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TEMAS EM DEBATE FALSO CONFLITO ENTRE TENDÊNCIAS METODOLÓGICAS Sérgio V. de Luna Da PUC-SP e UNICAMP Este texto foi concebido para apresentação no Fó- função da análise do comportamento, embora não neces- rum "Correntes teóricas na pesquisa educacional no Bra- sariamente ou nem sempre com experimentação. É pro- sil", mantido durante o I Seminário de Pesquisa em Edu- vável que minha inclusão no fórum e no tema tenha sido cação no Estado do Pará, organizado pelo Serviço de devida a isso. Planificação e Pesquisa em Educação da Universidade Contudo, não me considero um positivista, mesmo Federal do Contatos iniciais haviam dirigido minha porque não sei exatamente a que as pessoas se referem atenção para uma série de questões que me preocupa- com a utilização do termo, além do fato de se pretender vam há tempos e foi com base nelas que organizei o tex- que ele carregue conotações pejorativas. Ao longo da to. Todavia, com a formalização do convite a mim feito, história, o positivismo de Comte foi se transformando, deu dei-me conta de que o item que me cabia no debate era origem a novas tendências associadas a diferentes auto- mais específico e referia-se exclusivamente ao Positivis- res e misturou-se a um conjunto de desdobramentos com mo. Por essa razão, tornou-se necessária esta pequena denominações variadas (incluindo o neopositivismo). introdução (à guisa de justificativa) e os quatro parágrafos Anos atrás, Bento Prado Júnior, em uma conferência na seguintes. Reunião Anual da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Minha formação acadêmica foi toda calcada sobre Preto, enfatizava esta questão e concluía afirmando que, a uma metodologia experimental e ainda hoje trabalho em seu ver, o positivismo havia morrido com Augusto Comte 70 Cad. Pesq., São Paulo (66): 70-74, agosto 1988e não havia análise que permitisse caracterizá-lo nas ten- problema e suas relações com a teoria; e 5) tecer algu- dências posteriores. mas considerações finais. Exceto por alguns pesquisadores efetivamente en- Certamente alguns destes itens não constituem no- gajados no compromisso da análise epistemológica, a vidade e, por esta razão, não necessitariam ser aqui in- maioria das pessoas fazem referência ao positivismo cluídos. Decidi fazê-lo, no entanto, porque ajudarão a ex- muito mais em função de um referente que congregue o plicitar algumas concepções minhas sobre pesquisa, faci- que julgam de na pesquisa, do que efetivamente, em litando o esclarecimento de análises posteriores. função de um conhecimento de causa quanto a uma cor- rente epistemológica. Voltarei a esta questão posterior- mente. PESQUISAR X PRESTAR SERVIÇOS Um exemplo típico disto pode ser observado nas críticas usualmente feitas a Skinner. Sobre ele tem Há diferentes razões pelas quais um profissional se do a pecha de positivista (mesmo que na maioria das ve- engaja em um trabalho. Garantidas sua qualidade e sua zes não se assuma o risco de identificar no quê exata- relevância por meio da avaliação de seus pares e de seu mente consiste o seu positivismo). No entanto, há muitos consumidor, o trabalho é importante e não há por que tratar anos (Skinner, 1974) ele escreveu um texto onde analisa dele aqui. Entretanto, a relevância e a qualidade de um características marcantes dessa corrente e assinala por trabalho não são suficientes para caracterizar uma pes- que sua proposta foge dela. Posteriormente, pelo menos quisa. Para isto, é necessário que o profissional e/ou dois pesquisadores (Rose, 1982; Abib, 1982) refizeram a equipe sistematize a ação e seu produto, e demonstre que análise chegando à mesma conclusão. Curiosamente, o resultado avança no que até então se conhecia a res- embora nenhuma destas análises tenha sido formalmente peito dos fenômenos envolvidos. contestada, os textos raramente são mencionados e as Apenas como exemplo da distinção, consideremos análises são desconsideradas (possivelmente porque uma pesquisa que estou orientando. A aluna trabalhava nunca