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A trajetória histórica da Educação Especial no Brasil: da legislação às salas de aula Rio de Janeiro UVA 2016 Taísa Costa Vliese Érica Costa Vliese Zichtl Campos A trajetória histórica da Educação Especial no Brasil: da legislação às salas de aula Rio de Janeiro UVA 2016 Copyright © UVA 2016 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição. Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. ISBN: 978-85-69287-27-8 Autoria do Conteúdo Taísa Costa Vliese Érica Costa Vliese Zichtl Campos Projeto Gráfico UVA Diagramação Cristina Lima Revisão Janaína Senna Débora Silvestre Costa Lydianna Lima Ficha Catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UVA. Biblioteca Maria Anunciação Almeida de Carvalho. V869 Vliese, Taísa Costa A trajetória da educação especial no Brasil: da legislação às salas de aula / Taísa Costa Vliese; Érica Costa Vliese Zichtl Campos. – Rio de Janeiro : UVA, 2016. 1,6 MB ISBN 978-85-69287-27-8 Disponível também impresso. 1. Educação especial - Brasil - História. 2. Crianças deficientes - Educação - Brasil. 3. Crianças excepcionais - Educação - Brasil. 4. Ensino - Legislação - Brasil. I. CAMPOS, Érica Costa Vliese Zichtl. II. Universidade Veiga de Almeida. III. Título. CDD – 370.981 SUMÁRIO Prefácio............................................................................................................................7 Apresentação..............................................................................................................13 Sobre as autoras..........................................................................................................14 Capítulo 1 - Educação Especial no Brasil: perspectivas de uma educação inclusiva...................................................15 Um pouco da história da Educação Especial.......................................16 A Educação Especial no Brasil...................................................................20 Da década de 1990 aos dias atuais.........................................................26 Referências......................................................................................................33 Capítulo 2 - Neurociência e educação inclusiva: a neuroplasticidade cerebral.............................................39 Transformando deficiência em eficiência.............................................40 Mas o que é neurociência?..........................................................................42 Filogênese do sistema nervoso central.................................................44 O cérebro humano.........................................................................................46 O cérebro e seus hemisférios.....................................................................47 A especialização dos hemisférios.............................................................48 A ontogênese do sistema nervoso central...........................................50 Vamos conhecer um pouco dos neurônios?........................................52 E as sinapses?..................................................................................................54 E a emoção? Como ela interfere na aprendizagem?.........................58 Plasticidade cerebral: como ocorre a aprendizagem.......................60 Referências......................................................................................................64 Capítulo 3 - Perspectiva histórico-cultural de Lev Vygotsky: reflexões sobre as possibilidades do processo escolar de alunos com deficiência..................................65 A teoria de Lev Vygotsky........................................................................67 Instrumentos culturais e signos na formação humana....................76 Aprendizagem via interação e compensação: a zona de desen- volvimento proximal....................................................................................83 A sofisticação do conhecimento por meio da construção dos conceitos científicos.....................................................................................86 Referências......................................................................................................97 Capítulo 4 – PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência.......................................................................103 Falando um pouco sobre o currículo e as adaptações curriculares....................................................................................................105 As adaptações curriculares na educação inclusiva...........................110 PEI: estrutura e funcionamento..............................................................116 PEI para alunos com deficiência intelectual......................................129 PEI para alunos com deficiência auditiva/surdez............................143 PEI para alunos com deficiência múltipla...........................................153 PEI para alunos com autismo..................................................................168 PEI para alunos com altas habilidades/superdotação...................178 PEI para alunos com deficiência visual................................................186 Referências....................................................................................................202 Capítulo 5 - Uma atenção especial para alunos com microcefalia.....................................................................213 PEI para alunos com microcefalia e outras encefalopatias..........214 Referências....................................................................................................230 Considerações finais......................................................232 Um vir a ser que depende de cada um de nós para a eficiência e a humanização da inclusão escolar e social no Brasil.......................232 Referências...................................................................................................236 7 PREFÁCIO [...] não existe uma única forma de aprender e tampouco uma única forma de ensinar, mas o bom aprendizado é aquele que envolve sempre a interação com os outros indivíduos e a infe- rência direta ou indireta deles e, fundamentalmente, o respeito ao modo peculiar de cada um aprender. (VYGOTSKY, 1989) A educação é tão inadmissível fora da vida quanto a combus- tão sem oxigênio ou a respiração no vácuo. Por isso o trabalho educativo do pedagogo deve estar necessariamente vincula- do ao seu trabalho criador, social e vital. (VYGOTSKY, 2004) Temos vivenciado crescentes transformações em diferentes esferas sociais e educacionais. Para atender às transformações sociais, edu- cacionais e tecnológicas em curso, a escola tem sido provocada a criar práticas pedagógicas mais criativas e inovadoras, em uma perspectiva que atenda à diversidade dos sujeitos que constituem a humanidade. Um dos desafios colocados para ela é justamente discutir o seu papel frente a essa diversidade a partir de propostas de educação inclusiva, a qual é aqui entendida, em uma perspectiva ampla, como um direito de acesso, participação e aprendizagem de todos os alunos que chegam à escola, dentre os quais aqueles que possuem alguma deficiência. Para atendê-las, a escola tem sido provocada a realizar práticas peda- gógicas inovadoras e mais sintonizadas com as mudanças em curso. Para refletir sobre esses processos e suas implicaçõesque um cére- bro que sofreu lesão cerebral tem todas as condições de se transformar por meio dos processos de neuroplastici- dade, pelos quais as áreas não lesadas compensam o fun- cionamento das anteriores. Esse é um princípio que será muito estimulado na educação inclusiva, pois contamos com mecanismos de transformação que objetivam as me- lhores adaptações às necessidades cognitivas humanas. A neuroplasticidade é um processo ininterrupto que pre- para o nosso cérebro para os desafios que lhe são apre- sentados a partir de estímulos. Dessa forma, a educação transforma a cognição por meio de complexas constru- ções neurológicas, que são tecidas como um mapa do co- nhecimento. ...................................................................................................................................................................................................................... 46 ...................................................................................................................................................................................................................... Neurociência e educação inclusiva: a neuroplasticidade cerebral O CÉREBRO HUMANO O cérebro humano é um órgão plástico e pode ser dividido em três unidades (RELVAS, 2008): 1) Cérebro primitivo: Responsável pela autopreservação e agressão (formado por tronco cerebral, cerebelo, mesencéfalo, bulbo e núcle- os da base — corresponde ao cérebro dos répteis). 2) Cérebro intermediário: Responsável pelas emoções (formado pelo sistema límbico — corresponde ao cérebro dos mamíferos). É responsável pelo equilíbrio ou desequilíbrio emocional do ser humano. 3) Cérebro racional: Responsável pelas funções intelectuais (formado pelo ne- ocórtex e alguns grupos neuronais subcorticais). É respon- sável por três tarefas: o controle dos movimentos do cor- po, a percepção dos sentidos e o pensamento. Foi durante muito tempo sinônimo de inteligência, razão e espírito; é o promotor da racionalidade humana. Sabemos que as três partes existem e funcionam simulta- neamente, porém são independentes entre si e se comple- tam quando os estímulos sensoriais, emocionais e moto- res são bem conduzidos. ...................................................................................................................................................................................................................... 47O cérebro e seus hemisférios ...................................................................................................................................................................................................................... O CÉREBRO E SEUS HEMISFÉRIOS De acordo com Relvas (2009), o cérebro humano se cons- titui nos hemisférios cerebrais esquerdo e direito. O he- misfério esquerdo controla o lado direito do corpo, e o hemisfério direito, o lado esquerdo. Cada hemisfério divi- de-se em lobo frontal, lobo parietal, lobo occipital e lobo temporal. Hemisfério esquerdo: Função verbal: seleciona palavras para descrever, definir. Simbólica: usa símbolos para representar. Analítica: desenvolve a habilidade passo a passo. Abstrata: seleciona pequena parte da informação para representar o todo. Temporal: marca o tempo e a sequência. Racional: busca razão nos fatos. Lógica: extrai conclusões lógicas. Hemisfério direito: Função não verbal: percebe as coisas por intermé- dio de imagens. Concreta: concebe coisas em sua integralidade. Sintética: agrupa informações e forma um todo. Analógica: compreende relações e percebe seme- lhanças. Não temporal: não possui sensação de tempo. Intuitiva: prefere seguir palpites ou amostras. ...................................................................................................................................................................................................................... 48 Neurociência e educação inclusiva: a neuroplasticidade cerebral A ESPECIALIZAÇÃO DOS HEMISFÉRIOS Lobo frontal: responsável pela elaboração de pensamento, planejamento, programação de necessidades individuais e emoção. Lobo parietal: responsável pela sensação, tato, gustação, temperatura, pressão. Estimulação de certas regiões desse lobo em pacientes conscientes produz sensações gustati- vas. Também está relacionado à lógica matemática. Lobo temporal: é relacionado primariamente com o sen- tido da audição, possibilitando o reconhecimento de tons específicos e intensidade do som. Tumor ou acidente afe- tando essa região provoca deficiência de audição ou sur- dez. Essa área também exibe um papel no processamento da memória e da emoção. ...................................................................................................................................................................................................................... 49A especialização dos hemisférios Lobo occipital: responsável pelo processamento da infor- mação visual. Danos nessa área promovem cegueira total ou parcial. Lobo límbico (ao redor da junção do hemisfério cerebral e tronco encefálico): está envolvido com aspectos de com- portamento emocional e sexual e com o processamento da memória. ...................................................................................................................................................................................................................... 