benardis Sumário 1. TEORIA GERAL DO ESTADO 5 6B. Federalismo. Concepções e características. Classificações. Sistemas de repartição de competência. Direito comparado. 5 3A. Divisão de poderes. Conceito e objetivos. História. Independência e harmonia entre poderes. Mecanismos de freio e contrapesos. 12 14A. Democracia. Conceito. História. Fundamentos. Democracia representativa e participativa. Teorias deliberativa e agregativa da democracia. Instrumentos de democracia direta na Constituição de 1988. 17 2. FILOSOFIA POLÍTICA 20 11A. Liberalismo igualitário, comunitarismo, procedimentalismo e republicanismo. Suas projeções no domínio constitucional. 20 25A. Pluralismo jurídico. As fontes normativas não estatais. 24 3. CONSTITUCIONALISMO 26 1A. Constitucionalismo: trajetória histórica. Constitucionalismo liberal e social. Constitucionalismo britânico, francês e norte-americano. 26 14C. A evolução do constitucionalismo brasileiro: constituições de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969. A ditadura militar e os atos institucionais. A assembleia constituinte de 1987/88. 35 24A. Neoconstitucionalismo. Constitucionalização do Direito e judicialização da política. 40 4. PODER CONSTITUINTE 43 5A. Poder Constituinte originário. Titularidade e características. 43 6A. Poder constituinte derivado. Limitações à reforma constitucional. Cláusulas pétreas expressas e implícitas. As mutações constitucionais. 45 8A. Poder constituinte estadual: autonomia e limitações. 48 13A. Direito Constitucional Intertemporal. Teoria da recepção 49 5. NORMAS CONSTITUCIONAIS 51 9B. Norma jurídica e enunciado normativo. Características da norma jurídica. 51 4B. Normas constitucionais. Definição. Estrutura. Classificações. Princípios e regras. Preâmbulo. Efeitos das normas da Constituição brasileira de 1988. 53 6. INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL 56 2C. Hermenêutica e Teorias da argumentação jurídica. 56 21B. Interpretação jurídica. Métodos e critérios de interpretação. 58 12B. Critérios clássicos de resolução de antinomias jurídicas. 61 17B. A metodologia jurídica no tempo. A Escola da Exegese. Jurisprudência dos conceitos, jurisprudência dos interesses e jurisprudência dos valores. O realismo jurídico. Neoformalismo. O pós-positivismo jurídico. 63 22A. O papel das pré-compreensões no Direito. Interpretação, moralidade positiva e moralidade crítica. 67 4C. Lacunas e Integração do Direito: analogia, costumes e equidade. 70 2A. Constituição e Cosmopolitismo. O papel do direito comparado e das normas e jurisprudência internacionais na interpretação da Constituição. 71 7C. Os Princípios gerais de direito. 73 10A. Interpretação constitucional. Métodos e princípios de hermenêutica constitucional. 74 11C. Colisão entre normas constitucionais. Ponderação e juízo de adequação. Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade. 77 7. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 81 12A. Controle de constitucionalidade: evolução histórica do sistema brasileiro. Direito Comparado. Legitimidade democrática. 81 16C Controle concreto de constitucionalidade. Recurso Extraordinário. 84 18C. Controle abstrato de constitucionalidade: Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. 89 22B. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Técnicas decisórias na jurisdição constitucional. 103 25B. Inconstitucionalidade por omissão. Ação Direta e Mandado de Injunção. 108 8. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 111 6C. Direitos fundamentais. Concepções. Características. Dimensões objetiva e subjetiva. Eficácia vertical e horizontal. 111 13C. Princípio da isonomia. Ações afirmativas. Igualdade e diferença. Teoria do impacto desproporcional. Direito à adaptação razoável. 115 15A. Controle jurisdicional e social das políticas públicas. Serviços de relevância pública. O papel do Ministério Público. 119 16B. Os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. 123 17C. Direitos sexuais e reprodutivos. 126 19A. Liberdade de expressão, religiosa e de associação. O princípio da laicidade estatal. Os direitos civis na Constituição de 1988. 131 20C. Limites dos direitos fundamentais. Teorias interna e externa. Núcleo essencial e proporcionalidade. Os "limites dos limites". 136 22C. Direito fundamental à moradia e à alimentação. 139 23A. Direitos fundamentais culturais. Multiculturalismo e interculturalidade. Direito à diferença e ao reconhecimento. 142 23C. Direitos fundamentais processuais: acesso à justiça, devido processo legal, contraditório, ampla defesa, vedação de uso de provas ilícitas, juiz natural e duração razoável do processo. 146 9. DIREITOS SOCIAIS 150 12C. Princípios Constitucionais do Trabalho. Os Direitos Fundamentais do Trabalhador. 150 4A. Direitos sociais: enunciação, garantias e efetividade. Princípio da proibição do retrocesso. Mínimo existencial e reserva do possível. 152 10. NACIONALIDADE 157 10B. Nacionalidade brasileira. Condição jurídica do estrangeiro. 157 11. DIREITOS POLITICOS 160 15B. Direitos Políticos. O papel da cidadania na concretização da Constituição 160 12. FEDERAÇÃO BRASILEIRA 162 3C. Estado-membro. Competência. Autonomia. Bens. 162 5C. Município: criação, competência, autonomia. Regiões metropolitanas. 167 7B. União Federal: competência e bens. 174 10C. Intervenção federal nos Estados e intervenção estadual nos Municípios. 178 13. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 183 11B. Princípios constitucionais sobre a Administração Pública. 183 14. PODER LEGISLATIVO 186 1B. Poder Legislativo. Organização. Atribuições do Congresso Nacional. Competências do Senado e da Câmara. Legislativo e soberania popular. A crise da representação política. 186 7A. Processo legislativo. Emenda constitucional, lei complementar, lei ordinária, lei delegada, medida provisória, decreto legislativo e resolução. O processo de incorporação dos tratados internacionais. Devido processo legislativo. 193 15C. Regime constitucional dos parlamentares. Imunidades e incompatibilidades. 202 24B. Estatuto constitucional dos agentes políticos. Limites constitucionais da investigação parlamentar. Crimes de responsabilidade. Controle social, político e jurisdicional do exercício do poder. O princípio republicano. 207 15. PODER EXECUTIVO 213 2B. Poder Executivo. Histórico. Presidencialismo e Parlamentarismo. Presidencialismo de coalizão. Presidente da República: estatuto. Competências. Poder normativo autônomo, delegado e regulamentar. Ministros de Estado. 213 16. PODER JUDICIÁRIO 217 3B. Poder Judiciário: organização e competência. Normas constitucionais respeitantes à magistratura. O ativismo judicial e seus limites no Estado Democrático de Direito. 217 5B. Supremo Tribunal Federal: organização e competência. Jurisdição constitucional. 228 23B. Súmula vinculante. Legitimidade e críticas. Mecanismos de distinção. 230 25C. Conselho Nacional de Justiça. História, composição, competência e funcionamento. 232 17. FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA 235 1C. Ministério Público: História e princípios constitucionais. Organização. As funções constitucionais do Ministério Público. 235 21A. Conselho Nacional do Ministério Público. História, composição, competência e funcionamento. 240 24C. As funções essenciais à Justiça: Advocacia privada e pública. Representação judicial e consultoria jurídica da União, dos Estados e do Distrito Federal. A Defensoria Pública. 244 18. DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS 246 8C. Defesa do Estado e das instituições democráticas. Estado de defesa. Estado de sítio. Papel constitucional das Forças Armadas. 246 9C. Segurança Pública na Constituição. O papel das instituições policiais. 249 19. FINANÇAS PÚBLICAS 254 18A. Orçamento público: controle social, político e jurisdicional. 254 20A. Finanças Públicas na Constituição. Normas Orçamentárias na Constituição. 260 20. ORDEM ECONÔMICA 272 8B. Política Agrária naculturais particulares. 23. → Para Sarmento, por mais que a CRFB/88 possua aberturas para o comunitarismo (i.e., proteção da cultura e consagração dos direitos transindividuais), a ênfase dada à proteção das liberdades públicas não autoriza que se diga ter ela aderido à filosofia comunitarista. 24. Não se confunde com ideais marxistas, pois: “Embora também no marxismo se verifique uma ênfase à comunidade, o tipo de comunitarismo que veio à tona nos anos 1980, com obras de Michael Sandel, Michael Walzer, Alasdair MacIntyre e Charles Taylor é bem diferente do marxismo tradicional. Para este, o ideal comunitário é atingido por meio de uma mudança revolucionária na sociedade e da derrocada do capitalismo. Já os comunitaristas entendem que a comunidade já existe na forma de práticas sociais comuns, tradições culturais e valores socialmente compartilhados. A Comunidade não precisa ser construída de novo, mas sim ser respeitada e protegida. O modo capitalista de produção, em suas estruturas básicas, não chega a ser colocado em xeque” (SOUZA, Disponível em: www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=fb6e7c396949fea1). 25. 26. III. Procedimentalismo: 27. A distinção entre procedimentalismo e substancialismo repercute em dois grandes contextos: o papel da Constituição na sociedade e o espaço adequado da jurisdição constitucional. 28. No 1º caso, os procedimentalistas entendem que o papel da Constituição é o de definir as regras do jogo democrático, o que inclui a defesa de direitos indispensáveis para o funcionamento da democracia (liberdade de expressão, i.e.). Decisões substantivas, que incluam forte carga moral, não devem estar incluídas nas Constituições. Já os substancialistas sustentam a legitimidade dessas decisões substantivas enfeixadas nas Constituições, em especial quanto aos direitos fundamentais. 29. No 2º caso, os procedimentalistas defendem um papel autocontido da jurisdição constitucional, salvo quando estiver em jogo a defesa dos pressupostos da democracia (Habermas). Já os substancialistas entendem que a jurisdição constitucional pode adotar um papel mais ativo mesmo em matérias que envolvam forte carga substancial (i.e., aborto, como ocorreu nos casos “Roe v. Wade” – EUA – e “R v. Morgentaler” – Canadá). 30. Para Habermas, a legitimidade do Direito não se funda em concepções materiais, mas no processo democrático de produção normativa, que deve ocorrer em condições equânimes de deliberação pública (democracia deliberativa). Critica a visão da Constituição como uma ordem de valores, adotada pelo BVerfge. 31. Vejamos como os principais autores do direito se dividem entre procedimentalistas e substancialistas. “De um lado, a perspectiva discursiva procedimentalista defendida principalmente por Habermas; de outro, a corrente axiológica, ativista, propugnada em certa medida por Dworkin. De modo geral, Habermas, Gadamer, Luhmann e Alexy são considerados procedimentalistas, ao passo que Dworkin, Bonavides e Eros Grau exemplos de substancialistas” (LEAL JÚNIOR, SHIMAMURA; 2011, P. 13). 32. Uma das grandes premissas do pensamento habermasiano é a de que a legitimidade do Direito, nas sociedades plurais contemporâneas, não tem como se fundar em nenhuma concepção material. Para Habermas, o contexto do pluralismo faz com que a fonte de toda a legitimidade só possa repousar no processo democrático de produção normativa, o qual deve garantir condições equânimes de inclusão na deliberação pública para todos os cidadãos. O Direito legítimo é aquele em que os cidadãos sejam não apenas os destinatários das normas jurídicas, mas possam enxergar-se também como os seus coautores. 33. Sarmento opõe objeções ao procedimentalismo: i) ele não se mostra suficiente para assegurar direitos igualmente importantes, como, i.e., a privacidade e o direito à saúde; ii) havendo várias concepções diferentes de democracia, a escolha de uma e não de outra traria, em si, carga substancialista; e iii) a CRFB/88, goste-se ou não, é substancialista. Também nesse sentido: 34. A teoria substancialista, assim, defende a presença do Judiciário como ferramenta para garantir que grupos hipossuficientes tenham uma oportunidade para consecução de suas expectativas e direitos em um processo judicial. A teoria procedimentalista, de seu turno, refuta as alegações da anterior, tendo posição antagônica. [...] 35. Na atualidade, de qualquer forma, o pretório excelso apresenta certa tendência voltada à vertente substancialista, uma vez que reconhece ser possível concretizar individualmente o direito à saúde pela via judicial. Contudo, prega-se a necessidade de análise casuística sobre o tema, e não de forma abstrata e genérica: valoriza-se a ponderação dos valores em jogo, com a aplicação do princípio da proporcionalidade para a busca da melhor solução” (LEAL JÚNIOR, SHIMAMURA; 2011, P. 13). 36. 37. IV. Republicanismo: 38. No republicanismo, o cidadão não tem apenas direitos, mas também deveres em relação à comunidade política. Dá-se ênfase às virtudes republicanas, com estímulo à participação ativa do cidadão na vida da comunidade. Há certa aproximação do republicanismo com o comunitarismo, à medida que em ambos há a crítica à visão atomizada própria ao liberalismo. Se distinguem, contudo, no fato de que o foco do comunitarismo é o respeito às tradições e valores da comunidade, ao passo que o do republicanismo é a participação do cidadão na coisa pública. 39. O republicanismo contemporâneo dá grande ênfase à igualdade. Perante à res publica, todos devem ser tratados com igual respeito. Entende-se que o surgimento de uma vontade geral na sociedade depende de certo nível de igualdade econômica. Por essa razão, os republicanos de hoje costumam defender os direitos sociais e o Estado do Bem-Estar Social. Ademais, sob este viés a liberdade não é mais vista como ausência de constrangimento à ação, mas como não-dominação, que protege o indivíduo contra arbitrariedades (leis não são essencialmente impedimentos à liberdade, antes a constituem). 40. No Brasil, o republicanismo tem sido associado, i.e., à defesa da moralidade na vida pública, ao combate à confusão entre o público e o privado e à luta contra a impunidade dos poderosos. A CRFB/88 traz vários elementos que convergem com o ideário republicano: i) voto não só como direito, mas como dever cívico; ii) participação direta através de plebiscito, referendo e iniciativa popular; iii) direito de petição e ação popular. 41. Para Sarmento, certas vertentes do republicanismo podem assumir um viés autoritário, quando impõem virtudes cívicas. Em seu nome, não deve haver a asfixia do direito de cada pessoa de eleger os seus próprios planos de vida e de viver de acordo com eles, desde que não ofenda direitos alheios. 42. 43. V. Suas projeções no domínio constitucional[footnoteRef:1]: [1: Acréscimo por Alexandre Benardis.] 44. Ambas as vertentes filosóficas do substancialismo e do procedimentalismo discutem o papel da jurisdição constitucional em determinado ordenamento jurídico. Para os adeptos do substancialismo, o papel da jurisdição constitucional deve ser enérgico, mesmo em casos em que não se busque garantir os pressupostos da democracia. 45. Nesse sentido, pode-se afirmar que o STF tem se caracterizado como um tribunal substancialista, visto que adota decisões substantivas em causas atinentes a demandas sociais, a exemplo da ADPF 64 acerca do aborto de feto anencéfalo; das ADPF 132 e ADI 4277, a favor do reconhecimento da união estável homoafetiva como entidade familiar; da ADI 4424, reconhecendo a possibilidade de o Ministério Público dar início a ação penal sem necessidade de representação da vítima; da ADI 3510, na qual decidiu que as pesquisas com células-tronco embrionárias não violam o direito à vida, tampouco a dignidade da pessoa humana; dentre outras. 46. O comunitarismo, por sua vez, possui especial relevância na temática tocante aos povos indígenas, mais bem explorado no ponto 20B, que recebeu destacada proteção em capítulo próprio da CF/88, bem como nas previsões constitucionais relacionadasà cultura. 47. Por fim, como apontam Sarmento e Souza Neto: “A Constituição de 88 contém vários elementos que convergem com o ideário republicano”. Como exemplo, temos a previsão do voto não apenas como um direito subjetivo, mas também como um dever cívico (art. 14, § 1º, I); os mecanismos de participação direta do cidadão, como o plebiscito, o referendo, a iniciativa popular e a recente previsão de consultas populares sobre questões locais (EC 111/2021); e mecanismos de fiscalização da gestão da coisa pública, como o acesso à informação, o direito de petição e a ação popular (art. 5º, XXXIII; XXXIV, a; e LXXIII). 48. 25A. Pluralismo jurídico. As fontes normativas não estatais. Jorge Neto I. Conceito de pluralismo jurídico Pluralismo jurídico é o reconhecimento de outras fontes de produção jurídica além do direito estatal. Portanto, com o pluralismo jurídico supera-se o monismo legal, o qual reduz o direito ao direito estatal, totalizando as ideias-concepções de direito e justiça (Catherine Walsh). Em outras palavras, pluralismo jurídico é o reconhecimento de fontes normativas não estatais, compondo várias esferas de direito, por exemplo, justiça indígena, afrodescendente, etc.; são as diversas visões de justiça em um mesmo território, a partir das novas configurações constitucionais e da internalização dos tratados internacionais de direitos humanos. Ideia de Estado plurinacional. A interculturalidade funcional se limita a incluir determinadas demandas dos grupos historicamente discriminados na sociedade; já a interculturalidade crítica é a construção de relações entre grupos com o objetivo de transformar as relações de poder. Ambas são prescritivas, o que as diferencia do pluralismo jurídico, que é descritivo (Catherine Walsh, em Seminário de 2010 da ESMPU, com Deborah Duprat presidindo a sessão). II. Evolução histórica do pluralismo jurídico Com o Iluminismo e Kant destaca-se a filosofia da razão, que busca subsumir o real a certas categorias e, portanto, persegue a unidade, as grandes sínteses homogeneizadoras. Esse racionalismo idealista fundamenta a noção de Estado-nação nos termos definidos pela Revolução Francesa: uma identidade cultural e integradora, em determinado espaço e em comunidade linguística (“O que é o Terceiro Estado?”; Sieyès). Neste contexto, o direito era uma ferramenta para que a identidade do povo parecesse natural e originária. Nietszche e Heidegger começam a questionar esse racionalismo idealista, pois ele esquematizava o conhecimento, buscando a totalização, o que invisibilizava as diferenças. Hobsbawm, nesta mesma linha, desconstrói a ideia de nação como entidade social originária, afirmando que o nacionalismo na verdade era uma invenção, e muitas vezes obliterava culturas preexistentes. Essa crítica chegou ao Direito: várias classificações binárias como homem/mulher, adulto/criança, branco/outras etnias, proprietário/despossuído na verdade representavam juízo de valor e não meras classificações neutras. A incapacidade relativa da mulher ou a tutela dos índios eram exemplos dessa valoração. Assim, o sujeito de direito abstrato e universal era uma falácia na busca pela totalização. O plano jurídico era pautado, na realidade, pelo sujeito de direito branco, masculino, adulto, proprietário, etc. Os vários movimentos reivindicatórios, como o feminismo, começaram a expor e a alterar essa face hegemônica do Direito, que acabou sendo superada pela ideia de que toda elaboração e aplicação jurídica devem levar em conta que o Estado é pluriétnico e multicultural. III. Fundamentos do pluralismo jurídico no Brasil A Constituição Federal de 1988 representa grande clivagem em relação ao paradigma anterior, pois protege expressamente os diversos modos de criar, fazer e viver dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira (art. 216, caput e inc. II, CF). Essa proteção abrange, inclusive, a posse permanente com usufruto exclusivo das riquezas da terra tradicionalmente ocupada (art. 231, índios, CF) e a propriedade definitiva aos remanescentes de quilombo (art. 68 ADCT, quilombolas, CF). Deborah Duprat destaca a identidade entre essa nova conformação constitucional e a teoria de Wittgenstein, defensor da ideia de que o significado de uma palavra decorre do uso de que dela se faz e os jogos de linguagem e as formas de vida são extremamente variados. Daí por que a linguagem é convencional e diferente nas distintas culturas. Ou seja, o pluralismo reconhecido na Constituição também o é na teoria de Wittgenstein, ao tratar da linguagem. A conclusão é que a compreensão de mundo depende da linguagem de cada grupo. Nesse contexto, é possível fundamentar o pluralismo jurídico (i.e., o reconhecimento de fontes normativas não estatais) nos seguintes dispositivos da Constituição: a) o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional (art. 215, § 1º, CF), estabelecendo Plano Nacional de Cultura que valorize a diversidade étnica e regional (art. 215, § 3º, V, CF). Tal proteção e valorização, necessariamente, abrange o reconhecimento da normatividade própria de tais grupos. b) são reconhecidos aos índios sua organização social e costumes (art. 231, caput, CF) O pluralismo jurídico também tem fundamento na Convenção 169 da OIT: a) na área cível, ao se aplicar a legislação nacional deverão ser levados em consideração os costumes dos índios e povos tribais, desde que compatíveis com direitos fundamentais e direitos humanos (art. 8º, 1 e 2, OIT 169). Isso, no entanto, não deve impedir que os membros desses povos exerçam direitos e assumam obrigações reconhecidos para todos os cidadãos (art. 8º, 3, OIT 169). b) na área penal, deverão ser respeitados os métodos de que os índios e povos tribais se valem para reprimir os delitos praticados por seus membros, desde que compatíveis com o sistema jurídico nacional e os direitos humanos (art. 9º, 1, OIT 169). Quando a reprimenda não for aplicada nestes termos, ainda assim os tribunais deverão levar em conta os costumes desses povos ao se pronunciarem sobre questões penais que os envolvam (art. 9º, II, OIT 169). Destaque-se semelhante previsão no art. 57 do Estatuto do Índio, reconhecendo a validade do Direito Penal Indígena perante a ordem jurídica. IV. Efeitos práticos do pluralismo jurídico Por conta do reconhecimento do pluralismo jurídico podem-se vislumbrar ao menos três consequências práticas: a) Quanto à concretização de direitos: toda a legislação, e não apenas as especificamente destinadas a comunidades tradicionais, deve ser mobilizada para assegurar o exercício efetivo de direitos étnicos e culturais; b) Quanto à hermenêutica: a aplicação do direito nacional requer leitura que leve em conta as diferenças entre os diversos grupos formadores do Estado. O operador do direito somente conseguirá decidir adequadamente se compreender previamente o sentido da norma revelado pela própria comunidade tradicional, que decorre do contexto de seu uso por esses agentes. A atuação do Estado deve ser antecedida por uma “tradução”, feita pela mediação antropológica, que torne o outro “inteligível”; c) Quanto à solução de controvérsias: devem ser utilizadas as formas de resolução de conflitos tradicionais dos grupos minoritários, assim como seu ordenamento jurídico, sempre que possível. IMPORTANTE: RESOLUÇÃO 287 E 454 CNJ. RECONHECIMENTO DA DIVERSIDADE JURÍDICA NO TRATAMENTO COM AS COMUNIDADES INDÍGENAS. LEITURA IMPORTANTE. 3. CONSTITUCIONALISMO 1A. Constitucionalismo: trajetória histórica. Constitucionalismo liberal e social. Constitucionalismo britânico, francês e norte-americano. Jorge Neto CONCEITO: De acordo com SARMENTO, o constitucionalismo “é o movimento político que propugna pelo estabelecimento de uma Constituição que limite e organize o exercício do poder político”. Na mesma linha, CANOTILHO sustenta que o constitucionalismo “é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitosem dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade”. Esse conceito de constitucionalismo transporta, na visão de CANOTILHO, um claro juízo de valor, pois é, no fundo, “uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo”. Assim, conclui CANOTILHO que o constitucionalismo moderno representa “uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos”. CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS: i) limitação do poder estatal (sobretudo pela ideia de separação dos poderes); e ii) instituição de direitos e garantias fundamentais. Neste sentido, eis o art. 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789: “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”. Para Charles Howard McIlwain, a característica mais autêntica do constitucionalismo é “a limitação do governo pelo direito”. TRAJETÓRIA HISTÓRICA: Embora o surgimento das Constituições seja considerado um fenômeno relativamente recente, pois as primeiras manifestações formais têm origem no final do século XVIII com as “Revoluções Liberais”, não se pode afirmar que a ideia de um conjunto de normas que discipline a atuação do Estado seja exclusiva da modernidade. De fato, tal como afirmou Ferdinand Lassale, todo ente estatal possuiu ao longo de sua trajetória uma Constituição real e verdadeira, sendo que o privilégio atribuído aos períodos mais recentes é o do nascimento de Constituições escritas em folhas de papel. A propósito, deve-se destacar que na antiguidade já existiam leis que organizavam, ainda que de maneira incipiente, o próprio poder. Tais leis foram evoluindo e formaram a base para o desenvolvimento do constitucionalismo. Segundo BARROSO, o termo constitucionalismo data de pouco mais de 200 anos, sendo associado aos processos revolucionários norte-americano e francês, em oposição ao Absolutismo. Todavia, as ideias centrais do constitucionalismo remontam à antiguidade clássica, no ambiente da polis grega, por volta do século V a.C. Para SARMENTO: “A ideia de Constituição, tal como a conhecemos hoje, é produto da Modernidade, sendo tributária do Iluminismo e das revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, ocorridas na Inglaterra, nos Estados Unidos e na França. Ela está profundamente associada ao constitucionalismo moderno, que preconiza a limitação jurídica do poder político, em favor dos direitos dos governados”. SARMENTO divide, didaticamente, a evolução história do constitucionalismo da seguinte forma: 1) Constitucionalismo antigo e medieval; 2) Constitucionalismo Moderno; 3) Constitucionalismo pós-moderno. Por sua vez, o Constitucionalismo Moderno foi construído sob três versões (inglesa; francesa; norte-americana). Ademais, no Constitucionalismo Moderno, além do estudo das 3 versões, destacam-se 2 fases (fase do Estado liberal-burguês e fase do Estado Social). Na contextualização temporal, é preciso ter em mente que as três versões acima mencionadas (inglesa; francesa e norte-americana) instauraram-se no seio do Estado Liberal-burguês e desenvolveram-se com a transição para a fase do Estado Social, de modo que é possível distinguir duas fases: constitucionalismo moderno do Estado Liberal-burguês e constitucionalismo moderno do Estado Social. Por fim, um novo modelo de constitucionalismo tem despontado: o constitucionalismo pós-moderno. Vejamos cada um deles: 1) CONSTITUCIONALISMO ANTIGO OU MEDIEVAL: remonta ao período da antiguidade clássica até final do século XVIII, quando surgem as primeiras constituições escritas, com predominância do jusnaturalismo. As experiências mais importantes na antiguidade são: a) Hebreus: era Teocrático, influenciado pela religião, os dogmas religiosos atuavam como limites ao poder do soberano. b) Grécia: vivenciou a democracia direta, com o início da racionalização do poder. Havia um regime político que se preocupava com a limitação do poder das autoridades e com a contenção do arbítrio. Contudo, essa limitação visava antes à busca do bem comum do que a garantia de liberdades individuais. A liberdade, no pensamento grego, cingia-se ao direito de tomar parte nas deliberações públicas da cidade-Estado, não envolvendo qualquer pretensão a não interferência estatal na esfera pessoal. Não se cogitava na proteção de direitos individuais contra os governantes, pois se partia da premissa de que as pessoas deveriam servir à comunidade política, não lhe podendo antepor direitos de qualquer natureza. Tal concepção se fundava numa visão organicista da comunidade política: o cidadão não era considerado em sua dignidade individual, mas apenas como parte integrante do corpo social. O cidadão virtuoso era o que melhor se adequava aos padrões sociais, não o que se distinguia como indivíduo. A liberdade individual não era objeto da especial valoração inerente ao constitucionalismo moderno. c) Roma: Para Ihering, “Nenhum outro Estado foi capaz de conceber a ideia de liberdade de uma forma tão digna e justa quanto o direito romano”. Em Roma já despontava a valorização da esfera individual e da propriedade, concomitante à sofisticação do direito privado romano e ao reconhecimento de direitos civis ao cidadão de Roma (direito ao casamento, à celebração de negócios jurídicos, à elaboração de testamento e à postulação em juízo). Ademais, algumas instituições do período republicano romano já prenunciavam a concepção moderna de separação dos poderes, notadamente a sua repartição por instituições como o Consulado, o Senado e a Assembleia, representativas de estamentos diferentes da sociedade, de forma a propiciar o equilíbrio entre eles. Apesar disso, não se cogitava de um constitucionalismo em sentido moderno (como fórmula de limitação do poder político em favor da liberdade dos governados); d) Idade Média, iniciada com a queda do Império Romano, correspondeu a um período caracterizado pelo amplo pluralismo político. Não havia qualquer instituição que detivesse o monopólio do uso legítimo da força, da produção de normas ou da prestação jurisdicional. O poder político fragmentara-se por múltiplas instituições, como a Igreja, os reis, os senhores feudais, as cidades, as corporações de ofício e o Imperador. É importante destacar que, durante a idade média, foram celebrados alguns pactos instituidores de direitos e limitadores do poder, que influenciaram decisivamente o posterior surgimento do constitucionalismo moderno. Os exemplos mais citados são: Magna Charta Libertatum (1215) e o Petition of Rights (1628). Além destes, também são citados: o Habeas Corpus Act (1679), o Bill of Rights (1689) e o Act of Settlement (1701). 2) CONSTITUCIONALISMO MODERNO: surgiu no final do século XVIII, como forma de superação do Estado Absolutista, sustentando a limitação jurídica do poder do Estado em favor da liberdade individual. Características históricas foram essenciais para o surgimento do constitucionalismo moderno, como a ascensão da burguesia como classe hegemônica; o fim da unidade religiosa na Europa, com a Reforma Protestante; e a cristalização de concepções de mundo racionalistas e antropocêntricas, legadas pelo Iluminismo. Sob as vozes do Iluminismo, a sociedade deixa o caráter organicista e passa a centrar-se na figura do indivíduo, concebido como um ser racional, titular de direitos, cuja dignidade independia do lugar que ocupasse no corpo coletivo. Evolui-se para o reconhecimento de direitos universais, pertencentes a todos. A sociedade não mais era concebida como um organismo social, formado por órgãos que exerciam funções determinadas (clero, nobres, vassalos). Ela passa a ser concebida como um conjunto de indivíduos, uma sociedade “atomizada” formada por unidades iguais entre si. Em harmonia com essa visão, desenvolveram-se as teorias de contrato social, que passaram a justificar a existência do Estado em nome dos interesses dos indivíduos. John Locke sustentava a ideia de que, ao celebrar o contrato social, as pessoas alienam para o Estado apenas uma parcela da liberdadeirrestrita de que desfrutavam no Estado da Natureza, preservando determinados direitos naturais, que todos os governantes devem ser obrigados a respeitar. Esse jusnaturalismo difere daquele que predominara na Antiguidade e na Idade Média por não se basear na vontade divina, nem em imposições extraídas da natureza, mas em princípios acessíveis à razão humana, e por conferir primazia aos direitos individuais. O constitucionalismo moderno assenta-se em 3 pilares: a contenção do poder dos governantes, por meio da separação de poderes; a garantia de direitos individuais, concebidos como direitos negativos oponíveis ao Estado; e a necessidade de legitimação do governo pelo consentimento dos governados, pela via da democracia representativa. O constitucionalismo moderno conheceu três versões mais influentes: a inglesa, a francesa e a norte-americana. 2.1. O modelo inglês de constitucionalismo: Como na Inglaterra não chegou a haver propriamente absolutismo, a história do constitucionalismo adquire um perfil próprio. Desde o final da Idade Média, o poder real encontrava-se limitado por determinados costumes e pactos estamentais, como a Magna Carta de 1215, mas o constitucionalismo inglês só tem início a partir da Revolução Gloriosa de 1668, quando foi deposta a dinastia Stuart e foi assentado o princípio da supremacia política do Parlamento inglês, em um regime pautado pelo respeito aos direitos individuais. No curso do século XVII, foram editados três documentos constitucionais de grande importância: a Petition of Rights, de 1628; o Habeas Corpus Act, de 1679; e o Bill of Rights, de 1689, que garantiam importantes liberdades para os súditos ingleses, impondo limites à Coroa e transferindo poder ao Parlamento. A ideia central do constitucionalismo inglês é a de respeito às tradições constitucionais, não havendo um texto constitucional único que as consolide e organize. Inexiste, portanto, uma Constituição escrita na Grã-Bretanha. Ademais, entende-se que as normas constitucionais não decorrem apenas dos referidos textos esparsos, mas também de convenções constitucionais e de princípios da common law, desenvolvidos pelos tribunais. A ideia do exercício do poder constituinte, por meio de ruptura com o passado, com a refundação do Estado e da ordem jurídica, é estranha ao modelo constitucional inglês, que se assenta no respeito às tradições imemoriais. Nesse sentido, o constitucionalismo britânico é historicista, já que baseia a Constituição e os direitos fundamentais nas tradições do povo inglês. Em outras palavras, a evolução do constitucionalismo inglês é gradual e histórica, não abrupta ou revolucionária. Desenvolveu-se na Inglaterra o princípio constitucional de soberania do Parlamento, segundo o qual o Poder Legislativo pode editar norma com qualquer conteúdo. Não há a possibilidade de invalidação das suas decisões por outro órgão. Contudo, há na Inglaterra contemporânea uma tendência à alteração deste modelo de soberania irrestrita do Parlamento, pelo menos em matéria de direitos fundamentais. A mais importante expressão desta inflexão foi a aprovação, em 1998, do Humans Rights Act, que possibilitou ao Judiciário britânico a declaração de incompatibilidade de leis editadas pelo Legislativo com os direitos previstos naquele estatuto. Tal declaração não acarreta a invalidação da lei, mas cria um relevante fato político, gerando forte pressão para a revogação da norma violadora de direitos humanos. 2.2. O modelo francês de constitucionalismo: Tem como marco inicial a Revolução Francesa, iniciada em 1789, sendo a constituição escrita consagrada em 1791. Sob a perspectiva da teoria constitucional, a vontade de ruptura com o passado se expressou na teoria do poder constituinte, elaborada originariamente pelo Abade Emanuel Joseph Sieyès, em sua célebre obra Qu’est-ce que le Tier État?. Por essa teoria, o poder constituinte exprimiria a soberania da Nação, estando completamente desvencilhado de quaisquer limites impostos pelas instituições e pelo ordenamento do passado. Ele fundaria nova ordem jurídica, criando novos órgãos e poderes — os poderes constituídos — que a ele estariam vinculados. OBS.: destaca-se que o fundamento utilizado foi a “soberania da Nação”, que difere da “soberania do povo”. Para Sieyés, a detentora do poder era a nação, e não o conjunto dos nacionais. Sendo a Nação a detentora do poder e sendo essa uma concepção etérea/ideal, a resposta para a aparente incoerência entre a “igualdade” defendida e a exclusão dos iguais pelo voto censitário e masculino era justificada pelo argumento de que só podem exercer direitos políticos, na perspectiva liberal, aqueles que compõem o melhor da Nação (homens mais instruídos, de melhor condição social, reuniriam as condições que lhes permitiriam expressar, por meio do seu voto, a vontade da Nação). A Constituição deveria corresponder a uma “lei” escrita, não se confundindo com um repositório de tradições imemoriais, ao contrário da fórmula inglesa. Ela pode romper com o passado e dirigir o futuro da Nação, inspirando-se em valores universais centrados no indivíduo. O protagonista do processo constitucional no modelo constitucional francês é o Poder Legislativo, que teoricamente encarna a soberania e é visto como um garantidor mais confiável dos direitos do que o Poder Judiciário. Isto levou, na prática, a que a Constituição acabasse desempenhando o papel de proclamação política, que deveria inspirar a atuação legislativa, mas não de autêntica norma jurídica, que pudesse ser invocada pelos litigantes nos tribunais. Tal pensamento vem sendo superado. Foi aprovada em 2008 (regulamentada em 2010), na França, a chamada “Questão Prioritária de Constitucionalidade”, permitindo que as partes aleguem incidentalmente a inconstitucionalidade de lei, por ofensa a direitos e liberdades fundamentais garantidos pela Constituição francesa, no âmbito de processos judiciais e administrativos. A questão deve ser encaminhada à Corte de Cassação ou ao Conselho de Estado que, por sua vez, podem provocar o Conselho Constitucional. 2.3. O modelo constitucional norte-americano: O fato de a colonização dos Estados Unidos ter sido realizada em boa parte por imigrantes que escapavam da perseguição religiosa na Europa contribuiu decisivamente para que se enraizassem na cultura política norte-americana ideias como a necessidade de limitação do poder dos governantes e de proteção das minorias diante do arbítrio das maiorias. A Constituição dos Estados Unidos foi aprovada pela Convenção da Filadélfia, em 1787, e depois ratificada pelo povo dos estados norte-americanos, vigorando desde então. Inovou ao instituir o presidencialismo e o sistema de freios e contrapesos, associado à separação de poderes. A plasticidade das cláusulas constitucionais mais importantes abriu a possibilidade de atualização daquela Constituição pela via interpretativa, para adaptá-la às novas demandas e valores que emergiam. O modelo constitucional dos Estados Unidos representa a tentativa de conciliação entre dois vetores. De um lado, o vetor democrático, de autogoverno do povo, captado pelas palavras que abrem o preâmbulo da Carta americana (We, the People of the United States...). Do outro, o vetor liberal, preocupado com a contenção do poder das maiorias para defesa de direitos das minorias. Uma ideia essencial do constitucionalismo estadunidense, derivada da sua matriz liberal, é a concepção de que a Constituição é norma jurídica que, como tal, pode e deve ser invocada pelo Poder Judiciário na resolução de conflitos, mesmo quando isto implique em restrição ao poder das maiorias no Legislativo ou no Executivo. Desenvolveu-se no direito norte-americano a noção de que os juízes, ao decidirem conflitos, podem reconhecer a invalidade de leis que contrariem a Constituição, deixando de aplicá-las ao caso concreto. Esta posição, sustentada por Hamilton no Federalista nº 78, foi formulada na jurisprudência da Suprema Corte pelo Juiz John Marshall, no célebre julgamento do caso Marbury v. Madison, em 1803. Em suma,no modelo constitucional dos Estados Unidos, a supremacia da Constituição não é apenas uma proclamação política, como na tradição constitucional francesa, mas um princípio jurídico judicialmente tutelado. O modelo não é livre de críticas. O controle judicial de constitucionalidade das leis (judicial review) sofre até hoje contestações nos Estados Unidos, sendo frequentemente apontado como um instituto antidemocrático, por transferir aos juízes, que não são eleitos, o poder de derrubar decisões tomadas pelos representantes do povo, com base nas suas interpretações pessoais sobre cláusulas constitucionais muitas vezes vagas, que se sujeitam a diversas leituras. Contudo, a jurisdição constitucional não apenas criou profundas raízes no Direito Constitucional daquele país, como também acabou se disseminando por todo o mundo, sobretudo a partir da segunda metade do século XX. Fases do Constitucionalismo Moderno: 2.1) Constitucionalismo liberal-burguês: baseou-se na ideia de que a proteção dos direitos fundamentais dependia, basicamente, da limitação dos poderes do Estado. Naquele modelo, os direitos fundamentais eram concebidos como direitos negativos, que impunham apenas abstenções aos poderes políticos. O Estado era visto como o principal adversário dos direitos, o que justificava a sua estrita limitação, em prol da liberdade individual. Tal limitação era perseguida também por meio da técnica da separação dos poderes, que visava a evitar o arbítrio e favorecer a moderação na ação estatal. Na Economia Política era defendido o Estado mínimo, que confiava na “mão invisível do mercado” para promover o bem comum. O Estado deveria limitar-se a velar pela segurança das pessoas e proteger a propriedade, não lhe competindo intervir nas relações travadas no âmbito social, nas quais se supunha que indivíduos formalmente iguais perseguiriam os seus interesses privados, celebrando negócios jurídicos. Ele combateu os privilégios estamentais do Antigo Regime e a concepção organicista de sociedade. Porém, ignorava a opressão que se manifestava no âmbito das relações sociais e econômicas, existindo uma nítida contradição entre o discurso e a prática do constitucionalismo liberal-burguês no que tange à igualdade. A ideia de liberdade alentada pelo constitucionalismo liberal-burguês era muito mais identificada à autonomia privada do indivíduo, compreendida como ação livre de interferências estatais, do que à autonomia pública do cidadão, associada à soberania popular e à democracia. Além disso, a liberdade era concebida em termos estritamente formais, como ausência de constrangimentos externos, impostos pelo Estado à ação dos indivíduos. Ademais, o foco centrava-se mais sobre as liberdades econômicas do que sobre as liberdades existenciais. 2.2) Constitucionalismo Social: No final do século XIX e início do século XX, a extrema exploração da classe trabalhadora tornou-se insustentável. Na Europa Ocidental, a industrialização acentuara dramaticamente o quadro de exploração humana, que o Estado absenteísta não tinha como equacionar. A pressão social dos trabalhadores e de outros grupos excluídos, aliada ao temor da burguesia diante dos riscos e ameaças de rupturas revolucionárias inspiradas no ideário da esquerda, levaram a uma progressiva mudança nos papéis do Estado, que ensejou a cristalização de um novo modelo de constitucionalismo. Fica evidente que a suavização do capitalismo foi uma clara posição estratégica para evitar uma revolução da classe operária. Sobre o contexto, Lênin afirmou que preferia o capitalismo selvagem ao estado do bem-estar social, pois este tirava a energia necessária para a eclosão de uma revolução. No plano das ideias, despontavam o pensamento marxismo, o socialismo utópico e a doutrina social da Igreja Católica. A progressiva extensão do direito de voto a parcelas da população até então excluídas do sufrágio também contribuiu para a mudança de cenário. A democratização política, ao romper a hegemonia absoluta da burguesia no Parlamento, abrira espaço também para a democratização social. De mero garantidor das regras que deveriam disciplinar as disputas travadas no mercado, o Estado foi se convertendo num ator significativamente mais importante dentro da arena econômica, exercendo diretamente muitas atividades de produção de bens e serviços, como a realização de grandes obras públicas. No plano teórico, a sua atuação passa a ser justificada também pela necessidade de promoção da igualdade material, por meio de políticas públicas redistributivas e do fornecimento de prestações materiais para as camadas mais pobres da sociedade, em áreas como saúde, educação e previdência social. A proteção da propriedade privada é flexibilizada, passando a estar condicionada ao cumprimento da sua função social. É relativizada a garantia da autonomia negocial, diante da necessidade de intervenção estatal em favor das partes mais débeis das relações sociais. Há uma mudança, ainda, na leitura dos direitos, sendo desenvolvida a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Emergem os direitos de segunda geração, prestacionais, para efetivação da igualdade material. Sobre o discurso da igualdade formal, Anatole Frances escreve: “A majestosa igualdade das leis, que proíbe tanto o rico como o pobre de dormir sob as pontes, de mendigar nas ruas e de roubar pão.” A mudança no perfil do Estado refletiu-se também na sua engenharia institucional: a separação de poderes foi flexibilizada. A separação dos poderes estática (sociedades mais homogêneas, estado Liberal e/ou de Direito, sacralização da lei e do princípio majoritário), vigente no constitucionalismo liberal-burguês dá espaço à separação de poderes dinâmica (sociedade heterogêneas e pluralistas, Estado Democrático de Direito com aspectos sociais incorporados e maior participação popular, crise de representatividade e maior papel do Poder Judiciário), que se atenta para além da liberdade, para a efetividade, possibilitando uma atuação mais forte dos poderes públicos na seara social e econômica. O arranjo federalista também muda: as complexas tarefas assumidas pelo Estado não são exequíveis por um federalismo formal. É necessário o desenvolvimento de um federalismo cooperativo, com a participação de todos os entes federados. É preciso, aqui, diferenciar o Estado Social do Constitucionalismo Social: A necessidade de construção de um Estado mais forte, para atender às crescentes demandas sociais, foi utilizada como pretexto para aniquilação dos direitos individuais e das franquias democráticas. Este fenômeno foi intenso nas décadas de 1930 e 1940, com a instauração de regimes totalitários (Alemanha e Itália), ou autoritários (Brasil, no Estado Novo). Nestas situações, pode-se falar em Estado Social, mas não em constitucionalismo social. O constitucionalismo social não renega os elementos positivos do liberalismo (preocupação com os direitos individuais e com a limitação do poder), mas pugna por conciliá-los com a busca da justiça social e do bem-estar coletivo. Houve 2 fórmulas diferentes de recepção do Estado Social no âmbito do constitucionalismo democrático: 1ª) Exemplificada pela evolução do Direito Constitucional norte-americano a partir dos anos 30, os valores de justiça social e de igualdade material não foram formalmente incorporados à Constituição. Essa, no entanto, deixou de ser interpretada como um bloqueio à introdução de políticas estatais de intervenção na economia e de proteção dos grupos sociais mais vulneráveis. 2ª) Ilustrada pelas constituições mexicana, de 1917, e a alemã, de Weimar, de 1919. Elas não se limitaram a tratar da estrutura do Estado e da definição de direitos negativos, pois se imiscuem na disciplina de temas como a economia, as relações de trabalho e a família; moradia, saúde e previdência social. A maior parte das constituições elaboradas a partir da segunda metade do século passado seguiu, com maior ou menor sucesso, dita fórmula. É inegável que o constitucionalismo social enfrenta crise desde as décadas finais do séculopassado, relacionada aos retrocessos que ocorreram no Welfare State (Estado de Bem-estar). A globalização econômica reduziu a capacidade dos Estados de formular e implementar políticas públicas para atender aos seus problemas sociais e econômicos, sob a influência do pensamento neoliberal, que preconiza a redução do tamanho do Estado, a desregulação econômica e a restrição dos gastos sociais. A população envelheceu e cresceu, demandando maiores gastos com previdência social, saúde e educação. A partir da década de 80, começam a se tornar hegemônicas propostas de retorno ao modelo de Estado que praticamente não intervinha na esfera econômica. Sob o estímulo da globalização da economia, se inicia um processo de reforma do Estado que alcança escala mundial. Reduzem-se as barreiras alfandegárias e não alfandegárias ao comércio internacional e ao fluxo de capitais. Os Estados diminuem ou eliminam a proteção que reservavam à empresa nacional. “Desterritorializa-se” o processo produtivo. A nova dinâmica da produção global estimula os Estados a flexibilizarem suas relações de trabalho, com o intuito de atrair investimento produtivo e de alcançar maior competitividade no mercado global. Ameaçados pela inflação, que leva à necessidade de redução dos gastos públicos, os Estados privatizam suas empresas e extinguem monopólios públicos. A atuação direta do Estado na economia é significativamente reduzida. No que toca aos direitos sociais, o fim do constitucionalismo social seria moralmente inaceitável em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, caracterizados por grande injustiça social e desigualdade material. Sobre a transição do constitucionalismo liberal para o social, Carlos Ayres Britto sustenta, na ADI 4246, que: “Naquela assentada, ainda deixei explícito ser a Defensoria Pública uma instituição especificamente voltada para a implementação de políticas públicas de assistência jurídica, assim no campo administrativo como no judicial. Pelo que, sob este último prisma, se revela como instrumento de democratização do acesso às instâncias judiciárias, de modo a efetivar o valor constitucional da universalização da justiça (inciso XXXV do art. 5º da CF/88). Fazendo de tal acesso um direito que se desfruta às expensas do estado, de sorte a se postarem (as defensorias) como um luminoso ponto de interseção do constitucionalismo liberal com o social. Vale dizer, a Defensoria Pública faz com que um clássico direito individual de acesso à Justiça se mescle com um moderno direito social; isto é, os mais pobres a compensar a sua inferioridade econômica com a superioridade jurídica de um gratuito bater às portas do Poder Judiciário ou da própria Administração Pública. O que já se traduz na concreta possibilidade de gozo do fundamental direito de ser parte processual, ora no âmbito dos processos administrativos, ora nos processos de natureza judicial. [...] Numa frase, aparelhar as defensorias públicas é servir, sim, ao desígnio constitucional de universalizar e aperfeiçoar a própria jurisdição como atividade básica do Estado e função específica do Poder Judiciário.” 