lidas). em uma instituição escolar para deficientes mentais. Sua Experimente perguntar às pessoas exatamente no preocupação voltava-se para a participação da família no que consiste o positivismo enquanto corrente processo educacional e a tônica era dada pelo fato de se gica e, especialmente, quem é ou tem sido positivista. É tratar de famílias de baixíssimo poder aquisitivo. pouco provável encontrar resposta para a segunda per- Em um determinado momento do trabalho, confrontei- gunta. Quanto à primeira, os indicadores apontarão mais a com a questão da definição da natureza do trabalho: ou provavelmente para características de uma pesquisa mal os seus resultados caracterizariam uma prestação de feita ou para pressupostos que todos defendemos um dia, serviços para aquela população (produto cuja relevância mas que vimos abandonando há tempos. social eu não colocava em dúvida mas que, por outro la- Por estas razões, o texto a seguir não pretendeu do, não me permitia enxergar a pesquisa) ou ela avançaria discorrer sobre o positivismo, mas sim rever as bases so- de modo a estudar fatores que interfeririam na participa- bre as quais erroneamente se tem estabelecido conflitos ção de famílias de deficientes mentais na educação es- entre tendências metodológicas, e a discutir bases mais colar de seus filhos (aproximando-se do que chamo de reais e saudáveis para um conflito pesquisa). sentido da palavra Metodologia tem variado ao Mesmo com o risco de desviar demais a atenção do dos anos. Mais importante, tem variado o status leitor da questão central, duas observações precisam ser atribuído a ela no contexto da pesquisa. Em alguns âmbi- feitas a propósito deste exemplo. Seria perfeitamente pos- tos profissionais, Metodologia é associada à Estatística, e sível descobrir, ao final da pesquisa, que as peculiarida- Demo (1981) sugere que, na América Latina, Metodologia des culturais da região e/ou daquela população particular aproxima-se mais do que se poderia chamar de Filosofia tornavam os resultados absolutamente não ou Sociologia da Ciência, enquanto a disciplina instru- veis, ficando restritos à situação sob estudo. Este fato em mental é referida como Métodos e Técnicas. nada alteraria o status de pesquisa do estudo, na medida Qualquer que seja a conceituação que se adote, em que para chegar a esta conclusão teria sido discussões relevantes foram sendo produzidas a respeito rio avaliar um conjunto mais amplo de fatores e de situa- de Metodologia. Talvez a mais importante delas seja o re- ções. Em segundo lugar, estas considerações não conhecimento de que a Metodologia não tem status pró- em dúvida o estudo de caso como uma técnica válida de prio, precisando ser definida em um contexto teórico-me- pesquisa, aliás empregada há muito mais tempo do que se todológico qualquer. Em outras palavras, abandonou-se costuma supor. que parece discutível é que o emprego (ou vem-se abandonando) a idéia de que faça qualquer do estudo de caso, em uma avaliação institucional (por sentido discutir a metodologia fora de um quadro de refe- exemplo), constitua em si mesmo uma pesquisa. que rência teórico que, por sua vez, é condicionado por pres- deveria ser uma avaliação em profundidade de uma reali- supostos epistemológicos. dade menor, tendo em vista a identificação de processos Embora este já seja um passo importante no con- e interações (em geral não captáveis em pesquisas com texto da pesquisa e, principalmente, no ensino do pesqui- grandes populações) para conhecimento e interpretação sar, há algumas questões derivadas cuja análise conjunta de determinados fenômenos, vira um fim em si mesmo, eu gostaria de Nessa análise pretendo discutir: caracterizando uma prestação de serviços. 1) a diferença entre o pesquisar e o prestar serviços; 2) Doravante, portanto, estarei referindo-me à pesqui- alguns requisitos para 3) a relação entre pro- sa como uma atividade de investigação capaz de oferecer blema de pesquisa e os procedimentos empregados; 4) o (e, portanto, produzir) um conhecimento "novo" a respeito falso conflito entre tendências.. 