50 Neurociência e educação inclusiva: a neuroplasticidade cerebral A ONTOGÊNESE DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL E no bebê humano? Como acontece o desenvolvimento neurológico? O desenvolvimento neurológico humano é um complexo processo iniciado na gestação, por volta da terceira sema- na da embriogênese, por meio dos processos de prolife- ração, migração e diferenciação celulares — um processo que evolui para a criação de um tubo neural e, a partir dele, do próprio cérebro do embrião. O cérebro aprende desde sempre. Nascemos com cerca de 100 bilhões de neurônios, e nosso cérebro aumenta dia- riamente o seu tamanho graças à multiplicação das célu- las gliais, que fazem parte do suporte do sistema nervoso central. Dessa forma, o crescimento da caixa craniana do bebê sinaliza um rico processo de desenvolvimento que será a estrutura de toda a aprendizagem humana. No desenvolvimento do embrião humano, essas partes vão se desenvolvendo uma após a outra durante a gesta- ção, sendo que, a cada dia, milhares de células nervosas são criadas para compor a estrutura do sistema nervoso central e do sistema nervoso periférico. Daí a importância de o bebê nascer a termo na gestação, pois cada dia é mui- to significativo no desenvolvimento do sistema nervoso, que se divide em: ...................................................................................................................................................................................................................... 51A ontogênese do sistema nervoso central • Sistema nervoso central: formado por cérebro, cerebelo, medula e tronco encefálico. • Sistema nervoso periférico: formado por nervos e gânglios. Notem que o recém-nascido humano nasce com o cére- bro aberto, com espaços na caixa craniana, chamadas de fontanelas, para que ele possa se expandir, e esse cres- cimento ocorre pela interação com o ambiente e com as pessoas. Tanto que, ao contrário dos demais filhotes de mamíferos, as principais construções cognitivas do bebê são feitas após o nascimento. Podemos dizer que: O cérebro aprende através do exercício das habili- dades, das necessidades, da motivação, da curio- sidade, do interesse, da repetição e das fases ine- rentes ao desenvolvimento neurocognitivo. (ZORZI, 2009, p. 171) Assim, o cérebro do bebê vai crescendo significativamen- te,aumentando o número de conexões cerebrais, que são as estruturas que darão alicerce à aprendizagem. Mas, quando há alguma intercorrência no desenvolvimento, o cérebro apresenta uma notável capacidade de transfor- mação por meio dos mecanismos de neuroplasticidade. E esse tema é o que mais nos interessa. ...................................................................................................................................................................................................................... 52 Neurociência e educação inclusiva: a neuroplasticidade cerebral VAMOS CONHECER UM POUCO DOS NEURÔNIOS? Os neurônios são as células especializadas responsáveis pela condução das informações em todo o corpo humano. Apresentam forma diversificada e são feitos para receber certas conexões específicas, executar funções apropriadas e passar suas decisões de um evento particular para ou- tros neurônios que estão relacionados com aquele evento. Eles processam informações e devem desencadeá-las so- bre o estado interno do organismo e seu ambiente externo, avaliar essa informação e coordenar atividades apropria- das à situação e às necessidades correntes das pessoas. Neurônios recebem sinais nervosos de axônios de outros neurônios. A maioria dos sinais é liberada aos dendritos. Os sinais gerados por um neurônio são enviados ao corpo celular, que contém no núcleo o “armazém” de informa- ções genéticas (RELVAS, 2009, p. 26). A célula nervosa é composta de um corpo celular e de finos prolongamentos chamados de dendritos, por onde a informação é transmitida de uma célula nervosa para outra. Os dendritos são conhecidos como receptores de estímulos, funcionando como “antenas” para o neurônio. O axônio atua como um condutor dos impulsos nervosos. ...................................................................................................................................................................................................................... 53Vamos conhecer um pouco dos neurônios? Importante processo neurológico são as sinapses, que re- presentam a conexão de um neurônio com outro pela li- beração de neurotransmissores específicos que permitem a comunicação. A região de contato entre um terminal de fibra nervosa e um dendrito ou o corpo (mais raramente um outro axônio) de uma segunda célula chama-se sinap- se e constitui uma região especializada, fundamental para o processamento da informação pelo sistema nervoso. Na sinapse, nem sempre os sinais elétricos passam sem alteração, pois podem ser bloqueados parcial ou comple- tamente, ou então multiplicados. Logo, não ocorre apenas uma transmissão da informação, mas uma transformação durante a passagem, podendo causar uma disfunção des- sa informação. A transmissão sináptica pode ser química ou elétrica. Na sinapse elétrica, as correntes iônicas passam diretamente pelas junções comunicantes (região de aproximação entre duas células) para as outras células. A transmissão é ul- trarrápida, já que o sinal passa praticamente inalterado de uma célula para outra. Na sinapse química, a transmissão do sinal por meio da fenda sináptica (região de aproxi- mação entre duas células, bem maior que as junções co- municantes) é feita pelos neurotransmissores. A sinapse química pode ser excitatória, quando ocorre um aumen- to no estímulo recebido pelo neurônio pós-sináptico, ou inibitória, quando ocorre uma diminuição do estímulo no neurônio pós-sináptico (RELVAS, 2009, p. 15-16). ...................................................................................................................................................................................................................... 54 Neurociência e educação inclusiva: a neuroplasticidade cerebral E AS SINAPSES? São processos que ocorrem milhões de vezes no cérebro de nossos alunos durante as aulas, estabelecendo cone- xões que resultarão em aprendizagem. Um neurônio pode receber ou enviar entre mil e 100 mil conexões sinápticas em relação a outros neurônios, dependendo de seu tipo e localização no sistema nervoso. O número e a qualidade das sinapses em um neurônio podem variar, entre outros fatores, pela experiência e aprendizagem, demonstrando a capacidade plástica do sistema nervoso (RELVAS, 2009, p. 40). Para Relvas (2012, p. 55): Quando o estímulo já é conhecido do sistema ner- voso central, desencadeia uma Iembrança; quando o estímulo é novo, desencadeia uma mudança [...]. Por isso, é que, hoje, toda a questão de aprender torna- -se inesgotável, pois, se existem várias maneiras de aprender pelos circuitos neurais, têm-se diferentes maneiras de se ensinar. Nesse sentido, o planejamento de situações desafiadoras e de significado para a vida do aluno é fundamental, sobre- tudo para os alunos com deficiência cognitiva, que preci- sam derrubar as barreiras que dificultam a aprendizagem e perceber os novos sentidos nos conteúdos estudados. Segundo Relvas (2012, p. 55): Faz-se necessária a conjugação de saberes cogniti- vos e emocionais. Para isso, o cérebro tem de estar pronto a realizar novas conexões e, principalmente, desejar que isso ocorra, pois aprender é um ato de- sejante. ...................................................................................................................................................................................................................... 55E as sinapses? Muitos alunos se sentem motivados em sua aprendizagem porque percebem a relação entre o que estudam e sua vida pessoal. Além disso, há alunos que se motivam com a escola a partir da ação intencional e interessada de um professor que conhece o aluno e reconhece as suas neces- sidades cognitivas. O papel do professor é provocar desafios, promover ações reflexivas e permitir o diálogo entre emoções e afetos em um corpo orgânico e mental, que é o “palco” dessas re- ações (RELVAS, 2012, p. 56). Nesse sentido, trabalhar a motivação por meio da autoestima e de atividades que tenham significado para a vida do aluno facilita muito a aprendizagem. Assim, percebemos a necessidade de o professor estabe- lecer expectativas positivas em relação à capacidade cog- nitiva do seu aluno com deficiência, pois somente dessa forma lançará mão dos recursos pedagógicos adequados para desafiá-lo criativamente. Sabemos o quanto a expectativa do professor influencia na crença que ele tem sobre a potencialidade de o aluno aprender e na condução de sua aula. Além disso, é preciso colaborar com o desenvolvimento de um ambiente coope- rativo e emocionalmente harmonioso para a convivência entre colegas e a construção de conhecimentos. No início de uma aula, o cérebro humano solicita fatos novos por meio de suas conexões neurais, pois a concen- tração inicial é fundamental para receber novas informa- ções, devido à produção de acetilcolina, que mantém os ...................................................................................................................................................................................................................... 56 Neurociência e educação inclusiva: a neuroplasticidade cerebral movimentos das sinapses da célula neural. E, muitas ve- zes, o que o professor acaba fazendo? Usa esses momen- tos iniciais e preciosos para o cérebro fazendo “chamada” ou “dando” informações que esse cérebro muitas vezes já conhece, como, por exemplo, revisão do que já foi dito. O professor precisa provocar inicialmente no educando aquilo que ele ainda não sabe ou não conhece e propor desafios. Relvas (2012, p. 58-59) sugere que o estudante tem de encontrar significado no que estuda. Para isso, o professor precisa: • Provocar desafios cognitivos. • Utilizar o espaço fora da sala de aula. • Criar projetos de leitura e escrita. • Ajudar os estudantes a preparar discursos. • Despertarpara os debates e elaborar palavras cruzadas. • Reescrever letras de músicas para trabalhar con- ceitos. • Trabalhar com jogos de estratégias. • Usar informações em gráficos. • Estabelecer linhas do tempo. • Proporcionar atividades de movimentos. • Desenhar mapas e labirintos. • Conduzir atividades de visualização. • Permitir a criação, valorizando o ritmo de cada um. • Designar projetos individuais e direcionados. ...................................................................................................................................................................................................................... 57E as sinapses? • Estabelecer metas. • Oferecer oportunidades de receberem informa- ções uns dos outros. • Envolver os alunos em projetos de reflexão, utili- zando-se de aprendizagem cooperativa. Glasser (1996 apud ZORZI, 2009, p. 174) concluiu que aprendemos: 70% do que discutimos, 80% do que experi- mentamos e 95% do que ensinamos a outra pessoa. Dessa forma, fica muito claro que atenção, motivação e aprendi- zagem precisam estar sempre unidas para um bom plane- jamento e exercício docente, sobretudo quando tratamos de alunos com necessidades educativas especiais que pre- cisam retirar as barreiras da aprendizagem para consoli- darem os esquemas de conhecimento. ...................................................................................................................................................................................................................... 58 Neurociência e educação inclusiva: a neuroplasticidade cerebral E A EMOÇÃO? COMO ELA INTERFERE NA APRENDIZAGEM? Como a aprendizagem é um processo que ocorre social- mente, a partir da interação com pessoas e objetos cultu- rais (VYGOTSKY, 1998), é pertinente compreender como as emoções podem interferir positiva e negativamente na aprendizagem dos alunos. Nesse sentido, fomentar as interações sociais por intermédio de grupos que incidam nas zonas de desenvolvimento proximais dos alunos (VY- GOTSKY, 1998) e estimular as relações cooperativas são elementos-chave para enriquecer o processo inclusivo. Para Relvas (2014), a aprendizagem está relacionada ao clima emocional e ao compartilhamento de saberes que promovam o desenvolvimento por meio da qualidade das interações vivenciadas. Assim, a autora lista os fatores que interferem no processo de aprendizagem de acordo com as bases neurocientíficas. A saber: 1. Sensação: nível mais primitivo de conhecimento sobre o mundo, proveniente dos órgãos dos sentidos. 2. Percepção: tomada de consciência em relação à sensação vivenciada. 3. Memorização: armazenamento e recuperação posterior de dados. ...................................................................................................................................................................................................................... 59E a emoção? Como ela interfere na aprendizagem? 