3. Constitucionalismo pós-moderno: Até meados do século XX, no modelo hegemônico na Europa continental e em outros países filiados ao sistema jurídico romano-germânico, a regulação da vida social gravitava em torno das leis editadas pelos parlamentos, com destaque para os códigos, sob a premissa de que o Legislativo, que encarnava a vontade da Nação, tinha legitimidade para criar o Direito, mas não o Poder Judiciário, ao qual cabia tão somente aplicar aos casos concretos as normas anteriormente ditadas pelos parlamentos. Até então, a imensa maioria dos países não contava com mecanismos de controle judicial de constitucionalidade das leis, que eram vistos como institutos antidemocráticos, por permitirem um “governo de juízes”. Mesmo em alguns países em que existia a jurisdição constitucional — como o Brasil, em que ela foi implantada em 1890 e incorporada à Constituição de 1891 — o controle de constitucionalidade não desempenhava um papel relevante na cena política ou no dia a dia dos tribunais. Tal quadro começou a se alterar ao final da II Guerra Mundial na Europa, mediante as gravíssimas violações de direitos humanos perpetradas pelo nazismo, que demonstraram a importância de criação de mecanismos de garantia de direitos que fossem subtraídos pelas maiorias de ocasião. Na Alemanha, a Lei Fundamental de 1949, instituiu diversos mecanismos de controle de constitucionalidade e criou um Tribunal Constitucional Federal, que se instalou em 1951 e passou a exercer um papel cada vez mais importante na vida alemã. Na Itália, a Constituição de 1947 instituiu uma Corte Constitucional, que começou a funcionar em 1956. Na própria França, berço de um modelo de constitucionalismo avesso à jurisdição constitucional, o cenário se modificou substancialmente sob a égide da atual Constituição de 1958, que instituiu um modelo de controle de constitucionalidade originalmente apenas preventivo, confiado ao Conselho Constitucional, e hoje envolve também o controle repressivo. Na década de 70, Portugal e Espanha se redemocratizaram, libertando-se de governos autoritários, e adotaram constituições de caráter mais normativo, garantidas por meio da jurisdição constitucional. Nesse contexto, “Uma das características marcantes do constitucionalismo contemporâneo reside na judicialização da política, verdadeira consequência do modelo constitucional adotado em diversos países ocidentais, e que deflui diretamente do constitucionalismo democrático construído, principalmente, a partir da segunda metade do século XX: Na ponta oposta, a emergência do constitucionalismo democrático no segundo pós-guerra, reforçada pela redemocratização, nos anos 70, do mundo ibérico europeu e americano, trazendo consigo a universalização do judicial review e afirmação das leis fundamentais que impõem limites à regra da maioria, é percebida como uma ampliação do conceito de soberania, abrindo para os cidadãos novos lugares de representação de sua vontade, a exemplo do que ocorre quando provocam o Judiciário para exercer o controle das leis. (VIANNA, Luiz Werneck. BURGOS, Marcelo. Revolução processual do direito e democracia progressiva. – extraído do Manual prático de Direitos Humanos Internacionais). O que se observa atualmente é uma tendência global à adoção do modelo de constitucionalismo em que as constituições são vistas como normas jurídicas autênticas, que podem ser invocadas perante o Poder Judiciário e ocasionar a invalidação de leis ou outros atos normativos. E, muitas destas novas constituições que contemplam a jurisdição constitucional são inspiradas pelo ideário do Estado Social. A conjugação do constitucionalismo social com o reconhecimento do caráter normativo e judicialmente sindicável dos preceitos constitucionais gerou efeitos significativos do ponto de vista da importância da Constituição no sistema jurídico — ela assumiu uma centralidade outrora inexistente —, bem como da partilha de poder no âmbito do aparelho estatal, com grande fortalecimento do Poder Judiciário, e, sobretudo, das cortes constitucionais e supremas cortes, muitas vezes em detrimento das instâncias políticas majoritárias. Sobre o tema, ver item 24.a (Neoconstitucionalismo). Para finalizar, além da história do constitucionalismo, é preciso pontuar para onde ele caminha. O constitucionalismo moderno foi erigido a partir de um pressuposto fático, que hoje já não se verifica plenamente o Estado nacional soberano, detentor do monopólio da produção de normas, da jurisdição e do uso legítimo da força no âmbito do seu território, que não reconhece qualquer poder superior ao seu. O Estado continua sendo o principal ator político no mundo contemporâneo. Porém, com a globalização, atualmente, o Estado nacional perdeu em parte a capacidade que tinha para controlar os fatores econômicos, políticos, sociais e culturais que atuam no interior das suas fronteiras, pois esses são cada vez mais influenciados por elementos externos,sobre os quais os poderes públicos não exercem quase nenhuma influência. No mundo contemporâneo, os Estados nacionais, sozinhos, não conseguem enfrentar alguns dos principais problemas com que se deparam em áreas como a economia, o meio ambiente e a criminalidade. Em paralelo, surgem novas entidades internacionais ou supranacionais, no plano global ou regional, que exercem um poder cada vez maior e tensionam a soberania estatal e a supremacia constitucional. Ao lado disso, desenvolve-se na sociedade global, desde o final da II Guerra Mundial, um “cosmopolitismo ético”, que cobra dos Estados mais respeito aos direitos humanos, não aceitando a invocação da soberania ou de particularismos culturais como escusa para as mais graves violações à dignidade humana. Nesse cenário, surgem fontes normativas e instâncias de resolução de conflitos alheias ao Estado, que não se subordinam ao Direito estatal, inclusive ao emanado da Constituição. O constitucionalismo em rede ou multinível toma o lugar da tradicional pirâmide Kelseniana; a emergência do Direito Comunitário, sobretudo no contexto europeu; o fortalecimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos; e a difusão global de uma lex mercatoria, composta por práticas aceitas pelos agentes do comércio internacional, que se situam às margens dos ordenamentos estatais; o conflito entre o universalismo dos direitos fundamentais e o respeito às diferenças culturais, são exemplos de questões colocadas à frente do constitucionalismo. Para que o constitucionalismo estatal não se torne autista, Marcelo Neves sustenta o transconstitucionalismo para manutenção do diálogo constitucional entre diferentes esferas, permitindo que as respectivas imperfeições e incompletudes sejam percebidas e eventualmente corrigidas. Esses são alguns dos desafios a serem enfrentados pelo constitucionalismo pós-moderno. Ponto extra: O problema da legitimidade intergeracional Problema tormentoso surge da questão da legitimidade intergeracional, ou seja, do fato de uma geração adotar decisões vinculativas para as outras que a sucederão, principalmente no que pertine às cláusulas pétreas, cuja superação, como é cediço, só é possível através de uma ruptura da ordem jurídica. No entanto, o constitucionalismo democrático, além de valorar positivamente o fato de a Constituição ser dotada de supremacia, procura atribuir a importância devida às deliberações populares e às decisões da maioria dos representantes do povo. Contudo, registre-se que cada geração tem o direito de viver de acordo com seus valores, de forma que, cabe ao poder constituinte difuso, ou seja, a mutação constitucional deve ser a ferramenta para interpretar de forma a combinar com a realidade vigente. Questões de prova oral: (27º CPR) Deborah Duprat - Queria que você, rapidamente, me falasse sobre as principais características do constitucionalismo britânico, norte-americano e francês. (27º CPR) Deborah Duprat - O que aproxima e o que distingue, na atualidade, o constitucionalismo brasileiro contemporâneo do constitucionalismo norte-americano? (28º CPR) Deborah Duprat - Você diria, então, que nossa Constituição - você me disse que as razões religiosas não podem entrar no debate público, mesmo elas tendo essa filtragem que as transformam em razões públicas – essa é uma posição marcadamente liberal. A questão religiosa é uma questão de foro íntimo, uma questão reservada ao espaço doméstico, ao espaço privado, não tem lugar no espaço público. Você acha que a Constituição de 88 é uma constituição marcadamente liberal? (28º CPR) Deborah Duprat: Deixa eu te fazer uma pergunta, sempre problematizando. Para uma determinada comunidade amazônica, na sua cosmologia, todos os seres da natureza são humanos. Eles estão, temporariamente, encarnados em plantas, bichos, mas, a qualquer momento, eles podem se transformar em humanos. Então, a noção de família passa por esses seres também – as árvores, os peixes, enfim, tem uma família extensa que não abrange somente as pessoas que estão agora encarnadas, mas naquelas que podem vir a ser encarnadas... Você acha que uma pretensão desse tipo, de reconhecimento de uma família que não é apenas antropocêntrica, você acha que isso pode ser trazido para o debate público, ou essa é uma visão que se aproxima de uma visão religiosa? 14C. A evolução do constitucionalismo brasileiro: constituições de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969. A ditadura militar e os atos institucionais. A assembleia constituinte de 1987/88. Karine Hoffstaeter Atualização por Isabella de Souza (2023) Bibliografia: graal alternativo do 28 CPR; Direito Constitucional (teoria, história e métodos de trabalho) Daniel Sarmento. Materiais do grupo (Dicionário Constitucional; pareceres do PGR; Tabela de Jurisprudência de DH e curso de direito constitucional - Gilmar Mendes e Paulo Gonet (Série IDP. Linha doutrina, 2022) Constituição de Cádiz: “Na esteira da revolução liberal portuguesa, D. João VI, por meio do Decreto de 21-4-1821, mandou que fosse observada no Brasil, e até que entrasse em vigor a Constituição que se achava em elaboração, a Constituição espanhola, liberal, de 1812, a chamada Constituição de Cádiz. No dia seguinte, novo Decreto de D. João revogava a ordem, e a Constituição espanhola perdia vigência.” Constituição de 1824: A constituição de 1824 foi outorgada por D. Pedro I. Destaques: Foi a Constituição mais longa da história (65 anos e emendada uma vez). Monarquia e Estado Unitário; há centralização do poder. Poder Moderador: O art. 99 estabelecia que “a pessoa do Imperador é inviolável, e sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade alguma”. Era semiabsolutista (o poder moderador é uma leitura enviesada da teoria de Benjamin Constant). Controle de Constitucionalidade: Não havia controle de constitucionalidade (influência da França); a Assembleia Geral deveria guardar a constituição e a interpretação fica a cargo do poder legislativo. Ao juiz só caberia aplicar a constituição e as leis. Poder Moderador possuía a prerrogativa de adentrar no mérito das decisões de qualquer dos Poderes. (dogma: soberania do Parlamento) Há quem identifique o poder moderador como instituto antecedente. Ideal: compromisso entre o liberalismo conservador e o semiabsolutismo (direitos individuais: legalidade, liberdade de expressão e de imprensa, liberdade de religião, profissional, irretroatividade da lei, vedação da tortura, juiz natural e outros; elitismo conservador - modelo censitário de direitos políticos e falta de dimensão democrática). Forma de governo: monarquia hereditária. Religião oficial: católica (embora se permitisse o culto doméstico e particular de outras crenças). Direitos: A Constituição de 1824 revela uma sensibilidade para o social (socorros públicos e à instrução primária gratuita) Eleições indiretas: os votantes escolhiam os eleitores (eleição de primeiro grau), que, por sua vez, elegiam os titulares dos cargos disputados (eleição de segundo grau). Forma de Estado: unitária e território dividido em províncias. Reforma: Não havia qualquer limite material ao poder de reforma. As normas consideradas substancialmente constitucionais eram as relacionadas aos limites e atribuições dos Poderes Políticos e aos direitos políticos e individuais, as quais demandavam um complexo procedimento para alteração em que primeiro era editada uma “lei autorizadora” para na legislatura seguinte aprovar (ou não) a reforma pretendida. Características: Analítica e semirrígida. Patrimonialista (desprezo pelos direitos fundamentais e escravidão - apesar de prever o princípio da igualdade). Constituição de 1891: O Decreto 1 proclama a República Federativa; há o estabelecimento de um governo provisório (figura de Deodoro da Fonseca). A inspiração da constituição norte-americana era evidente. Foi a Carta mais concisa da história (91 artigos e 8 no ADCT). Destaques: criação da Justiça Federal. O STF é situado no ápice do Judiciário. Houve uma única emenda. Também, deve ser mencionado que essa Constituição reservava uma zona - noPlanalto Central - para a criação da futura Capital da República. CPR 30, Q. 02. (C): No Brasil, o controle difuso foi implementado pelo Decreto n. 848/1890, que também instituiu a Justiça Federal. No ano seguinte, essa modalidade de fiscalização veio a ser incorporada na Constituição de 1891 e, a partir de então, passou a ser reconhecida nas constituições vindouras. Portanto, o controle difuso brasileiro teria, por aproximação, quase a mesma idade da República. Controle de Constitucionalidade: Introduz o controle de constitucionalidade difuso (origem estadunidense). Criação de uma Justiça Federal (O Brasil era um Estado unitário e passa a ser um estado federal). Garantias: Não havia mandado de segurança, mas somente o habeas corpus. (doutrina brasileira do habeas corpus - encampada pelo STF). Ideal: liberalismo republicano e moderado (importado dos EUA e incompatível com a sociedade brasileira). Forma de Estado: Federalista. Modelo Dual (separação entre as esferas federal e estadual, reduzido espaço para a cooperação). Sistema de governo: Presidencialista. Poderes: O Poder Legislativo era bicameral. O Poder Judiciário foi organizado pela Constituição com uma Justiça Federal e outra Estadual. Direitos políticos aos cidadãos brasileiros maiores de 21 anos (excluindo-se os analfabetos, os mendigos, os praças militares e os integrantes de ordens religiosas que impusessem renúncia à liberdade individual). Abolição do voto censitário. Não houve qualquer referência restritiva expressa às mulheres no texto constitucional (havia discriminação de gênero e não se discutia se elas podiam ou não votar ou se candidatar). Direitos: Direitos individuais e a inspiração liberal (liberdades públicas e diversas garantias penais e processuais). Direitos fundamentais: aboliu privilégios de nascimento, foros de nobreza e ordens honoríficas. Previu a separação entre estado e igreja e a laicidade do ensino público. Não demonstrou qualquer sensibilidade para o social. Reforma: A constituição era rígida. Havia limites ao poder de reforma: vedação à abolição da forma republicana federativa e à igualdade de representação dos Estados no Senado. Constituição liberal (Na prática, a sociedade estava muito distante do liberalismo, marcada pelo coronelismo, pela fraude eleitoral e pelo arbítrio dos governos). Constituição de 1934: Contexto inicial composto por crises da República Velha e Revolução de 1930; reunião de uma assembleia constituinte e influência da Constituição de Weimar, de 1919. Preocupações com um Estado mais atuante no campo econômico e social. Destaques: Busca resolver o problema da falta de efeitos erga omnes das decisões declaratórias de inconstitucionalidade do STF, instituindo o mecanismo da suspensão, pelo Senado. Ainda, a intervenção federal de representação do Procurador-Geral da República. A Constituição previu expressamente o mandado de segurança. Controle de Constitucionalidade: manteve o controle difuso, mas trouxe algumas inovações, especialmente a competência do senado de suspender a aplicação de leis que tenham sido declaradas inconstitucionais pelo Supremo. Esse era um mecanismo que buscava ajustar o controle de constitucionalidade a um sistema jurídico em que o precedente não vincula. A CF/34 trouxe inovações (1ª. Reserva de Plenário; 2º. Resolução Suspensiva do Senado; 3º. Representação Interventiva; 4º. Mandado de Segurança.) Direitos: constitucionalismo social. Rompe com o modelo liberal anterior, incorporou uma série de temas, voltando-se à disciplina da ordem econômica, das relações de trabalho, da família, da educação e da cultura. Características: Era uma constituição rígida. Manteve o federalismo, a separação de poderes e o regime presidencialista. Poderes: criação da justiça do trabalho (no âmbito do executivo). O federalismo cooperativo (inspiração de Weimer). A Justiça Eleitoral ganhou assento constitucional. Direitos e garantias: previsão de direitos sociais, em especial os direitos trabalhistas. Trouxe pela primeira vez o mandado de segurança e a ação popular. Âmbito Econômico: Inaugura a disciplina constitucional da economia, com possibilidade de intervenção do Estado na seara econômica. O nacionalismo era um traço marcante no regime então estabelecido. Constituição de 1937: Em 1937 houve o golpe de Estado do mesmo ano e a instituição da constituição “polaca” (devido à influência que nela se encontrou da Constituição polonesa, de linha ditatorial, de 1935). Destaques: Fortalecimento do Executivo. O Presidente da República era, por disposição expressa do art. 37, a “autoridade suprema do Estado”. Habilitou-se o Presidente da República a legislar por decreto-lei. A Constituição eliminou a justiça federal de primeira instância, reduziu os direitos fundamentais proclamados no diploma anterior e desconstitucionalizou o mandado de segurança e a ação popular. A Carta também previa que, em sendo declarado o estado de emergência ou o de guerra, os atos praticados sob esse pressuposto seriam insindicáveis em juízo. Os direitos fundamentais ganharam referência simbólica. A pena de morte voltou a ser adotada, agora para crimes políticos e em certos homicídios. Institucionalizaram-se a censura prévia da imprensa e a obrigatoriedade da divulgação de comunicados do Governo. Controle de Constitucionalidade: praticamente se anulou o controle de constitucionalidade. O Presidente (2/3) afastar as decisões do Supremo que reconhecessem a inconstitucionalidade de uma Lei. O Congresso Nacional esteve fechado (havia um artigo na constituição atribuindo ao Presidente as competências do congresso, enquanto o congresso estivesse fechado). Como o Parlamento não funcionou durante o Estado Novo, o Presidente da República arvorou-se à condição de constituinte derivado, modificando unilateralmente a Carta de 1937, por meio da edição de “leis constitucionais”. Portanto, na prática, a Carta de 1937 funcionou como uma Constituição flexível. Cláusula do não-obstante: preconizava a possibilidade de o Poder Legislativo invalidar uma decisão do STF. É o chamado controle de constitucionalidade fraco. (O art. 96, parágrafo único, estabelecia que o Presidente da República poderia submeter uma decisão do Supremo Tribunal Federal declaratória da inconstitucionalidade de lei à revisão pelo Parlamento (para afirmar a constitucionalidade do diploma e tornar sem efeito a decisão judicial). Características: A filosofia geral baseia-se numa rejeição às técnicas da democracia liberal: (i) o sufrágio direto foi desprezado; (ii) a separação de poderes também foi relegada a segundo plano, pois se considerava que o desenvolvimento e a modernização nacionais deveriam ser perseguidos por um governo forte, capitaneado por um Presidente em contato direto com as massas, sem os entraves da política parlamentar e partidária. Apesar disso, ela impunha limites significativos ao exercício do poder. Na realidade, houve a manifestação do poder sem a observância de limites jurídicos. Direitos: O MS perdeu seu status de garantia constitucional, passando a ser disciplinado apenas pela legislação ordinária, e a Constituição vedou ao Judiciário conhecer de questões exclusivamente políticas. Admitia a pena de morte em diversas situações que tangenciavam o crime político, previa a censura prévia da imprensa. Consagrou as liberdades públicas tradicionais, mas não contemplou a proteção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. Também cuidou da família, educação e cultura. Quanto à ordem econômica, seguiu a linha intervencionista e nacionalista da constituição de 1934. Poderes: O poder judiciário tinha estrutura muito simplificada. A constituição não aludia à justiça eleitoral e a justiça federal de 1º e 2º graus foram suprimidas. A justiça do trabalho continuava no âmbito do executivo. Constituição de 1946: A Constituição de 1946 pretendia superar o Estado autoritário e reinstalar a democracia representativa, com o poder sendo exercido por mandatários escolhidos pelo povo. Assegurou-se autonomia real aos Estados-membros.Contexto inicial: Término da Segunda Guerra Mundial e a derrocada dos regimes autoritários influíram sobre os acontecimentos políticos brasileiros, erodindo as bases ditatoriais do Estado Novo. Destaques: A Constituição era presidencialista (exceto entre setembro de 1961 e janeiro de 1963 - parlamentarismo). Foi instituída a representação por inconstitucionalidade de lei, reforçando o papel do Judiciário no concerto dos três Poderes. Ficaram excluídas as penas de morte, de banimento e do confisco. A Constituição ocupava-se da organização da vida econômica, vinculando a propriedade ao bem-estar social e fazendo dos princípios da justiça social, da liberdade de iniciativa e da valorização do trabalho as vigas principais da ordem econômica. O direito de greve apareceu expresso no Texto. Controle de Constitucionalidade: Elimina a possibilidade de invalidação da decisão do Supremo por meios políticos, manteve o controle difuso concreto, a competência do Senado e a reserva de plenário. Há mecanismo de controle de constitucionalidade na intervenção (controle concentrado). A EC n. 16/65 instituiu a Representação de Inconstitucionalidade (espécie de generalização daquele modelo de controle abstrato, ação que tinha como único legitimado o PGR - podia impugnar leis ou atos normativos federais ou estaduais, diretamente no Supremo, tomando como parâmetro a constituição toda). Histórico: Houve momentos de democracia e estabilidade institucional, bem como outros extremamente conturbados, em que a Constituição teve pouca importância - 1946 a 09/1961: crise política (Emenda nº 4 institui parlamentarismo) - o Brasil experimentou, uma vida política democrática, eleições livres e regulares e respeito às liberdades públicas, apesar das turbulências políticas; 1961 até o golpe militar de 1964: edição da Emenda nº 6 em 1963, após a manifestação da vontade popular por plebiscito; terceiro momento: arbítrio militar de atos institucionais. Constituição de 1967. Contexto inicial: Depois de período de conturbação política, as Forças Armadas intervieram na condução do país por meio de atos institucionais e por uma sucessão de emendas à Constituição de 1946. Destaques: marcada pela preocupação com a segurança nacional. A CF era centralizadora e fortalecia poderes do Presidente. Possuía um catálogo de direitos individuais (permitindo que fossem suspensos em certas ocasiões). O Presidente da República poderia legislar por meio de decretos-leis. Controle de Constitucionalidade: A sistemática de controle de constitucionalidade, com as mudanças introduzidas pela Emenda nº 16/65, foi mantida. A sua novidade está contida na Emenda Constitucional nº. 07/1977 que traz dois pontos importantes: a) Possibilidade de Liminar em Representação de inconstitucionalidade do PGR; b) Representação Interpretativa (Representação para interpretação) – O Procurador-Geral da República poderia propor uma representação para que o STF fixasse a interpretação correta da lei. Ela não existe mais hoje e não precisaria existir, porque hoje é possível propor uma ADI e formular o pedido de interpretação conforme a constituição. Ideal: propósito do grupo moderado das Forças Armadas de reconstitucionalizar o país. Características: concentração do poder, tanto no sentido vertical — centralização no pacto federativo —, como no horizontal — hipertrofia do Executivo. Preocupação com a preservação de uma fachada liberal (previsão de direitos e garantias individuais). Manteve-se o federalismo bidimensional. Eleições: Eleições presidenciais indiretas (maioria absoluta, colégio eleitoral formado pelo Congresso Nacional e por delegados das Assembleias Legislativas - sem possibilidade de reeleição para o mandadto consecutivo). Poderes: O Poder Legislativo seguia o modelo bicameral (Câmara dos Deputados e Senado). Quanto ao Poder Judiciário, não houve mudanças significativas em relação à Constituição de 1946, com as alterações impostas pelo AI-2. As garantias da magistratura foram preservadas, mas foram conservadas as cláusulas que excluíam da apreciação judicial os atos praticados pelo “Comando Supremo da Revolução”, dentre os quais os expedidos por força dos atos institucionais. Constituição de 1969. Contexto: A crise política se agravou e o Governo editou o Ato Institucional n. 5 (ampliava poderes do Presidente e tolhia mandatos políticos; restringia direitos e liberdades básicos). Destaques: O Presidente podia fechar as casas legislativas das três esferas da Federação e os atos praticados com fundamento nesse Ato ficavam imunes ao controle pelo Judiciário. Características: outorgada pela Junta Militar. era a Emenda Constitucional nº 1. Invocou-se, como fundamento jurídico da outorga, o AI-5 e o AI-16. Enquanto o Congresso estivesse em recesso, o poderia legislar sobre todas as matérias; e até a posse do novo Presidente, a Chefia do Executivo seria exercida pelos Ministros militares. Poderes: O sistema e as principais instituições da Carta de 1969 coincidem, no geral, com as da Constituição de 1967, com algumas alterações, tais como: a) o Vice-Presidente deixou de cumular sua função com a de Presidente do Congresso, como ocorria na Constituição de 1967; b) o Congresso seria presidido pelo Presidente do Senado Federal; c) restrição à imunidade parlamentar material; d) introdução de hipótese de perda de mandato por infidelidade partidária; e) retrocessos no campo dos direito fundamentais; f) retirada da iniciativa das Assembleias Legislativas. Manteve-se expressamente o AI-5, bem como seus atos complementares (art. 182). Constituição ou Emenda? Daniel Sarmento entende que não se tratou de simples emenda, mas de Constituição — se é que merece esse nome uma norma editada de forma tão ilegítima. Isto não apenas pela extensão das mudanças promovidas, como também pelo seu fundamento de validade. É que as emendas, como emanação de um poder constituinte derivado, têm o seu fundamento na própria Constituição que modificam. Porém, a assim chamada Emenda nº 1 não foi outorgada com fundamento na Constituição de 1967, mas sim com base no suposto poder constituinte originário da “Revolução vitoriosa”, que se corporificava, mas não se exauria nos atos institucionais editados pelos militares. A ditadura militar e os atos institucionais: Formalização do golpe por meio do Ato Institucional nº 1. O governo passa a perseguir os adversários do regime, realizando tortura e prisões arbitrárias. No Congresso, cinquenta parlamentares tiveram o seu mandato cassado. Com a edição do AI-5, desfez-se a expectativa de que a Constituição pudesse institucionalizar o regime. Tornara-se claro que o governo militar só seguiria a Constituição se e quando isso lhe conviesse. Com base no AI-5, abriu-se um amplo ciclo de cassações de mandatos e expurgos no funcionalismo, que atingiu as universidades. Três Ministros do STF foram cassados. A censura se institucionalizou. Embora não houvesse no AI-5 nenhuma autorização legal para tortura, desaparecimento forçado de pessoas ou assassinatos, tais práticas tornaram-se os métodos corriqueiros de trabalho das forças de repressão. Foram editados outros doze atos institucionais até a outorga da Constituição de 1969 — do AI-6 ao AI-17 —, impondo medidas diversas, como a mudança do número de Ministros do STF de 11 para 16 (AI-6) e a suspensão de eleições (AI- 7). Fim do regime: Em agosto de 1969, o Presidente Costa e Silva sofre um derrame que o deixa paralisado. Era necessário substituí-lo, mas os ministros militares não cogitavam em seguir as regras do jogo, que indicavam a sua sucessão pelo Vice-Presidente Pedro Aleixo - que, além de civil, deixara de ser confiável, ao votar contra a decretação do AI-5. A solução veio por meio da decretação do AI-12, que investiu os Ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica na Chefia do Executivo, “enquanto durar o impedimento temporário do Presidente da República” (art. 1º). Desfechava-se um verdadeiro golpe dentro do golpe. Dias depois, a Junta Militar decretou outros dois truculentos atos institucionais: o AI-13,possibilitando o banimento de brasileiro que se tornasse “inconveniente, nocivo ou perigoso à Segurança Nacional”, e o AI-14, estendendo a possibilidade de aplicação da pena de morte à guerra “psicológica adversa”, “revolucionária ou subversiva”. Em 14 de outubro de 1969, é editado o AI-16, declarando a vacância dos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República e marcando eleições indiretas para escolha dos sucessores para o dia 25 do mesmo mês. Até lá, a Junta Militar continuou à frente do governo. O Congresso, que estava de recesso desde a decretação do AI-5, foi convocado às pressas para referendar o nome do General Emílio Garrastazu Médici. Ato Institucional-5 (editado em 13 de dezembro de 1968): Um dos principais editados pelo regime militar. suspende a garantia do habeas corpus para determinados crimes; dispõe sobre os poderes do Presidente da República de decretar estado de sítio, nos casos previstos na Constituição Federal de 1967; intervenção federal, sem os limites constitucionais; suspensão de direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de dez anos e restrição ao exercício de qualquer direito público ou privado; cassação de mandatos eletivos; recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores; exclusão da apreciação judicial atos praticados de acordo com suas normas e Atos Complementares decorrentes. Constituição de 1988. Contexto: Positivação das reivindicações populares (ex. assegura as eleições diretas para a chefia do Executivo em todos os níveis da Federação). É a vitória final da campanha: “diretas já”. Destaques: A primeira constituição a apresentar o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana, também, apresenta o Título dos direitos fundamentais logo no início das suas disposições (antes das normas de organização do Estado). A CF de 88 acolhe o adjetivo cidadã (utilizada no discurso da promulgação). A Constituição de 1988 representa o coroamento do processo de transição do regime autoritário em direção à democracia. Apesar da forte presença de forças que deram sustentação ao regime militar na arena constituinte, foi possível promulgar um texto que tem como marcas distintivas o profundo compromisso com os direitos fundamentais e com a democracia, bem como a preocupação com a mudança das relações políticas, sociais e econômicas, no sentido da construção de uma sociedade mais inclusiva, fundada na dignidade da pessoa humana. Controle de Constitucionalidade: manteve o controle difuso e concreto e ampliou muito o controle abstrato, tanto pela previsão de outras ações de controle abstrato (ADI por omissão, ADPF, que foi regulada depois), mas, sobretudo pela ampliação dos legitimados, conforme podemos perceber pelo artigo 103. Assembleia Constituinte: De acordo com a Emenda Constitucional nº 26/85, os membros do Congresso reunir-se-iam “unicameralmente, em Assembleia Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional” (art. 1º). Seria instalada pelo Presidente do STF, que presidiria a eleição do seu Presidente (art. 2º). A nova Constituição seria promulgada “depois da aprovação de seu texto, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos membros da Assembleia Nacional Constituinte” (art. 3º). Foi elaborado um regimento interno para elaboração da Constituição, o qual previu a possibilidade de a Constituinte sobrestar qualquer medida que pudesse ameaçar os seus trabalhos e a sua soberania. Informações adicionais - A ditadura militar e os atos institucionais. Decisão nº 14/2021-PFDC/CAV: proferida no bojo do Inquérito Civil – IC instaurado em 2015 pela PRDC/SP (apuração da participação de empresas privadas – notadamente da Volkswagen do Brasil – no regime ditatorial vigente no Brasil entre os anos de 1964 e 1985 e violações aos direitos humanos praticadas durante esse período). A instrução processual permitiu concluir pela existência de “um cenário de persistente e consistente colaboração ativa da Volkswagen com o regime militar […]. Essa cooperação foi muito além de mero suporte por simpatia ou da justificável defesa dos interesses comerciais da companhia. A empresa, por decisão de sua alta direção no Brasil e conivência da direção da matriz na Alemanha, se envolveu diretamente com os fatos aqui apurados. O departamento de segurança institucional da empresa agia como longa manus da polícia política, conduzindo interrogatórios, inquéritos e investigações, mesmo fora das dependências da empresa. A cumplicidade chegou ao ponto da empresa participar intelectual e materialmente da criação de falsas versões sobre o paradeiro de trabalhadores”. (TAC: declaração pública sobre os fatos apurados; pagamento de quantia; destinação de quantia a “entidades que desenvolvam projetos de promoção da memória e verdade). TAC considerado leading case administrativo. NOTA TÉCNICA - PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO 177/2021 (DENÚNCIA DA CONVENÇÃO 169 DA OIT) Conclusão: A denúncia da Convenção 169 da OIT implica um atentado a pessoas e grupos particularmente fragilizados da sociedade brasileira, vítimas contínuas da opressão histórica (a propósito, veja-se o “Relatório Figueiredo” sobre violência aos índios na ditadura militar instaurada em 1964). A fragilidade qualifica a violação aos direitos fundamentais dos povos e comunidades tradicionais e, na medida em que impacta desproporcionalmente pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade, atenta contra o princípio da igualdade. (Recomendação de rejeição ao Projeto de Decreto Legislativo 177/2021). Casos sobre ditadura: Caso “Guerrilha do Araguaia” (Gomes Lund e outros vs. Brasil) (2010). Inconvencionalidade da Lei de Anistia aos agentes da ditadura militar. Justiça de transição, comissão da verdade, direito à memória, medidas de reparação e de não repetição. Caso Órdenes Guerra e outros vs. Chile (2018): Violação do direito ao acesso à justiça e à proteção judicial pela negativa do Judiciário em conceder indenização aos familiares de vítimas da ditadura. Ação civil pública do MPF contra delegados de polícia por práticas de tortura, desaparecimento e homicídio de dissidentes políticos no regime militar. Decisão do STJ na ACP: (i) a reparação civil de atos de violação de direitos fundamentais cometidos no período militar não se sujeita à prescrição; (ii) a Lei de anistia não alcança sanções administrativas ordinárias, não fundadas em atos de exceção, institucionais ou complementares; (iii) não se pode invocar a Lei da Anistia brasileira para impedir o fornecimento dos dados sobre identificação e lotação de servidores públicos. Barrios Altos vs. Peru (2001): invalidade das leis de anistia que impliquem a impunidade de agentes responsáveis por graves violações de Direitos Humanos. Almonacid Arellano y otros vs. Chile (2006): incompatibilidade de lei de anistia, direito à justiça das vítimas (interpretação ampla dos arts. 8º e 25 em relação aos arts. 1.1 e 2º da CADH). La Cantuta vs. Peru (2006): execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, investigações pela Justiça Militar e lei de anistia. Afastamento do bis in idem em caso de absolvição dos agentes em processo parcial. 24A. Neoconstitucionalismo. Constitucionalização do Direito e judicialização da política. Jorge Neto I - Neoconstitucionalismo. A partir do pós-2ª guerra mundial a doutrina passou a desenvolver um novo paradigma em relação ao fenômeno constitucional, denominado neoconstitucionalismo, também chamado de constitucionalismo pós-moderno ou pós-positivismo. Para além da ideia liberal burguesa de limitação do poder político, busca-se, acima de tudo, a eficácia da Constituição, de modo que o texto deixa de ter caráter meramente retórico e passa a ser mais efetivo, em especial no que toca à concretização de direitos fundamentais. As principais características do neoconstitucionalismo são, em síntese: atribuição de força normativa à Constituição, que deixa de ser mero documento político; novo tratamento hermenêutico conferido às regras e aos princípios, anteConstituição. Desapropriação para Reforma Agrária. 272 21C. Ordem constitucional econômica. Princípios constitucionais da ordem econômica. Intervenção estatal direta e indireta na economia. Regime constitucional dos serviços públicos. Monopólios federais e seu regime constitucional. 275 13B. Regime constitucional da propriedade. Função socioambiental da propriedade. Desapropriação e requisição. 279 21. ORDEM SOCIAL 281 14B. Previdência social e assistência social. 282 16A. Direito fundamental à educação. A educação na Constituição Federal. 285 17A. Proteção constitucional à família, à criança, ao adolescente e ao idoso. 292 18B. Direitos das pessoas portadoras de deficiência. A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. 295 19C. Direito à Saúde. Sistema Único de Saúde na Constituição. Controle Social. O Direito de Acesso às Prestações Sanitárias. 302 9A. Comunicação social. A imprensa na Constituição. Liberdades públicas, acesso à informação e pluralismo. 310 22. ÍNDIOS E QUILOMBOLAS E MINORIAS 316 19B. Direitos das comunidades remanescentes dos quilombos e de comunidades tradicionais. 316 20B. Índios na Constituição. Competência. Ocupação Tradicional. Procedimento para Reconhecimento e Demarcação dos Territórios Indígenas. Usufruto. 318 1. TEORIA GERAL DO ESTADO 6B. Federalismo. Concepções e características. Classificações. Sistemas de repartição de competência. Direito comparado. Atualizado por Igor Lima Goettenauer de Oliveira Guilherme Mitidiero I. Noções Gerais No Brasil, a federação surge provisoriamente por meio do Decreto n. 1, de 15.11.1889, juntamente com a forma republicana de governo, tomando assento constitucional na Carta de 1891. As Constituições posteriores mantiveram a forma federativa de Estado. Entretanto, o federalismo nas Constituições de 1937, de 1967 e na Emenda n. 1/69 foi apenas nominal (“federalismo de fachada”). No Federalismo clássico, ou dual, a repartição do poder é rigidamente dividida entre a União (Poder Central) e os Estados (Poder Regional). O federalismo brasileiro atual é tricotômico, pois engloba a União (Poder Central), os Estados (Poder Regional), o Distrito Federal (DF) e os Municípios (Poder local). Os territórios não são entidades federais, mas meras autarquias territoriais integrantes da União. Entretanto, Municípios não possuem constituições locais, mas leis orgânicas. Segundo José Afonso da Silva, para que haja autonomia federativa, são necessários os seguintes elementos: 1. órgãos próprios de cada entidade (união, estados e municípios); e 2. posse de competências exclusivas de cada entidade. União. A União, pessoa jurídica de direito público, possui uma visão interna, relativa aos demais estados federados, e uma visão externa, em face dos demais Estados estrangeiros. Internamente, age a União em pé de igualdade com os outros entes da Federação, sendo detentora de deveres e obrigações. No âmbito externo, ela representa todo o Estado Federado na figura da República Federativa do Brasil, como se fosse ele unitário, já que o direito internacional não reconhece a personalidade jurídica dos estados-membros e municípios, naquele âmbito. Neste sentido, vide art. 29 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. Estados federados. São coletividades regionais autônomas, sem soberania, porém com autonomia. Entre os Estados e a União não há hierarquia, convivendo todos num mesmo nível jurídico. A autonomia define-se como condição “de gerir os negócios próprios dentro dos limites fixados por poder superior”, caracterizando-se pela capacidade de autogoverno, auto-organização, autolegislação, autoadministração e autonomias tributária, financeira e orçamentária. Municípios. A CF/88, inovadoramente, considerou os municípios como componentes da estrutura federativa, e o fez em dois momentos (arts. 1º e 18). Anteriormente eram componentes dos Estados, que decidiam a sua organização. Saliente-se que José Afonso da Silva defende que os municípios não passaram a ser entidades federativas. Apenas teriam ganhado autonomia político-constitucional (entre outros argumentos, porque não há intervenção federal nos municípios, tampouco Poder Judiciário próprio). Paulo Branco enumera quatro motivos para os municípios não integrarem o Estado Federal: a) não participam da vontade federal, visto que não têm representantes no Senado; b) não mantêm um Poder Judiciário, como ocorre com os estados –membros e União; c) a intervenção nos municípios situados em estado-membro está a cargo deste; d) a competência originária do STF para resolver conflitos entre entes federativos não abrange os casos em que os municípios estão em um dos polos da lide. Grande parte da doutrina, acompanhada da jurisprudência, no entanto, sustenta os municípios são entes federativos (federalismo de 3º grau). Possuem os municípios, autonomia política, administrativa e financeira, sendo detentores das capacidades acima delineadas para os Estados, guardadas as peculiaridades, mas não exercem o poder constituinte derivado decorrente. Distrito Federal. Antes considerado uma autarquia territorial, foi erigido pela CF/88 à condição de pessoa política, integrante da federação. Sua autonomia está consagrada no art. 32 da CF, que lhe confere as capacidades de auto-organização, autogoverno, autolegislação e autoadministração, embora sofram limitações em questões essenciais. Ex.: compete à União “organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios” (art. 21, XIII). Obs.: desde 2012, não inclui mais a Defensoria Pública do Distrito Federal, mas só dos Territórios, pois a União nunca a criava. Além disso, também compete à União “organizar e manter a polícia civil, a polícia penal, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal” (art. 21, XIV); essa competência já foi reafirmada pelo STF na ADI 6611. A competência legislativa do DF compreende as que são atribuídas aos Estados e Municípios, o Poder Legislativo é exercido pela Câmara Legislativa (no regime anterior o era pelo Senado Federal), o Poder Executivo pelo Governador e o Poder Judiciário – assim como o Ministério Público – na verdade não é dele, mas da União. Territórios. São pessoas jurídicas de direito público interno com capacidade administrativa e de nível constitucional, ligadas à União e tendo nela a fonte de seu regime jurídico infraconstitucional. Não são pessoas políticas (não legislam), possuindo mera capacidade administrativa (natureza jurídica de meras autarquias ou descentralizações administrativo-territoriais). Não integram a federação. Compete ao Congresso Nacional disciplinar sua atividade e organização administrativa e judicial, e é o governador escolhido pelo Presidente da República. Conforme Novelino, “a criação de territórios, disciplinada pela LC n. 20/74 e recepcionada parcialmente pela CF/88, poderá ocorrer em duas hipóteses. A primeira pelo desmembramento de parte de Estado-membro já existente, no interesse da segurança nacional. A segunda quando a União nela executar plano de desenvolvimento econômico ou social, com recursos superiores, pelo menos, a um terço do orçamento de capital do Estado atingido pela medida. A criação de território federal a partir do desmembramento de um Estado necessita de aprovação da população interessada, mediante a realização de plebiscito (CF, art. 18, §3º). A CF/88 transformou os territórios existentes em Estados, à exceção de Fernando de Noronha, que foi reincorporado a Pernambuco (ADCT, artigos 14 e 15)”. II. Concepções e características O Estado Federal expressa um modo de ser do Estado (daí se dizer que é uma forma de Estado) em que se divisa uma organização descentralizada, tanto administrativa quanto politicamente, erigida sobre uma repartição de competências entre o governo central e os locais, consagrada na CF, em que os Estados federados participam das deliberações da União, sem dispor do direito de secessão. No Estado Federal, de regra, há uma Supremaa insuficiência das regras interpretativas clássicas; alteração da forma de resolução de conflitos, com a inclusão de técnicas de ponderação e teorias da argumentação; mudança na teoria da norma, com distinção entre norma e enunciado normativo; reconhecimento de normatividade aos princípios; constitucionalização do Direito; releitura do Direito sob influência dos postulados da Ética e da Moral, sob influência do imperativo kantiano do “homem como fim em si mesmo”; forte crescimento da judicialização da política e das relações sociais, com submissão de temas sensíveis ao Judiciário; e, por fim, expansão da jurisdição constitucional. Segundo Barroso, o neoconstitucionalismo identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional. Tem como marco histórico a formação do Estado Constitucional/Democrático de Direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX. O Estado Moderno Liberal - institucionalizado com a Revolução Francesa -, em que se buscou limitar o poder estatal e privilegiar as liberdades negativas, revelou-se insuficiente diante da proteção da igualdade meramente formal. As desigualdades sociais do Estado Mínimo ensejaram a decadência do liberalismo clássico e adesão ao Estado do Bem-Estar Social (welfare state), em que o Estado passa de mero respeitador de direitos individuais (posição omissiva), para assumir o papel de condutor do desenvolvimento e efetivador de direitos (posição ativa), daí se falar em direitos de cunho prestacional, a fim de corrigir as diferenças entre os indivíduos (igualdade material - caráter distributivista). Como marco filosófico, tem-se o pós-positivismo, ante a superação do legalismo estrito do positivismo jurídico, com a reaproximação do Direito aos postulados da Ética e da Moral, marcantes no jusnaturalismo, mas sem o abandono do direito positivo. O Iluminismo ocasionou a mudança do paradigma do direito natural para o positivismo jurídico (do teleológico para o racional), de modo que houve a supervalorização da razão humana. Auguste Comte defendia que o único conhecimento válido era aquele que carregasse o status científico. Assim, o objeto da ciência jurídica passou a ser a norma positiva, distanciada de considerações morais, cujo fundamento de validade era a mera observância de seu procedimento formal de criação (teoria pura do direito – Kelsen), independentemente do conteúdo. Todavia, isso possibilitou as barbáries da 2ª guerra mundial e verificou-se que a validade da norma deve ser aferida a partir de valores fundamentais. E, por fim, como marco teórico, cita-se o reconhecimento da força normativa da Constituição (Konrad Hesse), a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito (Constituição invasora), eis que todos os ramos jurídicos passam por um processo de filtragem constitucional. Abandonou-se a concepção da