71de uma área ou de um fenômeno, sistematizando-o em grupo ou comunidade, e a resposta que ele oferece en- relação ao que já se sabe a respeito da área ou fenômeno. quanto pesquisador à comunidade Aproveito pa- ra dizer que pode residir aqui uma confusão que já se es- tabeleceu entre pesquisadores sobre a necessidade/a- ALGUNS REQUISITOS PARA PESQUISAR dequação de se devolver à população os resultados da pesquisa. A questão central deveria ser: que população Qualquer que seja o problema, o referencial teórico precisa ser informada de que resposta a que problema? ou a metodologia empregada, uma pesquisa implica o pre- Em resumo, toda pesquisa tem um problema, embo- enchimento de três requisitos: ra a sua formulação possa variar quanto à natureza ou 1. a existência de uma pergunta que se deseja responder; molaridade. 2. a elaboração (e sua descrição) de um conjunto de segundo requisito mencionado diz respeito à passos que permitam obter informação necessária pa- existência de um conjunto de passos que gerem informa- ra respondê-la; ção relevante, isto é, o procedimento. Nenhuma metodo- 3. a indicação do grau de confiabilidade na resposta obti- logia pode dispensar procedimentos. O erro cometido du- da; rante muito tempo, aliás, foi exagerar esta vinculação e Em outras palavras, é necessário haver um proble- associar a metodologia exclusivamente a procedimentos ma de pesquisa (o que não significa uma hipótese formal), de coleta de informações. um procedimento que gere informação relevante para a A razão da inviabilidade de se dispensar procedi- resposta e, finalmente, é preciso que esta in- mentos é simples. Se o problema que gera a pesquisa não formação é decorrente do procedimento empregado e que pode ser respondido diretamente (caso contrário não te- a resposta produzida por ele não é apenas uma resposta ríamos um problema!), isto significa que a realidade não possível, como também é a melhor resposta nas circuns- pode ser apreendida diretamente mas depende de um re- tâncias (o que inclui, certamente, o referencial teórico). corte que faça sentido. Este recorte é garantido pelo pro- Antes de prosseguir, paro neste ponto para sugerir cedimento que seleciona as informações necessárias pa- ao leitor que reflita sobre uma questão: exatamente, que ra uma leitura pelo pesquisador. Diferentes tendências fa- tendência metodológica particular é caracterizada por es- rão recortes diferentes, mas não poderão prescindir de tes três requisitos? Ou, de outra forma, que corrente me- procedimentos de coleta de informações. todológica poderia dispensar qualquer um deles? Neste Finalmente, o critério de confiabilidade da resposta caso, se a resposta for afirmativa, o que permitiria conti- oferecida pela pesquisa. A questão é espinhosa e já rece- nuar falando em pesquisa? beu as mais diferentes interpretações. Não pretendo fazer Minha resposta a ambas as perguntas acima é "ne- incursões nesta área e, muito menos, discutir possíveis nhuma" e passo a justificá-la usando cada um dos requi- parâmetros que diferenciem atividades estéti- sitos acima. cas, religiosas etc... Pretendo pura e simplesmente rea- Os efeitos da inexistência de um problema de pes- firmar minha posição de que, se a resposta depende da quisa (ou de uma pergunta que se queira responder) pa- interpretação das informações geradas pelo procedimen- recem claros e não dependem de muita discussão. Ele to, o pesquisador deve oferecer garantias quanto à sua precisa existir, mesmo que sob a forma de uma mera cu- adequação. Freqüentemente (e cada vez mais), as infor- riosidade, para dirigir o trabalho de coleta de informações mações geradas pelos procedimentos de pesquisa con- e, posteriormente, para organizá-las. É difícil argumentar sistem de massas de relatos verbais, verdadeiros discur- contra a formulação de problemas de pesquisa e desco- (como se diz hoje), que em geral não são colocadas à nheço a existência de uma corrente metodológica que o disposição do leitor, ou pelo seu volume ou mesmo