4. Atenção: a principal competência cognitiva para o sucesso na aprendizagem. Utilizada nas funções executivas, nas quais a pessoa planeja, organiza e executa tarefas. 5. Motivação: o interesse permite a aceitação dos conteúdos apresentados. Os cinco “erres” do processo de ensino e aprendizagem em sala de aula (RELVAS, 2014): 1. Refletir: desafiar o cérebro do aluno, elevando a complexidade dos esquemas de conhecimento exis- tentes em sua estrutura cognitiva. 2. Recodificar: apresentar novos conceitos organi- zando as informações de modo diferente, para que o aluno assimile e aprenda. 3. Reforçar: enfatizar o que é mais significativo nas aulas de acordo com os conteúdos trabalhados. 4. Rever: reestruturar o que eles já aprenderam. 5. Recuperar: ativar a memória, lembrando de aulas anteriores, exemplificando e dando dicas. ...................................................................................................................................................................................................................... 60 Neurociência e educação inclusiva: a neuroplasticidade cerebral PLASTICIDADE CEREBRAL: COMO OCORRE A APRENDIZAGEM Finalmente chegamos a um ponto-chave para compreen- der as potencialidades do desenvolvimento dos alunos com deficiência: a plasticidade cerebral. Para Relvas (2012, p. 119), a plasticidade cerebral é a de- nominação das capacidades adaptativas do sistema ner- voso cerebral, ou seja, é a sua habilidade para modificar sua organização estrutural própria e seu funcionamento. É a capacidade que o cérebro tem em se remodelar em função das experiências do sujeito, reformulando as suas conexões em virtude das necessidades e dos fatores do meio ambiente. A plasticidade cerebral explica o fato de certas regiões do cérebro poderem substituir as funções afetadas por lesões cerebrais. Como tal, uma função perdida devido a uma le- são cerebral pode ser recuperada por uma área vizinha da zona lesionada. Contudo, a recuperação de certas funções depende de alguns fatores, como a idade do indivíduo, a área da lesão, o tempo de exposição aos danos, a natureza da lesão, a quantidade de tecidos afetados e os mecanis- mos de reorganização cerebral envolvidos, assim como outros fatores ambientais e psicossociais. A plasticidade é minimizar ou reverter uma adaptação funcional/estrutural do sistema nervoso central. A apren- dizagem é uma plasticidade cerebral. ...................................................................................................................................................................................................................... 61Plasticidade cerebral: como ocorre a aprendizagem Como já foi escrito, quando o estímulo já é conhecido do sistema nervoso central, desencadeia uma lembrança; quando o estímulo é novo, desencadeia uma mudança. E, dessa maneira, torna-se mais fácil compreender a apren- dizagem do ponto de vista neurocientífico. Por isso, atu- almente, toda a questão de aprender torna-se inesgotável, pois, se existem várias maneiras de aprender pelos cir- cuitos neurais, têm-se diferentes maneiras de se ensinar. Sendo assim, onde ficará a dificuldade tão comentada de alguns docentes que insistem em acreditar que seus alu- nos não aprendem? O professor que continuar tentando transmitir dados sem significados não provocará mecanismos de recompensa no cérebro do seu educando nem o prazer de aprender, o que se consegue com empatia e com uma reflexão diária, que passa pelo seguinte questionamento: quem é o aluno que eu quero formar? Como alcançarei esse objetivo? O professor precisa fazer valer o uso de recursos não ne- cessariamente tecnológicos, mas da extensão do próprio corpo, que é a principal ferramenta de aprendizagem. O professor precisa usar a voz, a emoção e o seu conheci- mento para planejar mediações eficazes e humanizadas. Ressaltamos, também, a utilização de vários sentidos, que funcionarão como janelas de comunicação e que provoca- rão a aprendizagem. Para Relvas (2009), todo ser humano deve ser preparado, especialmente pela educação que recebe na juventude, para elaborar pensamentos autônomos e críticos e “para formular os seus próprios juízos de valor, de modo a po- ...................................................................................................................................................................................................................... 62 Neurociência e educação inclusiva: a neuroplasticidade cerebral der decidir, para si mesmo, como agir nas diferentes cir- cunstâncias da vida” (DELORS et al., 1999, p. 99). É por meio de uma educação integral que o educando pode- rá, pelo conhecimento cognitivo, compreender o mundo que o cerca, pois compreenderá a si mesmo e terá um comporta- mento de ator participante, responsável e justo na constru- ção de seu tempo, de sua sociedade.Por isso, não devemos esquecer que, mais que nunca, a educação parece ter como papel essencial conferir a todos os seres humanos a liber- dade de pensar, de discernir, de sentir e de imaginar o que necessitam. Em outras palavras, confere o empoderamento a todos os atores participantes desse processo. A escola é constituída por profissionais que precisam cada vez mais estudar e se aperfeiçoar em saberes do contex- to da escolarização e da educação, não bastando apenas lançar e transmitir conteúdos. É preciso fazer o educando perceber e reconhecer suas habilidades e competências e, principalmente, ter autoconfiança. Ser professor é ocupar um lugar de desejo e pode repre- sentar um diferencial na vida dos alunos, ao marcá-los existencialmente com a representação de quem cuidou, acreditou e colaborou para o seu desenvolvimento. Apresentamos os aspectos relacionados ao cérebro e a sua funcionalidade não para nos prendermos às impossibilida- des que supostamente as características biológicas de algu- mas deficiências e síndromes trazem em sua conceituação, mas, sim, para que novas iniciativas e propostas de inter- venção pedagógica sejam lançadas de encontro ao processo de aprendizagem e desenvolvimento desses alunos. ...................................................................................................................................................................................................................... 63Plasticidade cerebral: como ocorre a aprendizagem Neste capítulo, você estudou os principais conceitos e meca- nismos explicativos da neurociência e as suas contribuições sobre o processo de aprendizagem, especialmente quando tratamos de alunos com alguma deficiência que necessitam de flexibilizações curriculares e formas criativas de usar to- dos os sentidos na dinâmica da aprendizagem. Por fim, falamos sobre a plasticidade cerebral como sendo uma condição inerente a todos os humanos, que apren- dem dia após dia e transformam o funcionamento do seu cérebro, ora para compensar funções cognitivas pouco de- senvolvidas, ora para potencializar as riquezas do desen- volvimento que existem em todos nós. 64 ...................................................................................................................................................................................................................... Neurociência e educação inclusiva: a neuroplasticidade cerebral REFERÊNCIAS DELORS, J. et al. Educação: um tesouro a descobrir: relató- rio para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educa- ção para o século XXI. 2. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC/Unesco, 1999. MARIN, M.; BRAUN, P. Ensino colaborativo como prática de inclusão escolar. In: GLAT, R.; PLETSCH, M. D. Estratégias educacionais diferenciadas: para alunos com necessida- des especiais. Rio de Janeiro: Eduerj, 2013. MOURA, M. L. S.; RIBAS, A. F. P. Bebês: ciência para conhe- cer, afeto para cuidar. Rio de Janeiro: Proclama, 2005. RELVAS, M. P. Fundamentos biológicos da educação: des- pertando a afetividade no processo de aprendizagem. Rio de Janeiro: WAK, 2009. . Neurociência aplicada na prática pedagógica. Rio de Janeiro: WAK, 2012. . Neurociência e os transtornos de aprendizagem: múltiplas eficiências para uma educação inclusiva. Rio de Janeiro: WAK, 2008. . Sob o comando do cérebro: entenda como a neu- rociência está no seu dia a dia. Rio de Janeiro: WAK, 2014. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998. ZORZI, J. L. Neurociência aplicada à aprendizagem. São José dos Campos: Pulso, 2009. 65 ...................................................................................................................................................................................................................... CAPÍTULO 3 PERSPECTIVA HISTÓRICO- CULTURAL DE LEV VYGOTSKY: REFLEXÕES SOBRE AS POSSIBILIDADES DE APRENDIZAGEM NO PROCESSO ESCOLAR DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA A primeira questão que um professor inserido em contex- to de Educação Especial deve se perguntar diante de seu aluno com deficiência é: todos têm condição de aprender? Independentemente de sua resposta, pois ela tem relação com a subjetividade e o sistema de crenças do professor e com os autores da aprendizagem que foram privilegia- dos em sua formação, é fundamental fazer uma segunda pergunta: e quando o meu aluno não aprender, eu tenho responsabilidade sobre isso? Somando-se às reflexões que refletem uma prática cons- ciente do papel político e social que o professor apresenta, ainda há uma terceira pergunta: se o aluno não aprender, o que eu devo fazer para transformar essa situação? Ter- minando com um questionamento existencial que coloca o professor dentro do seu papel de responsabilidade diante da opção que fez por se tornar educador e por trabalhar 66 ...................................................................................................................................................................................................................... Perspectiva histórico-cultural de Lev Vygotsky: reflexões sobre as possibilidades do processo escolar de alunos com deficiência com a mais importante matéria-prima da humanidade: a subjetividade. Essas três perguntas orientadoras estão fundamentadas na obra de Lev Vygotsky, pois, de todos os autores que rela- cionaram a psicologia à educação, ele foi o mais enfático ao exacerbar e dar a real dimensão da relevância da qua- lidade das interações sociais vivenciadas na escola tanto para a aprendizagem quanto para a formação da subjetivi- dade do aluno. Daí podemos trazer mais alguns questionamentos: como o aluno se sente diante das interações e atividades que são trabalhadas pelo educador na sala de aula? Como cada uma delas contribui para a sua aprendizagem e para a estrutu- ração de sua subjetividade? São interações que desenvol- vem ou que imobilizam a aprendizagem? Elas contribuem, efetivamente, para a construção de conceitos científicos e ressignificam toda a trama cultural existente em nosso meio? Diante da dificuldade do aluno, quais estratégias podem ser usadas para compensá-la? E, como esse fluxo de perguntas objetiva tornar nossos educadores pessoas reflexivas e autoras de sua história, ainda finalizamos com a pergunta: até que ponto o sistema de crenças do profes- sor influencia no sucesso da aprendizagem do seu aluno? Talvez essa seja a pergunta mais importante e que mais se comunique com a primeira do nosso bloco, pois as obser- vações da educação inclusiva tornam bem claro que as ex- pectativas positivas do professor influenciam diretamente na qualidade da aprendizagem do seu aluno, o que pode ser explicado pelo fato de a aprendizagem não ser um fe- nômeno inato ou que conte apenas com as predisposições genéticas para se desenvolver. 