Constituição como documento meramente político, repositório de promessas dependentes da atuação do legislador, para ser vista como verdadeira norma jurídica e locus para a consagração de direitos fundamentais, o que acarretou, por conseguinte, a expansão da jurisdição constitucional e uma nova hermenêutica, pois, em que pese ser norma jurídica, a densidade axiológica da CF exige métodos específicos de interpretação (abandono do formalismo interpretativo). O neoconstitucionalismo pode ser visto pelos seguintes prismas/vertentes: a) como modelo constitucional: conjunto de mecanismos normativos e institucionais; e b) como teoria, ideologia e método do direito. b.1) como teoria, limita-se a descrever os resultados da constitucionalização. Caracterizado por uma constituição ‘invasora’, catálogo de direitos fundamentais, onipresença de princípios e regras, peculiaridades na interpretação/aplicação das suas normas. Afasta a estatalidade, o legicentrismo (a constituição passa a ser norma jurídica vinculante) e o formalismo interpretativo. Mantém o método positivista com objeto parcialmente modificado ou propõe uma mudança radical de método (pós-positivismo); b.2) como ideologia, põe em 1º plano a garantia dos direitos fundamentais, em detrimento do objetivo da limitação do poder estatal (traço do constitucionalismo ‘clássico’), porque o poder estatal passa a ser aliado e necessário à implementação dos direitos fundamentais. Não se limita ao juízo descritivo (como o direito é), pois há sobreposição com o juízo prescritivo, na medida em que se valora positivamente o direito e defende sua ampliação (como deveria ser); b.3) como metodologia, especialmente em Alexy e Dworkin com a ponderação, traz a conexão necessária entre direito e moral (leitura moral da constituição), entronização de valores na interpretação jurídica com o reconhecimento da normatividade dos princípios, reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica. II - Constitucionalização do Direito. A ideia de constitucionalização do Direito está associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. A constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes. Repercute, também, nas relações entre particulares. Relativamente ao Legislativo, a constitucionalização (i) limita sua discricionariedade ou liberdade de conformação na elaboração das leis em geral e (ii) impõe-lhe determinados deveres de atuação para realização de direitos e programas constitucionais. No tocante à Administração Pública, além de igualmente (i) limitar-lhe a discricionariedade e (ii) impor a ela deveres de atuação, ainda (iii) fornece fundamento de validade para a prática de atos de aplicação direta e imediata da Constituição, independentemente da interposição do legislador ordinário. Quanto ao Poder Judiciário, (i) serve de parâmetro para o controle de constitucionalidade por ele desempenhado (incidental e por ação direta), bem como (ii) condiciona a interpretação de todas as normas do sistema. Por fim, para os particulares, estabelece limitações à sua autonomia da vontade, em domínios como a liberdade de contratar ou o uso da propriedade privada, subordinando-a a valores constitucionais e ao respeito a direitos fundamentais. III - Judicialização da política. Sarmento ensina que, como boa parcela das normas mais relevantes da CF caracteriza-se pela abertura e indeterminação semânticas, a sua aplicação pelo Poder Judiciário resultou em uma nova hermenêutica jurídica, ante a necessidade de resolver tensões entre princípios constitucionais colidentes, o que deu espaço para a técnica da ponderação e tornou frequente o recurso ao princípio da proporcionalidade na esfera judicial. Assim, houve o desenvolvimento de diversas teorias da argumentação jurídica, que buscam a melhor resposta para os casos difíceis. Barroso assevera que a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas, como o reconhecimento da importância de um Judiciário forte e independente, como elemento essencial para as democracias modernas. Outra causa envolve certa desilusão com a política majoritária, em razão da crise de representatividade e de funcionalidade dos parlamentos em geral. Há, ainda, o fato de que atores políticos, muitas vezes, preferem que o Judiciário seja a instância decisória de certas questões polêmicas, em relação às quais exista desacordo moral razoável da sociedade. Com isso, evitam o próprio desgaste na deliberação de temas divisivos, como uniões homoafetivas, interrupção de gestação ou demarcação de terras indígenas. Ademais, Barroso salienta que a “judicialização e o ativismo judicial são primos”, mas não têm as mesmas origens. A judicialização “decorre do modelo de Constituição analítica e do sistema de controle de constitucionalidadeabrangente adotados no Brasil, que permitem que discussões de largo alcance político e moral sejam trazidas sob a forma de ações judiciais. Vale dizer: a judicialização não decorre da vontade do Judiciário, mas sim do constituinte”, e o “ativismo judicial, por sua vez, expressa uma postura do intérprete, um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido e alcance de suas normas. Logo, a judicialização é fenômeno que apresenta dois componentes: (1) um novo "ativismo judicial", com a expansão das questões sobre as quais devem ser formados juízos jurisprudenciais (muitas até recentemente reservadas ao tratamento dado pelo Legislativo ou pelo Executivo); e (2) o interesse de políticos e autoridades administrativas em adotar (a) procedimentos semelhantes ao processo judicial e (b) parâmetros jurisprudenciais em suas deliberações. Tal "expansão" do poder das cortes judiciais seria o resultado de diversas características do desenvolvimento histórico de instituições nacionais e internacionais e de renovação conceitual em disciplinas acadêmicas. Assim, por exemplo, a reação democrática em favor da proteção de direitos e contra as práticas populistas e totalitárias da II Guerra Mundial na Europa; a influência da atuação da Suprema Corte americana; a tradição europeia (kelseniana) de controle da constitucionalidade das leis; os esforços de organizações internacionais de proteção de direitos humanos, sobretudo a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948. A judicialização da política ocorre porque os tribunais são chamados a se pronunciar onde o funcionamento do Legislativo e do Executivo se mostram falhos, insuficientes ou insatisfatórios. Sob tais condições, ocorre uma certa aproximação entre Direito e Política e, em vários casos, torna-se mais difícil distinguir entre um "direito" e um "interesse político", sendo possível se caracterizar o desenvolvimento de uma "política de direitos". Aponta-se, ainda, a ausência de mandato popular conferido ao STF, mas, por outro lado, é importante sua atuação contramajoritária. Sarmento não nega o fenômeno da judicialização da política, mas prefere outra linha teórica, que, apesar de reconhecer o papel importante do Judiciário na defesa dos direitos fundamentais e proteção da democracia, afirma a centralidade dos movimentos sociais e da sociedade civil na arena constitucional. Não se trata de apenas afirmar que tais atores podem participar da jurisdição constitucional (amici curiae ou audiências públicas), mas de reconhecer que há muito Direito Constitucional fora dos tribunais. Destaca-se a decisão do caso Raposa Serra do Sol, na parte em que impôs condicionantes às futuras demarcações de terras indígenas: o STF careceria de legitimidade, pois praticamente atuou como legislador e impôs graves restrições a direitos básicos de uma minoria étnica vulnerável, que estão em total desacordo com o texto constitucional e com a normativa internacional sobre direitos humanos. 4. PODER CONSTITUINTE 5A. Poder Constituinte originário. Titularidade e características. Jorge Neto I. Conceito e Titularidade Poder constituinte originário: É uma força, uma energia que se forja na consciência popular. Por muito tempo se conserva hibernado e só acorda por força dos acontecimentos. É uma força de natureza política, não jurídica, pois antecede ao próprio direito. Também chamado inicial, inaugural, genuíno ou de 1º grau, é aquele que instaura uma nova ordem jurídica, rompendo com a ordem jurídica precedente. Seu objetivo fundamental é, portanto, criar um novo Estado. Titularidade: Povo (conjunto de indivíduos) ou nação (unidade orgânica permanente)? Povo! II. Características Origem: O conceito de poder constituinte originário é derivado dos estudos do abade de Sieyès (“O que é o terceiro estado?”). Sieyès enfatiza que a constituição é produto do poder constituinte originário, que gere e organiza os poderes do estado (poderes constituídos), sendo, até por isso, superior a eles. Sieyès se propunha a superar o modo de legitimação do poder que vigia, baseado na tradição, pelo poder político de uma decisão originária, não vinculada ao direito preexistente, mas à nação, como força que cria a ordem primeira da sociedade. Para ele, o povo é soberano para ordenar seu próprio destino e o da sua sociedade, expressando-se por meio da constituição. Classificação: o poder constituinte originário pode ser dividido em histórico (seria o verdadeiro poder constituinte originário, estruturando, pela primeira vez, o estado) e revolucionário (seriam todos os posteriores ao histórico, rompendo por completo com a antiga ordem e instaurando um novo estado). Características: é inicial, autônomo, ilimitado juridicamente, incondicionado, soberano na tomada de suas decisões, um poder de fato e político, permanente: a) inicial – está na origem do ordenamento; é o ponto de partida; assim, o poder constituinte originário não pertence à ordem jurídica, não está regido por ela; b) autônomo – a estrutura da nova constituição será determinada autonomamente, por quem exerce o poder constituinte originário; c) ilimitado juridicamente – não tem de observar os limites postos pela ordem anterior; o caráter ilimitado, porém, deve ser entendido em termos; diz respeito à liberdade do poder constituinte originário com relação a imposições da ordem jurídica que existia anteriormente, mas haverá limitações políticas inerentes ao exercício do poder constituinte (se o poder constituinte é a expressão da vontade política da nação, não pode ser entendido sem a referência a valores éticos, religiosos, culturais, que informam essa mesma nação e que motivam as suas ações; assim, um grupo que se arrogue a condição de representante do poder constituinte originário e redija uma constituição que hostilize esses valores dominantes não haverá de obter o acolhimento de suas regras pela população e não terá êxito no empreendimento revolucionário, não sendo reconhecido como poder constituinte originário, posição de Paulo Branco); além disso, pode-se falar em limitações intrínsecas do poder constituinte originário sob outro ângulo – não há espaço para decisões caprichosas ou totalitárias do poder constituinte originário, já que ele existe para ordenar juridicamente o poder o estado, devendo, assim, sempre instituir um estado com poderes limitados. Entretanto, a doutrina majoritária entende que o Brasil adotou a corrente positivista, em oposição à jusnaturalista, que prevê certas limitações ao PCO; d) incondicionado e soberano na tomada de decisões – não se submete a qualquer forma pré-fixada de manifestação; e) poder de fato e poder político – pode ser caracterizado como uma energia ou força social, tendo natureza pré-jurídica, sendo que, por essas características, a nova ordem jurídica começa com a sua manifestação, e não antes dela; f) permanente – o poder constituinte originário não se esgota com a edição da nova constituição, sobrevivendo a ela e fora dela como forma de expressão da liberdade humana, em verdadeira ideia de subsistência (Sarmento relativiza todas essas características. P. ex.: inicial? Normalmente não se manifesta em um cenário de completa ruptura. Incondicionado? Podem ser estabelecidas regras prévias sobre o seu funcionamento – sobre a elaboração da própria constituição). Formas de expressão: o poder constituinte originário pode ser expressar através da outorga (imposição – quando não há um “verdadeiro momento constitucional”, segundo Sarmento) ou da promulgação (forma democrática) da nova constituição. Para que seja reconhecido como legítimo, o poder constituinte deve se manifestar democraticamente e instituir um regime político comprometido com o respeito aos direitos humanos (Sarmento). Teoria das normas constitucionais inconstitucionais: formulada por Otto Bachof, entende ser possível analisar a Constituição a partir de duas áreas: existem temas que a Constituição pode tratar de forma livre (espaço de livre manifestação volitiva) e temas que estão acimado direito positivado (valores suprapositivos), a serem respeitados pela Constituição e incorporados ao próprio texto constitucional. Portanto, se uma norma constitucional viola um valor suprapositivo, esta norma será inválida, se tratando de uma norma constitucional inconstitucional. Exposta ao STF na ADI 815, que questionava o art. 44 da CF/88 (proporcionalidade do sistema eleitoral no Poder Legislativo – número mínimo e máximo para cada Estado), não foi acolhida pelo STF. 6A. Poder constituinte derivado. Limitações à reforma constitucional. Cláusulas pétreas expressas e implícitas. As mutações constitucionais. Jorge Neto Conceito: O Poder Constituinte Derivado ou Constituído logra existência a partir do poder Poder Constituinte Originário, seu instituidor, de onde retira a sua força motriz. Logo, se insere na Constituição, possui limitações expressas e tácitas, e define-se como um poder jurídico, que tem por finalidade a reforma da obra constitucional e também para que os Entes federativos elaborem suas próprias Constituições. Características: a. Derivado: Emana da própria Constituição, ou seja, deriva do poder constituinte. b. Limitado: A Constituição lhe impõe severas limitações, que podem ser temporais, circunstanciais, materiais ou procedimentais, explícitas ou implícitas, restringindo seu exercício. c. Condicionado: Somente pode se manifestar-se de acordo com as formalidades traçadas pela Constituição. Tem um procedimento delimitado estabelecido no próprio poder constituinte. Poder Constituinte Reformador: Emenda à Constituição (Art. 60 da CF). O PCDR, diferente do PCO, não é juridicamente ilimitado. Desse modo, existem limites às emendas, os quais podem ser de vários tipos: 1. Limites procedimentais ou formais: A) Iniciativa restrita (art. 60, I a III, da CF): só podem apresentar a PEC alguns legitimados específicos: (a) um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; (b) Presidente da República; e (c) mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. Sobre a possibilidade de uma PEC de iniciativa popular, existem dois posicionamentos: a) desfavorável: de acordo com o texto constitucional, não há previsão para a iniciativa popular de PEC; b) favorável: em termos teóricos, JOSÉ AFONSO DA SILVA defende que, se o povo é titular do poder (art. 1º, p.ú., da CF), é possível uma interpretação ampliativa para entender que a iniciativa popular não abrange só leis, mas também a PEC; B) Quórum de aprovação (art. 60, § 2º, da CF): necessita-se de 3/5 dos votos; C) Trâmite (art. 60, § 2º, da CF): dois turnos de votação em cada Casa; D) Promulgação (art. 60, § 3º, da CF): uma vez aprovada a PEC, esta é promulgada pelas Mesas das Casas. Não é a Mesa do Congresso Nacional, e sim das duas Casas. Não há sanção presidencial; E) Princípio da irrepetibilidade (art. 60, § 5º, da CF): matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou prejudicada não pode ser objeto de nova PEC na mesma sessão legislativa – 02 de fevereiro a 22 de dezembro (art. 57 da CF). Obs.: alguns autores classificam esse limite como temporal; 2. Limites temporais: não há em relação às emendas; 3. Limites circunstanciais (art. 60, § 1º, da CF): não pode haver emenda em (a) estado de defesa; (b) estado de sítio; e (c) intervenção federal. 4. Limites materiais ou cláusulas pétreas: podem ser: I. Explícitos (art. 60, § 4º, da CF): não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (a) a forma federativa de Estado; (b) o voto direto, secreto, universal e periódico; (c) a separação dos Poderes; e (d) os direitos e garantias individuais. A expressão “tendente a abolir” significa, por óbvio, que uma emenda à Constituição não pode abolir uma cláusula pétrea. Porém, uma emenda à Constituição pode restringir um instituto protegido como cláusula pétrea, desde que não seja violado o seu núcleo essencial. Núcleo essencial, apesar de difícil definição, pode ser conceituado como o conjunto das características sem as quais um instituto deixaria de existir. Como se nota do inc. IV do § 4º, os direitos e garantias individuais são cláusulas pétreas, não havendo menção aos direitos sociais. Dessa feita, há divergência sobre a imutabilidade dos direitos sociais: 1ª corrente: entende que as normas disciplinadoras de direitos sociais não são cláusulas pétreas, por dois motivos: (a) não estão previstos expressamente no rol de cláusulas pétreas e (b) por serem direitos a prestação, estão na dependência de condições variadas no tempo dos recursos disponíveis, não podendo ser afirmados como imodificáveis; 2ª corrente: defende que as normas estabelecedoras de direitos sociais também são cláusulas pétreas, uma vez que são instrumentos para a implementação da dignidade da pessoa humana e dos demais fundamentos da República. Desse modo, os direitos fundamentais sociais da essência da concepção de Estado acolhida pela CF, devendo ser considerados cláusulas pétreas. Há parte da doutrina que entende que uma emenda constitucional NÃO pode ampliar o rol de cláusulas pétreas, uma vez que o Poder Reformador recebe a sua autoridade do constituinte originário. Logo, o Poder Reformador só pode ser limitado pelo constituinte originário, de maneira que o Poder Reformador de hoje não pode inserir novos limites ao Poder Reformador de amanhã. Por outro lado, o Poder Reformador pode inserir novo instituto que é abrangido por uma das hipóteses de cláusula pétrea existente. Ex.: Poder Reformador inserir no texto constitucional novo direito individual. Quanto à questão sobre esse novo direito individual, inserido por emenda à Constituição, ser protegido como cláusula pétrea, existem duas posições: a) favorável: o novo direito vira cláusula pétrea, em razão de dois motivos: 1. Quando o constituinte originário colocou no rol de cláusulas pétreas os direitos e garantias individuais, ele não diferenciou se esses direitos seriam somente os originários, ou se também poderiam ser direitos inseridos por emenda; 2. Princípio da vedação do retrocesso (evolução reacionária ou efeito cliquet), segundo o qual, se direitos fundamentais alcançaram um determinado nível de conquistas, não se poderia abolir tais conquistas porque isso implicaria um retorno a uma situação pior; b) desfavorável: o novo direito não vira cláusula pétrea, uma vez que isso seria a imposição de novos limites ao Poder Reformador os quais não foram previstos pelo constituinte originário; II. Implícitos: 1. Titularidade do poder: a titularidade do poder pelo povo não pode ser alterada; 2. Vedação à dupla reforma ou dupla revisão: dupla reforma é a alteração de um limite ao Poder Reformador para permitir posterior modificação daquilo que outrora era vedado. Dessa forma, pode-se dizer que os limites explícitos ao poder de reforma – limites procedimentais, circunstanciais e materiais explícitos – são, eles próprios, limites implícitos ao Poder Reformador, porque eles próprios não podem ser abolidos; 3. República: a matéria é controvertida, mas existem dois argumentos favoráveis à tese de que a República é uma cláusula pétrea implícita: a) a República é fruto de uma escolha popular direta, logo, não poderiam os representantes do povo modificar a forma de governo. Contudo, é possível que o próprio povo decida pelo fim da República em um novo plebiscito; b) o art. 60, § 4º, II, da CF traz que é cláusula pétrea o voto periódico, e a periodicidade do exercício do poder é um elemento essencial da República, afinal, o monarca não exerce mandato eletivo. Revisão Constitucional (Art. 3º do ADCT). Diferentemente da emenda à Constituição, a qual deve ser utilizada quando se pretende operar mudanças específicas, pontuais, a revisão constitucional se presta a alterações de caráter mais geral na Constituição. Os limites da revisão constitucional são diferentes dos das emendas à Constituição: 49. Limites procedimentais ou formais: a) Quórum de aprovação: necessita-se de maioria absoluta; b) Trâmite:sessão unicameral; 2. Limites temporais: só pode ser feita após 5 anos da promulgação da CF. Para o STF, somente cabe uma única revisão constitucional, sendo aquela realizada 5 anos após a promulgação da CF, estando sujeita às cláusulas pétreas. Poder Constituinte Decorrente: Decorre também do Poder Constituinte Originário e sintetiza na possibilidade de os entes federativos elaborarem suas próprias Constituições. II. As Mutações Constitucionais Poder Constituinte Difuso é o poder para promover a mutação constitucional, isto é, um processo informal da alteração da Constituição. Na mutação constitucional há alteração do sentido do texto, mas não do texto. Ou seja, o texto escrito permanece hígido; o sentido dado ao texto não. Diferentemente do PCDR, o PCD não é exercido com exclusividade por um órgão. Essa mutação constitucional decorre das próprias transformações sociais e da própria evolução do direito. Também é chamada vicissitude constitucional tácita, mudança constitucional silenciosa ou transições constitucionais. A mutação constitucional pode se manifestar das seguintes formas: 1. Grupos de pressão: grupos sociais que pressionam o poder público e a sociedade para admitir determinado valor ou mudar determinada concepção; 2. Práticas consolidadas: conduta reiterada ao longo de um grande lapso de tempo; 3. Construção doutrinária: ex.: doutrina brasileira do habeas corpus (1891 a 1934), a qual sustentava que o habeas corpus poderia ser usado para a proteção de qualquer liberdade, e não somente à liberdade de locomoção. Com a criação do mandado de segurança, essa doutrina se tornou superada. Existe a figura da mutação constitucional inconstitucional, a qual consiste em atribuir a uma norma constitucional uma nova interpretação que seja contrária aos valores consagrados pela Constituição. É chamada por Canotilho de mutação constitucional exogenética. Para evitar que a mutação constitucional seja inconstitucional, a mutação constitucional tem limites: 1. Próprio texto: não se pode atribuir ao texto um sentido que seja contrário às suas possibilidades semânticas; 2. Sistema de valores constitucionais: a interpretação não pode levar a um resultado contrário aos valores defendidos pela Constituição. Exemplos próprios de violações são as práticas políticas consolidadas e as omissões do poder público em efetivar a Constituição (o que gera uma interpretação de inefetividade da Constituição. 8A. Poder constituinte estadual: autonomia e limitações. Jorge Neto O Poder Constituinte Derivado Decorrente é aquele que, decorrendo do originário, não se destina a rever a sua obra, mas a institucionalizar as organizações políticas regionais (Estados membros), divide-se em: 1. Poder Constituinte Decorrente Institucionalizador: é o poder de criação da Constituição Estadual. A rigor, trata-se de um poder derivado, subordinado e condicionado, devendo obedecer às normas fixadas (limites) na CF/88, quais sejam: 1.1. Princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII, da CF/88): forma republicana; sistema representativo; regime democrático; direitos da pessoa humana; autonomia municipal; prestação de contas da administração pública, direta e indireta; e aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. Seu descumprimento autoriza a intervenção federal; 1.2. Princípios federais extensíveis: são normas centrais comuns à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, de observância obrigatória e que percorrem toda a Constituição. Ex.: arts. 1º, 4º e 5º, da CF/88; 1.3. Princípios constitucionais estabelecidos: são normas espalhadas pelo texto constitucional responsáveis por organizar a Federação. Ex.: normas de competência e normas de reprodução obrigatória. 1.4. Princípio da simetria: Parte da doutrina critica a excessiva aplicação do princípio da simetria pela jurisprudência do STF. Nesse sentido, o Min. Peluso pontuou que a aplicação dessa regra de simetria deve se pautar por uma justificação idônea, sob pena de descaracterizar a própria estrutura federativa que lhe é inerente (ADI-MC 4.298/TO). É entendimento consolidado do STF de que o Estado-membro não pode criar procedimento mais rigoroso do que o previsto na Constituição Federal para a emenda de suas Constituições (27º CPR). 2. Poder Constituinte Decorrente Reformador: é o poder de reforma da Constituição Estadual. Aplica-se, mutatis mutandis, o mesmo que foi dito sobre o Poder Constituinte Derivado Reformador (ponto 6.a). A doutrina majoritária entende que, nos Municípios, não há PCDD, pois eles possuem Lei Orgânica, a qual não possui natureza constitucional. Existe corrente minoritária que defende que a Lei Orgânica tem natureza constitucional, havendo a seguinte divisão do Poder Constituinte: 1. Poder Constituinte de 1º Grau: Constituição Federal; 2. Poder Constituinte de 2º Grau: Constituição Estadual, o qual deve observância à CF; 3. Poder Constituinte de 3º Grau: Lei Orgânica, a qual deve observância à CF e à CE. Em relação ao Distrito Federal, este também se organiza mediante Lei Orgânica. Todavia, trata-se de Lei Orgânica peculiar, uma vez que abrange tanto matéria de Constituição Estadual como de Lei Orgânica municipal. No ponto referente a matérias de Constituição Estadual, a Lei Orgânica do Distrito Federal tem natureza constitucional. 13A. Direito Constitucional Intertemporal. Teoria da recepção Jorge Neto I. Direito constitucional intertemporal A manifestação do Poder Constituinte Originário implicará algumas consequências relevantes para o mundo jurídico. Isso porque, a nova Constituição causará a revogação da Constituição passada, deixando o direito anterior, como é natural, órfão de seu fundamento originário. Na relação com a Constituição anterior podem ser citados três institutos: i) Revogação: a Constituição nova revoga a Constituição anterior. Essa é a regra, podendo ser a revogação expressa ou tácita; ii) Desconstitucionalização: as normas da Constituição anterior serão analisadas perante a Constituição nova e, se elas forem materialmente compatíveis com a nova Constituição, elas podem ser mantidas assumindo status infraconstitucional. Esse fenômeno só ocorre se for expressamente previsto, não havendo previsão na CF/88 da desconstitucionalização; ii) Vacatio Constitutionis: segue a mesma lógica da vacatio legis. Trata-se de um período no qual a Constituição nova ainda não entrou em vigor, sendo mantida a vigência da Constituição anterior. Esse fenômeno também só ocorre se for expresso. A vacatio constitutionis pode ser parcial, com apenas alguns dispositivos não entrando em vigor imediatamente. Isso ocorreu na CF/88, conforme o artigo 34 do ADCT (Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores). Esse fenômeno da vacatio constitutionis, sobretudo quando parcial, também é chamado de recepção material da Constituição anterior. Já na relação com a legislação infraconstitucional anterior (direito pré-constitucional), quando uma Constituição nova é promulgada, isso não quer dizer que toda a legislação infraconstitucional anterior é revogada, pois, caso contrário, seria necessário refazer toda a legislação infraconstitucional. Desse modo, pelo princípio da continuidade do ordenamento jurídico, as normas tendem a permanecer após a promulgação da nova Constituição. Porém, para isso, faz-se necessário uma análise de compatibilidade entre o direito pré-constitucional e a Constituição nova. A análise da compatibilidade pode ser feita sob duas perspectivas: 1. Compatibilidade material: verifica-se se o conteúdo da norma anterior é compatível com a nova Constituição. Desta análise, pode-se chegar a duas conclusões: 1.1. Norma materialmente compatível: ocorre o fenômeno da recepção, a qual gera duasconsequências importantes: a) a norma recepcionada assume um novo fundamento de validade, o qual é a nova Constituição que recepcionou a norma. Assim, a norma recepcionada deve ser interpretada de acordo com a nova Constituição; b) a norma recepcionada assume o status normativo exigido pela nova Constituição. Ex.: CTN foi editado como lei ordinária, pois a CF, à época, exigia apenas lei ordinária. A CF/88 exige lei complementar para tratar da matéria, fazendo com que o CTN fosse recepcionado com status de lei complementar; 1.2. Norma materialmente incompatível: ela não é recepcionada pela nova Constituição. Prevalece no âmbito do STF que a norma anterior é revogada pela nova Constituição. Por outro lado, pode ocorrer de a norma infraconstitucional anterior não ser compatível com a Constituição anterior, sendo, portanto, inconstitucional. Essa mesma norma pode não ter sido declarada inconstitucional naquela época, porém, com a edição de uma nova ordem constitucional, percebe-se que ela é compatível com a Constituição nova. Nessa situação, a norma não pode ser declarada constitucional com base na nova Constituição, pois ela nasceu inconstitucional. Assim, NÃO há o fenômeno da constitucionalidade superveniente; 1. Compatibilidade formal: examina-se dois pontos: 1.1. Aspecto procedimental: tem relação com o processo legislativo. As questões referentes a esse aspecto podem ser reproduzidas na seguinte tabela, observando-se que, no último caso, mesmo que haja a compatibilidade com a nova Constituição, não há a recepção porque a norma nasceu inconstitucional: Constituição Anterior (Exigência) Norma Constituição Nova (Exigência) Recepção? Lei ordinária Lei ordinária Lei ordinária SIM Lei ordinária Lei ordinária Lei complementar SIM Lei complementar Lei ordinária Lei ordinária NÃO 1.2. Aspecto orgânico: refere-se à repartição de competências entre os entes da Federação. As questões referentes a esse aspecto podem ser reproduzidas na seguinte tabela: Constituição Anterior (Exigência) Constituição Nova (Exigência) Recepção? Lei federal Lei estadual SIM Lei estadual Lei federal NÃO Como já afirmado, com a recepção da norma esta assume um novo status normativo compatível com a nova Constituição. Por essa razão, não pode haver a recepção no segundo caso, pois, caso contrário, as diversas normas existentes em cada um dos Estados assumiriam status de norma federal, gerando um caos na ordem jurídica. Na primeira situação, conforme cada Estado vai editando sua própria lei sobre a matéria, a antiga lei federal vai perdendo sua eficácia. II. Disposições Constitucionais Transitórias As disposições constitucionais transitórias são previstas no Anexo de Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e tratam da aplicabilidade de outras normas. Ou seja, normas que visam a situações temporárias, provisórias. Cumpre ter presente que, por vezes, o dispositivo do ADCT é estatuído pelo constituinte originário para excepcionar hipóteses concretas da incidência de uma norma geral, integrante do corpo principal da Constituição, ou então, volta-se especificamente para atribuir um regime mais vantajoso a um grupo concreto de destinatários (ex.: art. 19 do ADCT). Apesar desses objetivos e de os artigos do ADCT seguirem uma numeração própria, as normas constitucionais transitórias possuem natureza constitucional, servindo de parâmetro normativo para o controle de constitucionalidade. 5. NORMAS CONSTITUCIONAIS 9B. Norma jurídica e enunciado normativo. Características da norma jurídica. Jorge Neto Norma jurídica e enunciado normativo não são expressões sinônimas, ao contrário, guardam um campo de incidência distinto que, em certo modo, se interlaçam e se completam, mas mantêm a independência semântica. Norma jurídica: A norma é o produto da incidência do enunciado normativo sobre os fatos da causa, fruto da interação entre texto e realidade. Da aplicação do enunciado normativo à situação da vida objeto de apreciação é que surge a norma” (Roberto Barroso: 2009, p. 194). Enunciado normativo: “Enunciado normativo corresponde a uma proposição jurídica no papel, a uma expressão linguística, a um discurso prescritivo que se extrai de um ou mais dispositivos. Enunciado normativo é o texto ainda por interpretar. O Edital utilizou o termo “enunciado normativo” como equivalente a “texto legal”, dito isto, “norma jurídica é a significação que obtemos a partir da leitura dos textos do direito positivo. Trata-se de algo que se produz em nossa mente [...] Por analogia aos símbolos linguísticos quaisquer podemos dizer que o texto escrito está para a norma jurídica tal qual o vocábulo está para sua significação. Nas duas situações, encontraremos o suporte físico que se refere algum objeto do mundo (significado) do qual extratamos um conceito ou juízo (significação) [...] a norma é um juízo hipotético-condicional (se ocorrer o fato X, então deve ser a prestação Y)” (Barros Carvalho: 2007, 8-9). Segundo a concepção clássica, “a norma funciona como esquema de interpretação [...]. Sarmento afirma que apesar da sua importância, o texto nunca se confunde com a norma jurídica. O texto é o significante, e a norma o seu significado. A norma jurídica é o que resulta da interpretação de um texto, sendo o texto o invólucro da norma, a sua aparência exterior. É certo, contudo, que nem toda norma jurídica está consagrada em um texto específico, pois existem normas implícitas. Por outro lado, há hipóteses em que a norma jurídica só é obtida pela conjugação de vários textos (dispositivos) diferentes. É frequente a afirmação de que o texto é o ponto de partida da interpretação. Sarmento diz que essa assertiva não é exata, pois o intérprete, em geral, já se aproxima do problema jurídico que lhe é apresentado com uma pré-compreensão, que já envolve uma antecipação provisória da resposta, que poderá ser ou não confirmada ao final do processo hermenêutico. Positivismo jurídico: Para o positivismo jurídico a teoria da norma baseia-se na Teoria Coativa do Direito, em que o direito é um conjunto de normas coativas; na Teoria da Lei como Fonte do Direito, que tem a lei como fonte hierarquicamente superior às demais, recebendo a qualificação jurídica; e, por fim, a Teoria Imperativa da Norma Jurídica, em que a norma jurídica tem a estrutura de um comando, proveniente de alguém investido de autoridade e destinado a impor-se de modo subordinante, sob pena de sanção. A Teoria do Ordenamento Jurídico defende a coerência e completude das normas jurídicas, visando conferir unidade, com uma unidade formal, e em caso de conflitos deve uniformizar por meio dos critérios de hierarquia, cronologia e especialidade (regras). Herbert Hart considera a visão de Kelsen como limitada àqueles enunciados que preveem sanção, contemplando o direito exclusivamente do ponto de vista de descumprimento da lei, esquecendo que o normal é que estas sejam cumpridas espontaneamente. Ademais, no ordenamento jurídico existe um importante número de normas que não preveem sanção. Nem todos os enunciados que compõem o direito tem esta mesma estrutura, existindo outros que conferem autorizações ou ordens. Existem dois tipos de regra: (i) o tipo básico ou primário que prescreve que os seres humanos façam ou omitam certas ações, impondo deveres. As regras do outro tipo (ii) são as secundárias, que estabelecem que os seres humanos podem extinguir ou modificar regras anteriores, ou determinar de diversas maneiras o efeito delas, ou controlar sua atuação. Conferem faculdades, públicas ou privadas. Dentre as regras secundárias, para Hart, destacam-se as regras de conhecimento, as regras de alteração e as regras de julgamento. A regra de conhecimento (HART) criaria um critério formal (critério da fonte) para decidir quando uma regra é válida e obrigatória ou não. A regra de alteração definiria o procedimento e as pessoas competentes para criar novas regras e revogar as antigas. Por fim, a regra de julgamento ou aplicação definiria as pessoas dotadas de autoridade e responsáveispor julgar controvérsias entre membros da comunidade, bem como do poder de imporem suas decisões, se necessário, mediante o uso de uma coerção organizada, limitada e regulada. Para Hart, as regras secundárias (conhecimento, alteração e julgamento) resolveriam os três problemas (incerteza, caráter estático e ineficácia das regras) das comunidades que se tornaram grandes e complexas demais para serem reguladas apenas por regras primárias (COELHO, 2011). Realidade dúplice das normas: Hodiernamente, a norma é vista sob uma realidade dúplice: “Alexy afirma que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes, ao passo que as regras são normas que podem ser cumpridas ou não, uma vez que, se uma regra é válida, há de ser feito exatamente o que ela exige [...] Os princípios apresentam razões que podem ser superadas por razões opostas. A realização dos princípios depende das possibilidades jurídicas e fáticas, que são condicionadas pelos princípios opostos, e assim exigem consideração dos pesos dos princípios em colisão segundo as circunstâncias do caso concreto” (Marinoni: 2010, p. 49-50); “em suma, os princípios são mandados de otimização que se caracterizam pelo fato de poderem ser cumpridos proporcionalmente às condições reais e jurídicas existentes” (Edilsom Farias: 2004, p. 48). Ronald Dworkin considera que o direito não é composto unicamente por normas, mas também e, fundamentalmente, por princípios. Rafael Simioni observa que, para Dworkin, “Os princípios abrangem tanto os princípios morais quanto os objetivos políticos do governo. Assim, dentro do gênero princípios, Dworkin (1978) observa inicialmente que existem duas espécies muito importantes na prática das decisões judiciais e que são bastante recorrentes nas decisões sobre casos difíceis: o uso de argumentos baseados em princípios morais e o uso de argumentos baseados na conformidade da decisão com os objetivos das políticas públicas do governo – que Dworkin (1978, p. 22) chama de policies.” (p. 208). Portanto, “Ao contrário de Castanheira Neves, Alexy (1993) e outros, os princípios, em Dworkin, não são espécies do gênero norma. Os princípios são questões de fundamento e não precisam estar necessariamente positivados em leis – ou em precedentes, para o caso do common law.” (p. 206). As normas jurídicas possuem as seguintes características: Bilateralidade: essa característica tem relação com a própria estrutura da norma, pois, normalmente, a norma é dirigida a duas partes, sendo que uma parte tem o dever jurídico, ou seja, deverá exercer determinada conduta em favor de outra, enquanto, essa outra, tem o direito subjetivo, ou seja, a norma concede a possibilidade de agir diante da outra parte. Uma parte, então, teria um direito fixado pela norma e a outra uma obrigação, decorrente do direito que foi concedido. Generalidade: é a característica relacionada ao fato de a norma valer para qualquer um, sem distinção de qualquer natureza. Ela obriga a todos que se achem em igual situação jurídica. Essa característica consagra um dos princípios basilares do Direito: igualdade de todos perante a lei. Abstratividade: a norma não foi criada para regular uma situação concreta, mas para regular de forma abstrata, abrangendo o maior número possível de casos semelhantes. A norma vai tão somente formular os modelos de situação, com as características fundamentais, sem mencionar as particularidades de cada caso. Imperatividade: a norma, para ser cumprida e observada por todos, deverá ser imperativa, ou seja, impor aos destinatários a obrigação de obedecer. É obrigatória. Não depende da vontade dos indivíduos. Norma não é conselho, mas ordem a ser seguida. (a) são cogentes as normas que excluem “qualquer arbítrio individual. São aplicadas ainda que pessoas eventualmente beneficiadas não desejasse delas valer-se” (Venosa:2010, p. 13), não podendo ser derrogadas pela vontade das partes; (b) as normas dispositivas podem ser permissivas, quando delegam aos beneficiados o regramento integral da questão por convenção particular; ou supletivas em relação a eventual omissão das partes, caso em que estas normas assumirão caráter de obrigatoriedade, como que reproduzindo uma vontade presumida em razão da omissão. Obs.: Coercibilidade: possibilidade do uso da força para garantir o cumprimento da norma. Essa força pode se dar mediante coação, que atua na esfera psicológica, desestimulando o indivíduo a descumprir a norma, ou por sanção (penalidade), que é o resultado do efetivo descumprimento. Pode-se dizer que a Ordem Jurídica também estimula o cumprimento da norma pelas sanções premiais. Essas sanções seriam a concessão de um benefício ao indivíduo que respeitou determinada norma. Classificação quanto à sanção ou autorizamento: (a) são perfeitas as normas que importam em sanção de nulidade ou de anulação do ato jurídico; (b) são mais que perfeitas quando estabelecem tanto a nulidade absoluta ou relativa (que possibilitam o retorno ao “status quo ante”), como importam em aplicação de pena ao infrator, como é o caso dos ilícitos civis que constituem infração penal; (c) menos que perfeitas “são as que autorizam, na sua violação, a aplicação de uma sanção ao violador, mas não a nulidade do ato” (Gagliano e Pamplona:2004, p. 15); (d) as leis imperfeitas “prescrevem uma conduta sem impor sanção. Não existe nulidade para o ato, nem qualquer punição [...] exemplo é o das dívidas prescritas e de jogo (obrigações naturais). Essas dívidas devem ser pagas, porém o ordenamento não concede meio jurídico de obrigar o pagamento” (Venosa:2010, p. 15). Obs.: O art. 166, VII, do CC, estabelece hipótese de nulidade virtual quando a lei “proibir-lhe a prática, sem cominar sanção”. 4B. Normas constitucionais. Definição. Estrutura. Classificações. Princípios e regras. Preâmbulo. Efeitos das normas da Constituição brasileira de 1988. Oswaldo Costa Tiago Ferreira Santos Guilherme Mitidiero I. Normas constitucionais. Definição. Estrutura Normas materialmente constitucionais, segundo a doutrina majoritária, são as que regulam os seguintes temas: forma de governo, forma de Estado, separação de poderes, obtenção e exercício do poder e direitos fundamentais; normas formalmente constitucionais são aquelas que, sem regular os aspectos acima mencionados, são consideradas constitucionais pelo simples fato de terem sido consignadas no texto da Constituição pelo legislador, adquirindo assim status constitucional. Ex.: Art. 242, § 2º - “O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal”. Características das normas constitucionais: a) hierarquia superior: a Constituição é parâmetro superior para a interpretação das leis, em razão da supremacia constitucional; b) conteúdo político: a norma constitucional define, estrutura e legitima o poder político; c) natureza da linguagem: a norma constitucional apresenta uma linguagem dotada de plasticidade, porosidade ou ductibilidade, de conteúdo relativamente indeterminado (ex: princípios da dignidade da pessoa humana e da moralidade administrativa). Canotilho usa o termo textura aberta da constituição. II. Normas constitucionais. Classificações Normas definidoras de direito e normas de organização: “(...) refletindo a clássica dicotomia Estado/indivíduo, as disposições constitucionais podem ser classificadas em normas de organização, de estrutura ou de competência, e normas definidoras de direitos, sendo as primeiras aquelas que dispõem sobre a ordenação dos poderes do Estado, sua estrutura, competência, articulação recíproca e o estatuto dos seus titulares; as outras, as que definem os direitos fundamentais dos jurisdicionados.” (MENDES, COELHO e BRANCO, 2008: 30). Normas autoaplicáveis (autoexecutáveis, segundo MENDES, COELHO e BRANCO): “(...) consideram-se autoexecutáveis as disposições constitucionais bastantes em si, completas e suficientemente precisas na sua hipótese de incidência e na sua disposição, aquelas que ministramos meios pelos quais se possa exercer ou proteger o direito que conferem, ou cumprir o dever e desempenhar o encargo que elas impõe; normas não-aplicáveis, ao contrário, são as disposições constitucionais incompletas ou insuficientes, para cuja execução se faz indispensável a mediação do legislador, editando normas infraconstitucionais regulamentadoras.” José Afonso da Silva: i) Eficácia Plena – São de aplicação direta e imediata e independem de uma lei que venha mediar os seus efeitos. As normas de eficácia plena também não admitem que uma lei posterior venha a restringir o seu alcance. ii) Eficácia Contida – Assim como a plena, é de aplicação direta e imediata não precisando de lei para mediar os seus efeitos, porém poderá ver o seu alcance limitado pela superveniência de uma lei infraconstitucional, por outras normas da própria constituição ou ainda por meio de preceitos ético-jurídicos como a moral e os bons costumes. iii) Eficácia Limitada – São de aplicação indireta ou mediata, pois há a necessidade da existência de uma lei para “mediar” a sua aplicação. Caso não haja regulamentação por meio de lei, não são capazes de gerar os efeitos finalísticos (apenas os efeitos jurídicos que toda norma constitucional possui). Podem ser: a) Normas de princípio programático (normas-fim) - Direcionam a atuação do Estado instituindo programas de governo; b) Normas de princípio institutivo - Ordenam ao legislador a organização ou instituição de órgãos, ou instituições. Classificação quadripartida: classificação proposta por Maria Helena Diniz, diferencia-se da proposta de José Afonso por dividir em normas de eficácia plena (admitem emenda) e normas de eficácia absoluta (intangíveis, não podem ser emendadas), além de normas com eficácia relativa restringível (contidas) e normas com eficácia relativa complementável (limitada). Classificação quinquipartida: reproduz integralmente a classificação quadripartida, acrescentando um novo tipo de norma: normas de aplicabilidade esgotada e eficácia exaurida. Bandeira de Mello: Todas as disposições concernentes à Justiça Social, inclusive as programáticas, são comandos jurídicos, gerando inconstitucionalidade (até por omissão) quando o Estado age em descompasso. Embora com teores eficaciais distintos, todas são direitos subjetivos. Espécies: a) concessivas de poderes jurídicos, podendo ser exercitadas de imediato; b) atributivas de direito a fruir, mediante prestação alheia, que pode ser exigida judicialmente; c) que apontam finalidades, sem indicar a conduta do Poder Público, que permitem aos administrados se oporem judicialmente a atos conflitantes com o preceito. III. Princípios, regras e postulados Diversas teorias e concepções buscam estabelecer distinção entre princípios e regras. As mais comumente aceitas afirmam que as normas constitucionais se distinguem em princípios e regras e que “aquilo que caracteriza particularmente o princípio – e isto constitui sua diferença com a regra de direito (...) – é, de um lado, a falta de precisão e, de outro, a generalização e abstração lógica.” (STARI, apud MENDES, COELHO e BRANCO: 31). Some-se a isto o fato de que os princípios são aplicados segundo juízo de ponderação, ao passo que as regras segundo critério do “tudo ou nada”. Ao lado das normas (gênero que se divide em princípios e regras), há também os postulados, os quais, segundo ÁVILA (2003: 80), distingue-se dos princípios pois estes “estabelecem fins a serem buscados”. Para Ávila, os postulados não seriam normas, mas sim metanormas, “situam-se num segundo grau e estabelecem a estrutura de aplicação de outras normas, princípios e regras”, ou seja, os postulados “(...) não impõe a promoção de um fim, mas, em vez disso, estruturam a aplicação do dever de promover um fim”, além disso “(...) não prescrevem comportamentos, mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos.” (Idem). Para Ávila, são exemplos de postulados a ponderação, a concordância prática e a proibição de excesso, bem como a igualdade, razoabilidade e proporcionalidade. Autor Princípios Regras Dworkin Dimensão de peso. Conflitos solucionados pela argumentação moral. Comandos disjuntivos - “Tudo ou nada”. Alexy Mandados de otimização. Comandos prima facie. Mandamento de definição. Conflito solucionado pela inserção de uma cláusula de exceção ou pela declaração de invalidez de uma delas. Ávila Estabelecem um “estado ideal de coisas a ser atingido”. Imediatamente prescritivas. Ávila propõe uma terceira espécie normativa, postulados normativos, metanormas que instituem critérios de aplicação para as demais. IV. Preâmbulo Preâmbulo: “Na expressão de Peter Häberle, os preâmbulos são ‘pontes do tempo’, exteriorizando as origens, os sentimentos, os desejos e esperanças que palmilharam o ato constituinte originário” (BULOS, 2008: 283). Portanto, o preâmbulo não possui força normativa, não servindo, portanto, como parâmetro para o exercício do controle de constitucionalidade. Esta tese foi sedimentada pelo STF na ADI 2.076, que definiu também a desnecessidade de reprodução obrigatória do preâmbulo nas Constituições Estaduais. V. Efeitos das normas da Constituição brasileira de 1988 O estudo da dinâmica constitucional diz respeito aos efeitos das normas constitucionais no tempo (passado – presente - futuro). Certo é que o surgimento de uma nova Constituição traz uma série de consequências para o ordenamento jurídico do Estado. Sem dúvida, a teoria da Constituição desenvolveu uma gama de institutos para lidar com essas consequências. Assim, diante dessas premissas, são seus possíveis efeitos em relação a normas pré-existentes: (a) Recepção: as normas que forem incompatíveis com a nova Constituição serão revogadas por ausência de recepção. A contrario sensu, a norma infraconstitucional que não contrariar a nova ordem será recepcionada, podendo, inclusive, adquirir uma nova “roupagem”. Pode ocorrer de forma expressa ou tácita. (b) Revogação: nos casos de normas infraconstitucionais produzidas antes da nova Constituição, incompatíveis com as novas regras, não se observará qualquer situação de inconstitucionalidade, mas apenas de revogação da lei anterior pela nova constituição, por falta de recepção. (c) Repristinação: Em um primeiro momento, normas infraconstitucionais elaboradas (e em vigor) sob a base de um ordenamento constitucional não foram recepcionadas por um novo ordenamento constitucional, ocorrendo a sua revogação. Posteriormente, em virtude de uma nova Constituição, essas normas voltariam a vigorar, ocorrendo a repristinação. Os requisitos para essa possibilidade são: (i) não contrariedade à nova Constituição; (ii) disposição expressa do poder constituinte, já que a repristinação não ocorre de forma automática (defesa da segurança jurídica). Recepção material das normas constitucionais: consiste na possibilidade de normas de uma constituição anterior serem recepcionadas pelo novo ordenamento constitucional (pela nova constituição) “ainda” como normas constitucionais (com o status de normas constitucionais). Nesse caso, os requisitos seriam: (i) não contrariedade com as normas da nova constituição; (ii) disposição expressa do Poder Constituinte Originário; (iii) prazo determinado (prazo certo) de tal prática devido ao seu caráter precário, sobretudo em razão de que as normas da constituição anterior vão permanecer no novo ordenamento constitucional ainda como normas de cunho constitucional, o que, obviamente, só poderia se dar de forma temporária e excepcional. Como exemplo desse fenômeno, temos o art. 34 do ADCT da CF/88, segundo o qual o “sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda n.