pela faça necessidade de manutenção do sigilo. Contudo, ainda Vez por outra surgem alegações de que a formula- nestes casos, o pesquisador não pode se furtar à dívida ção de problemas de pesquisa é uma imposição de meto- de expor os meios de transformação da informação em dologias tradicionais (quase certamente o positivismo en- dado e de argumentar a favor da sua adequação. A au- trará como vilão). No entanto, a meu ver, a maioria dos sência deste compromisso tem transformado muito do que argumentos oferecidos nesse sentido é equivocada, por começou como pesquisa em manifesto ou em manterem uma concepção estreita de "problema de pes- Embutida na questão da fidedignidade existe outra quisa". Por exemplo, defensores da chamada pesquisa- questão. Uma vez tratadas e analisadas as informações, ação sustentam não ser possível a formulação prévia de o pesquisador chega à resposta (ou respostas) ao seu problemas em virtude de isto ser parte do próprio proces- problema. Consideradas as circunstâncias, por que ela é so de pesquisa, devendo, portanto, brotar dele. a melhor resposta possível? Por que respostas alternati- Não tenho objeções ao objetivo. Entretanto, se cabe vas puderam ser descartadas? Apenas como exemplo da ao pesquisador um papel de desse pro importância desta avaliação, lembro a com que cesso ou, ainda, se cabe a ele qualquer papel diferencial termino a leitura de uma "pesquisa" com a sensação de que o qualifique como pesquisador, então é necessário que a resposta estava pronta antes da pesquisa e teria si- que ele nos devolva uma análise que indique qual era o do oferecida independentemente das informações coleta- problema original (que poderia perfeitamente ter sido "co das e das análises realizadas. mo levar este grupo a descrever e identificar suas dificul- dades?" ou algo no gênero) e que resposta obteve. Note- se que estou fazendo uma clara distinção entre a resposta 1 Nada tenho contra estes gêneros de literatura. Simplesmente não às questões sociais que poderiam ter gerado sua ação no os considero como pesquisas. 72 Cad. Pesq. (66) agosto 1988Mais uma vez, a pergunta que se faz é: sob que professores indicam fortemente a necessidade de esses condições uma corrente metodológica qualquer poderia se aspectos serem trabalhados junto ao professor; conse- eximir de oferecer respostas a estas questões? E se pu- qüentemente, a fidedignidade das informações coletadas der, por que razão as respostas oferecidas por uma pes- junto a essa fonte, considerado este problema, é no míni- quisa realizada sob essa orientação deveriam merecer al- mo duvidosa. gum crédito? Da mesma forma, determinados projetos de pesqui- Do meu ponto de vista, estas considerações suge- sa selecionam a observação como método preferencial rem que o conflito entre tendências metodológicas não (ou exclusivo) de coleta de informações, quando uma for- pode residir nestes aspectos discutidos. Eles presidem a mulação clara do problema indicaria que o objeto de estu- qualquer investigação independentemente da do é um processo que não se mostra claramente na si- vinculação teórico-metodológica do pesquisador. Passe- tuação sob observação. mos, então, a um outro aspecto da questão, e vejamos Deste ponto de vista, os possíveis conflitos entre que respostas podemos obter da sua análise. tendências metodológicas não se explicam pelo uso prefe- rencial de técnicas de coleta de informações. Na verdade, seus diferentes usos decorrem da formulação do proble- A RELAÇÃO ENTRE PROBLEMA DE PESQUISA E ma e não de características peculiares de cada uma de- os PROCEDIMENTOS EMPREGADOS las. Neste caso, o centro da questão parece estar no pro- blema ou, mais propriamente, na relação teoria-problema. Por uma razão ainda não muito clara para mim, a técnica de pesquisa, o procedimento, assume entre al- guns pesquisadores (especialmente mas não exclusiva- o PROBLEMA E SUAS RELAÇÕES COM A TEORIA mente entre os iniciantes) uma autonomia que não encon- tra qualquer justificativa. Por exemplo, não raro um aluno A realidade