67A teoria de Lev Vygotsky ...................................................................................................................................................................................................................... A TEORIA DE LEV VYGOTSKY Na teoria de Lev Vygotsky (1998), a aprendizagem é um processo social e ocorre via mediação semiótica, por meio de processos dialógicos que recriam a cultura e transfor- mam a subjetividade das pessoas. Não nascemos prontos. Nosso cérebro é aberto e completamente permeável à ação do meio sociocultural para a formação dos processos psi- cológicos superiores. Neste capítulo, escrevemos para os futuros educadores e chamamos a sua atenção para a importância do seu papel social como mediadores entre o aluno e a cultura acadê- mica. Além disso, vamos explicar como ocorre o processo de desenvolvimento e aprendizagem na abordagem sócio- -histórica e, por fim, vamos tratar os mecanismos de com- pensação que promovem a neuroplasticidadee ajudam os alunos a compensarem as dificuldades cognitivas e psico- motoras relativas às deficiências. Entretanto, este texto não se resumirá às citações das obras de Lev Vygotsky. Ele propõe um diálogo contem- porâneo com as pesquisas de quatro professores que se dedicaram a compreender o desenvolvimento da cognição na Educação Especial: Omote (2013), que apresenta a psi- cologia sócio-histórica, fundamentando o uso das tecno- logias assistivas e digitais como meio de desenvolvimento de formas superiores de pensamento e inteligência entre os alunos com deficiência intelectual; Pletsch e Braun (2008), que analisam a aprendizagem do aluno com defici- 68 ...................................................................................................................................................................................................................... Perspectiva histórico-cultural de Lev Vygotsky: reflexões sobre as possibilidades do processo escolar de alunos com deficiência ência intelectual como sendo apenas uma forma diferen- ciada de desenvolvimento que necessita de compensações adequadas para a sua construção cognitiva; Kassar (2013), que aborda como as interações sociais e acadêmicas po- dem contribuir para o desenvolvimento dos alunos com deficiência intelectual, e, finalmente, Souza (2013), que analisa a relação entre a pobreza e a falta de assistência das políticas públicas com o crescente número de crianças com deficiência que nascem nas classes populares. Nes- se caso, a autora estabelece uma relação de contiguidade que pode ser refletida e denunciada pelos educadores que percebem a sua função social muito além da sala de aula, mas com responsabilidade sobre a formação humana que está intrinsecamente ligada às estruturas social, política e econômica. Dessa forma, a partir das releituras dos professores/pes- quisadores da Educação Especial na perspectiva de uma educação inclusiva, pretendemos dar uma diretriz que ex- plique as possibilidades de desenvolvimento cognitivo em todas as pessoas: a mediação semiótica — um encontro do aluno com a cultura por meio da atuação docente. Lev Vygotsky (1998), em seu contexto histórico, refutou os modelos explicativos lineares e universalistas e criou um outro paradigma de estudo na psicologia para compre- ender o processo de desenvolvimento humano. Baseado no materialismo histórico e dialético, compreendeu que o estudo da pessoa deveria acontecer em permanente movi- mento, pois todo fenômeno psicológico tem sua história, e ela se caracteriza por mudanças qualitativas e quantita- tivas ao longo da ontogênese. 69A teoria de Lev Vygotsky ...................................................................................................................................................................................................................... De acordo com essa teoria, uma pessoa que viveu há tem- pos passados não apresentará as mesmas características psicológicas dos sujeitos contemporâneos, pois o mundo se encontra em permanente mudança, e essas transforma- ções socioculturais são inerentes ao processo de constru- ção das funções psicológicas superiores, inerentes ao pro- cesso de formação da subjetividade, tipicamente humano. Para alcançar a dimensão histórica dos fenômenos psico- lógicos, Vygotsky e seus colaboradores de investigação defenderam que o pesquisador deveria reconstruir a ori- gem e o curso do desenvolvimento dos comportamentos humanos. Além disso, o fenômeno psicológico investiga- do deveria ser compreendido dentro de sua realidade con- creta, a partir dos elementos materiais e simbólicos com os quais a pessoa interagisse no seu meio sociocultural. Dessa forma, Vygotsky nos aponta uma outra inteligibili- dade para o desenvolvimento da pessoa, na qual as con- dições orgânicas e neurológicas não são mais importantes que os elementos concretos da realidade cultural, dentre eles, a qualidade das interações sociais. Vygotsky afirmou que o fato central da psicologia mate- rialista seria a mediação semiótica da vida mental, pois as relações do homem com o mundo seriam mediadas por outros homens ou por instrumentos culturais específicos de sua época (WERTSCH et al., 1985). Assim, o autor di- ferenciou duas formas de funcionamento psicológico hu- mano: o elementar e o superior (VYGOTSKY, 1998). O pri- meiro processo estaria relacionado às atividades humanas circunscritas ao próprio material genético da espécie e à 70 ...................................................................................................................................................................................................................... Perspectiva histórico-cultural de Lev Vygotsky: reflexões sobre as possibilidades do processo escolar de alunos com deficiência sua maturação biológica. Seriam processos inatos, como os reflexos, as reações automáticas e as associações sim- ples. Processos que não contribuiriam para qualquer dife- renciação entre as pessoas ao longo dos tempos e da cul- tura, pois não sofreriam influência do meio sociocultural. Para Vygotsky (1994), é a possibilidade de relacionar-se, de compreender e ser compreendido, de comunicar-se com os demais que promovem o desenvolvimento psico- lógico do homem. Segundo ele: Desde os primeiros dias do desenvolvimento da criança, suas atividades adquirem um significado próprio num sistema de comportamento social e, sendo dirigidas a objetos definidos, são refratadas através do prisma do ambiente da criança. [...] Essa estrutura humana complexa é o produto de um pro- cesso de desenvolvimento enraizado nas ligações entre a história individual e a história social. (VY- GOTSKY, 1994, p. 40) Já os processos psicológicos superiores estariam direta- mente relacionados com a atuação mediada do homem no mundo. Os signos ideológicos e os instrumentos culturais específicos de cada época modificam qualitativamente o funcionamento de funções mentais como a atenção vo- luntária, a memória lógica, a inteligência, a formação de conceitos, o desenvolvimento da vontade e a percepção (KASSAR, 2013). Para o autor, o surgimento das funções mentais superio- res no desenvolvimento neurológico não acontece aparta- do das funções elementares. Há uma construção dialética bem complexa entre a estrutura biológica e o meio social, 71A teoria de Lev Vygotsky ...................................................................................................................................................................................................................... pois, ao assimilar as influências externas, o faz de acordo com o nível de desenvolvimento neurológico que apresenta. Todo o sistema nervoso central está sob o controle do córtex cerebral e recebe as informações do meio cultural para se desenvolver. O meio social é formado por signos e instrumentos culturais produzidos pela própria humani- dade, gerando uma relação dialética entre a cultura e seres humanos. E como podemos relacionar esses conceitos com o proces- so de desenvolvimento da pessoa com deficiência? Para Lev Vygotsky, a pessoa com deficiência terá o mesmo pro- cesso de desenvolvimento; entretanto, ele pode ocorrer de forma mais lenta e precisará de estratégias compensató- rias que dotem a pessoa de capacidade para compensar as estruturas cognitivas que ela ainda não construiu. Essa é uma noção que potencializa a ação docente, por meio da escolarização inclusiva e dos projetos de aten- dimento educacional especializado – AEE e de tecnologia assistiva, na medida em que eles se constituem como os instrumentos culturais e simbólicos que compensarão as deficiências apresentadas — uma oportunidade de o alu- no ter o apoio necessário para suas construções cognitivas na escolarização. Para Vygotsky (1993), os instrumentosculturais e os sig- nos são mediadores por excelência da constituição do su- jeito, pois permitem a transformação do mundo, a comu- nicação e a construção de processos psicológicos próprios de cada época e lugar. Essa teoria nos permite compreen- 72 ...................................................................................................................................................................................................................... Perspectiva histórico-cultural de Lev Vygotsky: reflexões sobre as possibilidades do processo escolar de alunos com deficiência der que cada geração criará instrumentos culturais espe- cíficos para as suas necessidades e, por conseguinte, cons- truirá habilidades cognitivas para se relacionar com eles, pois os processos psicológicos superiores são construídos nas interações sociais, nos encontros realizados entre os sujeitos e entre os sujeitos e os objetos. A partir dessa teoria, podemos inferir que as pessoas com deficiência apresentam um potencial ilimitado de constru- ções psíquicas e cognitivas, dependendo de como serão trabalhadas e de quais expectativas teremos sobre elas. Vygotsky (1997) compreendeu que nos obstáculos colo- cados pela deficiência pode haver uma mola propulsora para a busca por sua superação, por intermédio de “rotas alternativas” que serão construídas pela neuroplasticida- de cerebral. Esse postulado foi desenvolvido no trabalho Fundamen- tos da defectologia (1997), no qual Vygotsky afirma que os princípios fundamentais do desenvolvimento humano são os mesmos para as crianças com ou sem deficiência. Para ele, as limitações interpostas pela deficiência funcio- nam como um elemento motivador, como um estímulo, uma “compensação”, para a busca de caminhos alternati- vos na execução de atividades ou na superação de objeti- vos impossibilitados pela deficiência. Vygotsky ressalta uma dimensão positiva advinda das li- mitações interpostas pela deficiência, pois, para ele, todo “defeito” mobiliza os estímulos necessários para elaborar uma compensação. Dessa forma, a avaliação do desenvol- vimento da criança com deficiência não pode limitar-se 73A teoria de Lev Vygotsky ...................................................................................................................................................................................................................... a determinar o nível e a gravidade do deficit, mas deve oferecer as explicações necessárias sobre as possibilida- des compensatórias que nivelem o desenvolvimento da criança. Para Pletsch e Braun (2008), quando o professor pro- porciona elementos pedagógicos baseados na “compen- sação”, ele não intenciona curar a deficiência, mas está construindo alternativas que podem contribuir para o desenvolvimento de áreas potenciais de cognição — uma postura pedagógica que antecipa a ideia que proporciona a plasticidade cerebral. Portanto, a promoção do desenvolvimento do sujei- to com deficiência mental está diretamente relacio- nada às possibilidades para “compensar” seu deficit oferecidas a ele na interação social. Em outras pa- lavras, o processo não é espontâneo, mas mediado pelo outro. (PLETSCH; BRAUN, 2008, p. 5) Além do aspecto prospectivo com que Vygotsky com- preendeu o desenvolvimento da pessoa, Pletsch e Braun (2008) fazem uma leitura da obra do autor explicando que as leis que regem o desenvolvimento da pessoa com defi- ciência intelectual são as mesmas que regem o desenvol- vimento das demais pessoas, um fato que se repete no processo de construção de conhecimento (VYGOTSKY, 1997), pois, para o autor, a criança cujo desenvolvimen- to foi comprometido por alguma deficiência não é menos desenvolvida do que as crianças “normais”. É uma criança que se desenvolve de outra maneira, pois o desenvolvi- mento é resultado da síntese entre os aspectos orgânicos, socioculturais e emocionais, manifestando-se de forma peculiar e diferenciada em sua organização sociopsicoló- 74 ...................................................................................................................................................................................................................... Perspectiva histórico-cultural de Lev Vygotsky: reflexões sobre as possibilidades do processo escolar de alunos com deficiência gica — uma assertiva que deixa bem claro o quanto os pro- cessos de desenvolvimento são incomparáveis por serem singulares e dependerem da intrincada relação dialética entre fatores internos e externos ao sujeito, um processo aberto, sem etapas nem expectativas prévias, que permite ao professor trabalhar com as zonas de desenvolvimento proximais, trazendo os elementos cognitivos que devem ser desenvolvidos na aprendizagem do aluno. Fazendo uma análise da cognição das crianças com defi- ciência intelectual, Pletsch e Braun (2008, p. 3) analisam as “alterações nos processos mentais que interferem na aquisição da leitura, dos conceitos lógico-matemáticos, na realização das atividades da vida diária, no desempenho social, entre outras habilidades”, uma situação que pode ser reforçada pela expectativa negativa do professor em relação à potencialidade da aprendizagem do aluno e que dá margem para se tornar ainda mais deficitária, [...] na medida em que se destinam para estes alu- nos experiências de aprendizagem que mobilizam basicamente os processos psicológicos elementares com um significativo distanciamento da