º 1, de 1969, e pelas posteriores”. Graus de retroatividade da norma constitucional: máximo, médio ou mínimo. O STF entende que as normas constitucionais, fruto da manifestaçãodo poder constituinte originário, têm, por regra geral, retroatividade mínima, ou seja, aplicam-se a fatos que venham a ocorrer após a sua promulgação, referentes a negócios passados. Mendes afirma que a atribuição de retroatividade máxima e média somente é possível com a expressa previsão pelo Poder Constituinte Originário. Obs. Este tema foi cobrado na discursiva do 30CPR, colar aqui o espelho quando disponível. 6. INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL 2C. Hermenêutica e Teorias da argumentação jurídica. Autor Oswaldo Costa Guilherme Mitidiero O que normalmente se entende hoje por teoria da argumentação jurídica tem sua origem numa série de obras dos anos 1950 (século XX), origem esta que estava conectada com o problema das relações entre o direito e a sociedade. As três concepções mais relevantes como precursoras das atuais teorias da argumentação jurídica são: a tópica de Viehweg; a nova retórica de Perelman e a lógica informal de Toulmin. Estas, embora diferindo entre si em diversos aspectos, têm em comum a rejeição do modelo da lógica dedutiva. No entanto, as três concepções deixam a desejar quanto ao seu desenvolvimento. Mas, seu papel fundamental consistiu em terem aberto um campo de investigação relativamente novo e terem servido como precursoras das atuais teorias da argumentação jurídica elaboradas por MacCormick e Robert Alexy, os quais representam o que se denomina de “teoria padrão da argumentação jurídica”. Das atuais teorias da argumentação jurídica, as teorias desenvolvidas por MacCormick e Robert Alexy foram as que, nos últimos anos, geraram mais discussão e alcançaram maior difusão. Essas duas concepções desenvolvidas por MacCormick e Alexy constituem o que se poderia chamar de Teoria Padrão da Argumentação Jurídica, na qual a perspectiva de análise das argumentações jurídicas se situa num conceito de justificação dos argumentos. Haveria aqui uma justificação formal dos argumentos (argumentos formalmente corretos) e uma justificação material (que se refere a aceitabilidade do argumento). A) MACCORMICK MacCormick trata de construir uma teoria que dê conta tanto dos aspectos dedutivos da argumentação jurídica quanto dos não-dedutivos, dos aspectos formais e dos materiais, que se situe a meio caminho entre uma teoria ultra-racionalista do Direito (existência de uma única resposta correta para o caso) e uma irracionalista (decisões jurídicas são produtos da vontade e não da razão). Para ele, não se trata unicamente de mostrar em que condições uma decisão jurídica pode ser considerada justa; ele pretende, além disso, que as decisões jurídicas, de fato, se justifiquem precisamente de acordo com esse modelo. MacCormick parte da consideração de que, pelo menos em alguns casos, as justificações que os juízes articulam são de caráter estritamente dedutivo (raciocínio lógico dedutivo). Mas, a justificação dedutiva obedece a pressupostos e limites. O primeiro pressuposto é que o juiz tem o dever de aplicar as regras do direito válido. O segundo pressuposto é que o juiz pode identificar quais são as regras válidas. A teoria de MacCormick foi objeto de algumas críticas, dentre as quais podemos citar: 1) crítica em relação ao caráter dedutivo do raciocínio jurídico quando se refere: a possibilidade de se chegar a conclusões contraditórias quando se parte de premissas diferentes; a existência de conceitos indeterminados; ao âmbito em que opera a dedução, pois o próprio MacCormick admite a ampla zona de imprecisão entre os casos claros e os difíceis; 2) crítica ao caráter ideologicamente conservador, quando: concentra-se nas decisões dos Tribunais Superiores; sugere que decisões inovadoras (contra legem) nunca poderiam ser justificadas; afirma que é sempre possível fazer justiça de acordo com o direito (o que não parece tão óbvio). B) ROBERT ALEXY A teoria da argumentação jurídica formulada por Alexy coincide substancialmente com a de MacCormick. Ambos percorrem o mesmo caminho, mas em sentidos opostos. MacCormick parte das argumentações ou justificações das decisões tal e como de fato elas ocorrem nas instâncias judiciais e, a partir daí, elabora uma teoria da argumentação jurídica que acaba por considerar como parte de uma teoria geral da argumentação prática. Alexy, pelo contrário, parte de uma teoria da argumentação prática geral que ele projeta, depois, para o campo do Direito. O resultado a que ele chega consiste em considerar o discurso jurídico, a argumentação jurídica, como um caso especial do discurso prático geral. Isto é, do discurso moral. Essa abordagem diferente faz com que a concepção de Alexy esteja, de certo modo, mais distante da prática geral da argumentação jurídica do que a de MacCormick. Mas, em troca, trata-se de uma teoria mais articulada e sistemática. Alexy distingue dois aspectos na justificação das decisões jurídicas: a justificação interna e a justificação externa. A justificação interna se refere à aplicação de normas ou estabelecimento de passos de desenvolvimento, de maneira que a aplicação da norma ao caso não seja discutível. A justificação externa se refere à justificação das premissas. Alexy entende que uma teoria da argumentação jurídica teria de ser capaz de unir dois modelos diferentes do sistema jurídico: o sistema jurídico como sistema de procedimento e o sistema jurídico como sistema de normas (regras e princípios). A característica da aplicação de regras é a subsunção; mas, a característica da aplicação dos princípios é a ponderação, pois podem ser cumpridos em diversos graus. Os princípios são mais do que simples tópicos, levam a formas de fundamentação das decisões jurídicas que não poderiam existir sem eles. Os princípios, diferentemente das regras, são comandos que admitem relativização. Segundo Alexy, a fórmula da ponderação resumir-se-ia no seguinte: “Quanto mais intensa se revelar a intervenção em um dado direito fundamental, maiores hão de se revelar os fundamentos justificadores dessa intervenção”. Portanto, é nos fundamentos justificadores da violação a determinado direito (ou princípio), em favor de outro que venha com ele colidir, que encontramos o ponto nodal do postulado da proporcionalidade. Alexy sob à égide da razão prática procurou desenvolver uma análise mais apurada sobre a incidência dos princípios na resolução dos conflitos. Foi cobrado na objetiva do 30CPR o seguinte: A dignidade humana não consiste em princípio absoluto na Teoria dos Direitos Fundamentais de Robert Alexy. Nessa perspectiva, a dignidade pode ser abordada como autonomia e como heteronomia conforme Luís Roberto Barroso. A dignidade como autonomia designa a liberdade individual para a realização de escolhas existenciais, é a regra no ordenamento brasileiro. Já a dignidade como heteronomia consiste em impor valores externos ao indivíduo, na medida em que escolhas individuais podem gerar impactos sobre o corpo social. Assim, a dignidade como heteronomia pode restringir a liberdade individual. É exceção no ordenamento brasileiro. Teoria prescritiva da argumentação: Robert Alexy apresentou uma vasta teoria prescritiva da argumentação. Ele distingue entre regras de justificação interna de uma sentença e regras de justificação externa. Na justificação interna, trata-se de saber se a sentença é o resultado lógico das premissas mencionadas na fundamentação da sentença. Na justificação externa, devem ser formuladas as regras que devem garantir a correção das premissas (interpretação semântica, histórica e teleológica). Teoria interpretativa da argumentação: As teorias interpretativas da argumentação tentam esclarecer o que é “sentido” e “função” na argumentação jurídica. O máximo que se exige do conteúdo de verdade da argumentação é que a fundamentação jurídica tenha a função de garantir a correção de uma decisão em especial, a expressão normativa da sentença. O mínimo que se exige da argumentação jurídica é que ela garanta simplesmente a aceitação da decisão. No primeiro caso, a teoria da argumentação jurídica tem de receber elementos da filosofia prática, especialmente dateoria do discurso, e estabelecer critérios acerca da correção da argumentação jurídica. No último caso, uma teoria da argumentação tem de elaborar os critérios que nos digam em que casos são aceitas as fundamentações de sentenças. 21B. Interpretação jurídica. Métodos e critérios de interpretação. Karine Hoffstaeter Guilherme Mitidiero Bibliografia: graal alternativo do 28 CPR. Direito Constitucional (teoria, história e métodos de trabalho) Daniel Sarmento. Noções gerais: os critérios de interpretação são métodos clássicos da hermenêutica jurídica, surgidos a partir do embate entre as teorias da voluntas legislatoris (teoria subjetiva) e voluntas legis (teoria objetiva) (DINIZ, p. 418-419 e FERNANDES, p. 151-154), “que, ao longo do tempo, foram sendo aperfeiçoados pelos cientistas do direito.” (FERNANDES, p. 154). Os demais itens transitam em torno desse tema. “Na interpretação do Direito Positivo, o técnico recorre a vários elementos necessários à compreensão da norma jurídica, entre eles o gramatical, também chamado literal ou filológico, o lógico, o sistemático, o histórico e o teleológico.” (NADER, p. 275) “Os elementos históricos, genéticos, sistemáticos e teleológicos da concretização não podem ser isolados uns dos outros e do procedimento da interpretação gramatical como este não pode ser isolado daqueles.” (MÜLLER, p. 75-76). Gramatical / Literal / Filológico: revela o conteúdo semântico das palavras. É o momento inicial do processo interpretativo. O intérprete deve partir da premissa de que todas as palavras têm sentido e função próprios, não havendo palavras supérfluas; o produto dessa forma de interpretação pode ser restritivo (limita o sentido de uma norma, ainda que a sua estrutura literal seja ampla), extensivo (amplia o sentido da norma para além do contido em sua estrutura literal) ou abrogante (quando, associado a uma interpretação sistemática, o intérprete percebe que o sentido da norma vai de encontro ao de outra norma que lhe é hierarquicamente superior). Lógico: parte-se do pressuposto de que a conexão de uma expressão normativa com as demais do contexto é importante para a obtenção do significado correto. Sistemático: é fruto da ideia de unidade do ordenamento jurídico. A CF deve ser interpretada como um todo harmônico, em que nenhum dispositivo deve ser considerado isoladamente. Histórico: busca o sentido da lei por meio de precedentes legislativos, de trabalhos preparatórios e da occasio legis (circunstância histórica que gerou o nascimento da lei). Teleológico: procura revelar o fim da norma, o valor ou bem jurídico visado pelo ordenamento com a edição de dado preceito. “A ideia do fim não é imutável. O fim não é aquele pensado pelo legislador, é o fim que está implícito na mensagem da lei. Como esta deve acompanhar as necessidades sociais, cumpre ao intérprete revelar os novos fins que a lei tem por missão garantir.” (NADER, fl. 280). De acordo com Müller, “a interpretação histórica e a interpretação genética são subcasos da interpretação sistemática.” Ademais, “tanto a interpretação sistemática quanto a interpretação teleológica têm por escopo a combinação de vários, quando não todos os elementos de concretização sob a designação 'sistemáticos' ou 'teleológicos'.” (MÜLLER, p. 78) Por fim, não há hierarquia predeterminada entre os diferentes critérios. Tipos de interpretação ou interpretação quanto ao resultado: a) Declarativa: chamada de especificadora. A letra da lei está em harmonia com o “espírito da lei”. Há a coincidência da norma com o sentido exato do preceito. b) Restritiva: procura-se limitar o alcance da norma, não obstante a amplitude de sua expressão literal. c) Extensiva: o intérprete amplia o sentido da norma para além de seu texto. Limites da interpretação, em especial o sentido literal possível: como a interpretação da norma jurídica pode gerar várias soluções distintas, mostra-se necessário o estabelecimento de limites. Nesse contexto, Larenz ensina: “Diz acertadamente MEIER-HAYOZ que o 'teor literal tem, por isso, uma dupla missão: é ponto de partida para a indagação judicial do sentido e traça, ao mesmo tempo, os limites da sua actividade interpretativa'. Uma interpretação que se não situe já no âmbito do sentido literal possível, já não é interpretação, mas modificação de sentido.” (LARENZ, p. 453-454) E conclui o referido autor: “Por conseguinte, o sentido literal a extrair do uso linguístico geral ou, sempre que ele exista, do uso linguístico especial da lei ou do uso linguístico jurídico geral, serve à interpretação, antes de mais, como uma primeira orientação, assinalando, por outro lado, enquanto sentido literal possível – quer seja segundo o uso linguístico de outrora, quer seja segundo o actual –, o limite da interpretação propriamente dita. Delimita, de certo modo, o campo em que se leva a cabo a ulterior actividade do intérprete.” (LARENZ, p. 457). Na mesma linha, leciona Müller: “Por razões ligadas ao Estado de Direito, o possível sentido literal circunscreve, não em último lugar no Direito Constitucional, o espaço de ação de uma concretização normativamente orientada que respeita a correlação jusconstitucional das funções. O teor literal demarca as fronteiras extremas das possíveis variantes de sentido, i.e., funcionalmente defensáveis e constitucionalmente admissíveis. Outro somente vale onde o teor literal for comprovadamente viciado.” (MÜLLER, p. 74). Conflitos aparentes de normas e os critérios para sua solução: o conflito aparente de normas resolve-se pela aplicação dos critérios da hierarquia, temporalidade e especialidade. Esses critérios decorrem da interpretação sistemática, que compreende o ordenamento jurídico como um todo dotado de unidade, evitando contradições internas. Critério hierárquico: norma superior prevalece sobre a inferior. Critério cronológico: norma mais recente revoga a norma mais antiga. Critério especialidade: norma especial não revoga a norma geral, mas cria uma situação de coexistência, sendo aplicada no que for específica. Antinomias de segundo grau (conflitos entre os critérios): a) entre o hierárquico e o cronológico, prevalece o primeiro; b) entre o da especialidade e o cronológico, prevalece o primeiro; c) entre o hierárquico e o da especialidade, não há uma prevalência a priori, porém: “segundo Bobbio, dever-se-á optar, teoricamente, pelo hierárquico, uma lei constitucional geral deverá prevalecer sobre uma lei ordinária especial, pois se se admitisse o princípio de que uma lei ordinária especial pudesse derrogar normas constitucionais, os princípios fundamentais do ordenamento jurídico estariam destinados a esvaziar-se, rapidamente, de seu conteúdo. Mas, na prática, a exigência de se aplicarem as normas gerais de uma Constituição a situações novas levaria, às vezes, à aplicação de uma lei especial, ainda que ordinária, sobre a Constituição. A supremacia do critério da especialidade só se justificaria, nessa hipótese, a partir do mais alto princípio da justiça: 'suum cuique tribuere', baseado na interpretação de que 'o que é igual deve ser tratado como igual e o que é diferente, de maneira diferente'.” (DINIZ, p. 475-476). Neste contexto, o STF decidiu: O art. 927, parágrafo único, do CC é compatível com o art. 7º, XXVIII, da CF, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva, e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade. STF. Plenário. RE 828040/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 12/3/2020 (repercussão geral – Tema 932) (Info 969). Obs1: principal argumento: o CC ampliou a proteção. O rol do art. 7º não impede que outros direitos sejam concedidos ao trabalhador. Obs2: competência da justiça do trabalho. Essa posição já era defendida pela doutrina majoritária: Enunciado 377 da IV Jornada de Dir. Civil: o art.7.º, XXVIII, da CF não é impedimento para a aplicação do disposto no art. 927, parágrafo único, do CC quando se tratar de atividade de risco. Notas históricas, do formalismo legalista ao pós-positivismo (Sarmento): O método mais tradicional de interpretação do direito é conhecido como método da subsunção. A atividade do juiz consiste em verificar se os fatos levados à sua apreciação se identificam com a hipótese de incidência (facti species). Para o formalismo mais estrito, toda a atividade do intérprete deveria se restringir a essa operação lógico-formal: premissa maior - norma, premissa menor - fato e a consequência jurídica é a síntese do silogismo. Predominou até início do século XX e foi desenvolvida pela Escola da Exegese (França). Não se concebia que a interpretação operasse construtivamente. Fundamentos: teoria rígida da separação de poderes e ênfase no princípio da legalidade. Entra em crise no começo do século XX, com o reconhecimento da impossibilidade de conceber o intérprete como uma máquina de fazer subsunções, o que levou a uma tendência de superação do formalismo com a adoção de novas perspectivas. Virada Kantiana e giro linguístico. O debate contemporâneo sobre a interpretação jurídica é extremamente rico e plural e tem como pano de fundo duas mudanças importantes no campo filosófico, a virada kantiana e o giro linguístico. Virada Kantiana: foi o retorno da ética normativa ao campo das reflexões dos pensadores. A primeira metade do século XX foi marcada pelo relativismo ético. Com o crescente pluralismo da sociedade, passaram a coexistir diferentes concepções sobre justiça. O relativismo passou a ser questionado após a 2ª guerra, assim a preocupação com a justiça nas relações políticas e sociais se dissemina, sobretudo com a consagração de direitos humanos e formulação de princípios abstratos de justiça, sem apelo ao discurso religioso ou metafísico. Relaciona-se com a teoria do mínimo ético. Foi considerada uma afirmativa correta no concurso de Promotor de Justiça do Estado do Paraná em 2017 a assertiva: “A virada Kantiana marcou a reaproximação entre ética e Direito, com o ressurgimento da razão prática, da fundamentação moral dos direitos fundamentais e do debate sobre a teoria da justiça fundado no imperativo categórico, que deixa de ser simplesmente ético para se apresentar também como um imperativo categórico jurídico”. Giro linguístico: provocou mudança profunda na maneira como se concebe o conhecimento, envolvendo uma ruptura com o modelo cartesiano, que se baseava numa rígida separação entre sujeito e objeto. O foco, antes centrado na consciência do sujeito, se desloca para a comunicação intersubjetiva, mediada pela linguagem. No cenário atual, são diversas as correntes que buscam fornecer métodos ou critérios para a busca da melhor resposta em cada caso jurídico controvertido. Esta é uma característica do pós-positivismo, expressão genérica que congrega uma série de concepções jurídicas diferentes, que tem em comum a rejeição tanto ao formalismo como ao reconhecimento da plena discricionariedade do intérprete nos casos difíceis. No novo marco, a interpretação jurídica abre-se para a influências de outros domínios, como a filosofia, política, sociologia e economia. Ela se torna mais complexa incorporando novos instrumentos, como as teorias da argumentação (procedimentos baseados na comunicação intersubjetiva para busca de melhores soluções), a ponderação de interesses e a reabilitação da razão prática (razão voltada para a ação). Atualmente há, porém, uma reação do formalismo a essas concepções, diante da hegemonia dessas posições pós-positivistas na interpretação jurídica. Trata-se, no entanto, de um formalismo mais sofisticado, que entende que intérpretes mais disciplinados, que não se enveredem nas complexas operações intelectuais preconizadas pelas teorias do pós-positivismo, podem gerar, no cômputo geral, soluções melhores e por isso, o formalismo deve ser adotado, pelo menos em determinados contextos. 12B. Critérios clássicos de resolução de antinomias jurídicas. Gabriel Dalla 10.9.18 Guilherme Mitidiero 15.3.23 As antinomias são classificadas pela doutrina clássica, quanto a sua solução, como antinomias aparentes e antinomias reais, estas últimas também chamadas de lacunas de conflito. Antinomias aparentes são os conflitos de normas ocorridos durante o processo de interpretação que podem ser solucionados através da aplicação dos critérios clássicos de solução de conflitos, quais sejam, os critérios hierárquico, especialidade e cronológico. O critério cronológico (lex posterior derrogat priori) é aquele que postula que entre duas normas incompatíveis, deve permanecer a posterior. O critério hierárquico (lex superior derrogat inferiori), por sua vez, determina que no confronto entre regras jurídicas inconciliáveis, deve ser aplicada a de estatura superior. O critério da especialidade (lex especialis derogat legi generali) impõe que na colisão entre duas regras prevaleça a mais especial em detrimento da mais geral. As antinomias reais são definidas por Ferraz Jr como “a oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de ordenamento dado”. Assim, as antinomias reais são conflitos entre normas que não são resolvidos com a utilização dos critérios mencionados. As antinomias resolvidas pelos critérios acima elencados são chamadas de antinomias de primeiro grau. Já as que não podem ser resolvidas por esses critérios são chamadas de antinomia de segundo grau. Ou seja, há conflito entre os critérios nas antinomias de segundo grau. Nessa situação, a tendência da doutrina é conferir prevalência ao critério hierárquico em detrimento dos demais e ao da especialidade em detrimento do cronológico. (Para mais detalhes, ver ponto 21B acima) Contextualizando os critérios clássicos no Direito Constitucional, temos o que segue. A Carta Magna é um conjunto ou sistema de ideias políticas, sociais, econômicas, religiosas etc. distintas, muitas vezes com direcionamentos opostos sobre determinado assunto, o que, invariavelmente causará conflitos. Ocorre que os critérios clássicos mencionados não são hábeis a solucionar os conflitos surgidos entre princípios radicados no corpo normativo da CR/88. O conflito entre princípios constitucionais não pode ser reputado uma singela antinomia jurídica. É que a teoria das antinomias jurídicas foi desenvolvida com base na interpretação jurídica tradicional, que tem como principal instrumento de trabalho a figura normativa da regra. Com efeito, os critérios clássicos de resolução das antinomias jurídicas foram desenvolvidos para solucionar o problema do conflito entre regras jurídicas, e não entre princípios jurídicos. A própria natureza da norma constitucional - que se caracteriza pela sua ductibilidade, caráter político, superioridade hierárquica, abertura semântica etc. – perfectibiliza sério óbice à utilização dos denominados critérios clássicos. O critério cronológico não se presta à solução das tensões constitucionais, uma vez que as normas da CR são editadas em um único momento, com a promulgação da Lei Maior. A única exceção possível é representada pelas emendas constitucionais, que são editadas após o advento da Constituição. É possível que uma emenda introduza um novo princípio constitucional, que se afigure total ou parcialmente incompatível com outro princípio albergado no texto originário da Lei Maior. Nesse caso, o novo princípio poderá revogar, no todo ou em parte, o cânone anterior com ele inconciliável, desde que este não consubstancie cláusula pétrea. Caso, porém, trate-se de cláusula pétrea, prevalecerá, para a solução do caso, o critério hierárquico, o que desencadeará a rejeição, por inconstitucionalidade, do princípio instituído pela emenda constitucional. O critério da especialidade também é de reduzidaCorte, com jurisdição nacional (lembrete: STF e STJ, além de órgãos de convergência por terem competência nacional, são também órgãos de superposição por não pertenceram a qualquer Justiça) e é previsto um mecanismo de intervenção federal, como procedimento assecuratório da unidade física e da identidade jurídica da Federação. A soberania é atributo do Estado Federal como um todo representado pela República Federativa do Brasil. Os Estados-membros dispõem de autonomia, que importa, necessariamente, a descentralização administrativa e política. Eles não apenas podem, por suas próprias autoridades, executar leis, como também lhes é reconhecido elaborá-las. Disso resulta na percepção de que no Estado Federal clássico há uma dúplice esfera de poder normativo – a da União e a do Estado-membro - sobre um mesmo território e sobre as pessoas que nele se encontram. No Brasil, temos uma tríplice esfera normativa, já que os municípios também podem legislar sobre assuntos de interesse local (ex.: competência dos municípios para legislar, fundamentadamente, sobre direito ambiental, conforme decidido pelo STF no ARE 748206 AgR/SC, DJ 14.03.17 – Info 857). A autonomia política dos Estados membros abrange também a capacidade de se dotar de uma Constituição própria (lembrete: Poder Constituinte Derivado Decorrente, o qual não detém o município), sujeita embora a certas diretrizes impostas pela CF. O federalismo é uma sociedade de Estados autônomos com aspectos unitários porque é, enquanto Estado Federal, uma unidade territorial, unidade de representação e unidade nacional. Outra característica do federalismo é a de que os Estados-membros tenham voz ativa na formação da vontade da União – vontade que se expressa sobretudo por meio das leis. Para esse fim, historicamente foi concebido o Senado Federal, com representação paritária, em homenagem ao princípio da igualdade jurídica dos Estados-membros. Esses Estados participam da formação da vontade federal, na mesma linha, quando são admitidos a apresentar emendas à CF. Na medida em que os Estados- membros não são soberanos, é comum impedir que se desliguem da União, no que o Estado federal se distingue da confederação, em que se preserva o direito a secessão. Como regra inexiste, portanto, no federalismo, o direito de secessão. Os conflitos que venham a existir entre os Estados-membros ou entre qualquer deles com a União, assumindo feição judiciária, são levados ao deslinde de uma corte nacional. Falhando a solução judiciária ou não sendo o conflito de ordem jurídica meramente, o Estado dispõe do instituto da intervenção federal, para se autopreservar da desagregação, bem como para proteger a autoridade da CF. Nesse sentido da autonomia dos entes subnacionais, importa verificar alguns julgados do STF. Embora a Lei de Execução Fiscal preveja a impossibilidade de concurso de credores, instituía um concurso de preferência à União em detrimento dos demais entes federados, assim como dos Estados em detrimento dos Municípios. No âmbito da ADPF 357, decidiu-se o seguinte: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 187 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 29 DA LEI N. 6.830/1980. CONCURSO DE PREFERÊNCIA ENTRE OS ENTES FEDERADOS NA COBRANÇA JUDICIAL DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS E NÃO TRIBUTÁRIOS. INCOMPATIBILIDADE DAS NORMAS IMPUGNADAS COM A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988. AFRONTA AO INC. III DO ART. 19 DA CONSTITUIÇÃO. ARGUIÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. A arguição de descumprimento de preceito fundamental viabiliza a análise de constitucionalidade de normas legais pré-constitucionais insuscetíveis de conhecimento em ação direta de inconstitucionalidade. Precedentes. 2. A autonomia dos entes federados e a isonomia que deve prevalecer entre eles, respeitadas as competências estabelecidas pela Constituição, é fundamento da Federação. O federalismo de cooperação e de equilíbrio posto na Constituição da República de 1988 não legitima distinções entre os entes federados por norma infraconstitucional. 3. A definição de hierarquia na cobrança judicial dos créditos da dívida pública da União aos Estados e Distrito Federal e esses aos Municípios descumpre o princípio federativo e contraria o inc. III do art. 19 da Constituição da República de 1988. 4. Cancelamento da Súmula n. 563 deste Supremo Tribunal editada com base na Emenda Constitucional n. 1/69 à Carta de 1967. 5. Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada procedente para declarar não recepcionadas pela Constituição da República de 1988 as normas previstas no parágrafo único do art. 187 da Lei n. 5.172/1966 (Código Tributário Nacional) e no parágrafo único do art. 29 da Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais). (ADPF 357, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 24/06/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-200 DIVULG 06-10-2021 PUBLIC 07-10-2021) Não há menção a “separação vertical de poderes” no acórdão. Apesar do precedente acima citado, em decorrência de ele se limitar expressamente a questão da Execução Fiscal, permanecem inteiramente válidas as disposição da lei geral de desapropriação ao afirmar que os “bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa”, assim como “é vedada a desapropriação, pelos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios de ações, cotas e direitos representativos do capital de instituições e empresas cujo funcionamento dependa de autorização do Governo Federal e se subordine à sua fiscalização, salvo mediante prévia autorização, por decreto do Presidente da República”. A Constitucionalidade de tais disposições já foi reafirmada algumas vezes pelo STF, situação em que relativizou o princípio da isonomia entre os diversos entes federados, afirmando expressamente que “deve prevalecer o ato da pessoa jurídica de mais alta categoria, segundo o interesse de que cuida: o interesse nacional, representado pela União, prevalece sobre o regional, interpretado pelo Estado, e este sobre o local, ligado ao Município”. Outra situação em que o STF protegeu o princípio da autonomia dos entes federados foi ao impedir que Governadores do Estado fossem convocados para CPI no Congresso Nacional, pois entendeu que respondem apenas perante as Assembleias Legislativas. Veja: Em juízo de delibação, não é possível a convocação de governadores de estados-membros da Federação por Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada pelo Senado Federal. A convocação viola o princípio da separação dos Poderes e a autonomia federativa dos estados-membros. STF. Plenário. ADPF 848 MC-Ref/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 25/6/2021. Não há menção expressa a “separação vertical de Poderes” acórdão. III. Classificações e sistemas de repartições de competência. A distribuição (ou repartição) constitucional de poderes (ou de competências) é um dos pontos mais importantes no estudo do Estado Federal. Consoante José Afonso da Silva, o princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades federativas é o da predominância de interesses, pelo qual cabe à União as matérias e questões de predominante interesse geral, nacional; aos Estados-membros cabem as matérias e assuntos de predominante interesse regional; e aos municípios concernem os assuntos de interesse local. Só que atualmente essa distinção não é fácil de ser feita. A regra principal da federação, consoante Celso Ribeiro Bastos, é a seguinte: nada será exercido por um poder mais amplo quando puder ser decidido pelo poder local, pois os cidadãos moram nos municípios, e não na União. Quanto à formação do Estado Federal, o federalismo pode ser classificado em: federalismo por agregação: os Estados independentes ou soberanos renunciam a parcela de sua soberania para agregar-se entre si e formar um novo Estado, agora, federativo, passando a ser autônomos. Consagra a indissolubilidade do vínculovalia no confronto entre princípios constitucionais, já que ele só pode ser utilizado quando se evidenciar entre as normas em antagonismo uma relação do tipo geral-especial. Observe-se, a propósito, que as antinomias podem ter três classificações: total-total, nas quais as normas em contradição possuem exatamente o mesmo âmbito de validade, de modo que qualquer aplicação dada a uma delas contraria necessariamente a outra; parcial-parcial, onde cada norma tem uma aplicação conflituosa com a outra e um campo sem a ocorrência de conflitos; e total-parcial, que ocorre quando o âmbito de validade de uma das normas está compreendida no âmbito de validade da outra. Ocorre que somente nas antinomias do tipo total-parcial pode-se utilizar o método de especialidade, visto que existe uma relação do tipo geral-especial. Esta antinomia, no entanto, não é muito comum no campo constitucional. O critério hierárquico tampouco pode ser utilizado, pois todas as normas constitucionais desfrutam formalmente da mesma estatura, afigurando-se arbitrário atribuir a qualquer uma delas primazia absoluta em relação às demais. Entretanto não há a pretensão de se negar que algumas normas são mais importantes do que outra, destacando-se na sociedade. Porém, daí não decorre que, sem autorização expressa da Constituição, possa-se escalonar, em diferentes graus hierárquicos, as normas editadas pelo Poder Constituinte originário. A inexistência de hierarquia absoluta entre as normas radicadas na CR configura corolário inafastável do princípio da unidade da Constituição. Existem, basicamente, duas concepções de hierarquização das normas constitucionais: estática e dinâmica. A hierarquia estática prega que quando há o conflito entre duas normas constitucionais, a de estatura inferior deve ser eliminada do sistema (ex: tese das normas constitucionais inconstitucionais, de Otto Bachof). A estatura da norma, no caso, seria definida com relação à sua origem: “as que resultam de uma ordem de valores transcendental e preexistente seriam superiores àquelas que têm a sua origem no ato volitivo do legislador constituinte”. O STF não admite essa tese (ver ADI 815-DF). Já a hierarquia dinâmica não aceita a possibilidade de existirem normas constitucionais inconstitucionais, preconizando a subsistência, no ordenamento, de todas as regras e princípios albergados na norma fundamental, ainda que potencialmente conflituosos entre si. Por fim, a solução de uma antinomia real pode ser realizada pelo juiz, com a utilização da analogia, dos costumes, dos princípios gerais de Direito e da doutrina, nos termos do art. 4 da LINDB. Também pode ser operada pelo legislador, com uma nova lei. Defende-se, ainda, no caso de princípios constitucionais, a utilização da técnica de ponderação de interesses. 17B. A metodologia jurídica no tempo. A Escola da Exegese. Jurisprudência dos conceitos, jurisprudência dos interesses e jurisprudência dos valores. O realismo jurídico. Neoformalismo. O pós-positivismo jurídico. Atualizado por Sarah Cavalcanti Guilherme Mitidiero I. A Metodologia Jurídica no Tempo Metodologia jurídica compreende a construção racional da decisão, o itinerário lógico entre a apresentação do problema e a formulação da solução, caminhos para chegar a um fim (Barroso). As principais teorias são agrupadas em 4 grupos: a) formalismo; b) reação antiformalista; c) positivismo; d) volta aos valores (neopositivismo). a) FORMALISMO JURÍDICO (século XIX): marcado pela concepção mecanicista do Direito, pela qual a interpretação jurídica seria uma atividade acrítica de subsunção. Pregava o apego à literalidade do texto legal e à intenção do legislador, e via com desconfiança o Judiciário, ao qual não reconhecia a possibilidade de qualquer atividade criativa. Exemplos do formalismo jurídico foram a ESCOLA DA EXEGESE (França) e a JURISPRUDÊNCIA DOS CONCEITOS (Alemanha). b) REAÇÃO ANTIFORMALISTA: capitaneada por Rudolph von Ihering, para quem a verdade subjacente aos conceitos jurídicos era relativa. Dentre os movimentos desenvolvidos sob esse estandarte podem ser citados o Movimento para o Direito Livre, na Alemanha, e o REALISMO JURÍDICO, nos EUA e na Escandinávia. Essas Escolas de pensamento tinham como características comuns: a) reação à crença de que o Direito poderia ser encontrado integralmente no texto legal e nos precedentes judiciais; b) rejeição da tese de que a função jurisdicional seria meramente declaratória, reconhecendo que em diversas situações o juiz desempenha um papel criativo; c) reconhecimento da importância dos fatos sociais, das ciências sociais e da necessidade de interpretar o Direito de acordo com a evolução da sociedade e visando à realização de suas finalidades. Sarmento aponta as seguintes críticas em face das concepções radicalmente antiformalistas: a) sob o prisma descritivo, acabam negando qualquer diferença entre as esferas política e jurídica; b) do ponto de vista prescritivo, o antiformalismo peca por não dar o devido peso à segurança jurídica e à necessidade de legitimação democrática da atividade jurisdicional. Por outro lado, a reação antiformalista serviu como contraponto importante ao formalismo, atuando como antítese, em um processo dialético que gerou o avanço em direção a teorias hermenêuticas mais equilibradas. c) POSITIVISMO JURÍDICO: aparece na virada do século XIX para o XX. Com a pretensão de criar uma ciência do Direito objetiva e neutra, o positivismo compartilhou muitas das premissas teóricas do formalismo, caracterizando-se pela separação entre o Direito e a Moral, entre a lei humana e o direito natural. Nada obstante, nas formulações mais sofisticadas desenvolvidas ao longo do século XX, como a Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen, e O conceito de Direito, de Herbert Hart, afastou-se da perspectiva estritamente mecanicista. Assim, mostra-se como um ponto intermediário entre o formalismo jurídico e o antiformalismo. d) VOLTA AOS VALORES: é a marca do pensamento jurídico que se desenvolve a partir da segunda metade do século XX. No pós-guerra, em âmbito internacional, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). No âmbito interno, diferentes países reconheceram a centralidade da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais. Marcam a nova época a normatividade dos princípios, a argumentação jurídica e a racionalidade prática. Trata-se do debate contemporâneo sobre a interpretação jurídica, denominada “virada kantiana”. II. A Escola da Exegese A ESCOLA DA EXEGESE: também conhecida como Escola filológica, é uma corrente de pensamento jurídico que floresceu no início do século XIX, a partir do código de Napoleão (1804). A escola da exegese afirmava que a interpretação deveria ser mecânica, de acordo com a intenção do legislador. Sustentava que o Código de Napoleão resolveria qualquer problema concretamente deduzido. A Escola da Exegese também pregava o Estado como a única fonte do Direito, pois todo o ordenamento jurídico seria originado da lei e, esta, por ser proveniente do legislador, teria como origem o Estado, ou seja, somente a lei era admitida como fonte do Direito. Quanto à aplicação do Direito, a Escola da Exegese pregava a concepção silogística. Tal entendimento, influenciado pelas ideias de Montesquieu, via o direito como possuidor de três elementos básicos: o fato, a norma e a sentença. Nas palavras de Daniel Sarmento, “Segundo essa Escola, todo o Direito estaria compreendido no sistema composto pelas normas ditadas pelo legislador, e o papel do intérprete se resumiria a fazer com que a vontade legislativa, gravada nos textos legais, incidisse nos casos concretos. Não se concebia, portanto, que a interpretação operasse construtivamente”. III. A Jurisprudência dos Conceitos Formulada por Puchta, para quem a norma escrita deve refletir conceitos, quando de sua interpretação. Derivada do formalismo jurídico, foi a precursora da ideia de que o direito provém de fonte dogmática, imposição do homem sobre o homem e não consequência natural de outras ciências ou da fé metafísica.Entre as principais características da jurisprudência dos conceitos estão: o formalismo, com a busca do direito na lei escrita; a sistematização; o Direito deveria, prevalentemente, ter base no processo legislativo. Sarmento explica que “A Jurisprudência dos Conceitos também buscava construir um ordenamento sistemático e unitário, sem deixar espaço para a criação judicial do Direito. Porém, a construção do sistema não caberia ao legislador, mas à Ciência do Direito, por meio da formulação de conceitos jurídicos altamente abstratos”. IV. A Jurisprudência dos Interesses A norma escrita deve refletir interesses quando de sua interpretação para essa Escola. Seu principal representante foi Philipp Heck. Na jurisprudência dos interesses, interpreta-se a norma, basicamente, tendo em vista as finalidades às quais esta se destina. É uma teoria de interpretação do direito que, sem superar o positivismo (Questão nº 4, prova objetiva do 29º CPR), busca a proteção dos interesses materiais subjacentes à norma. “Neste quadro, a tendência na hermenêutica jurídica foi de superação do formalismo, com a adoção de novas perspectivas, como a “jurisprudência dos interesses” (Interessenjurisprudenz), de Philipp Heck, que sustentava a necessidade de proteção dos interesses materiais subjacentes às normas, com maior atenção para o mundo real, dedicando atenção a temas como as lacunas do ordenamento e a sua integração. Assim, sem se afastar do positivismo, a jurisprudência dos interesses abria mais espaço para o desenvolvimento do Direito diante das necessidades sociais. Outras correntes do pensamento jurídico iam ainda mais longe, rompendo radicalmente com o formalismo e adotando posições diametralmente opostas às suas." (SARMENTO, Daniel; SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Direito Constitucional. Teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 394.) V. Jurisprudência dos Valores Esta escola representa, no processo da evolução do direito, um passo na superação das contradições do positivismo jurídico e, por tal razão, é considerada por alguns como semelhante à escola do pós-positivismo. Esta forma de pensar o direito tem várias características e reflexos em vários campos da vida jurídica das sociedades, estando entre eles uma significativa evolução concernente ao respeito e cumprimento de princípios constitucionais. A jurisprudência dos valores caracteriza uma forma de se entenderem os conceitos de incidência e interpretação da norma jurídica, bem como sua divisão em regras e princípios, além de conceitos como igualdade, liberdade e justiça. Esta corrente é amplamente citada em inúmeras fontes, de diversas origens. Assim como outras correntes, sustenta a aproximação entre a interpretação constitucional e a argumentação moral, de modo que os direitos fundamentais passariam a gozar de uma eficácia irradiante, que os transforma em vetores na interpretação do ordenamento infraconstitucional (Questão da prova objetiva do 29º CPR). A chamada de Jurisprudência dos Valores vem sofrendo críticas ácidas, especialmente pelo grande risco de que o Tribunal revista suas próprias decisões valorativas com o manto de um procedimento racionalmente orientado, o que aumenta a capacidade de persuasão das decisões sem aumentar o seu grau de racionalidade. Habermas critica a jurisprudência dos valores porque considera que essa redução dos princípios a valores conduz a uma argumentação jurídica inconsistente. Na medida em que os princípios têm um caráter deontológico e os valores um caráter teleológico, os argumentos fundados em princípios não têm a mesma função e a mesma estrutura dos argumentos fundados em valores. Por esses motivos, Habermas conclui que: "A transformação conceitual de direitos fundamentais em bens fundamentais significa que direitos foram mascarados pela teleologia, escondendo o fato de que em um contexto de justificação, normas e valores têm diferentes papéis na lógica da argumentação. Porque normas e princípios, em virtude do seu caráter deontológico, podem pretender ser universalmente obrigatórios e não apenas especialmente preferíveis, eles possuem uma maior força de justificação que os valores. Valores devem ser postos em uma ordem transitiva com outros valores, caso a caso. Como não há padrões racionais para isso, esse sopesamento acontece arbitrariamente ou sem maior reflexão, de acordo com os padrões e hierarquias costumeiras. A partir do momento em que uma corte constitucional adota a doutrina de uma ordem objetiva de valores e fundamenta seu processo de decisão em uma forma de realismo ou convencionalismo moral, o perigo de decisões irracionais cresce, porque os argumentos funcionais ganham precedência sobre os normativos. Certamente, há vários princípios ou bens coletivos que representam perspectivas cujos argumentos podem ser introduzidos em um discurso jurídico em casos de colisão de normas [...]