empírica é complexa mas objetiva. Não responderá à pergunta "Qual é o seu problema de pesqui- traz nela mesma ambigüidades. homem individual é sa?" com "Vou usar um questionário para..." ou "Não sei subjetivo porque incapaz de separar o objeto da concep- ainda, mas sei que não quero fazer observação!" Recen- ção que faz dele, o que vê do que imagina e, sobretudo, temente, dei-me conta de que uma aluna, que não conse- porque incapaz de ler, na observação, o processo que guia decidir-se quanto à formulação do seu problema, vi- determina um fenômeno particular momentâneo (mesmo via pedindo bibliografia sobre pesquisa-participante. Con- porque dificilmente ele se evidenciaria nesta situação). versando um pouco mais com ela, percebi que ela já opta- Não há novidade nisto. Autores tão diferentes ra pela pesquisa-participante embora não soubesse exa- quanto Kerlinger (1980) e Demo (1981) já o disseram ex- tamente como nem por que fazê-lo. plicitamente. Sua recuperação interessa-me, aqui, porque O ponto em questão é que nenhuma técnica pode permite circunscrever o papel da teoria dentro da ser escolhida a priori, antes da clara formulação do pro- A partir de conhecimentos parciais obtidos pela li- blema, a menos que a própria técnica seja o objeto de do homem, a teoria surge como uma possibilidade estudo (como seria o caso em uma avaliação dos limites e de integrá-los e, neste sentido, é sempre um recorte, um possibilidades de uma determinada técnica de pesquisa retrato parcial e imperfeito da realidade. ou, mesmo, de uma pesquisa de natureza didática onde a Uma vez elaborada, a teoria passa a servir a dois técnica é previamente selecionada para treino do aluno). propósitos importantes à nossa discussão: ela indica la- Fazê-lo significa atribuir à técnica um poder que ela não cunas em nosso conhecimento da realidade e, com isto, tem e a tendência só pode ser atribuída ao gera novos problemas de pesquisa: ao mesmo tempo, Tomemos alguns exemplos do quotidiano. Suponha- apesar de parcial, ela serve de referencial explicativo para mos que um pesquisador esteja interessado em investigar os resultados que vão sendo observados. Uma teoria que o nível, a qualidade do rendimento de alunos do primeiro não sirva a estes propósitos terá muito pouca utilidade grau. A moda atual é, neste ponto, estabelecer um roteiro e tenderá a ser reformulada ou mesmo abandonada. entrevistas e marcar um horário com professores na Apesar do poder de abrangência e de generalidade tentativa de obter as informações necessárias. Quase que se espera da teoria ou que se lhe atribui, com certeza será empregada a análise de conteúdo (cu- sendo um recorte da realidade. Mesmo teóricos tão anti- jos pressupostos, na maioria das vezes, são desconside- gos e prestigiados como Freud, Piaget e Marx circunscre- rados) e, muito provavelmente, haverá um longo questio- veram claramente o âmbito de explicação de suas teorias. nário para caracterização do nível sócio-econômico da Em virtude desta restrição no âmbito de explicação, a teo- família do aluno (que ao final será desprezado por falta de ria acaba, por sua vez, restringindo ou pelo menos priori- critérios de análise). zando, no planejamento, a coleta de informações capazes Minha primeira tendência, nestes casos, é sempre a de serem absorvidas pela explicação. É neste aspecto, a de questionar as decisões metodológicas na medida em que o problema não me parece suficientemente claro para entendê-las. No caso em questão, a escolha da entrevista pressupõe duas decisões, a meu ver temerárias: que a 2 Devo ressaltar, a bem da verdade, que um pesquisador pode ter professora é uma boa informante sobre o rendimento do e tem preferências e rejeições em relação a de- aluno; e que, no caso de dificuldades do aluno, ela não é terminados procedimentos de pesquisa. Mas, nestes casos, ou ele encontra alternativas viáveis ou abandona o projeto. A expe- parte do problema ou que, sendo, admite o fato e dispõe- riência, contudo, indica que ele aprende a formular problemas se a relatá-lo. Os dados de pesquisa e a experiência com compatíveis com suas crenças e/ou preferências. falso conflito entre tendências... 