cultura. (FERREIRA, 2003, p. 136) Para Pletsch e Braun (2008), a escola e as mediações do professor são fundamentais no desenvolvimento da crian- ça, pois podem promover novas formas de construção do conhecimento que superem a aprendizagem dos conceitos meramente espontâneos ou elementares e cheguem aos conceitos científicos. É nesta direção que enfatizamos a importância da promoção e mediação, desde os primeiros anos de 75A teoria de Lev Vygotsky ...................................................................................................................................................................................................................... vida, de atividades culturalmente ricas, que possibi- litem o desenvolvimento das funções psicológicas superiores mediante programas de estimulação es- sencial ou precoce. Além disso, é preciso deter o foco educacional em atividades que possibilitem à criança desenvolver a zona de desenvolvimento proximal (ZDP), e não ficar “presa” às dificuldades relacionadas à “deficiência primária”. (PLETSCH; BRAUN, 2008, p. 3-4) Esses postulados respondem às perguntas iniciais do tex- to? A pesquisa de Pletsch e Braun (2008) nos fundamen- ta a acreditar na capacidade de o aluno com deficiência construir conhecimento por meio de mediações estrategi- camente planejadas para esse fim? 76 ...................................................................................................................................................................................................................... Perspectiva histórico-cultural de Lev Vygotsky: reflexões sobre as possibilidades do processo escolar de alunos com deficiência INSTRUMENTOS CULTURAIS E SIGNOS NA FORMAÇÃO HUMANA Os instrumentos culturais são elementos externos ao su- jeito que apresentam como função a transformação dos objetos e o controle da natureza. Na história do homem primitivo, eles eram representados pelos artefatos que permitiam uma maior transformação do meio ambiente, como os machados, as facas, as pedras, entre outras fer- ramentas que tornavam a vida humana menos selvagem. Já nos dias atuais, encontramos uma multiplicidade de instrumentos culturais altamente sofisticados e produzi- dos por profissionais especialmente qualificados. Esses instrumentos nos incitam à construção de novas formas de pensamento e relação com o meio ambiente,pois ne- cessitam de funções psicológicas diferenciadas para a sua utilização. Os signos são instrumentos psicológicos orientados para o próprio sujeito, para o controle de suas ações psicológicas. Como exemplos de signos, é possível destacar a linguagem, bem como todas as formas de comunicação e expressão de ideias, sentimentos e juízos de valores. Na atualidade, convivemos com uma pluralidade de jogos de linguagens, que se apresentam por imagens, palavras abreviadas, sím- bolos, entre outros códigos que são adotados por alguns grupos sociais e vêm transformando sua forma de se rela- cionar com o conhecimento e com a comunicação. 77Instrumentos culturais e signos na formação humana ...................................................................................................................................................................................................................... No caso de pessoas com deficiência que utilizam códigos de comunicação aumentativa, percebemos que os signos transformam as relações de comunicação e de inteligibi- lidade que as pessoas têm na atualidade, necessitando de novas formas de interpretação e de expressão. É importante destacar também que tanto os instrumentos como os signos estão interligados e são igualmente impor- tantes na constituição da pessoa, pois a alteração da natu- reza pelo homem provoca sua própria alteração; provoca a construção de novos processos psicológicos superiores. E com as pessoas com deficiências não é diferente. A rique- za de oportunidades interativas geradas pela tecnologia assistiva e todas as adaptações curriculares promoverão a aprendizagem e o desenvolvimento de processos mentais cada vez mais especializados. A tecnologia assistiva é o conjunto de recursos e serviços usados para proporcionar ou ampliar habilidades funcio- nais de pessoas com deficiência, promovendo mais inde- pendência e inclusão em sua vida (SCHIRMER et al., 2007). Os recursos de informática existentes e o acesso à internet e às ferramentas disponíveis no ambiente virtual, aliados à definição de políticas públicas direcionadas ao AEE, co- locam as tecnologias de informação e comunicação como [...] um elemento imprescindível para a implemen- tação de um sistema educacional inclusivo, pois possibilitam o acesso às informações, acesso aos conteúdos curriculares, bem como a organização diferenciada das atividades de forma a atender às condições e características do aluno, ou seja, às suas especificidades. (GIROTO; POKER; OMOTE, 2012, p. 17) 78 ...................................................................................................................................................................................................................... Perspectiva histórico-cultural de Lev Vygotsky: reflexões sobre as possibilidades do processo escolar de alunos com deficiência Vemos, nesse sentido, a tecnologia sendo usada de for- ma planejada, como elemento mediador na construção de processos psicológicos superiores tanto para os desafios acadêmicos trazidos cotidianamente quanto na prepara- ção desse aluno para o mundo de trabalho. Com o uso das tecnologias de informação e comunicação, pode haver uma compensação de deficiências que impossibilitariam essa pessoa de exercer uma atividade profissional. Fato que é corroborado por Carvalho (2001, p. 67), que afirma: [...] a informática e as demais tecnologias de infor- mação e comunicação não representam um fim em si mesmas. São procedimentos que poderão melho- rar as respostas educativas da escola e contribuir, no âmbito da educação especial, para que alunos cegos, surdos, com retardo mental, com paralisia cerebral, paraplégicos, autistas, multideficientes, superdotados, dentre outros, possam atingir maior qualidade nos seus processos de aprendizagem e de exercício da cidadania. Um trabalho que tanto pode ser desenvolvido nas salas co- muns quanto nas salas de recursos multifuncionais com professores especializados nessas tecnologias, a fim de que a escola se torne um ambiente fecundo e produtivo para a construção de conhecimento e habilidades profissionais, o que ocorrerá à medida que os recursos de acessibilidade da tecnologia assistiva passem a neutralizar as barreiras cau- sadas pela deficiência e ajudem, efetivamente, na inserção desse indivíduo em ambientes qualitativamente ricos para a aprendizagem e o desenvolvimento proporcionados pela cultura escolar, isto é, quando o aluno se perceber como um sujeito ativo na construção do seu conhecimento e sua subjetividade, vivenciando situações nas quais 79Instrumentos culturais e signos na formação humana ...................................................................................................................................................................................................................... [...] ele possa, a partir de seus próprios interesses e dos conhecimentos específicos que já traga consi- go, exercitar sua capacidade de pensar, comparar, formular e testar ele mesmo suas hipóteses, rela- cionando conteúdos e conceitos. E possa também errar, para que reformule e reconstrua suas hipó- teses, depurando-as. (GALVÃO FILHO, 2012, p. 78) A qualidade das experiências sociais formará a estrutu- ra dos processos compensatórios, e a tecnologia assistiva pode ser um [...] elemento catalisador e estimulador na cons- trução de novos caminhos e possibilidades para o aprendizado e desenvolvimento, na medida em que se situa como instrumento mediador, disponi- bilizando recursos para o “empoderamento” dessa pessoa, permitindo que possa interagir, relacio- nar-se e competir em seu meio com ferramentas mais poderosas, proporcionadas pelas adaptações de acessibilidade de que dispõe. (GALVÃO FILHO, 2012, p. 78) E como ocorrem essas construções cognitivas na estrutura cerebral? As transformações na estrutura psicológica da pessoa cita- da não se localizam na morfologia do órgão cerebral, pois ele apresenta uma notável plasticidade, que possibilita a organização de sua estrutura e de seu modo de funciona- mento de acordo com as atividades culturais da espécie. Para compreender o funcionamento cerebral humano, é preciso recorrer à ideia de um sistema funcional aberto, pois os processos psicológicos superiores não podem ser localizados em pontos específicos do cérebro. São “orga- 80 ...................................................................................................................................................................................................................... Perspectiva histórico-cultural de Lev Vygotsky: reflexões sobre as possibilidades do processo escolar de alunos com deficiência nizados a partir da ação de diversos elementos que atuam de forma articulada, cada um desempenhando um papel naquilo que se constitui como um sistema funcional com- plexo” (OLIVEIRA, 1992, p. 25). Sendo assim, essa abordagem teórica nos permite com- preender que o sujeito, independentemente de apresentar alguma deficiência ou não, será o resultado de sua ativida- de no meio sociocultural. Seus processos psicológicos su- periores serão construídos ao longo da história social, no contato com outros homens e com suas produções cultu- rais, pois os instrumentos e signos definirão quais as pos- sibilidades de funcionamento cerebral que serão concre- tizadas e mobilizadas na realização de diferentes tarefas. E, quando tratamos de crianças com deficiência, sabemos que elas apresentam um processo de desenvolvimento re- pleto de compensações que devem ser estimuladas pelos educadores para sanar as dificuldades cognitivas e senso- riais apresentadas. Carvalho (2006, p. 37) afirma que é possível construir co- nhecimento ao [...] desafiar a pessoa com deficiência, estabelecer para ela as mesmas metas educacionais que para os demais, asseguraro acesso efetivo aos bens cul- turais, mesmo que isso implique a necessidade de uso de recursos especiais, mesmo que isso deman- de uma ação mais intensiva do outro. Isto é, uma construção de conhecimento partilhada, em que a mediação do outro se constitui como uma interfe- rência positiva ao incidir sobre as zonas de desenvolvi- mento proximal do aluno. 81Instrumentos culturais e signos na formação humana ...................................................................................................................................................................................................................... Os estudos neurocientíficos têm explicado que a utiliza- ção feita pelo cérebro de vias compensatórias é chamada de “plasticidade cerebral”. Essa constituição ocorre me- diante a qualidade das interações, dos estímulos externos, para a aceleração do aparecimento dessas novas redes neurais, tanto para a realização da cognição quanto para a substituição de lesões neurológicas, por meio da realiza- ção de novas conexões entre os neurônios saudáveis, que restauram a funcionalidade cerebral. A neurociência já consegue provar que [...] a partir de uma lesão ocorrida, o cérebro é capaz de realizar novas conexões entre os neurônios sau- dáveis, as quais permitem que esse cérebro passe a comandar e controlar, a partir da estimulação des- ses neurônios saudáveis, as mesmas atividades mo- toras, por exemplo, que normalmente só poderiam ser executadas em decorrência das conexões dos neurônios que foram lesados. E isso porque, como mostra Peres (2003, p. 84), “muitas das sinapses preexistentes no sistema nervoso central permane- cem inativas ao longo da vida e somente serão ativa- das se ocorrer uma lesão como na paralisia cerebral, mostrando que as conexões sinápticas podem ser modificadas permitindo a aprendizagem. (GALVÃO FILHO, 2012, p. 75) Dessa forma, os educadores devem criar as condições favoráveis à aprendizagem, desafiando e estimulando o aluno para que ele possa compensar as deficiências e aprender com os seus processos psicológicos superiores de análise, comparação, avaliação e síntese, entre outras competências cognitivas que permitirão uma aprendiza- gem ativa, autônoma e relacionada às suas experiências. Somente dessa forma o aluno terá o empoderamento ne- ...................................................................................................................................................................................................................... 