. Mas argumentos baseados em tais bens e valores coletivos apenas contam na mesma medida que as normas e princípios pelas quais esses objetivos podem, a seu turno, ser justificados. Em última instância, apenas direitos podem ser invocados em um jogo argumentativo. [...] Um julgamento orientado por princípios precisa decidir qual pretensão e qual ação em um dado conflito é correta - e não como ponderar interesses ou relacionar valores. [...] A validade jurídica do julgamento tem o caráter deontológico de um comando, e não o caráter teleológico de um bem desejável que nós podemos alcançar até um certo nível." VI. Realismo Jurídico Surge, inicialmente, nos EUA, na década de 20 e, posteriormente, na Escandinávia, como um desdobramento da jurisprudência sociológica de Ihering. Integra a corrente não-formalista, e traz três críticas ao formalismo: a) crítica lógica (conceitos gerais não resolvem casos concretos, e menos ainda produz decisões unívocas, permitindo ao juiz a escolha do resultado); b) crítica psicológica (a decisão judicial, frequentemente, ocultava sua motivação real, funcionando como uma racionalização a posteriori da decisão tomada por outras razões); c) crítica sociológica (fatos sociais por trás da decisão judicial é que forneciam sua verdadeira motivação). O realismo volta-se contra o formalismo, sustentando que o Direito não é o que está nas leis ou nos precedentes, nem se baseia na lógica e na razão abstrata. Ele consiste naquilo que os juízes dizem. Tenta demonstrar que, apesar de frequentemente negarem que o façam, os juízes decidem os casos que lhe são apresentados com base em uma série de fatores psicológicos e sociológicos, consistentes ou não, que têm pouco ou nenhuma relação com as fontes normativas reconhecidas em um dado sistema. Para o realismo, a interpretação do direito é sempre um ato de criação judicial, impregnado de conteúdo político. VII. Neoformalismo Conforme Sarmento, a reação neoformalista “alerta a comunidade jurídica para os riscos envolvidos na adoção de teorias excessivamente otimistas em relação à capacidade dos intérpretes de produzirem sempre as melhores decisões, quando se lhes concede maior amplitude para valorações. Se a redução do intérprete a um servo da lei não se justifica, a sua idealização, como semideus sábio e virtuoso, pode também não ser a melhor solução, na perspectiva da otimização dos objetivos do constitucionalismo democrático”. VIII. Pós-positivismo Jurídico É o retorno da Ética normativa ao campo das reflexões dos pensadores. Segundo Sarmento: até a II Guerra Mundial, prevalecia no velho continente uma cultura jurídica essencialmente legicêntrica, que tratava a lei editada pelo parlamento como a fonte principal do Direito, e não atribuía força normativa às constituições. Estas eram vistas basicamente como programas políticos que deveriam inspirar a atuação do legislador, mas que não podiam ser invocados perante o Judiciário, na defesa de direitos. Os direitos fundamentais valiam apenas na medida em que fossem protegidos pelas leis, e não envolviam, em geral, garantias contra o arbítrio ou descaso das maiorias políticasinstaladas nos parlamentos. No pós-guerra, na Alemanha e na Itália, e algumas décadas mais tarde, na Espanha e em Portugal, assistiu-se a uma mudança significativa deste quadro. A percepção de que as maiorias políticas podem perpetrar ou acumpliciar-se com a barbárie, como ocorrera no nazismo alemão, levou as novas constituições a criarem ou fortalecerem a jurisdição constitucional, instituindo mecanismos potentes de proteção dos direitos fundamentais mesmo em face do legislador. Sob esta perspectiva, a concepção de Constituição na Europa aproximou-se daquela existente nos EUA, onde, desde os primórdios do constitucionalismo, entende-se que a Constituição é autêntica norma jurídica, que limita o exercício do Legislativo e pode justificar a invalidação de leis. Mas com uma diferença: enquanto a Constituição norte-americana é sintética e se limita a definir os traços básicos de organização do Estado e a prever alguns poucos direitos individuais, as cartas europeias foram, em geral, muito além disso: formam documentos repletos de normas impregnadas de elevado teor axiológico, que contêm importantes decisões substantivas e se debruçam sobre uma ampla variedade de temas que outrora não eram tratados pelas constituições, como a economia, as relações de trabalho e a Família. A interpretação extensiva e abrangente das normas constitucionais pelo Judiciário deu origem ao fenômeno de constitucionalização da ordem jurídica, que ampliou a influência das constituições sobre todo o ordenamento, levando à adoção de novas leituras de normas e institutos nos mais variados ramos do Direito. Como boa parcela das normas mais relevantes destas constituições caracteriza-se pela abertura e indeterminação semânticas – são, em grande parte, princípios e não regras - a sua aplicação direta pelo Poder Judiciário importou na adoção de novas técnicas e estilos hermenêuticos, ao lado da tradicional subsunção. A necessidade de resolver tensões entre princípios constitucionais colidentes deu espaço ao desenvolvimento da técnica da ponderação, e tornou frequente o recurso ao princípio da proporcionalidade na esfera judicial. Neste contexto, cresceu muito a importância política do Poder Judiciário. De poder quase “nulo”, mera “boca que pronuncia as palavras da lei” (Montesquieu), o Judiciário se viu alçado a uma posição muito mais importante no desenho institucional do Estado contemporâneo. As teorias neoconstitucionalistas buscam construir novas grades teóricas que se compatibilizem com os fenômenos acima referidos, em substituição àquelas do positivismo tradicional, consideradas incompatíveis com a nova realidade. Ao invés da insistência na subsunção e no silogismo do positivismo formalista, ou no mero reconhecimento da discricionariedade política do intérprete nos casos difíceis, na linha do positivismo moderno de Kelsen e Hart, o neoconstitucionalismo se dedica à discussão de métodos ou de teorias da argumentação que permitam a procura racional e intersubjetivamente controlável da melhor resposta para os “casos difíceis” do Direito. Para o neoconstitucionalismo, não é racional apenas aquilo que possa ser comprovado de forma experimental. A ideia de racionalidade jurídica aproxima-se da ideia do razoável, e deixa de se identificar à lógica formal das ciências exatas. A leitura clássica do princípio da separação de poderes, que impunha limites rígidos à atuação do Judiciário, cede espaço a outras visões mais favoráveis ao ativismo judicial em defesa dos valores constitucionais. No lugar de concepções estritamente majoritárias do princípio democrático, são endossadas teorias de democracia mais substantivas, que legitimam amplas restrições aos poderes do legislador em nome dos direitos fundamentais e da proteção das minorias, e possibilitem a sua fiscalização por juízes não eleitos. Ao invés de uma teoria das fontes do Direito focada no código e na lei formal, enfatiza-se a centralidade da Constituição no ordenamento, a ubiquidade da sua influência na ordem jurídica, e o papel criativo da jurisprudência. Ao reconhecer a força normativa de princípios revestidos de elevada carga axiológica, como dignidade da pessoa humana, a igualdade e solidariedade social, o neoconstitucionalismo abre as portas do Direito para o debate moral. É aqui que reside uma das maiores divergências internas no neoconstitucionalismo. 22A. O papel das pré-compreensões no Direito. Interpretação, moralidade positiva e moralidade crítica. Karine Hoffstaeter Guilherme Mitidiero Bibliografia: graal alternativo do 28 CPR; Direito constitucional (teoria, história e métodos de trabalho) Daniel Sarmento. Daniel Sarmento argumenta em artigo (“O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades”) que o Direito brasileiro vem sofrendo mudanças profundas nos últimos tempos, relacionadas à emergência de um novo paradigma tanto na teoria jurídica quanto na prática dos tribunais, que tem sido designado como "neoconstitucionalismo", e sintetiza como um dos fenômenos a reaproximação entre o Direito e a Moral, com a penetração cada vez maior da Filosofia nos debates jurídicos. Diz o mesmo autor: “Neste cenário, há espaço tanto para visões comunitaristas, que buscam na moralidade positiva e nas pré-compreensões socialmente vigentes o norte para a hermenêutica constitucional, endossando na seara interpretativa os valores e cosmovisões hegemônicos na sociedade, como para teorias mais próximas ao construtivismo ético, que se orientam para uma moralidade crítica, cujo conteúdo seja definido através de um debate racional de ideias, fundado em certos pressupostos normativos, como os de igualdade e liberdade de todos os seus participantes.” Pré-compreensões: Envolvem não apenas a concepção particular de mundo do intérprete, mas, sobretudo, os valores, tradições e preconceitos da comunidade em que ele está inserido. É o ponto de partida para o ingresso no círculo hermenêutico, em que o intérprete antecipa uma solução. Sarmento critica corrente que defende a fidelidade à pré-compreensão como caminho para busca da melhor resposta, recusando qualquer recurso ao método, por 3 razões: 1) o mundo contemporâneo é plural, com diferentes concepções de mundo conflitantes, 2) as tradições e práticas sociais estão impregnadas de opressão e assimetria, 3) o método é indispensável para controle do arbítrio do intérprete. Assim, reconhece a pré-compreensão como integrante de qualquer atividade interpretativa, mas os intérpretes devem exercer permanente crítica às tradições e autocrítica em relação as respectivas cosmovisões. Tradicionalmente a hermenêutica jurídica pode ser conceituada como um conjunto de métodos de interpretação das normas. Em sua concepção antiga era tida como um conjunto de métodos e técnicas destinado a interpretar a essência da norma, buscando o seu significado exato – preconizada por Shleiermacher. Hans-Georg Gadamer, importante filósofo alemão (em sua obra Verdade e Método, publicada pela primeira vez em 1960, na qual o autor desenvolve uma hermenêutica filosófica – em contraposição à Shleiermacher), apresentou uma nova visão da hermenêutica, a denominada hermenêutica contemporânea, que não se subjuga a regras metódicas das ciências humanas, e tece uma perspectiva crítica da metafísica (aquilo que se encontra além daquilo que é físico, palpável, acima do sensível). De acordo com Gadamer, a hermenêutica é um campo da filosofia, que “além de possuir um foco epistemológico, também estuda o fenômeno da compreensão por si mesmo...”. Em sua obra, Gadamer afirma que: “E mesmo aquele que ‘compreende’ um texto (ou mesmo uma lei) não somente projetou-se a si mesmo a um sentido, compreendendo – no esforço do compreender – mas que a compreensão alcançada representa o estado de uma nova liberdade espiritual”. Para o autor, ao interpretar um texto, o intérprete investiga a sua pré-compreensão tanto quanto o texto em si, ou seja, insere-se pré-conceitos erigidos da atual sociedade, afastando-se apenas duma interpretação textual. O processo de interpretação envolve não somenteas pré-compreensões do intérprete, exigindo também que este interaja com o que está sendo interpretado, em suas palavras: “O intérprete, pois, deve permitir que o texto lhe diga algo por si, sem lhe impor a sua pré-compreensão”. Nessa linha, a interpretação pressupõe uma "pré-compreensão" historicamente determinada, considerando os horizontes do passado e do presente, e está sempre sujeita a revisão no futuro. Os preconceitos representam juízos prévios não definitivos, que durante o Iluminismo foram indevidamente considerados como obstáculos à busca do conhecimento e da verdade. De acordo com a teoria de Gadamer, as pré-compreensões – preconceitos – são condições para a compreensão e devem ser analisadas em sua dimensão positiva. Não se pode dissociar a ciência e a tradição histórica, não havendo possibilidade de existir ciência desprovida de preconceitos. Refere o autor que: “Toda vivência implica os horizontes do anterior e do posterior e se funde, em última análise, com o continuum das vivências presentes no anterior e posterior na unidade da corrente vivencial”. Com a compreensão atingida com a análise das pré-compreensões, possibilita-se a quebra de paradigmas e a efetivação da permanente renovação do saber. O STF tem superado algumas pré-concepções permitindo o aborto de fetos anencéfalos - sendo que no voto vencedor se afirma que não se trata de aborto propriamente dito -, a união homoafetiva, e a utilização de células tronco em pesquisas e etc. De acordo com Sarmento, quando se fala da argumentação moral em sede constitucional, pode-se discutir de que "moral" se está cogitando: trata-se da moralidade positiva, correspondente aos valores dominantes numa dada sociedade, ao seu "ethos"; ou da moralidade crítica, que se propõe a problematizar esses mesmos valores, para aferir se são ou não justos. Moral positiva: para Hart, é aquela moralidade compartilhada pela maior parte dos indivíduos que formam uma sociedade determinada. Em linhas gerais, essa moral possuiria diferentes formas de aplicação, como (a) formas de se vestir, dormir, etc., que são habituais; (b) atividades como o jogar e o se divertir, que são aleatórias no tempo. Algumas normas morais positivas, quando transgredidas, podem dar lugar a uma advertência, a uma censura, à exclusão ou ao desapreço coletivo. Outro conceito é a nomenclatura sugerida por John Austin em 1832, para o qual "moralidade positiva" é o conjunto de ideias, valores, e práticas morais de uma determinada sociedade, em uma época determinada. A moralidade positiva se distingue da lei positiva, na medida em que ela não é estabelecida por uma autoridade política. Ela diz respeito, antes, ao sentimento de aprovação ou desaprovação de uma determinada comunidade com relação a certos tipos de comportamento. Por outro lado, a moralidade positiva se distingue também da lei divina (ou lei natural), na medida em que ela diz respeito a um conjunto de regras efetivamente adotadas por uma comunidade, independentemente do fato de essas regras estarem ou não de acordo com a lei divina. Segundo Austin as leis da moralidade positiva são denominadas de “leis” no sentido “impróprio” deste termo. Trata-se de um sentido impróprio, pois falta às leis da moralidade positiva uma instância superior com o poder de impor algum tipo de penalidade no caso da violação deste tipo de lei. A moralidade positiva é um corpo de doutrinas, a que um conjunto de indivíduos adere geralmente, que dizem respeito ao que é correto e incorreto, bom e mau, com respeito ao caráter e à conduta. Os indivíduos podem ser os membros de uma comunidade (por exemplo, a ética dos índios Hopi), de uma profissão (certos códigos de honra) ou qualquer outro tipo de grupo social. Moral crítica (ou ideal): para Hart, se refere aos princípios obtidos racional ou reflexivamente para criticar às próprias ações ou as ações coletivas (a moral positiva). Diferente da moral positiva, a moral crítica corresponde ao raciocínio moral da pessoa, de modo que não é guiada por reações sociais. Muitos usam a distinção entre “moralidade positiva” e “moralidade crítica” para marcar a diferença fundamental entre o que a maioria entende como moralmente correto e aquilo que uma versão crítica e reflexiva da moralidade existente poderia defender. Identificar e descrever uma certa moralidade não implica em aceitá-la acriticamente. Um exemplo eloquente é a vedação constitucional da pena de morte no Brasil. Não seria absurdo supor que a maioria da população brasileira apoiaria uma lei propondo a pena capital. Mas o poder do legislador (e da soberania popular) está limitado pela cláusula constitucional. Mesmo se houvesse comprovação empírica dos benefícios de tal pena extrema (coisa que não existe), o princípio constitucional prevaleceria sobre o poder legislativo. A moralidade positiva, evidentemente, pode estar ela própria subordinada à crítica moral, pois frequentemente endossamos, reconsideramos, ou mesmo abandonamos inteiramente as ideias, valores, e práticas morais de épocas passadas. Hart diz que o legislador, ao ditar a lei, deve valorar racionalmente quais são os fundamentos da moral positiva vigente, e em seu caso atuar contra o majoritariamente desejado. Se não for assim, deduz Hart, se confundiria a democracia como forma de governo com um populismo moral, segundo o qual a maioria da população teria direito a estabelecer como devem viver os demais. Sarmento afirma que o discurso constitucional não pode se divorciar completamente dos valores comunitários, sob pena de perda de legitimidade da Constituição, porém, numa sociedade ainda hierárquica, racista e homofóbica como a nossa, prescrever para o intérprete a obediência cega aos valores comunitários significaria chancelar o status quo, contra o qual o constitucionalismo democrático deve se insurgir. Por isso, propõe que o intérprete não ignore as tradições e a moralidade positiva, mas busque os elementos mais emancipatórios dessas fontes (aporte reconstrutivo), para que sejam lidas sob a sua "melhor luz". Reconhece que a maior permeabilidade da interpretação constitucional a juízos morais envolve riscos, sendo o maior deles, que os juízes imponham os seus próprios valores aos poderes eleitos e ao povo. Destaca 2 maneiras de minimizar esse risco: 1) recusar a ideia de monopólio interpretativo judicial ao Supremo; 2) cobrança de maior rigor metodológico na interpretação constitucional. 4C. Lacunas e Integração do Direito: analogia, costumes e equidade. Oswaldo Costa Guilherme Mitidiero I. Lacunas e Integração do Direito A teoria jurídica tradicional afirma que o ordenamento jurídico é dotado de completude. Isto porque dele seria possível extrair a resposta para qualquer problema jurídico que viesse a surgir. Porém, mesmo de acordo com esta concepção, as leis, diferentemente do ordenamento, podem conter lacunas, quando não indicarem soluções para questões juridicamente relevantes. Diante de uma lacuna, o Poder Judiciário, que tem a obrigação institucional de resolver os conflitos de interesses submetidos à sua apreciação, não pode recusar-se a julgar, proferindo um non liquet. A Constituição é uma norma fragmentária, que não trata de todos os temas, mas tão somente daqueles escolhidos pelo poder constituinte por sua singular importância ou por outras razões atinentes à conveniência de seu entrincheiramento. Mesmo nestes temas, a Constituição, no mais das vezes, não exaure a respectiva disciplina, mas apenas fixa as suas principais coordenadas normativas, deixando a complementação para o legislador. A jurisprudência do STF reconhece a existência de lacunas constitucionais, a exemplo do caso em que foi discutida as exigências profissionais para a nomeação de advogados para o exercício da função de juiz de Tribunal Regional Eleitoral (RMS 24.334/PB). As principais formas de integração de lacunas são a analogia, os costumes e a equidade. O art. 4º da LINDB não alude à equidade, mas menciona os princípios gerais de Direito, os quais são arrolados também pela doutrina mais convencional comomeios de colmatação de lacunas. II. Analogia A analogia consiste em técnica para colmatação de lacunas por meio da qual se aplica à hipótese não regulada uma norma jurídica que trata de questão similar. A norma em questão não seria inicialmente aplicável ao caso, que não está compreendido na sua hipótese de incidência. Mas, diante da lacuna, ela incide para resolvê-lo. O principal fundamento da analogia é a igualdade, pois se parte da premissa de que hipóteses simulares devem receber o mesmo tratamento do ordenamento. III. Costumes O costume também é uma fonte do Direito, que não se esgota nas normas jurídicas produzidas pelo Estado. O costume contribui para a abertura do sistema jurídico, intensificando a sua conexão com a realidade social subjacente. A doutrina, em geral, caracteriza o costume jurídico pela confluência de dois elementos[footnoteRef:2]: o elemento objetivo, que é a repetição habitual de um determinado comportamento; e o elemento subjetivo, que é a consciência social da obrigatoriedade desse comportamento. A doutrina aponta como exemplo de costume constitucional no Brasil a aprovação de algumas leis, de caráter mais consensual, por meio do chamado “voto de liderança”. [2: No âmbito do Direito Internacional, são a prática generalizada (elemento objetivo/volitivo, chamada inverterata consuetudo), acrescida da convicção de que essa prática é juridicamente obrigatória (elemento subjetivo/psicológico, chamado opinio juris).] É certo, porém, que a rigidez e a força normativa da Constituição não se compatibilizam com os costumes contra legem (que também pode ser chamado de contra constitutionem). Portanto, o costume, por mais enraizado que seja, jamais pode ser invocado como escusa para a violação da Constituição, nem enseja a revogação de preceitos constitucionais. Isto confere ao costume constitucional uma posição singular no sistema das fontes do Direito, já que ele se situa acima das normas infraconstitucionais, mas, mesmo quando superveniente, não tem o condão de alterar o texto da Constituição. IV. Equidade A equidade é o instituto jurídico que autoriza o intérprete a adaptar o direito vigente a particularidades que não foram previstas pelo legislador, buscando retificar injustiças ou inadequações mais graves. Pode ser empregada para auxiliar na interpretação das normas legais e para corrigir a lei, quando a aplicação dessa se revelar profundamente injusta ou inadequada às singularidades do caso concreto. Neste último sentido, ela é associada à suavização dos comandos legais, de forma benéfica aos seus destinatários. Mas a equidade também pode ser utilizada para preencher as lacunas da lei, integrando o ordenamento. Esta distinção entre equidade secundum legem (de acordo com a lei, pois previsto por ela), contra legem e praeter legem (suprir lacuna, pois está além da lei), clara na teoria, não é tão nítida na prática, pois as lacunas a que a equidade é convocada a colmatar são quase sempre lacunas ocultas. Ou seja, são aquelas lacunas que não decorrem propriamente da ausência da norma legal disciplinando a hipótese, mas da percepção pelo intérprete de que a norma incidente deixou de contemplar um aspecto essencial do caso, cuja consideração pelo legislador teria conduzido a tratamento jurídico distinto. A equidade não está prevista expressamente no art. 4º da LINDB como meio de integração de lacunas. No ordenamento infraconstitucional brasileiro, a principal alusão à equidade se encontra no art. 140, parágrafo único, do NCPC, segundo o qual “o juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei”, e no art. 108 do CTN: Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I - a analogia; II - os princípios gerais de direito tributário; III - os princípios gerais de direito público; IV - a equidade. § 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei. § 2º O emprego da equidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido. Esta reticência do nosso legislador infraconstitucional em relação à equidade se explica diante do predomínio, até não muito tempo atrás, de uma concepção jurídica formalista. Contudo, ao longo do século passado, floresceram, em diferentes contextos históricos e com impostações político-filosóficas heterogêneas, várias correntes que valorizaram ao extremo a liberdade decisória do juiz na busca da solução mais justa ou adequada para cada caso, como a Escola do Direito Livre na França, o realismo jurídico norte-americano, a tópica jurídica alemã, e, no Brasil, algumas versões do movimento conhecido como “Direito Alternativo”. Tais correntes, contudo, incorreram em excessos, por não atribuírem a importância devida à exigência de previsibilidade e segurança jurídica, inerente ao Estado de Direito, e tampouco à necessidade de legitimação democrática do processo de criação do Direito. Portanto, a equidade pode ser usada para suprir lacunas da Constituição ou temperar, em circunstâncias excepcionais, o rigor das suas regras (p.ex. ADI 1289 e MS 26.690). 2A. Constituição e Cosmopolitismo. O papel do direito comparado e das normas e jurisprudência internacionais na interpretação da Constituição. André Batista e Silva Atualizado por Valmir Chaves de O. Neto (2023) I. Cosmopolitismo O cosmopolitismo pressupõe o pensamento de que a humanidade segue as leis do Universo (cosmos), isto é, considera os homens como formadores de uma única nação, não vendo diferenças entre elas, parte da ideia de uma sociedade cosmopolita de cidadãos do mundo (Kant). É ligado ao direito natural! A aceleração da globalização após o fim da Segunda Guerra Mundial, e, principalmente, o fim da bipolaridade que caracterizou o período da guerra fria, ampliou o espaço conceitual para se pensar o projeto cosmopolita. O cosmopolitismo é atrelado à ideia de que os Direitos Humanos são universais, e que a constituição não pode retroagir direitos humanos, tal como se vê no princípio da vedação do retrocesso, o que se vincula a um “’cosmopolitismo ético’, que cobra dos Estados mais respeito aos direitos humanos, não aceitando a invocação da soberania ou de particularismos culturais como escusa para as mais graves violações à dignidade humana.” (SARMENTO, 2012, p. 11) O cosmopolitismo, na práxis, também está relacionado ao diálogo com o pensamento de autores estrangeiros e ao exame das constituições e da jurisprudência constitucional de outros países. Conceitos relacionados: 1 - Constituições privadas (normas não estatais e nem públicas que disciplinariam subsistemas sociais. Criticado por Sarmento por extrapolar o limite semântico da palavra constituição); 2 - Lex mercatória (“ordem jurídico-econômica mundial no âmbito do comércio transnacional”); 3 - Constitucionalismo multinível ou Pluralismo constitucional (convivência, às vezes tensa, entre diversas esferas constitucionais sobre um mesmo território); 4 - Neofeudalismo jurídico (caracterizado pela pluralidade das fontes normativas e jurisdicionais); 5 - Transconstitucionalismo (‘pontes de transição’ e a promoção de ‘conversações constitucionais’ entre as diversas ordens jurídicas: estatais, internacionais, transnacionais, supranacionais e locais); 6 - Princípio do cosmopolitismo (impõe que se atribua o devido peso argumentativo ao Direito Internacional dos Direitos Humanos na interpretação da Constituição); e 7 - Cosmopolitismo colonizado (importação acrítica e sem mediação de teses e precedentes estrangeiros). II. Cosmopolitismo x Comunitarismo nas Relações Internacionais Para os liberais, ou cosmopolitas, o indivíduo possui uma essência ou valor anterior à sociedade. Há uma precedência ontológica do indivíduo em relação ao meio social. Há compreensão do indivíduo como uma abstração, desgarrado do contexto histórico-social, dotado de uma significação própria, independentemente da sociedade em que vive. Ligado ao jusnaturalismo dos pensadores modernos, na qual o indivíduo é um Ser dotado de naturezauniversal. Ao contrário, os comunitaristas (MORRICE, 2000) apontam a precedência ontológica da sociedade em relação ao indivíduo. Para os comunitaristas, o homem é um ser social, dotado de características sociais como história, cultura, valores e princípios comuns, constituído em uma determinada relação espaço-temporal. Advém disso o relativismo cultural, a compreensão de diferenças e a exclusão de interferências outras que não as da respectiva sociedade. III. Peter Häberle e a “sociedade aberta” de intérpretes Häberle sustenta a canonização da comparação constitucional como um quinto método de interpretação constitucional, além dos quatro desenvolvidos por Savigny (gramatical, lógico, histórico e sistemático). Para ele, a interpretação dos institutos se implementa mediante comparação nos vários ordenamentos jurídicos. Assim, o Estado constitucional cooperativo deve substituir o Estado constitucional nacional. Para isso, o recurso ao direito comparado e às normas e jurisprudência internacionais deve ser empregado como método de interpretação, de modo a promover a abertura da sociedade para fora. Eis o que requer a interpretação pluralista da Constituição, para moldar uma cidadania que combina a igualdade de oportunidades com respeito à diferença, superando a cidadania homogeneizante e negadora das diferenças: abertura para dentro, isto é, o reconhecimento da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição – todos os que vivem a norma, e não só os juízes constitucionais, acabam por interpretá-la ou pelo menos co-interpretá-la – abertura ao mundo (ou cooperação). Interpreta-se o texto constitucional como aberto, cooperante e integrante de uma rede de outros textos constitucionais e internacionais com o mesmo propósito (especialmente nos direitos fundamentais). IV. O Direito comparado e a Constituição brasileira A importância do direito comparado e das normas e jurisprudência internacionais na interpretação da Constituição decorre da constatação de que, hoje, o direito constitucional não começa onde termina o direito internacional, e o contrário também é válido. Lembre-se, a propósito, o § 3º do art. 5º da CRFB. Como diz Häberle (2007, p. 61): “A ideologia do monopólio estatal das fontes jurídicas torna-se estranha ao Estado constitucional quando ele muda para o Estado constitucional cooperativo. Ele não mais exige monopólio na legislação e interpretação: ele se abre – de forma escalonada – a procedimentos internacionais ou de Direito Internacional de legislação, e a processos de interpretação.” A CRFB abre-se ao mundo e ao Estado constitucional cooperativo em diversos dispositivos: (1) no art. 4º, inc. IX, que erige a "cooperação entre os povos para o progresso da humanidade" em princípio reitor das relações internacionais do País e, no parágrafo único, diz: "A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações"; (2) nos §§ 2º, 3º e 4º do art. 5º, segundo os quais: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes [...] dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte", "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais"; "O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão". V. Interconstitucionalismo Diante desta tendência mundial de globalização do direito constitucional, Marcelo Neves alude à provável superação do constitucionalismo provinciano ou paroquial pelo TRANSCONSTITUCIONALISMO, mais adequado para as soluções dos problemas de direitos fundamentais e humanos. Neste sentido, Canotilho chega a sugerir a formulação da denominada TEORIA DA INTERCONSTITUCIONALIDADE, na busca de estudar as relações interconstitucionais, ou seja, a concorrência, a convergência, justaposição e conflito de várias constituições e de vários poderes constituintes no mesmo espaço político. Existe uma tendência crescente e positiva de invocação do Direito Internacional dos Direitos Humanos e do Direito Comparado na interpretação constitucional. Há uma troca de experiências, conceitos e ideias entre cortes nacionais e internacionais, com a possibilidade de aprendizado recíproco entre as instâncias envolvidas nesse diálogo – fertilização cruzada. Há Estados cujas constituições expressamente recomendam a adoção de uma ótica cosmopolita na interpretação constitucional, a exemplo da África do Sul e de Portugal. Na Europa, as cortes nacionais têm de levar em consideração as normas ditadas pela União Europeia, a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, a Convenção Europeia de Direitos Humanos e a sua interpretação realizada pela Corte Europeia de DH. Até mesmo nos EUA, há precedentes de interpretação cosmopolita (casos Lawrence v. Texas, e Roper vs. Simmons). 7C. Os Princípios gerais de direito. Igor Lima Goettenauer de Oliveira Atualizado por Valmir Chaves de O. Neto (2023) I. Introdução Nas palavras de Chaves e Rosenvald, “toda vez que o intérprete não localizar no sistema jurídico norma aplicável ao caso concreto, verifica-se uma lacuna que necessita de preenchimento, colmatação. É que tem guarida entre nós a vedação ao non liquet. A própria lei (LINDB, art.4⁰), partindo da real possibilidade de omissão normativa, indica os meios pelos quais serão supridas as lacunas”. Note-se que, “a integração das normas serve para colmatar as lacunas do sistema, mas não tem caráter normativo (obrigatório), não vinculando outras decisões em casos análogos”. II. Princípios gerais de direito Os princípios gerais de direito, classificados como princípios monovalentes segundo Miguel Reale em seu livro Lições preliminares de Direito, “são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico em sua aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas”. Ou, nas palavras de Francisco Amaral, “são as formulações gerais do ordenamento jurídico, alinhavando pensamentos diretores de uma regulamentação jurídica, que como diretrizes gerais e básicas, fundamentam e dão unidade a um sistema ou a uma instituição”. Chaves e Rosenvald afirmam ainda que, “apesar de seu caráter abstrato, indeterminado, é de se notar que os princípios realizam importante função positiva, influindo na formulação de determinadas decisões, além da induvidosa função negativa, impedindo decisões contrárias a seus postulados fundamentais”. “Dos velhos princípios gerais do Direito Romano (suun cuique tribuere, honeste vivere e neminem laedere, isto é, dar a cada um o que é seu, viver honestamente e não lesar ninguém) extrai-se um substrato mínimo do que o ordenamento reputa fundamental em termos axiológicos, independentemente de expressa previsão legal. São os chamados princípios informativos que inspiram todo o sistema jurídico sem prender-se ao texto normativo”. Conforme trecho de decisão do STF (RExtr nº 160.381- SP, Rel. Min. Marco Aurélio), citada no livro de Alexandre de Moraes (2017, p. 479), “Os princípios gerais de direito existem por força própria, independentemente de figurarem em texto legislativo. E o fato de passarem a figurar em texto constitucional ou legal não lhes retira o caráter de princípio.” Ressalte-se que Daniel Sarmento possui uma posição diferente da doutrina convencional, pois não entende os princípios gerais do direito como meios de colmatação de lacunas, mas que “os princípios jurídicos – inclusive aqueles implícitos, de caráter mais abstrato, geralmente identificados como “princípios gerais de Direito” – são autênticas normas jurídicas. Portanto, quando eles incidem, não há lacuna.” (SARMENTO, 2012, p. 438). Por fim, retornando à visão convencional e majoritária, “a previsão para a aplicação dos princípios gerais de direito, na omissãoda lei, vem encartada em diversos ordenamentos jurídicos, como no Direito português (CC, art. 1⁰), no Direito espanhol (CC, art. 1⁰) e no Direito argentino (CC, art. 16)”. 10A. Interpretação constitucional. Métodos e princípios de hermenêutica constitucional. Karine Hoffstaeter Tácito Coaracy As regras hermenêuticas tradicionais (Savigny) aplicar-se-iam nos “casos fáceis”, em que a resposta pode ser encontrada por meio de ato cognitivo pela subsunção, utilizando-se dos cânones gramatical, sistemático, histórico, genético e teleológico. A doutrina dominante, com a qual Sarmento afirma concordar, nega a existência de qualquer hierarquia entre os referidos elementos, que devem ser combinados, reforçando-se ou controlando-se mutuamente. Meio gramatical: Leva em conta o sentido das palavras (via de regra, seu sentido ordinário; em alguns casos, seu sentido técnico/científico), ex: "imposto", "licitação", "direito adquirido". Meio sistemático: leva em conta o ordenamento jurídico como um todo, partindo da premissa de que ele é harmônico e lógico. Ex.: “quem pode mais, pode menos”. Dá origem, no campo constitucional, aos postulados da unidade da constituição e da concordância prática (Sarmento). Meio histórico: intenção do legislador ao elaborar a lei. Sarmento diz que a importância do elemento histórico é inversamente proporcional ao tempo decorrido desde a edição da norma. Meio teleológico: Busca a finalidade subjacente ao preceito a ser interpretado. Já os “casos difíceis” envolvem normas de conteúdo “aberto” ou princípios antagônicos, de modo que pode haver respostas diferentes para o mesmo caso. Assim, além das regras tradicionais, aplicar-se-iam também critérios específicos da interpretação constitucional, não aplicáveis à interpretação em geral. Hermenêutica Constitucional ou Nova Hermenêutica: É uma nova forma de interpretação do direito para além da hermenêutica clássica, criada na época da primazia do Código Civil e quando a sociedade era mais homogênea. A nova hermenêutica é consequência da jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão e um dos precursores da nova hermenêutica constitucional foi Konrad Hesse. A “nova hermenêutica” propõe também outros critérios específicos: Conceitos jurídicos indeterminados – expressões abertas. Abertura no preceito primário, fechamento no preceito secundário. Ex: “atividade que implica risco” do art. 927 do CC. Sabe-se a consequência (preceito secundário fechado: responsabilização objetiva). Mas não se tem definição específica do que é “atividade que implica risco”, consistindo em expressão aberta. Cláusulas Gerais – Abertura nos preceitos primário e secundário. Ex: boa-fé objetiva. Normatividade dos princípios – normas que consagram valores ou fins públicos. São mandados de otimização, devendo ser aplicados na maior intensidade possível. Podem ter: (a) eficácia direta – positiva, simétrica, quando se aplica sobre os fatos à semelhança de uma regra; (b) eficácia interpretativa – para fixar a correta interpretação das normas em geral; (c) eficácia negativa – invalidade da interpretação contrária; Colisões entre normas constitucionais – o intérprete cria a norma jurídica para a resolução do caso a partir dos dados fáticos e das balizas normativas por meio de ponderação, em que fará concessões recíprocas – concordância prática – procurando preservar ao máximo o conteúdo dos interesses em conflito; ou, no limite, escolherá qual prevalecerá no caso, à luz da razoabilidade (que normalmente é um “instrumento para a medida”, a par de às vezes fornecer um critério material). Esquema da ponderação: (a) Selecionar as normas relevantes e identificar eventuais conflitos; (b) examinar os fatos e sua interação com os elementos normativos; (c) ponderar os pesos a serem atribuídos aos elementos normativos e fáticos envolvidos para decidir qual grupo de normas deve prevalecer no caso e, se for possível, graduar a intensidade da solução escolhida. A ponderação é vista como integrante da proporcionalidade ou como princípio autônomo; Argumentação jurídica – quando é feita ponderação, aumenta-se a exigência de rigor na argumentação (justificação), segundo uma “razão prática”, ou seja, a argumentação deve ser racional levando-se em conta o caso concreto a ser resolvido. Para tanto, deve o intérprete: (a) fundamentar-se em norma jurídica; (b) manter a integridade do sistema (poder generalizar a norma criada para casos equiparáveis); (c) considerar as consequências práticas no mundo fenomênico (Barroso, 2010). Neste contexto, os métodos de interpretação constitucional são: Método jurídico ou hermenêutico-clássico (Ernest Forsthoff): preconiza que a Constituição seja interpretada com os mesmos recursos interpretativos das demais leis (regras hermenêuticas tradicionais de Savigny): interpretação sistemática, histórica, lógica e gramatical. O método hermenêutico-clássico tem aplicabilidade às normas constitucionais de alto grau de densidade normativa, com estrutura normativa assemelhada às leis, já que ele não foi concebido para os dispositivos constitucionais com alto grau de abstração que estipulam parâmetros e procedimentos para a ação política; Método da tópica ou tópico-problemático (Theodor Viehweg): parte-se de um problema concreto para a norma, atribuindo-se à interpretação um caráter prático. O intérprete, dentre o conjunto aberto de regras e princípios, escolhe o mais adequado para a solução justa do problema concreto. O método tópico-problemático aplica o raciocínio silogístico-axiomático e pauta a interpretação na noção de topos (pontos de vista utilizáveis e aceitáveis em uma discussão, para reforçar ou refutar uma ideia); Método hermenêutico-concretizador (Konrad Hesse): diferentemente do método tópico-problemático, que parte do caso concreto para a norma, o método hermenêutico-concretizador parte da Constituição para o problema. Na atividade interpretativa, o intérprete vale-se de suas pré-compreensões, situadas numa dada situação histórica e realidade social, para obter o sentido da norma, além de atuar como mediador (tendo como pano de fundo essa situação histórica e a realidade social) entre o texto e a situação em que ele se aplica (contexto). Essa constante relação entre o texto e o contexto com a mediação criadora do intérprete transforma a interpretação em um movimento de ir e vir (círculo hermenêutico); Método científico-espiritual (Rudolf Smend): a Constituição é um sistema cultural e de valores de um povo, cabendo à interpretação aproximar-se desses valores subjacentes à Constituição. Tais valores, entretanto, estão sujeitos a flutuações, tornando a interpretação da Constituição fundamentalmente elástica e flexível, com atenção às mudanças da realidade fática; Método normativo-estruturante (Friedrich Müller): a norma não se confunde com o seu texto, mas tem a sua estrutura composta também pelo trecho da realidade social em que incide, sendo esse elemento indispensável para a extração do significado da norma. Não é o teor literal da norma (seu texto) que efetivamente regulamenta um caso concreto, mas sim o órgão legislativo, o órgão governamental, o funcionário da administração pública, os juízes e todos aqueles que elaboram, decidem e fundamentam a decisão reguladora do caso concreto. Para Müller, o intérprete/aplicador deverá considerar não apenas os elementos resultantes da interpretação do programa normativo ─ que está expresso pelo texto da norma ─, mas também aqueles decorrentes da investigação do seu âmbito normativo, que igualmente pertence à norma, e com igual hierarquia, pois representa o pedaço da realidade social que o programa normativo "escolheu" ou, em parte, criou para si mesmo, como seu espaço de regulação. Em síntese, no dizer do próprio Müller, o teor literal de qualquer prescrição de direito positivo é apenas a "ponta do iceberg". Há também os princípios de interpretação constitucional: Unidade e concordância prática: O sistema pressupõe coerência e unidade, sob pena de se tornar inaplicável (Bobbio). Assim, deve haver concordância práticaentre as normas, a ser buscada pelo intérprete. A interpretação a ser adotada deve ser a que dá mais unidade à constituição. Para Sarmento, a concordância prática está inserida no âmbito da unidade da constituição. Tem como corolário a inexistência de hierarquia formal entre a normas, o que não impede o reconhecimento de uma hierarquia material ou axiológica, a qual, para o STF, legitima a utilização do parâmetro da interpretação restritiva das exceções: a norma constitucional originária que excepciona princípio constitucional provido de hierarquia material superior, deve ser interpretada restritivamente. Força normativa da constituição ou máxima efetividade: o cumprimento das normas constitucionais é exigível, inclusive perante os Tribunais, devendo-se dar efetividade ao texto constitucional como autêntica norma jurídica e não mera proclamação política. Prescreve que seja preferida a interpretação que confira maior efetividade à constituição. Princípio da correção funcional/da conformidade: Decorre da separação de poderes. Existem matérias que são exclusivas da atuação de cada Poder (reserva administrativa, reserva legislativa e reserva judiciária). Deve-se verificar qual é o espaço institucional próprio de cada poder. Para Sarmento, em atenção a este princípio o Judiciário não deve exercer, a não ser em situações excepcionais, a atividade de criação de normas jurídicas por faltar-lhe legitimidade democrática e capacidade institucional, mas lembra que a atividade interpretativa tem também uma dimensão criativa. Nesse contexto, uma distinção radical entre a função de legislador negativo e positivo deixa de fazer sentido. Razões públicas: a ideia de razões públicas, desenvolvida por John Rawls, tem origem na filosofia kantiana (para o cidadão, teria natureza de imperativo moral). Informa que na esfera pública só são admissíveis argumentos independentes de doutrinas religiosas ou metafísicas controvertidas, que possam ser racionalmente aceitos pelos demais. Sarmento alerta que “as decisões adotadas pelo Poder Público não podem se lastrear em razões que não sejam públicas”. O argumento, para adentrar o debate, deve primeiro ser traduzido para "razões públicas", que embora não seja capaz de resolver muitos temas moralmente complexos, “se prestará pelo menos para afastar argumentos inadmissíveis no âmbito do debate jurídico”. Cosmopolitismo: ideias constitucionais migram entre os países, devendo ser levadas em conta na interpretação (embora não sejam vinculantes). Sarmento afirma que tal princípio impõe que se atribua o devido peso argumentativo a fontes transnacionais na interpretação da constituição. Interpretação conforme a constituição: De acordo com este princípio, cabe ao intérprete, quando se depara com dispositivo legal aberto, ambíguo ou plurissignificativo, atribuir-lhe exegese que o torne compatível com o texto constitucional. Deriva da unidade do sistema e da supremacia constitucional. Na interpretação conforme, o intérprete, dentre os diversos significados, escolhe o sentido conforme e exclui todos os demais (decisão de rechaço). Diferentemente, na declaração de nulidade sem redução de texto, o intérprete, diante de normas polissêmicas, declara nula determinada interpretação, mas mantém aceitas todas as demais (decisão de aceitação). Presunção graduada de constitucionalidade: a lei passa por diversos filtros antes de ser aprovada, de modo que há a presunção relativa de sua constitucionalidade. Além da interpretação constitucional, há a lacuna constitucional, que deve ser preenchida (processo de integração, e não de interpretação). Isso ocorre quando há reserva de constituição, ou seja, um determinado assunto pode ser tratado apenas pela Constituição. Ante o non liquet, cabe ao juiz preenchê-la, pelos seguintes meios: Analogia: aplica-se à situação não regulada norma jurídica que trata de questão similar. Costume constitucional: Há a prática e a crença de que esta é vinculante. Ex.: voto de liderança (o líder vota pela bancada inteira) para a aprovação de leis. Isso não está previsto na CF. É judicialmente exigível e pode fundamentar o controle de constitucionalidade. Convenção constitucional: existem práticas que são consideradas obrigatórias, mas estas não são judicialmente exigíveis. As consequências pelo descumprimento são políticas. Equidade: A equidade é uma dimensão da razoabilidade, por meio da qual se adapta o direito vigente, buscando retificar injustiças ou inadequações mais graves. Pode ser usada para colmatar lacunas ou temperar, excepcionalmente, o rigor das regras constitucionais. Por fim, ressalte-se que os métodos de interpretação e integração constitucional não podem ser hierarquizados e não se excluem. 11C. Colisão entre normas constitucionais. Ponderação e juízo de adequação. Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade. Nilton Santos Tácito Coaracy 1. Colisão entre Normas Constitucionais O fenômeno da colisão entre normas constitucionais não é incomum, sobretudo no quadro de constituições extensas, de natureza compromissória e dialética, e compostas por muitos preceitos positivados em linguagem aberta, caso da Constituição de 1988. Nas sociedades modernas, caracterizadas pelo pluralismo social e cultural, as questões envolvidas na colisão entre normas constitucionais são, com grande frequência, extremamente polêmicas. As colisões podem envolver tipos de normas constitucionais diferentes: entre princípios, entre regras e entre princípio e regra, apresentando, cada uma dessas hipóteses, singularidades próprias. No tocante às regras, verificada a colisão casuística, o problema se resolverá em termos de validade. As duas normas não podem conviver simultaneamente no ordenamento jurídico. Assim, prevalente no cenário nacional o entendimento de que, em geral, as regras constitucionais não se abrem a ponderações, aplicando-se de acordo com a lógica do tudo ou nada. No que diz respeito aos princípios, são determinações para que específico bem jurídico seja satisfeito e protegido na maior medida que as circunstâncias permitirem. São mandados de otimização, já que impõem que sejam realizados na máxima extensão possível. A normatividade dos princípios é, nesse sentido, provisória, potencial, com virtualidades de se adaptar à situação fática, na busca de uma solução ótima. Por tal razão, tem-se por factível que um princípio seja aplicado em graus diferenciados, sendo perfeitamente possível a coexistência, ainda que aparentemente conflitantes. Parcela da doutrina cogita acerca da existência de espécies de colisões de direitos (normas) dividindo-as em sentido estrito ou em sentido amplo. As colisões em sentido estrito referem-se apenas àqueles conflitos entre direitos fundamentais. Podem referir-se a: Direitos fundamentais idênticos, que envolvem o exercício de direitos fundamentais objetivamente simétricos (direitos idênticos), porém subjetivamente diversos (titulares diversos). Podem ser identificados quatro tipos básicos: a) Colisão de direito fundamental enquanto direito liberal de defesa[footnoteRef:3]; b) Colisão de direito de defesa de caráter liberal e o direito de proteção[footnoteRef:4]; c) Colisão do caráter negativo de um direito com o caráter positivo desse mesmo direito. É o que se verifica com a liberdade religiosa, que tanto pressupõe a prática de uma religião como o direito de não desenvolver ou participar de qualquer prática religiosa; d) Colisão entre o aspecto jurídico de um direito fundamental e o seu aspecto fático[footnoteRef:5]. [3: Ex: decisão de dois grupos adversos de realizar uma demonstração na mesma praça pública.] [4: Ex: decisão de atirar no sequestrador para proteger a vida do refém ou da vítima.] [5: Ex: concessão de auxílio aos hipossuficientes, indaga-se sobre a dimensão fática ou jurídica do princípio da igualdade.] Direitos fundamentais diversos, relativos ao exercício de direitos fundamentais com diversidade de objeto e de sujeitos ativos[footnoteRef:6]. [6: Ex: colisão entre a liberdade de informação jornalística e o direitoà intimidade de um preso que não queira ser identificado pelo repórter policial.] As colisões em sentido amplo envolvem os direitos fundamentais e outros princípios ou valores que tenham por escopo a proteção de interesses em favor da comunidade. 2. A ponderação Conceito: técnica destinada a resolver conflitos entre normas válidas e incidentes sobre um caso, que busca promover, na medida do possível, uma realização otimizada dos bens jurídicos em confronto. Consiste em uma técnica de decisão jurídica aplicável a casos difíceis (hard cases), em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente, sobretudo quando uma situação concreta dá ensejo à aplicação de normas de mesma hierarquia que indicam soluções diferenciadas. Assim, a técnica em questão envolve a identificação, comparação e eventual restrição de interesses contrapostos envolvidos numa dada hipótese fática, com a finalidade de encontrar uma solução juridicamente adequada. Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento sustentam que os parâmetros utilizados para fins da aplicação da ponderação devem ser inferidos do sistema constitucional e não da mera discricionariedade do intérprete, a partir do que destacam os seguintes: As regras constitucionais têm preferência prima facie sobre os princípios, isso porque, usualmente, as regras tratam das exceções à aplicação dos princípios; Há uma preferência prima facie das normas que instituem direitos fundamentais quando colidentes com outras que assegurem interesses e bens jurídicos distintos; Dentre os direitos fundamentais, há uma preferência prima facie dos direitos e liberdades existenciais, dos ligados à garantia dos pressupostos da democracia e das condições essenciais de vida sobre aqueles de conteúdo meramente patrimonial ou econômico. Quem efetiva a Ponderação: Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, bem como particulares. De fato, numa democracia, quem tem a primazia na ponderação é o legislador que, ao regulamentar as mais diferentes matérias, deve levar em consideração as exigências decorrentes de normas e valores constitucionais por vezes conflitantes e que, dentro da margem que possui, a decisão do legislador não deve ser invalidada pelo Judiciário. No que diz respeito à ponderação em âmbito judicial, pode ocorrer em três contextos diferentes. No primeiro, o Poder Judiciário é provocado para analisar a validade de uma ponderação já realizada por terceiros – em geral, pelo legislador – o que pode ocorrer tanto em sede de controle abstrato de normas quanto na análise de caso concreto. No segundo, existe um conflito entre normas constitucionais, mas não há nenhuma ponderação prévia realizada por terceiros. Na terceira hipótese, o próprio legislador infraconstitucional remete ao Judiciário a tarefa de avaliar, em cada caso concreto, a solução correta para o conflito entre interesses constitucionais colidentes, seguindo determinadas diretrizes, pressupostos e procedimentos que ele fixou. A técnica da ponderação: Na denominada técnica da ponderação, de alguma forma, cada um dos elementos conflitantes deverá ser considerado na medida de sua importância e pertinência para o caso concreto, de modo que, na solução final, tal qual em um quadro bem pintado, as diferentes cores possam ser percebidas, embora alguma(s) dela(s) venha(m) a se destacar sobre as demais. Primeiro passo - verificação da existência de efetivo conflito entre normas constitucionais, com a delimitação do espaço de atuação de cada princípio – análise de seus limites imanentes, que não podem ser restringidos – verificando a sobreposição de alcance dos direitos conflitantes. Segundo passo - exame dos fatos, das circunstâncias concretas do caso e sua interação com os elementos normativos. Terceiro passo - diante da certeza da existência de normas em tensão no caso, ganha azo a fase da ponderação propriamente dita, cujo fio condutor a ser empregado para a sua realização é o princípio da proporcionalidade com os seus três subprincípios. 3. Proporcionalidade e Razoabilidade A sua principal finalidade é a contenção do arbítrio estatal, provendo critérios para o controle de medidas restritivas de direitos fundamentais ou de outros interesses juridicamente protegidos. Partindo-se do pressuposto de que todo direito é passível de limitação ou restrição, tratando-se dos direitos fundamentais faz-se imperioso limitar tais restrições. A teoria do limite dos limites (Schranken-Schranken) propõe balizas à atuação do legislador quando restringe direitos individuais, a fim de proteger o núcleo essencial do direito fundamental quanto à clareza, determinação, generalidade e proporcionalidade das restrições impostas. Não há previsão expressa do princípio da proporcionalidade na Constituição. O STF tem fundamentado o princípio na cláusula do devido processo legal, na sua dimensão substantiva (art. 5º, XXXIV, CF), posição que goza de amplo respaldo da doutrina constitucional pátria. Proporcionalidade x Razoabilidade: Para alguns, proporcionalidade e razoabilidade são expressões sinônimas. Para outros, há distinções. O STF varia quanto a essas denominações. Quem distingue diz o seguinte. A razoabilidade (princípio da irrazoabilidade) tem origem na jurisprudência inglesa (sistema anglo-saxão) e pressupõe um teste de irrazoabilidade, consistindo, basicamente, em se rejeitar atos claramente irrazoáveis. A proporcionalidade, por sua vez, origina-se na jurisprudência alemã. A razoabilidade tem exame aberto, analisa-se se o ato é absurdamente irrazoável. Por sua vez, a proporcionalidade, por ter origem alemã (povo sistematizador), tem subelementos definidos: a) necessidade; b) adequação; e c) proporcionalidade em sentido estrito. Proporcionalidade e Razoabilidade têm objetivo semelhante: contenção do arbítrio estatal. Virgílio Afonso da Silva diz que um ato pode ser desproporcional, mas sem ser absurdamente irrazoável. O princípio da proporcionalidade não é útil apenas para verificar a validade material de atos do Poder Legislativo ou do Poder Executivo que limitem direitos fundamentais, mas também para verificar a própria legitimidade da decisão judicial, servindo, nesse ponto, como verdadeiro limite da atividade jurisdicional. O juiz, ao concretizar um direito fundamental, também deve estar ciente de que sua ordem deve ser adequada, necessária (não excessiva e suficiente) e proporcional em sentido estrito. O Subprincípio da Adequação (pertinência ou idoneidade) - Adequado é o ato que se constitui em meio hábil para resolver o caso ao qual aplicado, ou atingir os objetivos perquiridos (interesse público). Este subprincípio impõe duas exigências, que devem ser satisfeitas simultaneamente por qualquer ato estatal: (a) os fins perseguidos pelo Estado devem ser legítimos; e (b) os meios adotados devem ser aptos para, pelo menos, contribuir para o atingimento dos referidos fins. O Subprincípio da Necessidade - Necessário é o ato que resolve o caso da maneira menos gravosa possível. Em outros termos, o meio (ato) não será necessário se o objetivo almejado puder ser alcançado com a adoção de medida adequada e menos nociva a outros valores constitucionalizados[footnoteRef:7]. [7: O Supremo Tribunal Federal utilizou o critério da necessidade para limitar a utilização de algemas pelas autoridades policiais, editando a Súmula Vinculante nº 11 com esse propósito, tendo entendido que o uso de algemas seria “excepcional, somente restando justificado ante a periculosidade do agente ou o risco concreto de fuga”.] O Subprincípio da Proporcionalidade em Sentido Estrito – Traduz a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido, para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos do cidadão. Assim, demanda que a restrição ao direito ou ao bem jurídico imposta pela medida estatal seja compensada pela promoção do interesse contraposto. Relação de custo-benefício. O princípio da proporcionalidade tem como vertentes: a) proibição do excesso (ubermassverbot); e b) proibição da proteção deficiente (untermassverbot). Hodiernamente,compreende-se que é papel do Estado atuar positivamente na proteção e promoção dos direitos e objetivos comunitários, tendo-se por ofendida a ordem jurídica e a Constituição não apenas pela prática de excessos, intervindo de maneira exagerada ou indevida nas relações sociais, mas também nos casos de omissão, quando deixa de agir em prol dos direitos fundamentais ou de outros bens jurídicos relevantes, ou o faz de modo insuficiente. A ideia de proporcionalidade como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) desenvolveu-se no direito constitucional germânico a partir da concepção de que os direitos fundamentais não são meros direitos subjetivos negativos, mas possuem também uma dimensão objetiva, na medida em que tutelam certos bens jurídicos e valores que devem ser promovidos e protegidos diante de riscos e ameaças originários de terceiros. Encerra, portanto, um dever de proteção estatal dos direitos fundamentais (imperativo de tutela), que se estende ao Legislativo, à Administração Pública e ao Poder Judiciário. O princípio da proporcionalidade possui uma dupla face, atuando simultaneamente como critério para o controle da legitimidade constitucional de medidas restritivas do âmbito de proteção dos direitos fundamentais, bem como para o controle da omissão ou atuação insuficiente do Estado no cumprimento dos seus deveres de proteção. 7. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 12A. Controle de constitucionalidade: evolução histórica do sistema brasileiro. Direito Comparado. Legitimidade democrática. Gabriel Dalla Tácito Coaracy 1. Controle de constitucionalidade: evolução histórica do sistema brasileiro. O controle de constitucionalidade é – sucintamente - a verificação da compatibilidade vertical entre a norma ou ato e a Constituição. A lei nasce com presunção de constitucionalidade com fundamento basicamente em dois princípios: o democrático e o da separação de poderes. Isso, naturalmente, não implica dizer que a lei não pode ser reputada inconstitucional, o que se dá justamente no âmbito do controle de constitucionalidade, que pode ser abstrato (inconstitucionalidade como pedido) ou concreto (inconstitucionalidade como causa de pedir) e concentrado ou difuso (a depender do critério de fixação da competência do órgão julgador: se a competência surge em razão da alegada inconstitucionalidade, trata-se de controle concentrado). Há três pressupostos imprescindíveis para o exercício de controle: 1. Supremacia da Constituição; 2. Rigidez da Constituição; 3. Órgão competente para exercer o controle. No controle, há dois elementos: o parâmetro e o objeto, porque algo (objeto) só é (in)constitucional em relação a algo diverso (parâmetro). Parâmetro é a norma/princípio/valor com relação ao qual outra norma ou ato é questionado. Neste contexto, é oportuno observar a noção de bloco de constitucionalidade, que – malgrado oriundo do direito francês – Canotilho observou que teve seu desenvolvimento muito assemelhado à ideia de parâmetro constitucional. Assim, o bloco de constitucionalidade possui duas acepções: restrita [o texto constitucional] e ampla [texto + normas materialmente constitucionais fora do texto]. O parâmetro no Brasil é intermediário: texto constitucional [ADCT, emendas e o próprio corpo da Constituição], princípios implícitos e tratados de direitos humanos aprovados na forma art. 3º, § 5º. O preâmbulo da CF está excluído, porquanto possui mero valor axiológico/político; estão inadmitidas também as normas infraconstitucionais, por mais relevante e materialmente constitucional que sejam. No Brasil: 1824 Não havia controle. Supremacia do parlamento e do poder moderador. Cabia ao Imperador o zelo da Constituição e ao juiz não era dado interpretar as leis, mas meramente aplicá-las. 1891 Modelo americano (difuso e concreto) sob forte influência de Rui Barbosa. Dizia Rui Barbosa: “a judicial review é matéria de hermenêutica e não de legislação” como forma de afastar o controle abstrato, que conferiria ao juiz um papel de legislador. 1934 Ainda no plano de um controle difuso e concreto, trouxe relevantes novidades: ➢ Resolução suspensiva do Senado [art. 52, X], a qual foi recentemente objeto de mutação constitucional segundo o STF no bojo das ADI’s 3.406/RJ e 3.470/RJ; ➢ Reserva de Plenário ou “Full Bench”, art. 97; ➢ Representação Interventiva ou declaração de inconstitucionalidade para evitar intervenção federal [art. 36, III] que, na verdade, era ação cuja titularidade cabia ao PGR em que o STF se manifestava sobre a constitucionalidade da Lei de Intervenção; ➢ Mandado de Segurança. 1937 Constituição de caráter ditatorial [Estado Novo – CF Polaca]: ocorrida decisão judicial com declaração de inconstitucionalidade, o Presidente poderia por questões de “soberania nacional” submeter a matéria ao Congresso Nacional, que, por 2/3, poderia restabelecer a validade da lei. Ademais, se o Congresso não estivesse reunido por qualquer motivo, as atribuições passavam ao Presidente da República, que atuava nesses casos via Decreto-Lei: isto significa que ele poderia tornar a decisão judicial sem efeito por Decreto-Lei isoladamente. No contexto em que Getúlio Vargas controlava amplamente o Congresso – inclusive com o seu fechamento -, este modelo representou ampla ascendência do Poder Executivo. 1946 Restaura o modelo da CF de 1934 e reformula a “representação interventiva” com a inclusão da possibilidade de declaração de inconstitucionalidade. A grande novidade dá-se, porém, com a EC 16/65 que cria a representação de inconstitucionalidade [a atual ADI], exclusiva do PGR e, assim, institui o controle concentrado abstrato. A criação do modelo de controle abstrato brasileiro não possui qualquer finalidade democrática ou republicana, porque se deu um ano após o golpe de 64, no que o PGR realizava, além da função de MP, a função da AGU de hoje e era exonerável ad nutum: sendo assim, ele só proporia as representações de inconstitucionalidade no interesse da União. 1967/69 A novidade surge com a EC 07/77: cria a possibilidade de cautelar na representação de inconstitucionalidade, o controle da lei municipal em face da CE e a criação da representação interpretativa, cuja legitimidade era do PGR. 1988 A CF 88 é marcada por um claro redimensionamento do controle de constitucionalidade. Primeiro, há a ampliação do rol de legitimados da ADI. Isto gerou uma mudança radical no controle de constitucionalidade: o STF passa a exercer de forma muito mais intensa o controle concentrado abstrato após 1988, o que se soma ao processo de reconhecimento da existência de processos de massa e com o aumento destas questões de massa torna-se necessária a criação de mecanismos que resolvam tais problemas de forma molecular, o que revela uma maior importância do problema concentrado abstrato em face do difuso concreto. Até a EC 16/65, vigia apenas o controle difuso e concreto; após surge o concentrado abstrato, mas se mantém com uma menor relevância do que aquele; em 88, as coisas se investem: a primazia é do concentrado abstrato. O que provoca o fenômeno, por sua vez, da incorporação pelo controle concreto de características do abstrato: “abstrativização” ou “objetivação” do controle de constitucionalidade, tais como a modulação dos efeitos temporais, ampliação das possibilidades do amicus curiae, S.V., repercussão geral no caso do RE. Na CF 88, houve ainda: ➢ Criação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, o STF entendia que esta norma era de eficácia limitada e só poderia ser exercido quando regulamentado e o foi pela Lei nº 9.882/99. ➢ Controle das omissões, que se dá por dois instrumentos criados pela CF exclusivamente para isto: ADO e mandado de injunção. ➢ Ampliação dos remédios [MI, HD, MS coletivo] e manutenção dos demais que já existiam [MS, HC], bem como a ampliação de outras existentes [Ação Popular, ACP]. ➢ Ação Declaratória de Constitucionalidade criada pela EC 3/93; ➢ Instrumentos criados pela EC 45/04: ▪ Súmula Vinculante; ▪ Repercussão Geral no RE; ▪ Alterações no RE [103,federativo (ex: EUA, Alemanha e Suíça); e federalismo por desagregação: a Federação surge a partir de um Estado unitário que resolve descentralizar-se (ex: Brasil, que surgiu a partir da Proclamação da República). Dada a existência de ordens central e parcial, a repartição de competência (e de rendas) entre essas esferas, realizada pela CF, favorece a eficácia da ação estatal. O modo de repartição indica que tipo de federalismo é adotado. A concentração de competências no ente central aponta para um modelo centralizador (centrípeto); uma opção pela distribuição mais ampla de poderes em favor dos Estados-membros configura um modelo descentralizador (centrífugo). Havendo uma dosagem contrabalançada de competências, fala-se em federalismo de equilíbrio. O federalismo pode ser, ainda, simétrico, em que se verifica homogeneidade de cultura e desenvolvimento, assim como de língua (ex: EUA); ou assimétrico, quando há diversidade de língua e cultura (ex: Canadá). No Brasil, há certo “erro de simetria”, pelo fato de o constituinte tratar de modo idêntico os Estados, como se verifica na representação no Parlamento (cada Estado elege o número fixo de 3 Senadores – art. 46, §§ 1º e 3º). Outra classificação dos modelos de repartição cogita das modalidades de repartição horizontal e repartição vertical. Na primeira não se admite concorrência de competência entre os entes federados. Esse modelo apresenta três soluções possíveis para o desafio de distribuição de poderes entre as órbitas do Estado Federal. Uma delas efetua a enumeração exaustiva da competência de cada esfera da Federação; outra discrimina a competência da União deixando aos Estados-membros os poderes reservados (ou não enumerados); a última discrimina os poderes dos Estados-membros, deixando o que restar para a União. No Brasil, a União e os municípios possuem competências enumeradas, enquanto os Estados-membros possuem competências residuais. Na repartição vertical de competências, realiza-se a distribuição da mesma matéria entre a União, os Estados-membros e, eventualmente, os municípios. Essa técnica, no que tange às competências legislativas, deixa para a União os temas gerais, os princípios de certos institutos, permitindo aos Estados-membros afeiçoar a legislação às suas peculiaridades, além de autorizar os municípios a legislar sobre assuntos de interesse local. A técnica da legislação concorrente estabelece um verdadeiro condomínio legislativo e é adotada no art. 24 da CRFB. Quanto aos critérios de distribuição de competência, tem-se que o Brasil adota um sistema complexo, que busca realizar o equilíbrio federativo por meio de uma distribuição que se fundamenta na técnica de enumeração dos poderes da União (21 e 22), com poderes remanescentes para os Estados (25, §1º) e poderes definidos indicativamente para os Municípios (30), mas combina com essa reserva de campos específicos (nem sempre exclusivos, mas às vezes apenas privativos) possibilidades de delegação (22, parágrafo único), áreas comuns em que se preveem atuações paralelas da União, Estados, DF e Municípios (23), e setores concorrentes entre a União e Estados, em que a competência para estabelecer políticas, diretrizes e normas gerais cabe à União, enquanto se defere aos Estados e até aos Municípios a competência suplementar. III. Direito comparado No direito comparado, as formulações constitucionais em torno da repartição de competências podem ser associadas a dois modelos básicos – o clássico, vindo da Constituição norte-americana de 1787, e o modelo moderno, que se seguiu à Primeira Guerra Mundial. O modelo clássico conferiu à União poderes enumerados e reservou aos Estados-membros os poderes não especificados. Para mitigar os rigores dessa fixação taxativa, nos EUA elaborou-se a doutrina dos “poderes implícitos” (implied powers). O modelo moderno responde às contingências da crescente complexidade da vida social, exigindo ação dirigente e unificada do Estado, em especial para enfrentar crises sociais e guerras. Isso favoreceu uma dilatação dos poderes da União com nova técnica de repartição de competências, em que se discriminam competências legislativas exclusivas do poder central e também competência comum ou concorrente, mista, a ser explorada tanto pela União como pelos Estados-membros. Em resumo, o primeiro modelo de federalismo adotado no mundo foi o chamado federalismo clássico, também chamado de federalismo dual, adotava a técnica da repartição horizontal de competência, no caso, elenca-se exaustivamente a competência privativa da União, cabendo aos Estados os poderes remanescentes. Surgiu com a Constituição americana de 1787, também chamada de Constituição da Filadélfia. No Brasil, vigorou durante a Constituição de 1891, que adotava o modelo americano. Posteriormente, diante da necessidade moderna de maior centralização de poderes na União para fazer frente à intervenção econômica e social e às guerras, surgiu o federalismo moderno, no qual se prestigia também a técnica de repartição vertical da competência, ou seja, haverá uma distribuição simultânea para União e Estados-membros da mesma competência comum ou concorrente, instituindo um condomínio legislativo. Mesmo no âmbito do federalismo americano, há uma aproximação do modelo moderno a partir de decisões da Suprema Corte. Um dos exemplos foi o caso McCulloch v. Maryland, no qual ficou instituído que, além dos poderes expressamente previstos, foi reconhecido que haveria poderes implícitos do governo federal com respaldo na "necessary and proper clause", também conhecida como "Elastic Clause", uma disposição que confere ao Congresso Nacional os poderes para fazer as leis que sejam necessárias e adequadas para atingir os fins das normas que atribuem competência à União. Dentro da perspectiva do federalismo moderno, surgiram o federalismo de integração, rechaçado por propor uma mera técnica de repartição vertical de competência, em que a União adota sempre o papel central e o federalismo cooperativo, que flexibiliza a rigidez do modelo dual (clássico), sendo as atribuições exercidas de modo comum ou concorrente pelos entes federativos, adotado no Brasil e na Alemanha. Facção, veto players e cross-cutting cleavages. Grupo político que ganha o poder majoritariamente, por meio de promessas vazias, corrompendo os princípios constitucionais ao chegar ao poder. Para evitar esse fenômeno, o sistema de eleição de representantes que filtram a vontade popular é um dos instrumentos, distribuindo o poder entre vários “jogadores” com capacidade de veto (veto players). O resultado é denominado pelos teóricos da democracia de teoria das clivagens transversais (cross-cutting cleavages). JURISPRUDÊNCIA A competência legislativa concorrente está disposta no art. 24 da CF, entretanto, apenas prevê a competência da União, dos Estados e do DF, nada mencionando sobre os Municípios. De acordo com suas disposições, a União estabelece as normas gerais, cabendo aos Estados suplementá-las. Ocorre que no tema 145 do STF sobre competência do Município para legislar sobre meio ambiente e sobre a competência dos Tribunais de Justiça para exercer controle de constitucionalidade de norma municipal em face da CF foi estabelecido que o “município é competente para legislar sobre o meio ambiente com a União e Estado, no limite do seu interesse local e desde que tal regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, inciso VI, c/c 30, incisos I e II, da CF)”. RE 586224, LUIZ FUX, aprovada em 05/03/2015 (não há menção expressa “separação vertical de poderes” no acórdão). Vejamos que de fato é prevista expressamente a competência para os Municípios no interesse local suplementar a lei federal e estadual, motivo pelo qual, ainda que por outro artigo da Constituição, em uma interpretação sistemática, há de se reconhecer que também foi adotada para eles a técnica de repartição de competência vertical. Recentemente, o STF reafirmou esse entendimento, ao tratar sobre as leis e políticas públicas dos Estados-membrosIII, d]; ▪ Alterações na Representação Interventiva [36, III]. ➢ Constitucionalização da Reclamação Constitucional que visa a garantir a competência do STF ou a autoridade das suas decisões [102, I, ‘l’; ➢ Ação Direta de Inconstitucionalidade estadual. II. Direito comparado. Em tema de controle de constitucionalidade, é necessário observar três modelos de direito alienígena: o americano, austríaco e o francês. Americano Estritamente a respeito do controle, a Constituição americana surge com a cláusula de supremacia, mas ainda sem resposta para o que deveria ocorrer em casos de sua violação. Os federalistas – Alexander Hamilton, em especial – “unconstitucional law is not law at all”, a qual posteriormente é ratificada no rumoroso caso Marbury vs. Madison. Nesse julgamento, fixou-se o “princípio da nulidade”, assim como se instaurou o controle judicial, difuso e incidental - judicial review. As três perguntas fundamentais do judicial review são respondidas: a lei contrária é nula, o exame dever ser feito no caso concreto e cabe ao judiciário resolvê-lo. Austríaco Hans Kelsen sustentava que o controle de constitucionalidade significa o exercício do papel de “legislador negativo” – controle político -, o que não poderia ser realizada por qualquer juiz, mas por um órgão específico: o Tribunal Constitucional. Tratava-se de controle concentrado e abstrato. Neste sistema, vigia o “princípio da anulabilidade”, porque, para Kelsen, o sistema não possui contradições, razão pela qual a decisão era constitutiva. Francês Inicialmente, não havia controle: se uma lei é fruto do parlamento, é fruto dos representantes do povo, é fruto da vontade majoritária do povo e é, por natureza, democraticamente legítima, não cabendo ao juiz, que não é eleito, invalidá-la. Posteriormente, foi instituído o controle político preventivo através do Conselho Constitucional, que se dá sobre o Projeto de Lei – ainda hoje realizado. Muito recentemente, entre 2008 e 2010, surgiu a denominada “questão prioritária de constitucionalidade”, que nada mais é do que a remessa de questão para controle pelo Conselho Constitucional, uma vez admitida na Corte de Cassação [Direito Privado] ou Conselho de Estado [Direito Público]. É hipótese de controle político, incidental e repressivo. Questão 02 do 30 CPR-OBJETIVA: No Brasil, o controle difuso foi implementado pelo Decreto n. 848/1890, que também instituiu a Justiça Federal. No ano seguinte, essa modalidade de fiscalização veio a ser incorporada na Constituição de 1891 e, a partir de então, passou a ser reconhecida nas constituições vindouras. Portanto, o controle difuso brasileiro teria, por aproximação, quase a mesma idade da República. VERDADEIRO Embora seja comum atribuir ao Justice Marshall a origem do judicial review no célebre caso Marbury v. Madison (1803), o mecanismo não era de todo inédito: no final do século XVIII, tribunais estaduais norteamericanos já afastavam a incidência de leis que conflitassem com as constituições estaduais. Antes de ratificada a constituição dos EUA, já era possível encontrar a defesa do judicial review nos artigos federalistas (Federalist Papers). VERDADEIRO III. Legitimidade democrática. Constitucionalismo significa governo limitado, governo das leis. Democracia não necessariamente respeita limites ao poder, mas sim à origem do poder. Democracia significa que o governo será legítimo se respeitar a vontade popular. Mas o foco não está na limitação do poder e, sim, na sua legitimação, na sua origem. Essa questão é a mais fecunda do constitucionalismo, a sua tensão com a democracia. E isso se coloca de forma muito intensa quando o Judiciário declara uma lei inconstitucional. Ex: STF declara lei inconstitucional por violar a moralidade administrativa ou a proporcionalidade. Nesse caso, há o risco de uma decisão ilegítima sob o aspecto democrático, pois a lei foi aprovada pelos representantes eleitos do povo, e declarada inconstitucional por juízes. Se eles anulam uma lei aprovada por representantes do povo com base em um princípio muito aberto, o risco é de estarem substituindo aqueles que foram eleitos pelo povo. Essa é a chamada "dificuldade contramajoritária do poder judiciário" ou "problema da legitimidade do controle jurisdicional". Quando os juízes invalidam uma lei, há uma tensão na relação constitucionalismo e democracia. Há um risco de se produzir um governo de juízes, que é a antítese da democracia. Mas isso não pode ser levado ao extremo, pois não seria possível o controle de constitucionalidade pelo Judiciário. Durante todo o séc. XIX, entendeu-se na Europa que o controle de constitucionalidade pelo Judiciário era ilegítimo. Hoje a discussão não é se o controle de constitucionalidade é legítimo, mas, sim, em que casos ele é legítimo e em que casos é ilegítimo. Ou seja, qual é o limite de legitimidade da jurisdição constitucional. Neste contexto, há profícua elaboração doutrinária e jurisprudencial – a qual não pode ser elaborada neste extrato -, a exemplo das teorias da interpretação constitucional (interpretativismo, não-interpretativismo etc.), a teoria do papel a ser desempenhado pela constituição (modelo substancialista ou procedimentalista), limites da atuação jurisdicional (as discussões a respeito do denominado ativismo judicial) etc. Sobre o tema, Barroso escreveu sobre “os papéis das Supremas Cortes e Tribunais Constitucionais nas democracias contemporâneas”, elencando três principais papéis: a) papel contramajoritário (sugeriu nova nomenclatura: contralegislativo ou contracongressual, pois nem sempre a decisão que invalida as decisões do legislativo são contramajoritárias. Podem representar a maioria. Melhor denominação seria portanto papel contralegislativo ou contracongressual); b) papel representativo: pela crise de legitimidade e representatividade dos parlamentos e do executivo, o Judiciário tem se expandido e sendo cada vez mais representativas, contando com a confiança social; e c) papel iluminista: atuação cirúrgica no sentido de empurrar a história na direção do progresso social, indo, muitas vezes, contra o senso comum, como, por exemplo, a abolição da escravidão ou a proteção de mulheres, negros, homossexuais, transgêneros e minorias religiosas. 16C Controle concreto de constitucionalidade. Recurso Extraordinário. Sérgio Barros Jr. André Batista e Silva I. Controle Concreto de Constitucionalidade Origem: O Controle Concreto de Constitucionalidade tem seu marco histórico no precedente Marbury vs. Madison, da Suprema Corte dos Estados Unidos, julgado em 1803, no qual se consolidou a teoria do judicial review, atribuição que competiria a qualquer magistrado, que deve ser considerado competente para aferir a constitucionalidade das normas cuja discussão lhe seja incidentalmente submetida como prejudicial ao julgamento de uma causa, com decisão de efeitos retroativos (ex tunc). Destaca-se alternativa considerada correta contida na Questão 2 da primeira fase do 30º CPR: “[e]mbora seja comum atribuir ao Justice Marshall a origem do judicial review no célebre caso Marbury v. Madison (1803), o mecanismo não era de todo inédito: no final do século XVIII, tribunais estaduais norteamericanos já afastavam a incidência de leis que conflitassem com as constituições estaduais. Antes de ratificada a constituição dos EUA, já era possível encontrar a defesa do judicial review nos artigos federalistas (Federalist Papers).” Destaques do livro O Federalista[footnoteRef:8]: [8: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5348770/mod_resource/content/0/O%20federalista.pdf] Capítulo 16: “se os juízes não conspirarem com a legislatura, hão de declarar que as decisões da maioria são contrárias à lei do país, inconstitucionais e nulas”; Capítulo 78: “a independência rigorosa dos tribunais de justiça é particularmente essencial numa Constituição limitada [...] que limita a alguns respeitos a autoridade legislativa [...] restrições dessa ordem não podem ser mantidas na prática, senão por meio dos tribunais de justiça, cujo dever é declararnulos todos os atos manifestamente contrários aos termos da Constituição”; Capítulo 81: “é certo que a Constituição deve servir de base à interpretação das leis e que todas as vezes que entre uma e outras houver oposição as últimas devem ceder àquela”. Em contraponto ao controle concentrado, existe o sistema concentrado de controle de constitucionalidade, originado das formulações de Hans Kelsen, que concebeu uma Corte Constitucional especializada para a exercer tal função, invalidando a norma impugnada com efeitos prospectivos (ex nunc). No Brasil, o controle concreto de constitucionalidade foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto n° 848/1890, que criou a Justiça Federal, sendo, em seguida, consagrado na Constituição da República de 1891 e mantido em todas as constituições seguintes. Trata-se da incorporação do modelo norte-americano em solo pátrio, a partir dos ensinamentos de Ruy Barbosa. Destaca-se alternativa considerada correta contida na Questão 2 da primeira fase do 30º CPR: “[n]o Brasil, o controle difuso foi implementado pelo Decreto n. 848/1890, que também instituiu a Justiça Federal. No ano seguinte, essa modalidade de fiscalização veio a ser incorporada na Constituição de 1891 e, a partir de então, passou a ser reconhecida nas constituições vindouras. Portanto, o controle difuso brasileiro teria, por aproximação, quase a mesma idade da República.” Até a Constituição de 1988, era o modelo predominante de controle de constitucionalidade, uma vez que o controle concentrado-abstrato se mostrava incipiente e com legitimidade bastante reduzida (exclusiva do Procurador-Geral da República). Conceito: o controle concreto é também chamado de controle pela via de exceção ou incidental ou de defesa, sendo realizado por qualquer juízo ou tribunal do poder judiciário. Verifica-se em um caso concreto, e a declaração de inconstitucionalidade dá-se de forma incidental (incider tantum), prejudicialmente ao exame do mérito (a alegação de inconstitucionalidade será a causa de pedir processual). A inconstitucionalidade pode ser questionada em qualquer ação, desde que seja a causa de pedir e não o pedido da demanda. No que tange à Ação Civil Pública, houve inicial dissenso quanto a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade incidental, uma vez que, com o espalhamento dos efeitos de suas sentenças, poder-se-ia considerar que o controle concreto, nestes casos, usurparia função dos Tribunais encarregados de realizar o controle abstrato de constitucionalidade. Contudo, firmou-se o entendimento pela possibilidade de controle concreto em sede de ACP. Cita-se, então, trecho do Resp 1.487.032/2015: “É firme o entendimento do STJ no sentido de que a inconstitucionalidade de determinada lei pode ser alegada em ação civil pública, desde que a título de causa de pedir - e não de pedido –, como no caso em análise, pois, nessa hipótese, o controle de constitucionalidade terá caráter incidental”. Cabe destacar que o artigo 503, § 1º, III, do CPC impediria que a declaração de inconstitucionalidade concreta realizada em sede de ação civil pública tivesse efeitos erga omnes ou para além das partes. Por outro lado, registra-se que Gilmar Mendes e Paulo Gonet expressam entendimento oposto, afirmando a impossibilidade de controle de constitucionalidade em sede de ACP, vislumbrando a possibilidade de suspensão da ACP e remessa da questão constitucional para o STF, “via arguição de descumprimento de preceito fundamental, mediante provocação do juiz ou do tribunal competente para a causa” (Curso de Direito Constitucional, 13 edição, 2018, p. 1290). Cláusula da reserva de plenário: prevista no artigo 97 da CF/88 e originada na Constituição de 1934, impõe que, perante o tribunal, a declaração de inconstitucionalidade somente poderá ser pronunciada pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do órgão especial. É, também, chamada de cisão funcional horizontal da competência, ou seja, o plenário apenas aprecia a questão envolvendo a inconstitucionalidade e devolve o processo para o órgão fracionário julgaro mérito; a decisãodo plenário é irrecorrível e vincula o órgão fracionário no caso concreto, incorporando-se ao julgamento do recurso ou da causa como premissa inafastável. Daniel Sarmento aduz que uma das justificativas para a referida cláusula é o Princípio da presunção graduada de constitucionalidade dos atos normativos. Súmula Vinculante 10: “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte"; O mesmo procedimento deve ser adotado no caso de interpretação conforme e de declaração parcial de nulidade sem redução de texto. Entretanto, dispensa-se a remessa ao órgão especial ou pleno do Tribunal correspondente se já houver pronunciamento destes ou do STF (art. 481, PU, CPC). E, no caso do STF, há precedente no sentido de que a ele não se aplica o art. 97: “O STF exerce, por excelência, o controle difuso de constitucionalidade quando do julgamento do recurso extraordinário, tendo os seus colegiados fracionários competência regimental para fazê-lo sem ofensa ao art. 97 da CF.” (RE 361.829-ED, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJE de 19-3-2010). Participação do amicus curiae: o CPC, no artigo 1.035, § 4º, admite que haja a participação de terceiro no julgamento da repercussão geral de recurso extraordinário (instrumento, por excelência, para controle concreto de constitucionalidade no âmbito do STF). Ademais, o art. 950, § 3º, do CPC permite que sejam ouvidos terceiros no julgamento do incidente de inconstitucionalidade, por meio de despacho irrecorrível, sedimentando a possibilidade de participação de amicus curiae no controle concreto, conferindo ao controle incidental uma abertura plural similar à dos processos abstratos de controle de constitucionalidade. Parâmetro de controle: o controle concreto não se limita à análise da norma impugnada em relação à Constituição vigente, como no controle abstrato. Esse tipo de controle pode atingir normas anteriores à Constituição atual, contrastando a norma em face da Constituição sob cujo império foi editada (RE 148.754). Além disso, o controle concreto é viável para normas emanadas dos três níveis de poder. Caso haja, simultaneamente, questionamento de norma anterior à CF/1988 em relação à Constituição sob a qual foi editada e em relação à atual Constituição, deve-se realizar, primeiramente, análise de constitucionalidade em face da Constituição pretérita e, somente se constitucional a norma, deve ser feita a análise da recepção pela CF/1988 (RE 145.018). Efeitos: A declaração de inconstitucionalidade no controle difuso produz efeitos, em regra, ex tunc e inter partes. A inconstitucionalidade declarada como questão prejudicial não transita em julgado (limite objetivo da coisa julgada), nem afeta terceiros estranhos ao processo (limite subjetivo). A doutrina majoritária no Brasil situa a inconstitucionalidade no campo da nulidade, em razão da supremacia da Constituição. A decisão que a reconhece tem natureza declaratória, e retroage até o nascimento do ato viciado. Entretanto, o STF compreende ser possível, em nome da preservação da segurança jurídica, a limitação temporal de efeitos também no controle incidental, como já ocorre no abstrato com esteio em expresso fundamento legal (artigo 27 da Lei nº 9868/99). Daí decorre a chamada abstrativização do controle difuso (objetivação, abstração, dessubjetivação das formas processuais): o procedimento designado abstrativização do controle concreto, expressão cunhada pelo doutrinador Fredie Didier Júnior, por ocasião da análise das transformações ocorridas no Recurso Extraordinário, consiste na possibilidade de conferir efeitos erga omnes adecisões proferidas em sede de controle difuso/concreto de constitucionalidade. Gilmar Mendes e Paulo Gonet destacam a “inequívoca tendência para ampliar a feiçãoobjetiva do processo de controle incidental” (Curso de Direito Constitucional, 13 edição, 2018, p. 1294). Instrumentos da abstrativização do controle concreto: a) artigo 52, X, CRFB/88: compete privativamente ao Senado, por resolução, suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Existe debate sobre a mutação constitucional deste dispositivo. Gilmar Mendes e Paulo Gonet compreendem que, em razão da atribuição de efeitos ampliados às decisões proferidas até mesmo em sede de controle incidental, a suspensão da execução da lei pelo Senado “revela-se completamente inútil, caso se entenda que tem outra função que não a de atribuir publicidade à decisão declaratória de inconstitucionalidade” (Curso de Direito Constitucional, 13 edição, 2018, p. 1281). Nos julgamentos das ADI 3406 e 3470, o STF dispensou a suspensão pelo Senado e, expressamente, declarou incidentalmente e com efeitos erga omnes a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei nº 9055/95. Recentemente, no julgamento da questão da “coisa julgada tributária”, o STF mais uma vez reforçou a tese da mutação constitucional, ao decidir que a declaração de inconstitucionalidade, em sede de recurso extraordinário com repercussão geral, também possui efeitos vinculantes e eficácia erga omnes, mesmo antes da resolução do Senado (STF. Plenário. RE 955.227/BA e RE 949.297/CE, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 8/02/2023, Repercussão Geral – Temas 881 e 885, Info 1082). Virgílio Afonso da Silva critica a suposta mutação constitucional, afirmando que não se pode utilizar os precedentes das ADI 3406 e 3470 “para justificar a desnecessidade de manifestação do Senado ou de edição de súmula vinculante para expandir os efeitos de outras decisões que, por sua natureza, têm apenas efeitos inter partes” (Direito Constitucional Brasileiro, 2021, p. 580). b) Súmulas vinculantes, previstas no artigo 103-A da CF/1988: após reiteradas decisões acerca da validade, interpretação ou eficácia de uma norma sobre a qual paire controvérsia atual, judicial ou administrativa, o STF pode editar súmula vinculante pelo voto de 2/3 dos seus membros, que vinculará os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública. O próprio STF não se vincula à Súmula Vinculante, podendo, inclusive de ofício, revisitá-la e, também, o Poder Legislativo, sob pena de se paralisar a atividade legiferante em perspectiva. c) Teoria da transcedência dos motivos determinantes: o STF debateu a tese de que os motivos que fundamentam a declaração de inconstitucionalidade extrapolam os limites da demanda para alcançar situações idênticas ou semelhantes, mas não acolheu tal teoria, conforme o seguinte precedente: A jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Federal sedimentou o entendimento segundo o qual não se opera a transcendência dos motivos determinantes, mesmo em sede de ações objetivas. (STF, Rcl 50815 RS, 2022) d) Repercussão geral dos recursos extraordinários (artigo 102, § 3º, CF/1988): com a EC 45/04 (Reforma do Judiciário) mudou radicalmente o modelo de controle incidental, uma vez que os recursos extraordinários terão de passar pelo crivo da admissibilidade referente à repercussão geral. Assim, com a adoção desse novo instituto haverá uma maximização da feição objetiva do recurso extraordinário, que passou a ser um instrumento de molecularização de julgamento em massa em substituição à lógica da atomização em julgamento individual. e) fixação de teses jurídicas: cabe destacar crítica realizada por Virgílio Afonso da Silva ao afirmar que a praxe de sintetizar as teses dos julgamentos em recursos extraordinários com repercussão geral caracteriza uma tentativa sutil de extrapolar os efeitos do caso concreto, sem amparo constitucional, uma vez que seria necessária ou a edição de súmula vinculante ou a atuação do Senado nos termos do artigo 52, X, da CF/1988 (Direito Constitucional Brasileiro, 2021, p. 581). II. Recurso Extraordinário Delineado pelo artigo 102, III, da CR, o recurso extraordinário, cujo julgamento compete exclusivamente ao STF, é cabível nas causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida (a) contrariar dispositivo da Constituição; (b) declarar a constitucionalidade de tratado ou lei federal; (c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição; (d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. A interposição do RE requer o esgotamento das vias ordinárias, o prequestionamento da questão constitucional e a demonstração da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, somente podendo ser recusado pela manifestação de 2/3 de seus membros, cuja análise é feita através do chamado plenário virtual. Ressalva-se que se existir na Turma (a quem compete à apreciação do recurso extraordinário) no mínimo quatro votos pela presença da repercussão geral, o recurso será admitido, dispensando-se a remessa do caso ao Plenário. A decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do STF tem presunção absoluta de repercussão geral. A repercussão geral de questões econômicas, políticas, sociais e jurídicas é um conceito aberto e serve como filtro recursal para reforçar a força vinculativa das decisões do STF, resultando numa objetivação do controle difuso (o RE se revela como o meio pelo qual uma controvérsia constitucional iniciada em instâncias inferiores chega ao STF), sendo admitida a participação de amicus curiae na discussão sobre a existência da repercussão geral. No tribunal de origem é feita uma análise por amostragem, encaminhando-se ao STF os recursos extraordinários escolhidos e sobrestando-se os demais. Com a decisão sobre o RE paradigmático há um efeito regressivo, pois, o Tribunal de origem pode retratar-se da decisão contrária ao STF ou, então, encaminhar o RE. Neste último caso, o STF pode reformar liminarmente o acórdão contrário à decisão paradigmática. A repercussão geral somente passou a ser aplicada após a alteração do RISTF, em maio de 2007. No início os tribunais deixavam de exercer o Juízo de retratação e encaminhavam os recursos sobrestados sem qualquer decisão. O STF não aceita mais isso. O Tribunal deve fundamentar o motivo de não haver exercido o juízo de retratação. 18C. Controle abstrato de constitucionalidade: Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Aline Morais Sérgio Barros Jr. I. Controle Concentrado: É controle repressivo realizado pela via de ação – ADI, ADO, ADC e ADPF – intentada por legitimados específicos enumerados em rol taxativo. Funda-se na supremacia e rigidez da Constituição. O processo é objetivo e tem como características: generalidade, impessoalidade e abstração. A finalidade é proteger a supremacia da constituição. O objetivo principal é a declaração da (in)constitucionalidade que é reconhecida e declarada no dispositivo da sentença, pelo STF (parâmetro CRFB e objeto lei/ato normativo federal ou estadual) ou pelo TJ (parâmetro CE, objeto lei/ato normativo estadual ou municipal). Não há prazo em dobro para recorrer ou contestar; não incide prescrição ou decadência; não se admite intervenção de terceiros e assistência – exceto “amicus curiae”; a desistência é vedada; a decisão é irrecorrível (salvo ED, indeferimento da petição inicial pelo relator que admite agravo regimental), não admite rescisória e não há vinculação à tese jurídica (causa de pedir aberta). NÃO PODEM SER OBJETO DE CONTROLE CONCENTRADO: a) Súmulas: por não possuírem grau de normatividade qualificada pela generalidade e abstração, mesmo no caso de súmula vinculante. No caso de SV, há procedimento de revisão; b) Regulamentos ou decretos regulamentares expedidos pelo Executivo e demais atos normativos secundários: por não estarem revestidos de autonomia jurídica. Trata-se, no caso, de questão de legalidade, por inobservância do dever jurídico de subordinaçãonormativa à lei. Decreto que não regulamente lei alguma: poderá haver ADI para discutir observância do princípio da reserva legal; c) Normas constitucionais originárias: presunção absoluta de constitucionalidade. No caso de conflito entre si, deve haver harmonização, segundo caso concreto (princípio da unidade, concordância prática); d) Respostas emitidas nas consultas ao TSE: por se tratar de ato de caráter meramente administrativo, não possuindo eficácia vinculativa aos demais órgãos do Poder Judiciário; e) Atos normativos revogados ou de eficácia exaurida: porque a sua eventual declaração teria valor meramente histórico. Se a revogação ocorrer no curso da ação de inconstitucionalidade ocorrerá a perda do objeto devendo os efeitos residuais concretos que possam ter sido gerados pela aplicação da lei ou ato normativo não mais existente ser questionados na via ordinária, por intermédio do controle difuso de constitucionalidade. Exceções: casos de fraude processual, repetição em outra norma de igual conteúdo e não ter sido o STF informado antes do julgamento. Gilmar Mendes tem posição diferente sobre a regra: princípios da máxima efetividade e da força normativa da CRFB; f) Normas anteriores à Constituição: se incompatíveis são revogadas (não-recepcionadas), não se podendo falar em inconstitucionalidade superveniente. (Conflito de leis no tempo, e não hierárquico). Pode caber ADPF para, de forma definitiva e com eficácia geral, solver controvérsia relevante sobre a legitimidade do direito ordinário pré-constitucional em face da nova Constituição. ROL DE LEGITIMADOS (CONTROLE PELO STF) – mesmo para todas: art. 103 CRFB ESTATAL - SEM advogado já possui capacidade postulatória NÃO ESTATAL - necessita de advogado com poderes específicos LEGITIMIDADE ATIVA UNIVERSAL (TODA A COLETIVIDADE) Presidente da República Conselho Federal da OAB Procurador-Geral da República Mesa da Câmara dos Deputados Partido Político com representação no CN (momento da propositura: mín. 1 em CD ou SF) Representado Diretório Nacional ou Executiva Mesa do Senado Federal LEGITIMIDADE ATIVA ESPECIAL (PARCELA DA COLETIVIDADE) PERTINÊNCIA TEMÁTICA: Governador do Estado/DF Confederação Sindical (mín. 3 Federações)[footnoteRef:9] [9: Conceito extraído da CLT: Art. 535 (CLT) - As Confederações organizar-se-ão com o mínimo de 3 (três) federações e terão sede na Capital da República.] Admite associação de associação Mesa da Assembleia Legislativa/ Câmara Distrital Mesa do CN não pode Entidade de classe de âmbito nacional[footnoteRef:10]: [10: Não inclui centrais sindicais. Nesse sentido: [...] CENTRAL SINDICAL. ILEGITIMIDADE ATIVA. PESSOA JURÍDICA QUE NÃO SE QUALIFICA COMO CONFEDERAÇÃO SINDICAL OU ENTIDADE DE CLASSE DE ÂMBITO NACIONAL, NOS TERMOS DO ART. 103, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES. [...] (ADI 5306, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 15/03/2021).] a) representante de uma categoria; b) presente em pelo menos 9 UF (1/3) exceto se restrita a uma área menor (ex: Sal) PGR - no controle de constitucionalidade, atua na condição de custus constituitionis, ou seja, como fiscal da supremacia da Constituição (art. 103, § 1º, da CR). Segundo o STF deve emitir parecer, inclusive quando autor, e pode opinar pela improcedência do pedido feito por ele mesmo. ROL DE LEGITIMADOS (CONTROLE PELO TJ) – definidos em Constituição Estadual, sendo vedado pela CRFB que seja atribuída legitimação a apenas uma pessoa. (art. 125, § 2º CRFB). EFEITOS DA DECISÃO: vinculante (para o Poder Judiciário e para a Administração Pública), “erga omnes” (oponível a todos) e via de regra, “ex tunc”. II. Ação Direta de Inconstitucionalidade CONCEITO: Tem por objeto principal a própria declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em tese – federal ou estadual. OBJETO: a) Leis (art. 59 da CRFB): emendas constitucionais (por emanarem do poder constituinte derivado reformador), leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias (por terem força de lei, mas desde que em plena vigência, ou seja, não convertidas ainda em lei ou não tendo perdido a sua eficácia por decurso de prazo), decretos legislativos e resoluções (esses dois últimos somente se estiverem revestidos de generalidade e abstração). b) Atos normativos: qualquer ato revestido de indiscutível caráter normativo, como as resoluções administrativas dos Tribunais, os regimentos internos dos Tribunais, as deliberações administrativas dos órgãos judiciários, as deliberações dos Tribunais Regionais do Trabalho (salvo as convenções coletivas de trabalho) etc. c) Tratados internacionais: sejam com status de EC, Supralegal ou lei ordinária; d) Políticas públicas: desde que configurada hipótese de evidente e arbitrária abusividade governamental, em violação à concretização dos direitos mínimos existenciais do ser humano (direitos sociais, econômicos e culturais), devendo ainda se verificar, no caso concreto, a razoabilidade da pretensão, bem como a disponibilidade financeira do Estado para a implementação da referida política pública (ADI 6253 GO). OBS: Lei – utilizada em conceito amplo: a) todo ato normativo primário (art. 59, CRFB/88); b) EC - desde que: (i) viole uma das limitações; (ii) apenas as que versem sobre cláusulas pétreas; (iii) poderes implícitos; c) lei orçamentária (tem admitido com frequência – a controvérsia tem que ser suscitada em abstrato (ADI 5930). Vejamos a ementa: AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL. VIGÊNCIA TEMPORÁRIA. EXAURIMENTO DE SUA EFICÁCIA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o exaurimento da eficácia de lei temporária enseja a extinção do processo de controle normativo abstrato pela perda superveniente de seu objeto. Precedentes. 