73meu ver, que reside o conflito. E, este sim, é um conflito nós a faríamos ou, pior, a avaliação da produção científica saudável que vale a pena enfrentar em virtude dos beneff- dependerá da crença em valores compartilhados por ini- cios mútuos para os diferentes pesquisadores que nele ciados em uma mesma entrarem Por isto, quero comentá-lo deta- Parte da imprecisão na maneira de encarar as dife- renças entre as correntes metodológicas explicita-se na O referencial teórico de um pesquisador é um filtro consideração das diferentes técnicas de pesquisa, como pelo qual ele enxerga a realidade, sugerindo perguntas se elas revelassem algo além da possível adequação en- e indicando É tão improvável que um psi- tre a formulação do problema e as informações neces- canalista cogite dos efeitos da estrutura cognitiva de uma sárias para a pesquisa. Este tipo de deslocamento da criança sobre seu desempenho, quanto um piagetiano questão tem apresentado ramificações. A necessária dis- procure levantar informações sobre a resolução do com- cussão a respeito da adequação de métodos qualitativos plexo de Édipo das crianças que estude. em relação à captação de determinados fenômenos e Desta forma, os problemas de pesquisa gerados processos desenvolveu uma caça às bruxas aos méto- por cada um deles tenderão a refletir seus vieses teóricos, dos quantitativos, como se não houvesse problemas pa- Não haverá razão para espanto se cada um deles enve- ra os quais estes fossem úteis ou mesmo indispensáveis. redar por procedimentos metodológicos diferentes, nem Outro deslocamento da questão evidencia-se na se ambos optarem pelos mesmos procedimentos. Mas tentativa de confrontar diferentes tendências teórico-me- seria extremamente curioso descobrir que ambos coleta- todológicas como se a verdade de cada uma pudesse ser ram as mesmas informações e, principalmente, que che- atestada pela fragilidade da outra. Ao contrário, a força de garam à mesma resposta para um problema (que, aliás, uma abordagem teórico-metodológica é demonstrada pela dificilmente seria formulado da mesma maneira). As deci- sua resistência à crítica que se exerce contra ela mesma. metodológicas são pura decorrência do problema Um trabalho mais produtivo seria realizado se pudésse- formulado e este só se explica devidamente em relação mos nos aproveitar da produção científica derivada das ao referencial teórico que deu origem a ele. Qualquer ten- várias correntes metodológicas como fonte de inspiração tativa de confronto entre métodos e técnicas de pesquisa, para o exercício da crítica portanto, só poderá ser resolvido levando-se em conta os objetivos contidos no problema e a capacidade de expli- cação do referencial teórico. CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS A questão das diferenças metodológicas tem sido ABIB, J. A. D. Skinner, materialista metafísico? "Never mind, no formulada em termos imprecisos. Se um pesquisador matter". In: PRADO JUNIOR, B. (org.), Filosofia e comporta- atender aos requisitos apontados no início deste trabalho, mento. São Paulo, Brasiliense, 1982. a saber, a explicitação de uma pergunta/problema; a ela- DEMO, P. Metodologia em Ciências Sociais. São Paulo, boração (e clara descrição) de um conjunto de passos Atlas, 1981. KERLINGER, F. N. Metodologia da pesquisa em Ciências Sociais. que obtenham informação necessária para São Paulo, E.P.U./EDUSP, 1980. e a indicação do grau de confiabilidade na resposta obtida, ROSE, J. C. Consciência e propósito no behaviorismo radical, In: então será possível avaliar seu produto segundo os parâ- PRADO JUNIOR, B. (org.). Filosofia e comportamento. São metros de seu referencial. Fora disto, corremos o risco de Paulo, Brasiliense, criticar um pesquisador por não ter feito a pesquisa como SKINNER, B. F. About behaviorism. Nova lorque, Alfred Knopf, 1974. 74 Cad. Pesq. (66) agosto 1988

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