82 ...................................................................................................................................................................................................................... Perspectiva histórico-cultural de Lev Vygotsky: reflexões sobre as possibilidades do processo escolar de alunos com deficiência cessário para construir seus conhecimentos e ressignificar todo o modelo de escolarização que apresenta tímidas ex- pectativas em relação aos alunos deficientes. E essa transformação será a base de estruturação de outra sociedade, que terá a inclusão e a crença no empodera- mento de pessoas com deficiência dentro de seus pressu- postos. ...................................................................................................................................................................................................................... 83Aprendizagem via interação e compensação: a zona de desenvolvimento proximal ...................................................................................................................................................................................................................... APRENDIZAGEM VIA INTERAÇÃO E COMPENSAÇÃO: A ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL Em mais uma versão humanizada sobre o desenvolvimen- to e a aprendizagem, Vygotsky, que foi professor, contra- põe-se aos modelos de análise psicométrica de sua épo- ca e defende que o mais importante não é saber o que o aluno já sabe ou apenas o seu nível de desenvolvimento real. Um professor precisa saber o que o aluno está em vias de construir, o que ele está apresentando em formas embrionárias, pois precisa de mais tempo ou de interação com pares mais capazes para consolidar sua aprendiza- gem. Seria mais indicativo do seu desenvolvimento o que consegue fazer em cooperação, para ele poder incidir so- bre essa construção. Assim, o professor poderia mediar a construção de processos cognitivos que ainda não estão consolidados, de modo que houvesse aprendizagem — o que desencadearia novos processos de desenvolvimento. Nessa perspectiva, ele abordou a relação entre a aprendi- zagem e o desenvolvimento de forma consecutiva, pois compreendeu que, inicialmente, a criança aprende e, de- pois, desenvolve-se, amadurecendo as estruturas neuro- lógicas necessárias para fundamentar a aprendizagem. Nesse modelo, há uma diferença entre o nível de desen- volvimento real, que é o indicativo da capacidade mental do aluno ou do que consegue fazer sozinho, pois esses processos de aprendizagem já estão consolidados, e o ní- ...................................................................................................................................................................................................................... 84 ...................................................................................................................................................................................................................... Perspectiva histórico-cultural de Lev Vygotsky: reflexões sobre as possibilidades do processo escolar de alunos com deficiência vel de desenvolvimento potencial, que indica aonde o alu- no pode chegar se contar com interações qualitativamente favoráveis ao seu desenvolvimento. Portanto, o nível de desenvolvimento potencial se tornará, no futuro, o nível de desenvolvimento real do aluno, e a distância entre ambos os níveis é chamada de zona de de- senvolvimento proximal – ZDP. A ZDP é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar por meio da solução in- dependente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado pela solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com um com- panheiro mais capaz. A ZDP define funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação. Portanto, ela permi- te delinear o futuro imediato do aluno e seu estado dinâ- mico de desenvolvimento. Um trabalho de educação inclusiva não deve enfocar o de- ficit do aluno, mas, sim, suas possibilidades de desenvol- vimento, contando que interações favoráveis o ajudarão a compensar as aprendizagens ainda embrionárias, supe- rando os deficit sensoriais, linguísticos, conceituais, entre outros. Para isso, o PEI pode trazer as rotas de aprendiza- gem adequadas para a superação necessária às constru- ções de conhecimento. Detalharemos mais adiante todos os aspectos que constituem o PEI para a aprendizagem e o desenvolvimento de alunos com deficiências. ...................................................................................................................................................................................................................... 85Aprendizagem via interação e compensação: a zona de desenvolvimento proximal ...................................................................................................................................................................................................................... Retornando às perguntas que nos ajudam a refletir sobre novas concepções de aprendizagem na educação inclusi- va, sabemos que, para estruturar um PEI, o professor se pergunta: quem é esse aluno? O que ele já sabe? O que precisa aprender? O que vai ser ensinado? Para que vai ser ensinado?Por quem vai ser ensinado? Onde vai ser desen- volvida a proposta? Quando vai ser desenvolvida? Como vai ser desenvolvida? Que recursos serão utilizados? De que maneira vai ser avaliado o processo? Em outras palavras, ele planeja todo o processo de cons- trução de conhecimento levando em consideração os re- cursos pessoais do aluno, da mediação docente e da insti- tuição. Um planejamento que deve estar fundamentado na construção dos conceitos científicos pelo aluno. 86 ...................................................................................................................................................................................................................... Perspectiva histórico-cultural de Lev Vygotsky: reflexões sobre as possibilidades do processo escolar de alunos com deficiência A SOFISTICAÇÃO DO CONHECIMENTO POR MEIO DA CONSTRUÇÃO DOS CONCEITOS CIENTÍFICOS A vida humana é permeada pela construção de conceitos desde a infância. Quando o bebê nasce, não tem a consci- ência nem de si e nem do mundo e vai elaborando essas compreensões ao longo de suas interações — um processo resultante de atividade cognitiva complexa, na qual todas as funções intelectuais básicas, como atenção deliberada, memória lógica, abstração, imaginação, comparação, sis- tematização, diferenciação, entre muitas outras, fazem parte de uma passagem do sincretismo para o reconheci- mento dos objetos e conceitos. Porém, quando perguntamos como ocorre a ontogênese da construção dos conceitos na vida humana, Vygotsky a sistematiza em três fases. A começar pela agregação desorganizada, na qual objetos e percepções são vagamente reconhecidos e há o predo- mínio de um sincretismo. Nessa fase, a criança interage com o adulto e partilha o mesmo significado da palavra, sem, contudo, compreender exatamente o conceito que está sendo partilhado. Na segunda fase há um pensamento por complexos, pois os objetos já são compreendidos por meio das relações concretas que foram vivenciadas pelas crianças. Posterior- 87A sofisticação do conhecimento por meio da construção dos conceitos científicos ...................................................................................................................................................................................................................... mente, há operações intelectuais em que os conceitos são identificados na combinação de objetos em grupos, com base em alguma característica que os torne diferentes e, ao mesmo tempo, complementares entre si. Na terceira fase, o grau de abstração será usado para as operações mentais de generalização (unir) e de diferencia- ção (separar). Nessa fase, há uma consciência da própria atividade mental da criança porque implica uma relação singular com o objeto, posto que ela vai internalizar o que é essencial do conceito e da relação representados em um sistema. Vygotsky (1994) também tratou dos conceitos cotidianos e científicos que vão desde a experiência pessoal da crian- ça até a instrução escolar, com a aprendizagem na sala de aula, em uma relação dialética cujos conceitos se rela- cionam entre si. Para o autor, os conceitos espontâneos e os científicos não estão em conflito; ao contrário, fazem parte de um mesmo processo, formando-se e desenvol- vendo-se sob condições externas e internas diferentes e motivados por objetivos também diferentes. Os conceitos espontâneos são criados a partir da percep- ção e da linguagem, mas não apresentam organização consistente. Já os científicos sempre serão mediados por outros conceitos, que se organizam hierarquicamente em conceitos supraordenados e subordinados. Nas experiências cotidianas, a criança centra-se na inte- ração com os objetos e não tem consciência de conceitos, porque pode não apresentar as estruturas intelectuais 88 ...................................................................................................................................................................................................................... Perspectiva histórico-cultural de Lev Vygotsky: reflexões sobre as possibilidades do processo escolar de alunos com deficiência necessárias a essa operação. Percebemos que a criança vai compreender seus conceitos espontâneos mais tarde, muito depois de apresentar a capacidade de falar sobre e de operar com eles. Ela possui o conceito [...], mas não está consciente do seu próprio ato de pensamento. O desenvolvi- mento de um conceito científico, por outro lado, geralmente começa com sua definição verbal e com sua aplicação em operações não espontâneas [...]. Poder-se-ia dizer que o desenvolvimento dos conceitos espontâneos da criança é ascendente (indutivo), enquanto o desenvolvimento dos seus conceitos científicos é descendente (dedutivo). (VY- GOTSKY, 1994, p. 93) Só poderá haver construção de conceito científico e apren- dizagem se os conceitos espontâneos já tiverem um grau de desenvolvimento, o que denota uma relação de com- plementaridade entre eles. Na escola, explorar as experi- ências pessoais da criança vai ajudá-las a compreender conceitualmente o que ocorre nos conteúdos escolares trabalhados. E, na educação inclusiva, existe essa complementaridade entre conceitos espontâneos e científicos trabalhados na escola? E como eles são trabalhados quando há um aluno com deficiência intelectual? Kassar (2013) cita a importante crítica feita ao processo de ensino dos alunos com deficiência intelectual pelo pre- domínio de metodologias voltadas para um mecanicismo repetitivo, pois os professores “se baseiam na desconside- ração da utilização da atividade intelectual na elaboração de trabalhos manuais e ‘simplificados’” (p. 165). Muitos 89A sofisticação do conhecimento por meio da construção dos conceitos científicos ...................................................................................................................................................................................................................... professores não conseguem compreender que mesmo em atitudes cotidianas há uma operação mental que é con- siderada psiquicamente superior por ter sido aprendida em situação de mediação social, portanto, uma postura inteligente. Trata-se de metodologias de escolarização que denunciam a forma restritiva como os alunos com defici- ência intelectual são educados. Para a autora, [...] a baixa expectativa é construída socialmente e nossa desconsideração sobre as possibilidades de desenvolvimento que essas pessoas já apresentam apenas contribuem para a manutenção de seu esta- do como dependentes/incompetentes sociais. (KAS- SAR, 2013, p. 168) A passagem sinaliza, mais uma vez, que os professores podem estar deixando de ousar e promover construções cognitivas mais científicas por desconhecimento da capa- cidade dos alunos, uma escolha que trará influências não apenas na formação cognitiva, mas na própria formação da subjetividade. Para Galvão Filho (2012, p. 76), quando um aluno com de- ficiência ingressa em um sistema educativo tradicional, ele [...] vivencia interações que reforçam uma postura de passividade diante de sua realidade, de seu meio. Frequentemente é submetido a um paradigma edu- cacional no qual continua a ser o objeto, e não o sujeito, de seus próprios processos. Paradigma esse que, ao contrário de educar para a independência, para a autonomia, para a liberdade no pensar e no agir, reforça esquemas de dependência e submis- são. É visto e tratado como um receptor de infor- mações e não como construtor de seus próprios conhecimentos. 