2. Eventuais efeitos residuais concretos devem ser questionados nas vias ordinárias adequadas. Precedentes. (ADI 5930 AgR, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 31/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-142 DIVULG 28-06-2019 PUBLIC 01-07-2019). e) decreto presidencial, desde que autônomo - art. 84, VI, CRFB/88; f f) tratado internacional - ADI 1480. Ato normativo (todo aquele que vincula ou obriga um determinado grupo): a) ADI 1694 - TCU – consulta; b) parecer AGU aprovado pelo Presidente da República; c) resolução do CNJ que interprete diretamente a Constituição - ADC 12 - ADI - férias coletivas - ADI 3367; d) Resolução do TSE. CASOS EM QUE SE ADMITIU O CABIMENTO DE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: a) Decreto autônomo que extingue colegiados da Administração Pública, uma vez que esta espécie normativa retira fundamento de validade diretamente da Constituição (ADI 6121, Info 944, STF); b) Resolução do TSE, desde que possua, substancialmente, conteúdo abstrato, geral e autônomo (ADI 5122, Info 900); c) Resolução do CNJ e do CNMP, porquanto sejam atos normativos gerais e abstratos editados no exercício de competência constitucional (ADI 4263, Info 899); d) Regimento interno de Assembleia Legislativa, desde que possua caráter normativo e autônomo (ADI 4587, Info 747); e) Decisão administrativa de Tribunal de Justiça que possua conteúdo normativo, com generalidade e abstração (ADI 3202, Info 734); f) Recomendação de Tribunal que fixe competência, porquanto deva ser considerada como ato de caráter primário, que inova no ordenamento jurídico (ADI 5326, Info 917); g) Atos estatais de efeitos concretos: O STF entendia que os atos estatais de efeitos concretos não estão sujeitos ao controle abstrato de constitucionalidade, vez que a ADI não constitui sucedâneo da ação popular constitucional. Porém, modificou seu posicionamento, passando a entender que mesmo que de ato concreto, se for materializado por lei (ou MP), poderá ser objeto do controle abstrato. O PGR encaminhou à ADI 4.047 parecer em sentido contrário. COMPETÊNCIA: STF: Lei ou ato normativo federal ou estadual (incluindo distritalno exercício de competência estadual) em face da CR; TJ local: Lei ou ato normativo estadual ou municipal em face da CE inclui Lei Orgânica do DF); Caso haja tramitação simultânea de ações (lei estadual perante a CR no STF e perante a CE no TJ local - norma da CR repetida na CE): suspender a ação no TJ local até o julgamento da ADI no STF. Trata-se do que a doutrina denomina simultaneus processus. Não cabe ADI no STF em face de lei municipal. Porém, no caso de ADI proposta no TJ em face de lei municipal com base em parâmetro da CE que obrigatoriamente reproduz norma da CF/1988, caberá RE da decisão do TJ para o STF, para preservação da autoridade da Constituição Federal. Cabe destacar que a ADI perante o TJ em face de lei municipal pode ter como parâmetro normas da própria Constituição, desde que se trate de norma de reprodução obrigatória pelos Estados (RE 650.898). O acesso direto ao STF para discutir lei municipal só é possível via ADPF. Na análise de compatibilidade de lei municipal com a Lei Orgânica do Município, o controle é de legalidade. PROCEDIMENTO: art. 103, §1º e 3°, art. 103, CRFB; arts. 169 a 178, RISTF; Lei n° 9.868/99 - Quando imprescindível advogado[footnoteRef:11], procuração com poderes especiais, indicando objetivamente lei ou ato normativo atacados pela ADI; Pode haver indeferimento liminar pelo relator, atacável por agravo, caso a petição sofra de vício insanável. São casos de inépcia: (i) não indicar dispositivo da lei ou ato normativo impugnado, (ii) não for fundamentada ou (iii) manifestamente improcedente. Não havendo indeferimento liminar, relator pede informações aos órgãos ou entidades das quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que devem ser prestadas em 30 dias do recebimento do pedido. Após informações, ouvidos, sucessivamente, o AGU e o PGR, que devem se manifestar, cada qual, em 15 dias. [11: Há entendimento do STF que confere capacidade postulatória ao Presidente da República; à Mesa do Senado Federal; à Mesa da Câmara dos Deputados; à Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do DF. Contudo, em decisão monocrática do Min. Marco Aurélio na ADI 6764, houve o indeferimento de petição inicial subscrita somente pelo Presidente da República.] Não se admite a desistência de ADI, uma vez que não se discute a defesa de um direito subjetivo, mas sim a defesa da Constituição. PAPEL DO AGU – art. 103, §3º, CRFB diz que AGU será citado para defender o ato impugnado (Guardião da Presunção de Constitucionalidade das Leis), mas hoje se diz que há direito de manifestação, sem obrigatoriedade de defesa do ato impugnado. Não precisa defender quando: a) já houver caso análogo em que o STF tenha entendido que a norma era inconstitucional - ADI 1616; b) subscrever a ADI; c) norma impugnada ferir interesses da União - ADI 3916 e 4309. Ademais, a CRFB não prevê sanção para o caso de o AGU não defender o ato impugnado (ADI 3916). Gilmar Mendes: AGU não deve ser entendido como parte, mas sim como instituição chamada para se manifestar, podendo dizer o que entende (um parecer concorrente ao do PGR). O AGU deverá promover, inclusive, a defesa de atos normativos estaduais. Relator pode solicitar informações aos Tribunais Superiores, aos Tribunais Federais e Tribunais Estaduais acerca da aplicação da norma impugnada no âmbito de sua jurisdição. Caso haja necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato; ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos: pode relator requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos ou fixar data para ouvir depoimentos em audiência pública (art. 20, §1º a 3º, Lei 9.868/99). Possível excepcionalmente, manifestação de outros órgãos ou entidades, se relator considerar relevante a matéria e a representatividade dos postulantes para pluralizar o debate e promover legitimação social. Ocorre por meio da admissão de Amicus curiae (ingresso até a entrada do processo na pauta) que tem direito de apresentar sustentação oral, nos termos do RISTF, mas não pode recorrer. QUÓRUM PARA JULGAMENTO E DECISÃO – voto da maioria absoluta dos membros do STF (mínimo de 6), observado quórum para a instalação da sessão de julgamento (mínimo de 8). Arts. 22 e 23, Lei 9.868/99. CAUSA DE PEDIR ABERTA: não fica o STF condicionado à causa petendi apresentada pelo postulante, mas apenas ao seu pedido, motivo pelo qual ele poderá declarar a inconstitucionalidade da norma impugnada por teses jurídicas diversas. MEDIDA CAUTELAR NA ADI: será concedida, salvo no período de recesso, por decisão da maioria absoluta dos membros do STF, observado o quórum mínimo para a sua instalação, após audiência (exceto nos casos de excepcional urgência) dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que se pronunciarão no prazo de 5 dias. Ouvidos AGU e PGR, no prazo de 3 dias cada, se relator julgar indispensável (Art. 10, caput e §§, Lei 9.868/99). Facultada sustentação oral aos representantes judiciais da parte requerente e dos órgãos ou autoridades responsáveis pela expedição do ato, na forma do RISTF. EFEITOS DA MEDIDA CAUTELAR: eficácia contra todos (erga omnes) e efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa (ex tunc). Ademais, a concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente (efeito repristinatório tácito), salvo expressa manifestação em sentido contrário (Artigo 11, §§ 1º e 2º, da Lei nº 9.868/99). PROCEDIMENTO “SUMÁRIO” (art. 12): em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica: poderá o relator, após a prestação das informações, no prazo de 10 dias, e a manifestação do AGU e do PGR, sucessivamente, no prazo de 5 dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação. Art. 12 da Lei nº 9.868/99. EFEITOS DA DECISÃO: Ação de caráter dúplice/ambivalente, nos termos do artigo 24 da Lei nº 9.868/99 “Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória. Regra geral, possui os seguintes efeitos: (a) erga omnes (b) ex tunc (c) efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Judiciário e à Administração. O Poder Legislativo não se vincula às decisões do STF, sob pena de se congelar o princípio democrático. A superação legislativa do precedente firmado em ADI deve, pois, agregar novos fundamentos que visem a superar o entendimento concretizado pelo STF (CLEVE, Clemerson Merlin. A Fiscalização Abstrata da Constitucionalidade, 3ed, 2022, p. 237). MODULAÇÃO DOS EFEITOS: por motivos de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o STF, por manifestação qualificada de 2/3 de seus membros (8 Ministros), declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo sem a pronúncia de sua nulidade, restringindo os efeitos da referida declaração ou decidindo que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, ou seja, atribuindo-lhe efeito ex nunc, nos termos do artigo 27 da Lei nº 9.868/99, que só terão início a partir do trânsito em julgado da decisão (e não a partir da publicação da ata de julgamento no DJU). Possível: Interpretação conforme a Constituição; Declaração de nulidade parcial sem redução de texto. RECLAMAÇÃO: finalidade de garantir a autoridade da decisão proferida em sede de ADI pelo Supremo Tribunal Federal. (serve também para reafirmar a competência da Corte e exigir observância de súmulas vinculantes). Não cabe reclamação contra ato judicial que tenha transitado em julgado. Recl 1880: ampliou legitimados para a propositura de reclamação, não mais se restringindo ao rol constante no artigo 103 da CRFB e no artigo 2º da Lei nº 9.868/99, para considerar todos aqueles que forem atingidos por decisões dos órgãos do Poder Judiciário ou por atos da Administração Públicadireta e indireta, nas esferas federal, estadual, municipal e distrital contrários ao entendimento firmado pela Suprema Corte em ADI (Art. 28, §ú, Lei 9.868/99; art. 102, § 2º, CRFB). Natureza jurídica da reclamação: Há controvérsia na doutrina (ação; sucedâneo de recurso; remédio incomum; incidente processual; medida de Direito Processual Constitucional; medida processual de caráter excepcional). STF: como instrumento de caráter constitucional, com dupla finalidade: preservar a competência e garantir a autoridade das decisões; Ada Pelegrini: simples direito de petição (5º, XXXIV). STF adotou esse entendimento ao permitir a reclamação no âmbito estadual (TJ). Reclamação no âmbito estadual: é possível, desde que haja previsão da CE, pois se trata de direito de petição. III – Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. CONCEITO: a ação pertinente para tornar efetiva norma constitucional em razão de omissão de qualquer dos Poderes ou de órgão administrativo. OMISSÃO INCONSTITUCIONAL: ausência de norma ou ato infraconstitucional que impeça a ampla aplicação da norma constitucional de eficácia limitada. Viola princípios da proibição do retrocesso; garantia do mínimo existencial e dignidade da pessoa humana. FINALIDADE: tornar efetiva norma constitucional de eficácia limitada, não regulamentada por omissão do Poder Público ou órgão administrativo. TIPOS DE OMISSÃO: pode ser a) total (não há cumprimento do dever constitucional de legislar; Ex.: Art. 37, inciso VII, da CRFB); ou b) parcial (há lei infraconstitucional integrativa, porém insuficiente). b1) Omissão parcial propriamente dita: lei existe, mas regula de forma deficiente (Ex.: Art. 7º, inciso IV, da CRFB); b2) Omissão parcial relativa (ou “exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade”): lei existe, outorgando determinado benefício a uma certa categoria, deixando de conceder a outra que também deveria ter sido contemplada (Ex.: Súmula 339 do STF: Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia). MI x ADI por omissão: a) MI é restrito, pois trata apenas de direitos que envolvam cidadania, direitos fundamentais, etc.; b) qualquer pessoa pode propor MI; e c) os efeitos do MI são, em regra, inter partes[footnoteRef:12]. Não há fungibilidade entre ADI por Omissão e Mandado de Injunção: diversidade de pedidos. [12: Excepcionalmente, será possível conferir eficácia ultra partes ou erga omnes à decisão, conforme art. 9º, § 1º da Lei 13.300/2016, quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração. Essa possibilidade se aplica tanto para o MI individual como para o coletivo (art. 13).] OBJETO: amplo – a) inércia do Legislativo em editar atos normativos primários; b) inércia do Executivo em editar atos normativos secundários, como regulamentos e instruções; c)inércia do Judiciário em editar os seus próprios atos. STF: perda de objeto da ADI por omissão pendente de julgamento se: norma que não tinha sido regulamentada é revogada; é encaminhado projeto de lei ao Congresso Nacional sobre a referida matéria (desencadeado o processo legislativo, não há que se cogitar de omissão inconstitucional do legislador). Contudo, a inercia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ADI por omissão: STF reconhece a mora do legislador em deliberar, declarando a inconstitucionalidade por omissão. COMPETÊNCIA: (Art. 103, § 2º, CRFB, c.c., analogicamente, art. 102, I, “a”, CRFB) - STF. Gilmar Mendes: Inconstitucionalidade por omissão de órgãos legislativos estaduais em face da CRFB/88 - STF. LEGITIMIDADE: São os mesmos legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade (Art. 103 da CRFB), inclusive, com as observações sobre a pertinência temática para alguns deles. PROCEDIMENTO: Lei 9868/99: praticamente idêntico ao da ADI, com peculiaridades: a) relator poderá solicitar a manifestação do AGU, a ser encaminhada em 15 dias (art. 12-E, §2º), após a manifestação das autoridades responsáveis pela omissão. Citação do AGU não é obrigatória. MEDIDA CAUTELAR: excepcional urgência e relevância da matéria podem ensejar tal concessão, após audiência das autoridades responsáveis pela omissão inconstitucional, que deverão se pronunciar em 5 dias. Poderá consistir em: suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado, no caso de omissão parcial; suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos; outra providência a ser fixada pelo Tribunal. Em caso de omissão de órgão administrativo: providências deverão ser adotadas no prazo de 30 dias, ou em prazo razoável estipulado excepcionalmente pelo Tribunal. Em caso de omissão do Poder Legislativo: a) Teoria não concretista: o Poder Judiciário não pode regular a matéria pois, se o fizesse, estaria invadindo a competência do Poder Legislativo - MI 712; b) Teorias Concretistas: b1) direta: de plano Judiciário regula a matéria; b2) intermediária: primeiro constitui em mora o legislador para, após, regular a matéria, dividindo-se em: b2.1) geral: a regulação feita pelo Judiciário vale para todos - adotada pelo STF; e b2.2) individual: regulação feita pelo Judiciário vale para o indivíduo ou grupo. ADO 26 (Criminalização da Homofobia): o STF adotou postura de vanguarda, assumindo a teoria concretista direta. Admite-se ainda a figura do amicus curiae na ADC (mesmo tendo sido vetado art. 18, § 2º, Lei 9.868/99) em aplicação analógica do art. 7º, § 2º, Lei 9.868/99, considerando que ADI e ADC são ações dúplices (ou ambivalentes). EFEITOS DA DECISÃO: tradicionalmente, STF entendia que ADI por omissão serve para comunicar ao Congresso o dever de legislar; isso vem mudando: ex. caso da criação dos Municípios, em que se fixou um prazo. Caso da criação dos Municípios (art. 18, § 4º): Congresso não editou LC necessária para criação de Municípios. Muitos foram criados de forma inconstitucional. Houve várias ADIs contra leis que criaram Municípios, e ADI por omissão em relação ao art. 18, §4º, CRFB. STF declarou omissão inconstitucional e inconstitucionalidade, sem pronúncia de nulidade, das leis municipais (com modulação de efeitos). Fixou prazo de 18 meses para a LC, e 24 meses para a subsistência das leis municipais. Raciocínio: criada a LC, as leis municipais poderiam ser criadas no prazo. Congresso não criou a LC, mas fez EC para ratificar a criação dos Municípios. FUNGIBILIDADE (Gilmar Mendes): há certa fungibilidade entre ADI por omissão parcial e ADI. Diferença são as técnicas de decisão: na primeira, será determinada complementação; na segunda, declarada a nulidade. IV – Ação Declaratória de Constitucionalidade (EC 03/93 - que alterou Art. 102 e 103 CRFB - e Lei 9868/1999) CONCEITO: Ação que tem por finalidade confirmar a constitucionalidade de uma lei federal, impedindo que a lei não seja questionada por outras ações. FINALIDADE: declarar constitucionalidade de lei ou ato normativo, resolvendo dissídio envolvendo a legitimidade de uma lei ou ato normativo federal, afastando quadro de incerteza sobre a validade ou aplicação da aludida lei, guardando o direito constitucional objetivo. A declaração de constitucionalidade não impede, em razão de alterações das circunstâncias fáticas ou da realidade normativa, futuro questionamento da norma declarada constitucional. LEGITIMIDADE: mesmos para a ADI. PROCEDIMENTO: praticamente mesmo da ADI, com observações: petição inicial deve indicar: a) dispositivo da lei ou ato normativo questionado e fundamentos jurídicos do pedido; b) pedido, com especificações; c) existência de controvérsia judicial relevante sobre aplicação da disposição objeto da ADC (ADC 1: controvérsia judicial relevante: a) STF: controvérsia dentro do Poder Judiciário (jurisprudencial); b) Gilmar Mendes: controvérsia jurídica. Como a lei possui presunção de constitucionalidade, se alguns juízes a tem declarado inconstitucional, já está caracterizada a controvérsia; c) relevância: possibilidade de ocasionarinsegurança jurídica em boa parte do território nacional). Deve conter cópias do ato normativo questionado e dos documentos necessários para comprovar procedência do pedido de declaração de constitucionalidade (art. 14, da Lei nº 9.868/99). Petição inicial será liminarmente indeferida pelo relator se for: inepta, não fundamentada, ou manifestamente improcedente. Contra essa decisão cabe agravo. O AGU não será citado, pois não há ato ou texto a ser defendido. Vista dos autos ao PGR, para se pronunciar em 15 dias (art. 19, Lei nº 9.868/99). Havendo pedido cautelar, decisão sobre a liminar pode ser antes da manifestação do PGR. Caso haja necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato; ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos: pode relator requisitar informações adicionais, inclusive, a Tribunais Superiores, Tribunais federais e estaduais acerca da aplicação da norma questionada no âmbito de sua jurisdição, designar perito ou comissão de peritos ou fixar data para ouvir depoimentos em audiência pública (art. 20, §1º a 3º, Lei 9.868/99). QUÓRUM - Decisão será dada pela maioria absoluta dos membros do STF (6), presente o número mínimo de 2/3 dos ministros (8). MEDIDA CAUTELAR – suspensão do julgamento de ações que envolvam aplicação da lei objeto da ação até o seu julgamento definitivo (art. 21, Lei 9.868/99). Suspensão perdurará apenas por 180 dias, contados da publicação da parte dispositiva de decisão no DOU, sendo esse prazo definido pela lei para que STF julgue ADC. Gilmar Mendes: a despeito da lei não prever prorrogação do prazo da cautelar, se a questão não tiver sido decidida no prazo prefixado, poderá o STF autorizar a prorrogação do prazo. Decisão de deferimento da medida cautelar será dada pela maioria absoluta dos membros do STF (6) e terá efeito vinculante e erga omnes (entendimento majoritário), em vista do poder geral de cautela inerente ao poder jurisdicional, cabendo reclamação. DECISÃO: Regra geral, decisão proferida em ADC será: (a) erga omnes(contra todos); (b) ex tunc; (c) vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública, direta ou indireta, federal, estadual, municipal e distrital. Ambivalência entre a ADC e a ADI: o julgamento procedente da ADC resulta na declaração da constitucionalidade do ato normativo. Porém, a improcedência causa a declaração da inconstitucionalidade da norma discutida. Lei pode ser ABSTRATAMENTE CONSTITUCIONAL, mas no caso concreto ser tida como INCONSTITUCIONAL, assim o julgamento abstrato de constitucionalidade não impede que em determinado caso concreto haja reconhecimento da inconstitucionalidade (ADI 223 - plano Collor). Gilmar Mendes: tese da DUPLA REVISÃO JUDICIAL OU DUPLO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: mesmo após o controle concentrado de constitucionalidade, ainda persiste espaço para controle difuso de constitucionalidade pelas instâncias judiciárias inferiores. Ex. ADC/04: reconheceu constitucionalidade da lei que proíbe antecipação de tutela contra fazenda pública, mas tribunais vêm entendendo que em determinados casos concretos pode existir inconstitucionalidade pela proibição de antecipação de tutela contra a fazenda. PROCEDIMENTO ADC MÉRITO CAUTELAR AMICUS CURIAE: ingresso s/ previsão legal Petição Inicial Petição Inicial PGR (15d) PGR (3d) - se o relator considerar necessário Perícias, audiências públicas. - Julgamento: caráter dúplice: declara constitucional ou não Efeitos Vinculantes, “erga omnes” e “ex tunc”. Julgamento: tanto concessão quanto denegação tem efeito vinculante V – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (art. 102, § 1º CRFB, com redação dada pela EC 03/93 e Lei nº 9.882/99) CONCEITO: Ação – subsidiária ou residual - destinada a evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público (arguição autônoma), bem como existência de controvérsia (divergência jurisprudencial) constitucional, com fundamento relevante, sobre lei ou ato normativo federal, estadual, municipal e distrital, incluídos os anteriores à Constituição de 1988, violadores de preceito fundamental (arguição por equivalência ou equiparação/incidental). Antes da regulamentação, pelo fato de entender ser o art. 102, §1º, da CRFB norma constitucional de eficácia limitada, o STF não apreciava ADPF. A previsão se deu por lei – competência originária do STF – há quem diga que seria inconstitucional (Para GM, decorre da jurisdição constitucional). Convém advertir ainda que, por ora, não cabe ADPF incidental (cisão funcional vertical), em relação a controvérsias constitucionais concretamente já postas em juízo, salvo se vier a ser editada emenda constitucional com previsão expressa a esse respeito. GM defende isso na ACP. Hoje, porém, se admite a impugnação de decisões judiciais por meio da ADPF, antes mesmo de estarem maduras para um RE. Leva-se uma questão constitucional presente no debate de 1ª instância para abreviá-lo. Nesse ponto, há uma certa semelhança com o incidente de inconstitucionalidade do controle concreto europeu. Ex: importação de pneus usados. Admite-se também o controle de leis revogadas. HIPÓTESES DE CABIMENTO: arguição autônoma (art. 1º, caput, da Lei nº 9.882/99) preventiva ou repressiva e arguição por equivalência ou equiparação (1º, p.u. Lei nº 9.882/99). ADPF autônoma: para lei ou ato normativo (subsidiariedade) - não há necessidade de se demonstrar controvérsia judicial relevante. ADPF incidental: caso concreto - necessidade de se demonstrar controvérsia judicial relevante; pode ser ato não normativo. PRECEITO FUNDAMENTAL: Constituição e lei regulamentadora deixaram de conceituar. Englobam os direitos e garantias fundamentais da Constituição, bem como os fundamentos e objetivos fundamentais da República, de forma a consagrar maior efetividade às previsões constitucionais. Segundo a doutrina: preceitos que informam sistema constitucional, estabelecendo comandos basilares e imprescindíveis à defesa dos pilares da Constituição originária, veiculando princípios e servindo de vetores de interpretação das demais normas constitucionais. Como exemplo: princípios fundamentais dos artigos 1º a 4º; cláusulas pétreas do artigo 60, §4º; princípios constitucionais sensíveis do artigo 34, inciso VII; direitos e garantias individuais dos artigos 5º a 17. STF analisa casuisticamente. Não pode atacar ato político, como o veto. COMPETÊNCIA: STF (Art. 102, §1º, CRFB). LEGITIMIDADE: mesmos legitimados para a propositura da ADI. E ainda qualquer interessado - pessoa lesada ou ameaçada por ato do poder público (inciso II vetado do art. 2º da Lei nº 9.882/99), mediante representação, solicitando a propositura da ação ao Procurador-Geral da República, que, examinando os fundamentos jurídicos do pedido, decidirá acerca do cabimento de seu ingresso em juízo (a legitimada, na realidade, é a PGR). PETIÇÃO INICIAL: além dos requisitos do art. 319 do CPC, deve conter: a) indicação do preceito fundamental que se considera violado; b) indicação do ato questionado; c) prova da violação do preceito fundamental; d) pedido e suas especificações; e) se for o caso, comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado; f) instrumento de mandato de advogado, nos casos nos quais sua presença é obrigatória. Petição inicial será indeferida liminarmente pelo relator, quando não for o caso de ADPF, quando faltar algum de seus requisitos, ou quando ela for inepta, sendo cabível contra essa decisão a interposição de agravo, no prazo de 5 dias. Art. 4º, caput e §2º, Lei 9.882/99. CARÁTER SUBSIDIÁRIO: Para caber ADPF, não pode haver outro meio de controle em processo objetivo. Se couber MS, RE, pode caber a ADPF, pois ela gera eficácia geral, ao passo que os outros têm, em princípio, eficácia inter partes. Ex: ADPF 33 – piso salarial de servidores – lei pré-constitucional revogada – decidiu-se que o princípio da subsidiariedade legitimava a apreciação da ADPF, pois a existênciade pendências judiciais não é bastante para resolver o caso na amplitude da ADPF. ADPF CONHECIDA COMO ADI - se o pedido principal for de declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo por ofensa a dispositivos constitucionais. . PROCEDIMENTO - Após apreciação da medida liminar, o relator solicita informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, no prazo de 10 dias. – cabível amicus curiae, perícia etc. - O Ministério Público, na condição de custos constitutionis, tem vista do processo, por 5 dias, após o decurso do prazo para as informações (Art. 7º, §único, Lei 9.882/99). QUÓRUM E VOTAÇÃO - A decisão deve ser tomada pelo voto da maioria absoluta dos membros do STF (no mínimo 6), presentes 2/3 dos ministros (no mínimo 8). Tratam-se, respectivamente, do quórum de julgamento (art. 97 da CRFB), e de instalação da referida sessão (art. 8º da Lei nº 9.882/99). Cabe reclamação contra o descumprimento de decisão proferida, em sede de ADPF. MEDIDA LIMINAR – pedido será deferido por decisão da maioria absoluta de seus membros (6 ministros). Caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave ou, ainda, em período de recesso (que é distinto de férias), poderá a liminar ser deferida apenas pelo relator, ad referendum do pleno (Art. 5º, caput e §1º, Lei 9.882/99). Relator poderá ouvir, ainda em sede de liminar, os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o AGU ou o PGR, no prazo comum de 5 dias (Art. 5º, § 2º, Lei 9.882/99). Liminar poderá determinar que juízes e tribunais suspendam o andamento de processos ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto de arguição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada. EFEITOS DA DECISÃO: decisão na ADPF é imediatamente autoaplicável (art. 10, §1º, Lei 9.882/99). Possui eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público (art. 10, §3º, Lei 9.882/99). Em regra, tem efeitos retroativos (ex tunc). Exceção: MODULAÇÃO DOS EFEITOS nos casos em que, por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, o STF decida, por maioria qualificada de 2/3 de seus membros, restringir os efeitos da declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado (ex nunc) ou de outro momento que venha a ser fixado (Art. 11, Lei 9.882/99). Pet 1365: ADPF pode servir a casos que não chegariam ao STF, apesar de violar preceitos fundamentais. Ex: leis revogadas, leis anteriores à CRFB/88, leis municipais. MÉRITO CAUTELAR AMICUS CURIAE Petição Inicial Petição Inicial Informações (10d) Informações/AGU/PGR (5d) prazo comum AGU, na autônoma (5d), na incidental (5d), a critério do relator PGR (5d), se não tiver proposto a ADPF Perícia, audiência pública, informações adicionais - Julgamento – efeitos erga omnes, vinculante, ex tunc Julgamento SÚMULAS Súmula 642, STF: Não cabe ação direta de inconstitucionalidade de lei do Distrito Dederal derivada da sua competência legislativa municipal. JURISPRUDÊNCIA 907/STF – A alteração do parâmetro constitucional, quando o processo ainda está em curso, não prejudica o conhecimento da ADI. Isso para evitar situações em que uma lei que nasceu claramente inconstitucional volte a produzir, em tese, seus efeitos. STF. Plenário. ADI 145/CE, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 20/6/2018. 905/STF - Procuração com poderes específicos para o ajuizamento de ADI. O advogado que assina a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade precisa de procuração com poderes específicos. A procuração deve mencionar a lei ou ato normativo que será impugnado na ação. Caso esse requisito não seja cumprido, a ADI não será conhecida. Vale ressaltar, contudo, que essa exigência constitui vício sanável e que é possível a sua regularização antes que seja reconhecida a carência da ação. STF. Plenário. ADI 4409/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 6/6/2018 900/STF - Cabimento de ADI contra Resolução do TSE. É cabível ADI contra Resolução do TSE que tenha, em seu conteúdo material, “norma de decisão” de caráter abstrato, geral e autônomo STF. Plenário. ADI 5122, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 3/5/2018. 899/STF - Cabe ADI contra Resolução do CNMP. A Resolução do CNMP consiste em ato normativo de caráter geral e abstrato, editado pelo Conselho no exercício de sua competência constitucional, razão pela qual constitui ato normativo primário. STF. Plenário. ADI 4263/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 25/4/2018. O Estado-membro não possui legitimidade para recorrer contra decisões proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade, ainda que a ADI tenha sido ajuizada pelo respectivo Governador. A legitimidade é do próprio governador. Os Estados-membros não se incluem no rol dos legitimados. STF. Plenário. ADI 4420 ED-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 05/04/2018. 892/STF - É possível celebrar acordo em ADPF. SIM. desde que fique demonstrado que há no feito um conflito intersubjetivo subjacente (implícito), que comporta solução por meio de autocomposição. Vale ressaltar que, na homologação deste acordo, o STF não irá chancelar ou legitimar nenhuma das teses jurídicas defendidas pelas partes no processo. O STF irá apenas homologar as disposições patrimoniais que forem combinadas e que estiverem dentro do âmbito da disponibilidade das partes. A homologação estará apenas resolvendo um incidente processual, com vistas a conferir maior efetividade à prestação jurisdicional. STF. Plenário. ADPF 165/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 1º/3/2018. Assertiva considerada correta na Questão 3 da Prova Objetiva do 30 CPR - Conquanto se trate de ação do controle concentrado de constitucionalidade, tem-se admitido a extinção de ADPF, com resolução do mérito, mediante homologação de transação entabulada entre proponente da ação e “amici curiae”. Nesse caso, é possível transigir quanto a aspectos patrimoniais subjacentes à questão constitucional. 890/STF - Alteração da Lei impugnada antes do julgamento da ADI. O autor da ADI deverá aditar a petição inicial demonstrando que a nova redação do dispositivo impugnado apresenta o mesmo vício de inconstitucionalidade que existia na redação original. Se o autor não fizer isso, o STF não irá conhecer da ADI, julgando prejudicado o pedido pela perda superveniente do objeto. STF. Plenário. ADI 1931/DF, Rel Marco Aurélio, julgado 7/2/2018. O que acontece caso o ato normativo que estava sendo impugnado na ADI seja revogado antes do julgamento da ação? Regra: haverá perda superveniente do objeto e a ADI não deverá ser conhecida (STF ADI 1203). Exceção 1: "fraude processual", (STF ADI 3306). Exceção 2: conteúdo do ato impugnado foi repetido, em sua essência, em outro diploma normativo. (STF ADI 2418/DF). Exceção 3: caso o STF tenha julgado o mérito da ação sem ter sido comunicado previamente que houve a revogação da norma atacada. (STF. ADI 951 ED/SC). Conversão da MP em lei antes que a ADI proposta seja julgada, esta ADI não perde o objeto e poderá ser conhecida e julgada. Como o texto da MP foi mantido, não cabe falar em prejudicialidade do pedido. Isso porque não há a convalidação ("correção") de eventuais vícios existentes na norma, razão pela qual permanece a possibilidade de o STF realizar o juízo de constitucionalidade. Neste caso, ocorre a continuidade normativa entre o ato legislativo provisório (MP) e a lei que resulta de sua conversão. ADI 1055/DF Nova ADI por inconstitucionalidade material contra ato reconhecido formalmente constitucional. O fato de o STF ter declarado a validade formal de uma norma não interfere nem impede que ele reconheça posteriormente que ela é materialmente inconstitucional. (STF. ADI 5081/DF) Superação legislativa da jurisprudência (reação legislativa) As decisões definitivas de mérito proferidas pelo STF no julgamento de ADI, ADC ou ADPF possuem eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante(§ 2º do art. 102 da CRFB/88). O Poder Legislativo, em sua função típica de legislar, não fica vinculado. Assim, o STF não proíbe que o Poder Legislativo edite leis ou emendas constitucionais em sentido contrário ao que a Corte já decidiu. Não existe uma vedação prévia a tais atos normativos. O legislador pode, por emenda constitucional ou lei ordinária, superar a jurisprudência. Trata-se de uma reação legislativa à decisão da Corte Constitucional com o objetivo de reversão jurisprudencial. No caso de reversão jurisprudencial (reação legislativa) proposta por meio de emenda constitucional, a invalidação somente ocorrerá nas restritas hipóteses de violação aos limites previstos no art. 60, e seus §§, da CRFB/88. No caso de reversão jurisprudencial proposta por lei ordinária, a lei que frontalmente colidir com a jurisprudência do STF nasce com presunção relativa de inconstitucionalidade, de forma que caberá ao legislador o ônus de demonstrar, argumentativamente, que a correção do precedente se afigura legítima.. O Poder Legislativo promoverá verdadeira hipótese de mutação constitucional pela via legislativa. STF. Plenário. ADI 5105/DF. ADC e controvérsia judicial relevante A Lei 9.868/99, ao tratar sobre o procedimento da ADC, prevê, em seu art. 14, os requisitos da petição inicial. Um desses requisitos exigidos é que se demonstre que existe controvérsia judicial relevante sobre a lei objeto da ação. Mesmo a lei ou ato normativo possuindo pouco tempo de vigência, já é possível preencher o requisito da controvérsia judicial relevante se houver decisões julgando essa lei ou ato normativo inconstitucional. O STF decidiu que o requisito relativo à existência de controvérsia judicial relevante é qualitativo e não quantitativo. (ADI 5316 MC/DF). 852/STF - TJs podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos estados. STF. Plenário. RE 650898/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 1º/2/2017 (repercussão geral). QUESTÕES Concursos anteriores - Objetiva 29º CPR Q3 - ASSINALE A ALTERNATIVA INCORRETA: a) Lei distrital editada no exercício de competência municipal não é passível de controle abstrato de constitucionalidade no âmbito do STF. FALSO. É passível caso se trate de ato normativo municipal que reproduza norma da Constituição Federal de observância obrigatória pelo Estados, pois nesta hipótese cabe Recurso Extraordinário ao STF Além disso, cabe ADPF, que é controle concentrado, contra atos normativos municipais. Provavelmente motivou a questão: recentíssima repercussão geral julgada um mês antes da prova, com a seguinte tese: “Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos estados”. STF, RE650.898-RS, julgado em 01/02/17. b) É possível, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, a invalidade de uma norma que se extrai, a contrario sensu, de um texto legal, mas que não está contida em qualquer fragmento linguístico. VERDADEIRO. “O controle de constitucionalidade, afinal, recai sobre a norma jurídica, e não sobre o texto legal, como comprova a possibilidade de declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto (CRFB. art. 28, Parágrafo único, da Lei 9.869/99). “ c) Nas chamadas “sentenças aditivas de princípio” ou “sentenças delegação”, a Suprema Corte, em decisões no controle abstrato de constitucionalidade, exorta o legislador a agir, delineando as diretrizes que deve seguir. VERDADEIRO. “As decisões no controle de constitucionalidade em que o Tribunal exorta o legislador a agir, mas delineia diretrizes que deve seguir, são chamadas de “sentenças aditivas de princípio” ou “sentenças-delegação”, afigurando-se frequentes, em especial, na Corte Constitucional Italiana”. d) A coisa julgada, em controle abstrato de constitucionalidade, significa que a decisão permanecerá eficaz sobre hipóteses idênticas, salvo se o STF adotar nova compreensão sobre o tema ou o Legislativo vier a editar lei em sentido contrário ao entendimento adotado naquela decisão. VERDADEIRO. Trata-se do ativismo congressual ou reação legislativa, abordados por Daniel Sarmento em “Direito Constitucional - Teoria, História e Métodos de Trabalho”, Ed. Fórum, 1a ed., 2012: as decisões do STF em matéria constitucional são insuscetíveis de invalidação pelas instâncias políticas. Isso, porém, não impede, no nosso entendimento, que seja editada uma nova lei, com conteúdo similar àquela que foi declarada inconstitucional. Essa posição pode ser derivada do próprio texto constitucional, que não estendeu ao Poder Legislativo os efeitos vinculantes das decisões proferidas pelo STF no controle de constitucionalidade (art. 102, §2o, e 103-A, da Constituição). Se o fato ocorrer, é muito provável que a nova lei seja também declarada inconstitucional. Mas o resultado pode ser diferente. O STF pode e deve refletir sobre os argumentos adicionais fornecidos pelo Parlamento ou debatidos pela opinião pública para dar suporte ao novo ato normativo, e não ignorá-los, tomando a nova medida legislativa como afronta à sua autoridade. Nesse ínterim, além da possibilidade de alteração de posicionamento de alguns ministros, pode haver também mudança na composição da Corte, com reflexos no resultado do julgamento”. PROVA ORAL: 1) Antigamente, as ações de controle concentrado eram verdadeiros “processos sem rosto”, genuinamente objetivos. Hoje já não é mais assim. Por quê? 2) Diferença entre ADPF e ADI/ADC. Espécies de ADPF. Legitimados para a ADPF. Cabe ADPF em caso de ofensa reflexa à CRFB? 3) ADPF. Origem, objeto, legitimados, modalidades, conceito de controvérsia constitucional. Diferenciar ADPF autônoma de ADPF incidental. 4) Diferenças entre ADI por omissão e mandado de injunção. A finalidade da ADO, totalmente diversa da do Mandado de Injunção, é assegurar a supremacia da CR e a efetividade das normas constitucionais (note que o art. 103, § 2º, fala em “tornar efetiva norma constitucional”). O Mandado de injunção, por sua vez, tem por finalidade precípua proteger o exercício de direitos constitucionalmente consagrados. A própria localização na CR, dentre os direitos individuais (art. 5º, LXXI) reafirma esse entendimento. O Mandado de Injunção pressupõe um direito que necessita de norma regulamentadora (de eficácia limitada, precipuamente), sem a qual ele não poderá ser exercido. Por essa razão, trata-se de um instrumento de controle concreto de constitucionalidade (utilizado incidentalmente no caso concreto). A CR não diz quais são os efeitos do Mandado de Injunção, mas, de certa forma, delimita o parâmetro: “direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”. Na ADO, a CR fala dos efeitos da decisão, mas não delimita seu parâmetro. QUESTÕES – BANCO OUSE 742 - No que consistem os modelos introverso e extroverso de legitimidade para fins de ADI estadual? a) um modelo introverso, em que se dá legitimidade apenas a órgãos públicos; b) ou então um denominado modelo extroverso, em que se dá legitimidade também a entidades de caráter privado, como as entidades de classe, o que ocorre na Carta Magna. 480 - É possível no julgamento de cautelar de ação de controle concentrado de constitucionalidade haver a conversão direta em julgamento de mérito? O tema foi apreciado pelo STF na ADPF 378 que apreciou o procedimento de impeachment. Nesse caso, o Ministro Fachin, alegando a necessidade de garantir a segurança jurídica, propôs que o julgamento da cautelar já fosse convertido NO PRÓPRIO JULGAMENTO DE MÉRITO. Por unanimidade, foi acatada a proposta. O decano, Min. Celso de Mello, ainda alertou sobre a existência de precedentes. Por fim, o Min. Fachin chamou atenção para duas situações que configuram verdadeiras condições para tal conversão:a) a existência do quórum para o julgamento de mérito; b) existir todos os elementos de instrução do processo. 460 - Pode-se discutir a modulação de efeitos de decisão em controle de constitucionalidade após proclamado o resultado final? Consoante entendimento do STF, na ADI 2949, quando o Supremo Tribunal Federal proclama o resultado de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, não pode reabrir o julgamento para aceitar o voto de um ministro que estava ausente na sessão, a fim de obter o quórum necessário para a modulação dos efeitos. Foi o que entendeu o Plenário nesta quarta-feira (8/4) ao colocar fim numa pendência que existia desde 2007. Segundo o Ministro Luis Roberto Barroso, a análise de ADIs é bifásica, sendo a primeira fase a de declaração da inconstitucionalidade e a segunda, sobre a modulação. No caso avaliado, entretanto, Barroso disse que a votação sobre modular os efeitos já estava concluída, sem se atingir o quórum. 459 - Podem as normas remissivas serem parâmetro de controle de constitucionalidade estadual? Segundo o entendimento atual do STF, não há qualquer tipo de restrição no que se refere a natureza do dispositivo invocado, devendo ser admitida como parâmetro tanto as normas de observância obrigatória, quanto normas de mera repetição e até mesmo as normas remissivas. “com a técnica de remissão normativa, o Estado-membro confere parametricidade às normas, que, embora constantes da Constituição Federal, passam a compor, formalmente, em razão da expressa referência a elas feita, o ‘corpus’ constitucional dessa unidade política da Federação, o que torna possível erigir-se, como parâmetro de confronto, para os fins a que se refere o art. 125, § 2.o, da Constituição da República, a própria norma constitucional estadual de conteúdo remissivo” (Rcl 10.500, j. 18.10.2010, CRFB. Inf. 606/STF). 427 - O que é inconstitucionalidade por arrastamento? Horizontal e vertical? Inconstitucionalidade por arrastamento horizontal são as hipóteses de inconstitucionalidade parcial geradoras da inconstitucionalidade total, isto é, quando dentro do mesmo sistema normativo existe relação de dependência entre elas, seja lógica ou teleológica. b) Inconstitucionalidade por arrastamento vertical é verificada quando a declaração de inconstitucionalidade incide, por consequência, em norma ligada hierarquicamente à norma objeto do pedido inicial. Explicando melhor: imagine que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de determinada lei. Agora, imagine que esta lei é regulamentada por um decreto regulamentador. Se a lei é declarada inconstitucional, o que deverá acontecer com o decreto que a regulamenta? Obviamente ser declarado, por consequência, inconstitucional! Esta seria uma hipótese de inconstitucionalidade consequencial vertical. 384 - Cabe liminar em ADI interventiva? Muitos não sabem, mas existe um diploma legislativo que trata especificamente da ADI Interventiva: é a Lei no 12.562/11. O art. 5o dessa lei prevê expressamente que o Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na representação interventiva. Tal liminar poderá consistir na determinação de que se suspenda o andamento de processos ou os efeitos de decisões judiciais ou administrativas ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da representação interventiva. 354 - Constituição Estadual pode trazer artigo que assevera que no controle concentrado estadual deve-se remeter para o parlamento suspender a execução da lei? É inconstitucional! No controle concentrado, não se pode ter tal previsão, apenas no controle difuso. O art. 52, X, da CRFB trata do tema. 298 - Eventual decisão em ADPF pode atingir a coisa julgada? não, consoante entendimento do STF, por ser o meio cabível previsto legalmente para tanto a ação rescisória (que possui prazos específicos e hipóteses também específicas). 292 - Existe controle de constitucionalidade concentrado concreto? a) ADI interventiva; b) ADPF Incidental; c) Mandado de Segurança do Parlamentar. Esses casos são exceções, pois são formas de controle concentrado no STF, mas que partem de um caso concreto. 277 - Considerações sobre o objeto e parâmetro em controle concentrado de constitucionalidade. Segundo Marcelo Novelino, em relação ao objeto, deve ser observada regra da congruência (ou da correlação ou da adstrição). O STF deve se limitar, como regra geral, à análise dos dispositivos impugnados na petição inicial. A exceção fica por conta dos casos de inconstitucionalidade por consequência (ou por arrastamento ou por atração), hipótese em que o STF pode estender a declaração de inconstitucionalidade a dispositivos não impugnados na petição inicial, desde que possuam uma relação de interdependência com os dispositivos questionados. Neste caso, portanto, cria-se uma exceção à regra da adstrição ao pedido, admitindo-se a declaração de inconstitucionalidade de dispositivo não impugnado expressamente na inicial. Com o parâmetro invocado, a situação é diversa, pois apesar da necessidade de serem indicados os fundamentos jurídicos do pedido na petição inicial, o STF não está adstrito a eles. Isso ocorre porque na ADI, assim como em todas as ações de controle abstrato, a causa de pedir é aberta, abrangendo todas as normas integrantes da Constituição, independentemente dos fundamentos constitucionais invocados pelo requerente. Por essa razão, no processo constitucional objetivo a conexão entre as ações ocorrerá apenas quando houver identidade quanto ao objeto impugnado. 