90 ...................................................................................................................................................................................................................... Perspectiva histórico-cultural de Lev Vygotsky: reflexões sobre as possibilidadesdo processo escolar de alunos com deficiência Bonilla (2005, p. 69) explica que essa postura pedagógica resulta de [...] padrões naturalizados pela escola, os métodos e programas calcados em lógicas lineares e a preocu- pação demasiada em possibilitar aos educandos o mero acesso a informações, descuidando-se de tor- ná-las significantes. Presa a ritos e padrões, a escola se fechou para as transformações sociais que ocor- rem no contexto onde está inserida, de forma que hoje se observa uma distância muito grande entre o mundo da escola e o mundo fora dela, seja este o mundo do trabalho, seja o do lazer. O que defendemos é o paradigma de o professor ver o aluno com deficiência a partir do seu potencial, pois sabe- mos que a missão do educador não é facilitar ou diminuir as dificuldades para o aluno com deficiência, mas, sim, desafiá-lo, estimulando-o para que ele mesmo encontre as soluções para seus próprios problemas, para crescer com autonomia e com elementos de significação de empodera- mento fazendo parte de sua subjetividade. Engana-se quem acredita que a escola e as interações es- colares são significativas apenas para a aprendizagem de conceitos científicos. Ao aprender sobre o mundo, o aluno estará construindo a compreensão sobre ele próprio e seu papel no mundo. Da dinâmica do desenvolvimento, além da aprendizagem, há a constituição da subjetividade. Sabemos que muitos alunos com deficiência, ao se desen- volverem na interação com seus pares (familiares, amigos 91A sofisticação do conhecimento por meio da construção dos conceitos científicos ...................................................................................................................................................................................................................... e parceiros de escolarização), podem construir autocon- ceitos diferenciados: positivos, negativos, inseguros, em- ponderados, entre outros. Mas o que Lev Vygotsky tem a nos falar sobre o processo de formação da subjetividade? Construída socialmente, a formação da subjetividade não acontece sob a forma de um determinismo linear. Ela se constitui no contato com outros sujeitos, ao internalizar as significações construídas nesse encontro tanto sobre a cultura quanto sobre a própria pessoa (VLIESE, 2001). Assim, a subjetividade se configura como um processo em permanente movimento na vida do sujeito, pois as intera- ções sociais sempre provocarão transformações nos ho- mens. As interações sociais possibilitam a criação de uma cadeia de significados na qual os sentidos se transformam infinitamente, criando elos que se renovam e renascem intermitentemente. Assim, as marcas da deficiência são apenas um dos elos que fazem sentido em uma trama complexa que é a vida humana, e uma educação inclusiva que faça parte de uma sociedade democrática pode inserir novos significados que renovem as concepções e as cren- ças sobre o que é ter uma deficiência. Parafraseando Vy- gotsky (1994, p. 48), “cada minuto do homem está pleno de possibilidades não realizadas”. Além disso, a subjetividade individual é um movimento dialético e contínuo de construção subjetiva e reconstru- ção cultural da sociedade, pois o processo de constituição do sujeito transforma os elementos culturais que alicer- çam a subjetividade individual (REY, 1997). 92 ...................................................................................................................................................................................................................... Perspectiva histórico-cultural de Lev Vygotsky: reflexões sobre as possibilidades do processo escolar de alunos com deficiência Nesse complexo sistema de significados e sentidos cons- truídos socialmente, assistimos à constante ressignifi- cação do sujeito, pois o processo de sua constituição é intermitente. É mediado, datado, histórico, construído no encontro das consciências, o que nos permite compreen- der que a subjetividade ganha uma configuração caleidos- cópica, na medida em que não para de assumir diversos contornos, cores, sentidos e formas. É um movimento hu- mano que nos permite “viver a existência de forma única, no entrecruzamento de diversos vetores de subjetivação” (MIRANDA, 2000, p. 38). Dessa forma, o homem é existencialmente livre para se constituir com os elementos que desejar internalizar em sua estrutura subjetiva. Mas daí podemos indagar: por que ainda existem tantas crenças de baixa potencialidade nas pessoas com deficiência? Será que elas são refletidas no olhar, nas palavras e nos julgamentos de incapacidades que são projetados sempre que um deficiente está intera- gindo? Em se tratando dessas condições socioculturais, como a infraestrutura material pode influenciar o desenvolvimento e a subjetividade? As palavras de Vygotsky nos permitem compreender que a subjetividade é uma internalização das relações sociais, uma internalização do nosso encontro com o outro, com suas palavras e suas atitudes. No entanto, esse processo não é realizado sob a forma de uma cópia, mas sob a forma de uma produção singular, 93A sofisticação do conhecimento por meio da construção dos conceitos científicos ...................................................................................................................................................................................................................... pois, ao internalizar, o sujeito já transforma o conteúdo internalizado. O que é incorporado no processo de for- mação da subjetividade do sujeito não é simplesmente a relação interpessoal vivenciada, mas a produção de sig- nificações que emergiram daquele encontro com o outro (SIRGADO, 2000). Em outras palavras, é possível compre- ender que o que foi vivenciado interpessoalmente torna-se intrapessoal ao ser reconstruído internamente, por meio de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do de- senvolvimento do sujeito (VYGOTSKY, 1998). No entanto, além dessa leitura cognitiva e até existencial dos processos de desenvolvimento, há os fatores mate- riais, que refletem a estruturação da nossa sociedade com todas as relações de desigualdade e falta de equidade que a nossa realidade apresenta. Nesse sentido, Souza (2013, p. 35) nos remete a um dado estatístico surpreendente e chocante: [...] há uma maior incidência de pessoas com defici- ência em grupos sociais que vivem sob a condição da pobreza e da vulnerabilidade social, ou seja, do baixo IDH. [...] Em outras palavras: segundo os do- cumentos acima citados, uma pessoa que vive em condição de pobreza, em virtude da precariedade de acesso a seus direitos básicos (saúde, educação, saneamento, entre outros), tem maior probabilida- de de adquirir algum tipo de deficiência ou de gerar filhos com deficiência. Por outro lado, ser deficiente com dificuldades de ter acesso a seus direitos bási- cos, condições em que muitos vivem, sobretudo nos países mais empobrecidos ou mesmo nos conside- rados emergentes, acaba por ser um dos principais fatores que acentuam as possibilidades de vida em meio à pobreza e miserabilidade. 94 ...................................................................................................................................................................................................................... Perspectiva histórico-cultural de Lev Vygotsky: reflexões sobre as possibilidades do processo escolar de alunos com deficiência A situação de pobreza não seria, contudo, condição para a produção da deficiência, mas a ausência de políticas pú- blicas de atenção à gestante e à primeira infância pode explicar os dados do Relatório Mundial sobre Deficiência, que apontaram para: [...] um aumento na estimativa percentual de pesso- as que vivem em situação de deficiência — dos 10% estimados anteriormente pela OMS (2010), para 15% daeducacionais, inúmeras pesquisas têm sido produzidas nos últimos anos em dife- rentes áreas do conhecimento. Certamente, um dos aspectos centrais do debate se refere ao papel do professor e à sua formação inicial e continuada necessária para lidar com a diversidade dos alunos presen- 8 tes em nossas salas de aula, sobretudo com o advento das políticas de inclusão escolar. Igualmente na mesma direção, seguem as discussões sobre as possibilidades de se pensar um currículo para atender à diver- sidade nas escolas, pois: [...] a inclusão educativa, quando materializada em percurso escolar formal, inclui um processo de di- versificação do currículo, com a delimitação de ca- minhos diferentes de aprendizagem, de acordo com níveis e ciclos escolares e na base de opções ligadas a tipologias educacionais muito concretas, como, por exemplo, o ensino vocacional e o ensino espe- cial diferenciado. (PACHECO, 2016, p. 8) Nesse sentido, algumas questões são urgentes: como sujeitos com algu- ma deficiência se apropriam do currículo? Que mediações pedagógicas lhes são ofertadas? Qual é a importância de se ensinar esse ou aquele conteúdo e qual é o significado dado pelos sujeitos a esse conhecimen- to? Quais são as especificidades dessa população para aprender frente ao processo de ensino do currículo? É possível promover a aprendiza- gem de pessoas com deficiência ou outra condição atípica de desenvol- vimento sem considerar uma proposta curricular diferenciada? Como organizar propostas de ensino e aprendizagem que levem em conside- ração a diversidade social, cultural e individual dos alunos? Que dimen- sões são indispensáveis nessa empreitada? Algumas dessas questões são abordadas nos capítulos que constituem este livro, problematizando certezas e indicando caminhos, possibili- dades e desafios a serem enfrentados pela prática docente na elabora- ção de propostas individualizadas de ensino articuladas ao currículo escolar a partir da trajetória e da história da Educação Especial no con- texto nacional. Também são abordadas reflexões sobre os processos de ensino e aprendizagem de pessoas com deficiências e seu consequente desenvolvimento. 9 As discussões e as propostas de ensino e aprendizagem na perspectiva da educação inclusiva, apresentadas neste livro por Taísa Costa Vliese e Érica Costa Vliese Zichtl Campos, são uma grande contribuição para a educação, em particular para o campo da formação inicial e continuada de professores, sobretudo para o trabalho junto a alunos com deficiên- cias, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/su- perdotação. Entendemos que ser professor no contexto inclusivo exige novos conhecimentos e práticas que favoreçam aos docentes elaborar e planejar propostas curriculares diversificadas, mas, para tal, oportuni- dades de formação inicial e, sobretudo, continuada precisam ser ofer- tadas por instituições públicas e privadas, em diferentes modalidades. Certamente esta obra poderá contribuir com esse debate, que é urgente nos cursos de formação de professores. Assim, entendo que os temas e os debates aqui apresentados instigarão os leitores a inúmeras reflexões sobre as demandas e as possibilidades para o ensinar e o aprender em uma perspectiva educacional que envol- va a diversidade e as especificidades de todos os alunos. Enfim, os leitores têm em suas mãos um rico trabalho, que certamen- te iluminará aspectos da realidade dinâmica e contraditória em que vivemos, bem como suscitará questões necessárias para que sigamos adiante nas propostas educacionais em uma perspectiva inclusiva e na imaginação necessária para ensinar, de forma articulada com a pesqui- sa, a diversidade humana. Desejo aos leitores uma instigante e boa leitura! Nova Iguaçu, setembro de 2016. Prof.ª Márcia Denise Pletsch (Professora Adjunta do Instituto Multidisciplinar e do Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares – PPGEduc – UFRRJ). 10 Bibliografia PACHECO, J. A. Currículo e inclusão escolar: (in)variantes educacionais e curriculares. Revista Teias – Dossiê Observatórios de Educação Es- pecial e Inclusão Escolar, Rio de Janeiro, 2016. VYGOTSKY, L. S. Obras completas: o problema dos processos com- pensatórios no desenvolvimento da criança com retardo mental. v. 5. Havana: Editorial Pueblo y Educación, 1989. . Psicologia pedagógica. Tradução Paulo Bezerra. 