33 - É possível cautelar na ação direta de inconstitucionalidade por omissão(ado)? Em sendo possível, pode o STF determinar o prazo ao Legislativo ou ao Executivo nessa cautelar de ADO? sim, em razão da Lei no. 12.063/09, que modificou a Lei n°. 9.868/99, passando a prever a cautelar em ADO. Ao disciplinar o procedimento específico da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a Lei n°. 12.063/09, no art. 12-F, § 1o, modificou a Lei 9.868/99, possibilitando o deferimento de cautelar em ADO, que poderá consistir em: i) suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado, no caso de omissão parcial; ii) suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos; ou ainda iii) qualquer outra providência a ser fixada pelo Tribunal. Segundo o Ministro Gilmar Mendes, em obra doutrinária: como determinar prazo para providências pelo Legislativo ou pelo Executivo. 28 - O que é inconstitucionalidade desvairada? Consoante o magistério de Pedro Lenza, fazendo alusão a decisões do min. Sepúlveda Pertence, inconstitucionalidade chapada, desvaraida ou enlouquecida é aquela mais do que evidente, flagrante, manifesta, não restando quaisquer dúvida sobre o vício, seja ele material ou formal. 18 - O que é inconstitucionalidade circunstancial? Inconstitucionalidade circunstancial é a declaração de inconstitucionalidade de uma norma produzida com relação a incidência em um caso específico. É possível, assim, que se vislumbre situações nas quais um enunciado normativo, válido em tese e na maior parte das suas incidências, ao ser confrontado com determinadas situações concretas, produza uma norma inconstitucional. Um exemplo seria a vedação de liminares contra a Fazenda Pública previstas na lei 9.494/97, no caso em que o pedido fosse relativo a concessão de tutela antecipada para que o Estado custeasse cirurgia de vida ou morte. 22B. Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Técnicas decisórias na jurisdição constitucional. Igor Lima Goettenauer de Oliveira Sérgio Barros Jr. O assunto está localizado no âmbito dos mecanismos de proteção à supremacia da Constituição e da jurisdição constitucional, notadamente no que diz respeito à possibilidade de utilização de técnicas decisórias alternativas que vão além da mera declaração de nulidade da norma considerada inconstitucional. I – Efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 1) Efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso. De maneira geral, a declaraçãoe dos Municípios diante da pandemia da Covid-19, como ementa que segue: CONSTITUCIONAL. PANDEMIA DO CORONAVÍRUS (COVID-19). RESPEITO AO FEDERALISMO. LEI FEDERAL 13.979/2020. MEDIDAS SANITÁRIAS DE CONTENÇÃO À DISSEMINAÇÃO DO VÍRUS. ISOLAMENTO SOCIAL. PROTEÇÃO À SAÚDE, SEGURANÇA SANITÁRIA E EPIDEMIOLÓGICA. COMPETÊNCIAS COMUNS E CONCORRENTES E RESPEITO AO PRINCÍPIO DA PREDOMINÂNCIA DO INTERESSE (ARTS. 23, II, 24, XII, E 25, § 1º, DA CF). COMPETÊNCIAS DOS ESTADOS PARA IMPLEMENTAÇÃO DAS MEDIDAS PREVISTAS EM LEI FEDERAL. ARGUIÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. [...] 2. A gravidade da emergência causada pela pandemia do coronavírus (COVID-19) exige das autoridades brasileiras, em todos os níveis de governo, a efetivação concreta da proteção à saúde pública, com a adoção de todas as medidas possíveis e tecnicamente sustentáveis para o apoio e manutenção das atividades do Sistema Único de Saúde, sempre com o absoluto respeito aos mecanismos constitucionais de equilíbrio institucional e manutenção da harmonia e independência entre os poderes, que devem ser cada vez mais valorizados, evitando-se o exacerbamento de quaisquer personalismos prejudiciais à condução das políticas públicas essenciais ao combate da pandemia de COVID-19. 3. Em relação à saúde e assistência pública, a Constituição Federal consagra a existência de competência administrativa comum entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23, II e IX, da CF), bem como prevê competência concorrente entre União e Estados/Distrito Federal para legislar sobre proteção e defesa da saúde (art. 24, XII, da CF), permitindo aos Municípios suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, desde que haja interesse local (art. 30, II, da CF); e prescrevendo ainda a descentralização político-administrativa do Sistema de Saúde (art. 198, CF, e art. 7º da Lei 8.080/1990), com a consequente descentralização da execução de serviços, inclusive no que diz respeito às atividades de vigilância sanitária e epidemiológica (art. 6º, I, da Lei 8.080/1990). 4. O Poder Executivo federal exerce o papel de ente central no planejamento e coordenação das ações governamentais em prol da saúde pública, mas nem por isso pode afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais, distrital e municipais que, no exercício de suas competências constitucionais, adotem medidas sanitárias previstas na Lei 13.979/2020 no âmbito de seus respectivos territórios, como a imposição de distanciamento ou isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outros mecanismos reconhecidamente eficazes para a redução do número de infectados e de óbitos, sem prejuízo do exame da validade formal e material de cada ato normativo específico estadual, distrital ou municipal editado nesse contexto pela autoridade jurisdicional competente. 5. Arguição julgada parcialmente procedente. (ADPF 672 MC-Ref, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 13/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-260 DIVULG 28-10-2020 PUBLIC 29-10-2020) Neste acórdão não há a expressão “separação vertical de poderes”. No âmbito da competência administrativa comum na área de saúde, há entendimento de que a solidariedade no âmbito do direito à saúde é a medida que se impõe, cabendo posteriormente ao Poder Judiciário redirecionar de qual ente cabe o pagamento pelas despesas. Nesse sentido, o STF apreciou o Tema 793, que versou sobre a responsabilidade solidária dos entes federados pelo dever de prestar assistência à saúde, no qual firmou a tese de que os “entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro”. RE 855178 ED, LUIZ FUX, aprovada em 23/05/2019. Prova oral – 26º CPR: Em termos de direito comparado, nosso sistema se aproximaria mais de que sistema jurídico internacional? Direito norte-americano, alemão? Você já ouviu a expressão “federalismo dual”? O dual se coloca muito mais, na atualidade, em contraposição ao cooperativo. O dual significa uma distribuição rígida de competências... Em termos de federalismo cooperativo, o art. 24 da CF encerra uma modalidade exatamente de cooperação no âmbito legislativo. Você poderia me dizer como é que funciona esse sistema? E os municípios, tem essa competência? Você conhece o entendimento do Supremo a respeito da possibilidade ou não de os Estados legislarem, no âmbito dessa competência legislativa concorrente normas mais protetivas, de meio ambiente, saúde, do que as normas gerais editadas pela União? Prova oral – 27º CPR: Falar sobre federalismo e pluralismo. 3A. Divisão de poderes. Conceito e objetivos. História. Independência e harmonia entre poderes. Mecanismos de freio e contrapesos. Oswaldo Costa Guilherme Mitidiero I. Noções Gerais O tema da divisão dos poderes está relacionado com a Teoria Geral do Estado e com o Direito Constitucional, já que cabe à Constituição estabelecer as normas estruturais de um Estado. Dispõe o art. 2º da CF que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Nesse contexto, a Constituição detalha, com especial menção ao Título IV, a organização dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, sem prejuízo de outras regras constitucionais que tratam do tema ao longo do corpo normativo constitucional (v.g., art. 60, § 4º, III; cláusula pétrea). É oportuno lembrar que a divisão dos poderes possui íntima relação com o constitucionalismo moderno e com os direitos fundamentais, pois o art. 16 da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 já dizia que “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”. Importa ressaltar que a divisão de poderes não é rígida, pois há mecanismos de freios e contrapesos, podendo o Poder Judiciário interferir em políticas públicas, inclusive, obrigando o Poder Executivo a realizar aquelas que sejam determinadas constitucionalmente ou legalmente, como se pode observar do seguinte julgado: Administração Pública pode ser obrigada, por decisão do Poder Judiciário, a manter estoque mínimo de determinado medicamento utilizado no combate a certa doença grave, de modo a evitar novas interrupções no tratamento. Não há violação ao princípio da separação dos poderes no caso. Isso porque, com essa decisão, o Poder Judiciário não está determinando metas nem prioridades do Estado, nem tampouco interferindo na gestão de suas verbas. O que se está fazendo é controlar os atos e serviços da Administração Pública que, neste caso, se mostraram ilegais ou abusivos já que, mesmo o Poder Público se comprometendo a adquirir os medicamentos, há falta em seu estoque, ocasionando graves prejuízos aos pacientes. Assim, não tendo a Administração adquirido o medicamento em tempo hábil a dar continuidade ao tratamento dos pacientes, atuou de forma ilegítima, violando o direito à saúde daqueles pacientes, o que autoriza a ingerência do Poder Judiciário. STJ. 1ª Turma. RE 429903/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 25/6/2014 Obs.: não há menção a “separação vertical” neste acórdão. Além desse julgado, no Tema 220 do STF sobre a competência do Poder Judiciário para determinar ao Poder Executivo a realização de obras em estabelecimentos prisionais com o objetivo de assegurar a observância de direitos fundamentais dos presos foi firmada a seguinte tese: “É lícito ao Judiciário impor à Administração Pública obrigação de fazer, consistente na promoção de medidas ou na execução de obras emergenciais em estabelecimentos prisionais para dar efetividade ao postulado da dignidade da pessoa humana e assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física e moral,de inconstitucionalidade no controle difuso produz efeitos ex tunc e inter partes, sem transitar em julgado (limites objetivos da coisa julgada; artigo 503, § 1º, III, CPC) e sem afetar terceiros (limite subjetivo da coisa julgada). A doutrina majoritária no Brasil situa a inconstitucionalidade no campo da nulidade, em razão da supremacia da constituição. Decisão que a reconhece tem natureza declaratória, e retroage até o nascimento do ato viciado. O STF, contudo, tem admitido a mitigação da retroação de efeitos, mediante ponderação de princípios e aplicação analógica do art. 27 da Lei 9868/99 (o que a doutrina chama de modulação dos efeitos temporais da sentença). Segundo o art. 52, X, CR/88, cabe ao Senado suspender a lei declarada inconstitucional pelo STF em controle difuso, no todo ou em parte, conferindo eficácia erga omnes à decisão. Pela doutrina majoritária, o Senado não está vinculado à decisão do STF, existindo um campo de discricionariedade para decidir pela suspensão ou não da norma e sua extensão. O Senado tem competência para suspender norma federal, estadual e municipal. Contudo, nas ADIs 3406/RJ e 3470/RJ (Amianto), julgadas em 29.11.17, o STF passou a acolher a tese da mutação constitucional do art. 52, X, da CRFB/88, de acordo com parte da doutrina[footnoteRef:13], segundo a qual a mera declaração de inconstitucionalidade realizada pelo STF, ainda que em controle difuso de constitucionalidade, produziria, por si só, efeitos vinculantes erga omnes, cabendo ao Senado Federal tão só o papel de dar publicidade ao que foi decidido (Informativo 886/STF). [13: Em sentido contrário, Virgílio Afonso da Silva (Direito Constitucional Brasileiro, 2021, p. 580).] 2) Abstrativização do controle difuso (objetivação, abstração, dessubjetivação das formas processuais). O fenômeno designado abstrativização do controle concreto, expressão cunhada por Fredie Didier Júnior, por ocasião da análise das transformações ocorridas no Recurso Extraordinário, consiste na possibilidade de conferir efeitos erga omnes a decisões proferidas em sede de controle difuso/concreto de constitucionalidade. Essa possibilidade encontra amparo na própria Constituição e em decisões jurisprudenciais: a) artigo 52, X, CRFB/88: depois de reiteradas decisões do STF em controle difuso o Senado pode, após ser comunicado, suspender no todo ou em parte a eficácia da lei através de uma Resolução (passa a valer para todos). Tem prevalecido o entendimento no sentido de que a Resolução tem eficácia ex nunc, embora Barroso sustente que deveria ser ex tunc, porque a norma é inconstitucional desde o início. Atualmente, contudo, parece estar superada a necessidade de atuação do Senado para que as decisões em controle difuso produzam efeitos erga omnes e vinculantes; (b) EC nº 45/04 – art. 103-A, CRFB/88: após reiteradas decisões acerca da validade, interpretação ou eficácia de uma norma sobre a qual paire controvérsia atual, judicial ou administrativa, o STF pode editar súmula vinculante pelo voto de 2/3 dos seus membros, que vinculará os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública. OBS: o STF não fica vinculado à súmula, podendo, inclusive de ofício, revisá-la ou cancelá-la (hipótese de overruling – superação da jurisprudência). Igualmente o Poder Legislativo não fica limitado por Súmula Vinculante, podendo legislar em sentido oposto. Neste caso, a decisão legislativa conterá maior ônus argumentativo para superar o verbete sumular vinculante; (c) o STF importou a teoria conhecida como transcendência dos motivos determinantes (os motivos que fundamentam a declaração de inconstitucionalidade extrapolam os limites da demanda para alcançar situações idênticas ou semelhantes). OBS. Atualmente, o STF não adota essa teoria; (d) repercussão geral (art. 102, § 3º, CR): com a EC 45/04 (Reforma do Judiciário) mudou radicalmente o modelo de controle incidental, uma vez que os recursos extraordinários terão de passar pelo crivo da admissibilidade referente à repercussão geral. Assim, com a adoção desse novo instituto haverá uma maximização da feição objetiva do recurso extraordinário, que passou a ser um instrumento de molecularização de julgamento em massa; (e) Nas ADIs 3406 e 3470 (Amianto), julgadas em 29.11.17, o STF julgou, incidentalmente, que o art. 2º da Lei nº 9.055/95 é inconstitucional. Contudo, afirmou que, mesmo sendo incidental, tal decisão teria efeitos vinculantes e erga omnes, independentemente de resolução do Senado Federal. Acolheu, assim, a tese da abstrativização do controle difuso, afirmando a mutação constitucional do art. 52, X, CRFB/88 (Informativo 886); (f) Nos REs 567.985/MT e 580963/PR, o STF realizou, expressamente, a reinterpretação de sua própria decisão na ADI 1.232/DF (Amparo Social – LOAS). Dessa forma, a decisão dada nos REs, por ter alterado decisão anterior proferida em sede de controle concentrado, teria também eficácia erga omnes e vinculante, independentemente de manifestação do Senado Federal; (g) teses jurídicas: o STF vem sintetizando as suas decisões em RE por meio de teses, que se assemelham, textualmente, às Súmulas e têm servido para consolidar o entendimento jurisprudencial no STF e como “parâmetro para a produção dos efeitos vinculantes dos recursos extraordinários” (Virgílio Afonso da Silva, Direito Constitucional Brasileiro, 2021, p. 580). Este autor, todavia, critica a utilização das teses, uma vez que considera uma tentativa, sem amparo constitucional, de extrapolar os efeitos de uma decisão que deveria ser inter partes. 3) Efeitos da declaração no controle concentrado. Como regra, possui efeitos erga omnes, isto é, eficácia contra todos e efeitos ex tunc, decorrente do princípio da nulidade. Aqui há também a situação do efeito repristinatório da decisão. Não se trata de repristinação, pois, diante da inconstitucionalidade da lei L2 revogadora, a L1 revogada sempre esteve em vigor, não tendo sido revogada em momento algum. O STF pode, contudo, mediante requerimento, evitar que a lei L1 volte a vigorar e evitar, assim, a represtinação indesejada. No campo dos efeitos, pode ocorrer a chamada modulação dos efeitos da decisão (art. 27 da Lei nº 9.868/99). Os Ministros podem, diante de um caso concreto em que haja razões de segurança jurídica ou que acarrete excepcional interesse social, modular os efeitos da decisão do Supremo, de forma a que ela tenha efeitos ex nunc. Esta técnica flexibiliza o princípio da nulidade, aproximando-o da teoria da anulabilidade. O quórum para decidir pelo efeito ex nunc é 2/3 ou 8 dos Ministros. 4) Efeito vinculante As decisões proferidas no modelo concentrado de constitucionalidade são de observância obrigatória para aos demais órgãos do Poder Judiciário e para a Administração Pública (102, § 2º). O efeito vinculante surge com a EC nº 03/93, para a ADC. Além disso, pela teoria extensiva do efeito vinculante, a coisa julgada além da parte dispositiva, abrangendo os fundamentos determinantes da decisão (também chamada de teoria da transcendência dos motivos determinantes). Em geral, os autores entendem que o fundamento determinante é aquele que não pode ser modificado sem alteração da parte dispositiva. É a ratio decidendi (razões de decidir) – elemento básico da decisão. Distingue-se do obter dictum (questões paralelas). A lógica que inspira o efeito vinculante é a de reforço da posição da corte constitucional. Assim, a corte formula uma regra geral (contida nos fundamentos determinantes) que não pode ser descumprida. Assim, fixa-se um modelo, cujo descumprimento enseja a reclamação. Atualmente, contudo, não se tem admitido a utilização de tal teoria, nem a reclamação fundada na transcendência dos motivos determinantes do acórdão com efeito vinculante. (STF, Rcl 22012/RS, DJ 12.09.2017). A medida cautelar suspende o ato impugnado, com efeito vinculante, podendo até restabelecer o direito anterior. Tem eficácia ex nunc, salvo disposição em sentido contrário. Em caso de rejeição de liminar, não há efeito vinculante, em regra. II – Técnicas decisóriasnos termos do que preceitua o art. 5º, XLIX, da Constituição Federal, não sendo oponível à decisão o argumento da reserva do possível nem o princípio da separação dos poderes”. RE 592581, RICARDO LEWANDOWSKI, aprovada em 13/08/2015. Não há menção a “separação vertical” neste acórdão. Por fim, o STF verificou o princípio da separação do Poderes no § 2º do art 9º da LRF: A ADPF 708 reconheceu o Acordo de Paris de 2015 como equiparado a tratados de direitos humanos no nosso ordenamento e que, portanto, tem de status “supralegal”. Segue a decisão na ADPF 708 (2022): “O Tribunal, por maioria, julgou procedente a ação para: (i) reconhecer a omissão da União, em razão da não alocação integral dos recursos do Fundo Clima referentes a 2019; (ii) determinar à União que se abstenha de se omitir em fazer funcionar o Fundo Clima ou em destinar seus recursos; e (iii) vedar o contingenciamento das receitas que integram o Fundo, fixando a seguinte tese de julgamento: ‘O Poder Executivo tem o dever constitucional de fazer funcionar e alocar anualmente os recursos do Fundo Clima, para fins de mitigação das mudanças climáticas, estando vedado seu contingenciamento, em razão do dever constitucional de tutela ao meio ambiente (CF, art. 225), de direitos e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil (CF, art. 5º, par. 2º), bem como do princípio constitucional da separação dos poderes (CF, art. 2º c/c art. 9º, par. 2º, LRF)’.” Não há menção a “separação vertical” neste acórdão. II. Conceito Para ser real o respeito à Constituição e aos direitos individuais por parte do Estado, “(...) é necessário dividir o exercício do poder político entre órgãos distintos, que se controlam mutuamente. A cada um desses órgãos damos o nome de Poder: Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário. A separação dos Poderes estatais é elemento lógico essencial do Estado de Direito”. (SUNDFELD, p. 42, 2003). “O princípio da separação dos Poderes preceitua que os Poderes sejam independentes e harmônicos entre si, cabendo ao legislador a função típica de estabelecer dispositivos que fundamentem normas gerais e abstratas, ao administrador a função típica de definir planos governamentais dentro dos limites traçados pelo legislador e de executar os mandamentos legais e ao julgador a função típica de aplicar, quando provocado, as estruturas normativas, os significados e as consequências escolhidos pelo legislador.” (ÁVILA, Humberto. Constituição, liberdade e interpretação. São Paulo: Malheiros, 2019, pág. 75.) (negritei) III. Objetivos Analisando a Constituição Portuguesa, afirma José Joaquim Gomes Canotilho que “(....) é legítimo afirmar-se que o modelo de separação constitucionalmente consagrado visa, em princípio, identificar o órgão de decisão ajustado, estabelecer um procedimento de decisão justo e exigir um fundamento materialmente legítimo para as tomadas de decisão” (p. 708, 1993). IV. História A divisão funcional de poderes remonta a Aristóteles, em “Política”, que identificou três funções básicas exercidas pelo poder político: assembleia-geral, corpo de magistrados e corpo judiciário; hoje equivalentes às funções legislativa, administrativa e jurisdicional. Respectivamente, (a) inovar a ordem jurídica por meio de normas gerais, impessoais e abstratas; (b) atuar concreta e individualizadamente por meio das funções de governo e de administração, excetuada a função jurisdicional; e (c) resolver conflitos intersubjetivos imparcial e desinteressadamente, com potencial de definitividade. A distinção de funções, que remonta à Antiguidade, prosseguiu durante a Idade Média e a modernidade. Aqui já com Grotius e Puffendorf, Bodin e Locke, antes de Montesquieu. No absolutismo, a especialização funcional não correspondia a independência de órgãos especializados. A par da experiência parlamentarista inglesa, que não correspondia exatamente à uma separação de poderes, foi a obra de Montesquieu, de 1746, que sistematizou a separação orgânica do poder como técnica de salvaguarda da liberdade “dos modernos” (concepção burguesa-liberal). Todo homem que detém o poder tende a dele abusar, e o abuso vai até onde se lhe deparam limites; e apenas o poder contém o poder. Então, a separação orgânica do poder consiste em atribuir cada uma das funções estatais básicas a um órgão (corpo funcional) distinto, separado e independente dos demais. Combina-se a especialização funcional com a independência orgânica. No liberalismo, a separação de funções entre os órgãos independentes deveria ser bastante rígida, mas mesmo Montesquieu já previa que o constante movimento dos órgãos os compele a atuar em concerto, harmônicos, e as faculdades de estatuir (p.ex., aprovar um projeto de lei) e de impedir (veto presidencial) são prenúncios dos mecanismos de freios e contrapesos desenvolvidos posteriormente. A rígida separação de poderes do liberalismo foi inicialmente inserida nas constituições das ex-colônias inglesas na América, que seguiam a Declaração de Direitos de Virginia, de 1776. Após, constituição dos EUA, art. 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão e constituições francesas seguintes, espalhando-se pelo “ocidente”. Benjamin Constant teorizou um quarto poder neutro, de modo a fazer com os demais o que o Poder Judiciário faz com os indivíduos, que seria exercido pelo rei. A 1ª Constituição do Brasil criou o “poder moderador” do Imperador; porém, distorceu a teoria ao atribuí-lo também ao executivo (para Constant, o poder neutro não poderia jamais coincidir com um dos demais). 5. Independência e harmonia entre poderes. Mecanismos de freios e contrapesos Hoje, existe uma tendência de se considerar que a teoria da separação dos poderes construiu um mito. Este mito consistiria em um modelo teórico redutível à teoria dos três poderes rigorosamente separados: o executivo (o rei e os seus ministros), o legislativo (1ª câmara e 2ª câmara, câmara baixa e câmara alta) e o judicial (corpo de magistrados). Cada poder recobriria uma função própria sem qualquer interferência dos outros. Foi demonstrado por ElSENMANN que esta teoria nunca existiu em Montesquieu, como já mencionado acima. A interdependência é, porém, uma interdependência dinâmica necessariamente atenta aos aspectos político-funcionais do sistema. Consolida-se a ideia de balanceamento entre poderes, na medida em que há uma divisão de funções do poder, de forma não exclusiva (não-incomunicável), entre órgãos relativamente independentes entre si, que devem atuar em cooperação, harmonia e equilíbrio. A independência dos poderes significa que: a) a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos não dependem da confiança nem da vontade dos outros; b) no exercício das atribuições que lhe sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros nem necessitam de sua autorização; c) na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais. Por outro lado, a harmonia entre os poderes primeiramente se verifica pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. Ainda, nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem sua independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados (SILVA, p. 110, 2005). Nesse sentido, v.g., o Poder Judiciário deve respeitar os parâmetros técnicos definidos pelas agências reguladoras em seus contratos, ainda que ocasione um aumento acima da inflação, como bem destacado: Afronta o princípio da separação dos Poderes a anulação judicial de cláusula de contrato de concessão firmado por Agência Reguladora e prestadora de serviço de telefonia que, em observância aos marcos regulatórios estabelecidos pelo Legislador, autoriza a incidência de reajuste de alguns itens tarifários empercentual superior ao do índice inflacionário fixado, quando este não é superado pela média ponderada de todos os itens. STF. Plenário. RE 1059819/PE, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/2/2022 (Repercussão Geral – Tema 991) Não há menção a “separação vertical” no acórdão. A divisão de poderes fundamenta-se em dois elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função; assim, às assembleias (congresso, câmaras, parlamento) se atribui a função legislativa; ao executivo, a função executiva; ao judiciário, a função jurisdicional; (b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação. Ainda nessa linha, o STF (tema 1120) firmou a tese: “Em respeito ao princípio da separação dos poderes, previsto no art. 2º da Constituição Federal, quando não caracterizado o desrespeito às normas constitucionais pertinentes ao processo legislativo, é defeso ao Poder Judiciário exercer o controle jurisdicional em relação à interpretação do sentido e do alcance de normas meramente regimentais das Casas Legislativas, por se tratar de matéria interna corporis”. RE 1297884, DIAS TOFFOLI, aprovada em 14/06/2021. Igualmente não há menção a “separação vertical” no acórdão. O entendimento do STF na aplicação do princípio da lei penal mais benéfica também prestigia o princípio da separação dos poderes, impedindo que juízes criem uma terceira lei não aprovada pelo Congresso Nacional, como ficou firmado Tema 169 que tratou da aplicação retroativa do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 sobre pena cominada com base na Lei nº 6.368/76, firmando as seguintes teses: I – É inadmissível a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 à pena relativa à condenação por crime cometido na vigência da Lei 6.368/1976; II – Não é possível a conjugação de partes mais benéficas das referidas normas, para criar-se uma terceira lei, sob pena de violação aos princípios da legalidade e da separação de Poderes; III – O juiz, contudo, deverá, no caso concreto, avaliar qual das mencionadas leis é mais favorável ao réu e aplicá-la em sua integralidade. RE 600817, RICARDO LEWANDOWSKI, aprovada em 07/11/2013. Não há menção a “separação vertical” no acórdão. Espécies de separação de Poderes (Tópico adicionado em razão da questão discursiva do 30CPR; ainda sem enunciado e espelho divulgado em 15.3.23.) A doutrina distingue quatro formas de separação dos Poderes: “A separação de Poderes não é um princípio que se possa mitigar ou desconsiderar sem maior consequência. É tão importante, que, além da chamada “Separação Horizontal de Poderes” (Executivo, Legislativo e Judiciário), fala-se hoje em diversas conformações desse princípio. Assim, existiria uma “Separação Temporal de Poderes”, para designar a necessidade de limitar-se temporalmente o exercício de poderes pelos agentes públicos; fala-se de uma “Separação Vertical de Poderes”, para explicitar a necessária divisão territorial de competências, sobretudo, no Estado federal; e fala-se também de uma “Separação Social de Poderes”, para designar a divisão de poderes entre os diversos agentes, mídia, associações, partidos e grupos sociais, todos podendo disputar com igualdade de chances o poder estatal.” Trecho do artigo “Tomemos a sério o princípio da separação de Poderes” de Néviton Guedes publicado no Conjur em 2013 (acessado em 13.3.23). Portanto, temos separação: Horizontal: é separação em Executivo, Legislativo e Judiciário; Temporal: designa a necessidade de limitar temporalmente o exercício de poderes pelos agentes públicos; Vertical: trata-se da necessária divisão territorial de competências, sobretudo, no Estado federal; Social: designa a divisão de poderes entre os diversos agentes, mídia, associações, partidos e grupos sociais, todos podendo disputar com igualdade de chances o poder estatal. A separação vertical de Poderes denota que o Poder Executivo deve estar distribuído em entidades regionais e locais, em órgãos democraticamente eleitos, de modo a não estar apenas concentrado no Governo central. Em pesquisa no site do STF em 13.3.2023, encontrei apenas a decisão abaixo com menção a “separação vertical de poderes”: “Cuida-se de mandado de segurança em que o Distrito Federal impugna Decisão do Tribunal de Contas da União em 10 de dezembro de 2002 (Decisão nº/2002-TCU-Plenário, tomada nos autos do Processo TC nº 015.645/2001-0). Referida decisão determinou a constituição de tomada de contas especiais no âmbito da Companhia Imobiliária de Brasília - TERRACAP, entidade pertencente à administração indireta do Distrito Federal. Registra-se a participação da União no capital da TERRACAP. Alega-se interferência ilegítima na autonomia política do Distrito Federal e usurpação da competência da Câmara Legislativa e do Tribunal de Contas do Distrito Federal. Afirma-se que seria "manifesta (...) a ausência de competência do Tribunal de Contas da União para exercer sobre empresa pública distrital a fiscalização e controle de que trata o art. 71, incisos II e IV, da Constituição Federal". Aponta-se como precedente aplicável ao caso a liminar concedida pela eminente Ministra Ellen Gracie nos autos do MS nº 23.866. Passo a analisar o pedido de liminar. Ressalvado melhor entendimento quando da análise do mérito, considero presentes os requisitos específicos para a concessão da liminar. O fundamento da impetração, centrado no princípio da separação vertical de poderes e na autonomia do Distrito Federal, é relevante e plausível. Também está presente o requisito do perigo da demora, uma vez que a execução da Decisão atacada poderá importar na ineficácia do eventual deferimento do presente mandado de segurança. Em contrapartida, a suspensão da Decisão atacada não inviabiliza a proteção dos interesses da União, haja vista a manutenção de suas prerrogativas como acionista da TERRACAP. Defiro a liminar para suspender a Decisão nº/2002-TCU-Plenário, tomada em 10 de dezembro de 2002, nos autos do Processo TC-015.645/2001-0. (MS 24423 MC / DF - DISTRITO FEDERAL, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Julgamento: 19/12/2002, Publicação DJ 03/02/2003) (Grifei). A liminar foi confirmada. 14A. Democracia. Conceito. História. Fundamentos. Democracia representativa e participativa. Teorias deliberativa e agregativa da democracia. Instrumentos de democracia direta na Constituição de 1988. Gabriel Dalla em 10.09.18 Guilherme Mitidiero com contribuição de Alexandre Benardis em 15.03.23 I. Democracia. Conceito. História. A democracia é a busca da legitimação do exercício do poder pelo consentimento dos governados consoante D. Sarmento. A expressão democracia vem do grego “governo do povo”, sendo um conceito surgido no período axial da Grécia antiga (começa do século 6 A.C.). Na Grécia, ideia essencial da democracia era de atribuição de igual capacidade para que todos os cidadãos participassem das deliberações tomadas em praça pública (ágora). Com o advento do império romano, esta ideia ficou esquecida e veio a ser retomada com o iluminismo por alguns filósofos, em especial Rousseau (O Contrato Social – defendia o modelo grego), o qual não concebe a legitimidade da sociedade política através de representação delegada, pois o termo democracia é por ele empregado como um governo no qual todas as leis são feitas por todo o povo reunido em assembleias gerais. Norberto Bobbio leciona que o modo de exercer a democracia foi alterado na passagem da democracia dos antigos para a democracia moderna. Os autores (John Jay; Alexander Hamilton e James Madison) do livro “Federalista” e os constituintes franceses reconheciam a democracia representativa como o único governo popular possível num grande Estado. O abade Emmanuel Joseph Siéyes estabelece a ideia de representação nacional e sua influência balizará as fases inicial e final da Revolução Francesae seu livro “Qu’est-cequele Tiers État?” (O que é o terceiro estado?), para ele o princípio de toda soberania reside essencialmente na nação. II. Fundamentos. A questão tocante aos fundamentos da democracia é absolutamente complexa e não admite resposta única. Depende, em verdade, da teoria que se adote, razão pela qual apenas se esboça uma proposta sobre o tema. Kelsen funda a democracia em dois postulados racionais: a liberdade e a igualdade; sendo a liberdade congênita de cada membro do grupo social, o que se apresenta mais lógico é que os homens devam ser comandados por eles próprios e formem por meio do processo democrático a vontade do Estado. Assevera que, efetivamente, na democracia o que vigora para a tomada de decisões é o princípio majoritário. Bobbio sustenta que a democracia se caracteriza pela composição pactuada de um conjunto de regras fundamentais que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos. Tais regras são denominadas por Bobbio como “regras universais processuais”. Enquanto a liberdade é um valor para os indivíduos compreendidos isoladamente, a igualdade é um valor para os indivíduos compreendidos na relação social. Assevera que a regra da maioria permite que cada cidadão possua direito de voto proporcional à sua posição no jogo democrático, o que implica, em certos casos, a desigualdade de votos quando aplicada a regra da maioria para decisões coletivas. Para Habermas, os destinatários das normas são concomitantemente autores de seus direitos na medida em que tomam parte da regulamentação de suas próprias condutas. Nesse foco, o princípio do discurso habermasiano deve ser interpretado como princípio da democracia. Por meio da teoria do discurso, Habermas afirma que o direito somente tem legitimidade quando surge da formação comunicativa da opinião e do assentimento dos cidadãos que, em uma relação de igualdade, possuem os mesmos direitos. III. Democracia representativa e participativa. Teorias deliberativa e agregativa da democracia. A democracia representativa é a expressão que significa genericamente que as deliberações coletivas não são tomadas diretamente por aqueles que dela fazem parte, mas por pessoas eleitas para esta finalidade. Segundo Daniel Sarmento, esta democracia está em crise porque há uma distância enorme entre o representado e o representante. A democracia participativa é um modelo de exercício de poder em que a população participa ativa e diretamente na tomada das principais decisões políticas. A teoria da democracia agregativa dá-se quando a decisão acerca de uma matéria constitucional resulta de uma prévia concepção da solução adotada por cada qual dos legitimados. O processo de decisão é meramente quantitativo, de maneira que são colhidas as opiniões existentes e escolhida a “correta” em razão dos números de votos. Ou seja, na democracia agregativa, os atores possuem uma concepção prévia, a qual é impassível de alteração por debate, mas meramente computada para fins de decisão final. A teoria da democracia deliberativa surge como crítica à agregativa. No processo de tomada de decisão, as decisões pessoais são apenas pontos de partida; a decisão é verdadeiro processo de discussão, com exposição e defesa das teses contrárias, em que os participantes pretendem e se permitem convencer e serem convencidos. O consenso é o ideal utópico, porém a deliberativa se satisfaz com a profunda discussão da temática e a obtenção – pelo voto, por exemplo – de decisão quando do atingimento de um desacordo moral razoável. A concepção democrática deliberativa está muito ligada à concepção procedimental de Jugen Habermas. IV. Instrumentos de democracia direta na Constituição de 1988. Plebiscito: consulta que visa à aprovação popular de políticas públicas e institucionais previamente e é regulamentado no art. 14, I, no 18, §§ 3° e 4°, e no 49, XV, da CF. Em 1993, a população decidiu sobre duas matérias precípuas à organização do Estado brasileiro e sua forma de governo, optando à época pela República e o Presidencialismo. Referendo: consulta direta à população acerca da aprovação ou não de um projeto legislativo ou administrativo já elaborado. É regulado pelos arts. 14, II e 49, XV. Iniciativa popular: apresentação de projeto de lei por parte da população. É regulada no art. 14, III, no 27, § 4°, no 29, XIII e no 61, § 2°. Observação: malgrado seja sempre pontuado que houve 4 projetos de Lei de iniciativa popular (8.930/94, 9.840, 11.124 e LC 135/2010), é importante frisar que, formalmente, a sua tramitação não se deu procedimentalmente como tal. Os referidos projetos de lei foram “adotados” por parlamentares, porque a Câmara dos Deputados sustentava a ausência de estrutura para checar as assinaturas. V. EROSÃO DEMOCRÁTICA. Trata-se do processo incremental de degradação das instituições democráticas. “Aos poucos, seus elementos centrais perdem vigor: as eleições, por exemplo, embora continuem se realizando, deixam de ser competitivas, com a inabilitação dos principais candidatos de oposição. Não há ruptura ou colapso, mas desconsolidação” (Souza Neto). Constitucionalismo abusivo (abusive constitucionalism). Termo cunhado por David Landau, pode ser definido como “o uso de institutos de origem democrática para ceifar o espaço do pluralismo num determinado país”. Conforme Souza Neto, “no curso do processo de erosão democrática, é comum ainda a realização de reformas constitucionais ou mesmo a convocação de novas constituintes como artifício para suspender os limites estabelecidos pela Constituição vigente, com base na qual a oposição e as instituições resistem”. O Min. Barroso utilizou a expressão legalismo autocrático na ADPF 622. Democraturas. Termo utilizado por Scheppele para “para descrever líderes e grupos políticos que atuam em situação intermediária entre ditaduras civis e militares tradicionais e o exercício das funções estatais à luz das estruturas do Estado Democrático de Direito. Democracias iliberais (ou de baixa intensidade). Expressão cunhada por Fareed Zakaria, trata-se de um sistema de governo no qual, em que pese as eleições democráticas ocorram, a população é afastada de exercer controle (accountability) sobre as atividades dos governantes mediante a prática de atos de violação de liberdade civis e direitos fundamentais dos cidadãos por parte do Estado. Constitucionalismo autoritário. Elaborado por Tushnet, o professor Flávio Martins conceitua constitucionalismo autoritário como: "o modelo normativo intermediário entre o constitucionalismo liberal e o autoritarismo, que denota compromissos apenas moderados com o constitucionalismo". Hiperpresidencialismo (neopresidencialismo). Sistema de governo em que o país é formalmente regido por um modelo presidencialista de governo (ou excepcionalmente semipresidencialista), porém há uma concentração excessiva de poder na figura do Presidente (normalmente de viés personalista), levando à uma distorção do presidencialismo clássico para um regime antidemocrático e com arroubos autoritários. Anocracia (anacracy). Forma de governo com um misto de características de um regime ditatorial e de um regime democrático. Os governos anocratas são conhecidos por uma instabilidade política recorrente em conjunto com uma ineficácia governamental. Segundo pesquisa da Human Rights Risk Atlas de 2014, a instabilidade dos regimes anocráticos geram um índice significativamente maior de violações de direitos humanos quando comparado com regimes democráticos. VI. COMBATE À EROSÃO DEMOCRÁTICA Democracia militante. Teoria desenvolvida na década de 1930 pelo constitucionalista alemão Karl Loewenstein como uma tese de autodefesa da democracia (democracia viva), a fim de evitar que os agentes demolidores da democracia cheguem ao poder e utilizem os instrumentos democráticos como uma ferramenta para promover o suicídio da própria democracia. Para viabilizar a democracia militante, Sarmento utiliza o princípio da reciprocidade, merecendo proteção aquelas manifestações que também protegemos valores democráticos. Função anticíclica dos Tribunais Constitucionais. Para Cláudio Pereira de Souza Neto: “As cortes constitucionais devem assumir o mesmo papel diante de ciclos políticos – pode-se conceber, nesse sentido, uma jurisdição constitucional anticíclica. Diante de governos que não revelam compromisso com as instituições democráticas, a função anticíclica da jurisdição constitucional implica a “redução situacional da deferência”, da qual resulta de parâmetros mais rigorosos de controle dos atos estatais”. Tolerância mútua e reserva institucional. Em “Como as Democracias Morrem”, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt elencam estes dois fatores informais como decisivos para o funcionamento saudável de uma democracia. “Tolerância mútua significa reconhecer que os rivais, caso joguem pelas regras institucionais, têm o mesmo direito de existir, competir pelo poder e governar”. Reserva institucional “significa evitar as ações que, embora respeitem a letra da lei, violam claramente o seu espírito”. Patriotismo constitucional. Modelo democrático proposto por Jürgen Habermas que tem como característica o reconhecimento das diferenças entre os cidadãos. Além disso, a teoria habermasiana fomenta o respeito à diversidade, pluralismo, multiculturalidade e aos valores constitucionais básicos. 2. FILOSOFIA POLÍTICA 11A. Liberalismo igualitário, comunitarismo, procedimentalismo e republicanismo. Suas projeções no domínio constitucional. 1. Daniel Medeiros Santos 2. Jorge Neto 3. I. Liberalismo igualitário (John Rawls): 4. O liberalismo igualitário é uma teoria política que busca promover um modelo de justiça ideal. Dessa forma, o autor propõe que o liberalismo não pode estar restrito a uma ideia de liberdade, mas sim com um modelo de implementação da igualdade social. 5. No liberalismo igualitário (John Rawls, Ronald Dworkin, Thomas Nagel e Robert Taylor), propugna-se a defesa das liberdades públicas, mas, ao mesmo tempo, são endossadas enérgicas intervenções no campo econômico, voltadas à promoção da igualdade substancial. São justificadas, portanto, medidas redistributivas, favorecendo os mais pobres. 6. Para se pensar em uma sociedade ideal, John Rawls faz a seguinte metáfora: Imagine o marco inicial da sociedade, onde as pessoas definiriam as regras de convivência e distributiva da futura sociedade (contrato social). Só que há um detalhe, as pessoas que vão definir as regras da nova sociedade estão utilizando o “véu da ignorância”, ou seja, elas não sabem qual papel exercerão na futura sociedade. Por isso, racionalmente, essas pessoas definirão marcos de justiça razoáveis, com condições igualitárias. Em termos gerais, Rawls constrói um exercício de alteridade, fazendo com que as pessoas se coloquem na posição do outro. A conclusão é: na posição original, sob o véu da ignorância, haveria a defesa de uma igualdade existencial, jurídica, econômica dentre outras. 7. É comum que os ministros do Supremo Tribunal Federal citem John Rawls em votos, por exemplo sobre a constitucionalidade da lei de cotas raciais, ainda que o autor mais adequado a defesa dessas perspectivas seja Ronald Dworkin, que era abertamente e seguramente favorável. Um dos exemplos é a paradigmática ADPF 186, com a seguinte ementa: 8. V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição. 9. VI - Justiça social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas criadas pelo esforço coletivo, significa distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade mais ampla valores culturais diversificados, muitas vezes considerados inferiores àqueles reputados dominantes. 10. VII – No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade como um todo, situação – é escusado dizer – incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos. 11. Rawls (em “Uma Teoria da Justiça”) propõe dois princípios: i) o das liberdades públicas; e ii) o da igualdade substancial. O primeiro teria prioridade sobre o segundo, mas nele não estão inseridas as liberdades econômicas, o que possibilita a adoção de medidas redistributivas. Para o autor, o primeiro princípio de justiça deveria ser inserido na Constituição, ao passo que o segundo deveria ser realizado no plano legislativo. 12. Se ao lado do i) princípio da liberdade, há um II) princípio da igualdade, Rawls entende ainda que deste deriva outros dois princípios, a saber: (II.a) princípio da diferença e (II.b) princípio da oportunidade justa. 13. Na visão do liberalismo igualitário, os juízes podem e devem atuar na defesa de princípios substantivos, de forte conteúdo moral, limitando a deliberação das maiorias sociais. Mas a atuação dos juízes deve se limitar ao campo dos direitos individuais, não podendo decidir sobre a conveniência de políticas públicas. 14. → Uma possível projeção do liberalismo igualitário nas discussões constitucionais brasileiras é a da desconstrução da ideia da supremacia do interesse público sobre interesses particulares, por ser esta uma visão utilitarista. 15. Outra projeção é a que discute a extensão e intensidade da exigência de separação entre Estado e religião, à luz da laicidade (Sarmento). A visão liberal igualitária enfatiza a exigência de absoluta neutralidade estatal no campo religioso, em nome da garantia do igual respeito às pessoas de todas as crenças, ateus e agnósticos, enquanto visões mais comunitaristas, ao valorizarem as tradições na interpretação constitucional, podem ser mais lenientes em relação às medidas dos poderes públicos que favoreçam religiões hegemônicas ou majoritárias, notadamente o catolicismo. 16. 17. II. Comunitarismo: 18. Os “comunitaristas” opõem críticas ao liberalismo, que veria no indivíduo um ser desenraizado (unencumbered self), desprezando o fato de que as pessoas nascem em comunidades com cosmovisões compartilhadas, o que forja as suas identidades. Essas cosmovisões não estão à disposição das pessoas – a ênfase no indivíduo, dada pelo liberalismo, é substituída no comunitarismo pela valorização da comunidade. 19. O Estado deve abandonar a postura de neutralidade e reforçar esses aspectos socioculturais existentes na comunidade. São aceitas restrições às liberdades individuais em prol de valores socialmente compartilhados. 20. Vale ressaltar que o comunitarismo não rejeita o pluralismo: há, aqui, somente uma mudança de perspectiva, pois enquanto o liberalismo valoriza o pluralismo a partir das várias visões individuais, o comunitarismo o faz a partir das várias concepções culturais de cada comunidade. 21. O comunitarismo pode favorecer posições conservadoras, pela ênfase dada às tradições e valores compartilhados, mas não se pode alcunhá-lo terminantemente de conservador – há pensadores comunitaristas também no campo progressista, que propõem uma sociedade mais inclusiva, à luz do multiculturalismo e do direito ao reconhecimento (Charles Taylor). Um grande exemplo de situação em que o comunitarismo justifica a preservação de práticas culturais adotadas por grupos minoritários ocorreu em Quebec, Canadá, através de legislação que proibiu famílias francófonas de colocarem os seus filhos em escolas de língua inglesa. 22. No Brasil, para proteger o frevo, houve proibição do Axé Music no carnaval de Olinda. Sob a ótica liberal, essa medida seria inconstitucional; sob a ótica comunitarista, estaria justificada, para proteger manifestações