2. ed. São Pau- lo: Martins Fontes, 2004. Sinto-me honrada pelo convite. Minha gratidão às organizadoras, Prof.a M.a Taise Costa Vliese e Prof.a M.a Érica Costa Vliese Zicchti Campos, da obra A trajetória histórica da Educação Especial no Brasil: da legisla- ção às salas de aula. Como a neurociência vem contribuindo para as novas perspectivas na proposta de uma educação especial? Este livro nos promove com brilhantismo a descrição na prática que a Educação Especial deve ser considerada e adequada para todos, pois, considerando o olhar neuro- científico da aprendizagem, os “atrasados não existem”. Atualmente o professor precisa repensar metodologias adequadas para cada neces- sidade e expectativa do aprendente que são apresentadas na sala de aula. O educador do século XXI necessita revisitar-se e entender que cada aluno é único e que seus cérebros precisam ser potencializados. A aprendizagem acontece, com particularidades, durante toda a vida da pessoa, e o aprender rompe com a ideia passiva de assimilação de 11 conteúdos. A ação ativa do aprender necessita de uma complexa rede de operações neurofisiológicas e neuropsicológicas, que ainda intera- gem com o meio ambiente. Para as autoras da obra, entende-se que o ato de aprender é uma mo- dificação de comportamento que envolve a mente e o cérebro, e, para tanto, a neurociência se fundamenta como a ciência do cérebro, e a educação, como a ciência do ensino e da aprendizagem; assim, as duas relacionam-se por proximidade, devido à importância que o cérebro tem no processo de aprendizagem do indivíduo. A neurociência da educação pode ser compreendida como o estudo da estrutura, do desenvolvimento, da evolução e do funcionamento do sistema nervoso sob o enfoque plural — biológico, neurobiológico, psicológico, matemático, físico, filosófico e computacional —, voltado para a aquisição de informações, resolução de problemas e mudanças de comportamento. Ao aproximar neurociência e educação, tem-se a possibilidade de rea- lizar uma prática educativa que privilegie qualidade de vida e melhor compreensão no processo de aprendizagem. É oportuno enfatizar que o cérebro é o órgão da aprendizagem essen- cial no processo de aprender. Apresenta regiões, polos, sulcos, reen- trâncias e tem como função um trabalho em conjunto em que cada estrutura precisa interagir com a outra para ocorrer plena atividade de conectividade entre suas células neuronais. O funcionamento cerebral é moldado pela plasticidade neuronal, tanto ao longo da história da espécie como no desenvolvimento individual, isto é, a estrutura e o funcionamento do cérebro não são inatos, fixos e imutáveis, mas passam por mudanças no decorrer do desenvolvimento do indivíduo, devido à interação do ser humano com o meio físico e 12 social. Para tanto, metodologias e estratégias de ensino podem e devem ser fundamentadas na neurociência para otimizar o desenvolvimento pedagógico. Parabéns, autoras, pela proposta desta obra. O diálogo está lançado en- tre a educação e a neurociência, abrindo-se, então, novas possibilidades de estudos. E para você, leitor, fica o convite para a agradável leitura deste livro. Prof.a Marta Relvas (Pesquisadora, palestrante, conferencista e consultora na área de neurociência aplicada à aprendizagem cognitiva e emocional no desenvolvimento humano, é bióloga, neurobióloga, psicopedago- ga, psicanalista,população mundial, ou seja, mais de 1 bilhão de pessoas vivem com alguma forma de deficiência —, mostram também que de 93 a 150 milhões são crianças (0 a 14 anos) e que quatro a cada cinco des- sas crianças estão nos países mais empobrecidos. (SOUZA, 2013, p. 35) O sistema da ONU cita a deficiência como “uma questão do desenvolvimento, devido à sua relação bidirecional com a pobreza” (WHO; WB, 2011, p. 10 apud SOUZA, 2013, p. 227), denunciando que os países com menos condições estruturais de serviços e cuidados da população deixarão sua população em condições de maior vulnerabilidade so- cial (UNESCO, 2010; UM, 2010; WHO; WB, 2011 apud SOU- ZA, 2013, p. 227). Daí perguntarmos: qual seria o começo das políticas in- clusivas que devem trazer novos paradigmas para a estru- turação da sociedade, sobretudo da escola pública? Cer- tamente essa inclusão começa pela garantia dos direitos básicos à alimentação, à saúde, ao saneamento e à educa- ção, mas, além desses, pelo reconhecimento de que essas pessoas, sendo cidadãos brasileiros, devem exigir seus di- reitos básicos para assegurar uma vida digna. 95A sofisticação do conhecimento por meio da construção dos conceitos científicos ...................................................................................................................................................................................................................... Em se tratando da dignidade refletida nas práticas sociais e nos serviços oferecidos, lembramos que os princípios da educação inclusiva são: “acesso à educação pública, gra- tuita e compulsória; equidade de oportunidades; não dis- criminação; direito à educação de qualidade” (UM, 2010; UNESCO, 2001, 2005, 2009, 2010; WB, 2001 apud SOUZA, 2013, p. 230). Souza (2013) destaca que o lema atual da EFA — Aprendi- zagem para todos — (WB 2010, 2011) significa que: Todos devem adquirir competências (de) que ne- cessitam, com o foco na empregabilidade e no em- preendedorismo (WB, 2011, p. 4). A ideia é que so- mente o acesso a uma educação de qualidade pode redimensionar as condições de vida da criança com deficiência, bem como a sua inserção nas atividades laborais futuras. O não acesso à educação pode le- var a um agravamento da situação da pobreza, po- dendo representar um alto custo para a economia de países, tanto pelo gasto com assistência social como pela falta de mão de obra produtiva. (UNES- CO, 2001, 2005, 2009 apud SOUZA, 2013, p. 230) Então, com base nas pesquisas de Souza (2013), compreen- demos que os professores têm um desafio muito anterior às mediações acadêmicas com os alunos com deficiência: o desafio social que é compreender e exigir do Estado as políticas públicas que possam alicerçar uma boa estrutura educacional para a formação de todos os alunos, pois o único investimento que irrefutavelmente garante a melho- ria nas condições de vida da espécie humana é a educação. A autora nos diz, ainda, que o empoderamento da pes- soa com deficiência é um conceito-chave na formação de 96 ...................................................................................................................................................................................................................... Perspectiva histórico-cultural de Lev Vygotsky: reflexões sobre as possibilidades do processo escolar de alunos com deficiência sua subjetividade, pois permite “adquirir o conhecimento e as habilidades necessárias para assumir as chances da própria vida [...] moldar seus próprios destinos” (UNES- CO, 2005 apud SOUZA, 2013, p. 39), restaurando uma autonomia que pode ser limitada pela deficiência nos movimentos, no raciocínio e até nos órgãos dos sentidos, constituindo-se em uma trama em que os elementos de significação reforcem a autonomia, a possibilidade de aprendizagem e a crença positiva de se tornar uma pessoa produtiva e existencialmente livre das amarras do precon- ceito e da exclusão social. E como finalizar esse texto deixando para os educado- res um sinal de que a missão de conduzir o processo de aprendizagem dos alunos com deficiência é viável e pode ser muito eficiente? Primeiramente, gostaríamos de relem- brar a premissa da psicologia sócio-histórica, corroborada pela neurociência atual: todos os alunos aprendem. Pos- teriormente, gostaríamos de deixar como marca de uma posição profissional que se fundamenta nas experiências epistemológicas, humanísticas e políticas o seguinte: a qualidade da aprendizagem do aluno não pode ser vista isoladamente, como sendo um atributo apenas dele, mas, fundamentalmente, a partir das mediações e interações que são promovidas pelos professores, pelos colegas de turma e pelos objetos culturais disponíveis na realidade educacional. 97 ...................................................................................................................................................................................................................... REFERÊNCIAS BONILLA, M. H. Escola aprendente: para além da socieda- de da informação. Rio de Janeiro: Quartet, 2005. CARVALHO, R. E. 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Acesso em: 5 nov. 2010. 103 ...................................................................................................................................................................................................................... CAPÍTULO 4 PEI E ADAPTAÇÃO CURRICULAR: NOVAS PERSPECTIVAS PARA A ESCOLARIZAÇÃO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA No capítulo anterior, apresentamos as premissas científicas que explicam os processos de desenvolvimento e aprendi- zagem na abordagem sócio-histórica. De acordo com eles, todos conseguem aprender, e o professor não deve focar na deficiência do aluno. Ao contrário, o professor deve pla- nejar atividades pedagógicas que compensem as deficiên- cias sensoriais, intelectuais e de atenção, possibilitando a aprendizagem e o desenvolvimento do aluno, bem como favorecendo suas interações sociais. No entanto, esse fato só será possível por meio de um planejamento didático vol- tado para o contexto de aprendizagem do aluno, levando em consideração suas potencialidades e as tecnologias as- sistivas e de comunicação aumentativa já existentes. Este capítulo trata do PEI e de sua importância para o pro- cesso de escolarização do aluno com deficiência.Abordare- mos o conceito do PEI e também sua relação com o currículo escolar e as práticas pedagógicas e de avaliação destinadas a esses alunos. 104 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Dessa forma, leia com atenção e tente contextualizar suas experiências pessoais e profissionais com os exemplos que serão aqui trabalhados, mas lembre-se: cada experi- ência educacional é única, e você sempre deverá analisar o contexto e planejar de forma a atender às necessidades/ potencialidades do seu aluno. 105Falando um pouco sobre o currículo e as adaptações curriculares ...................................................................................................................................................................................................................... FALANDO UM POUCO SOBRE O CURRÍCULO E AS ADAPTAÇÕES CURRICULARES A proposta de Educação Especial, em uma perspectiva inclusiva, é urgente diante da realidade contemporânea, uma vez que “passaram a integrar ‘discursos’ recorrentes nesta nova concepção de sociedade, sendo vistas como ca- minhos para oportunidades de aprendizagens e participa- ção na vida social” (ALMEIDA, 2016, p. X). Nesse sentido, o currículo é tema que faz parte dessa discussão, princi- palmente a partir de aspectos sobre como ele é ofertado e trabalhado com estudantes com deficiência. O currículo vem historicamente se constituindo por di- ferentes concepções, pois “existem diversas teorias cur- riculares, correspondentes a diferentes concepções de currículo” (PACHECO, 2001). O desafio de romper com a fragilidade do currículo para alunos com deficiência, as- sim como com a ressignificação do espaço escolar, tor- nando-o menos separatista, ainda se configura como di- ficuldade hoje, porque a educação busca segurança em paradigmas lineares e em formas normativas de conceber seus currículos. Inegavelmente, segundo Campos (2016), a educação tem um papel de definição e destaque em toda essa discussão, principalmente no que faz referência às oportunidades de aprendizagem conceitual e de acesso curricular (Cf. AN- TUNES, 2008; OLIVEIRA; MACHADO, 2007; MENDES, 2008; PLETSCH; GLAT, 2012; GARCIA, 2012; SOUZA, 2013), em um diálogo constante sobre a garantia de ensino para to- 106 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência dos os alunos, levando em consideração as suas neces- sidades, que sempre serão concernentes aos contextos culturais. Para especificar a discussão, cabe aqui destacarmos o público-alvo da Educação Especial, que, de acordo com a Nota Técnica nº 4 (BRASIL, 2014), constitui-se como públi- co-alvo do AEE: I. Alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de lon- go prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial. II. Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações sociais, na co- municação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtor- nos invasivos sem outra especificação. III. Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que apresentam um potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou combinadas: in- telectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade. De igual importância, é preciso destacar os objetivos das salas de recursos, que, conforme disposto no Decreto nº 7.611/2011, em seu art. 3º, são os seguintes: I. Prover condições de acesso, participação e aprendizagem no en- sino regular e garantir serviços de apoio especializados de acordo com as necessidades individuais dos estudantes. II. Garantir a transversalidade das ações da Educação Especial no ensino regular. III. Fomentar o desenvolvimento de recursos didáticos e pedagó- gicos que eliminem as barreiras no processo de ensino e aprendi- zagem. IV. Assegurar condições para a continuidade de estudos nos de- mais níveis, etapas e modalidades de ensino. 107Falando um pouco sobre o currículo e as adaptações curriculares ...................................................................................................................................................................................................................... Segundo Hostins e Jordão (2014, p. 4), ainda hoje os currí- culos para alunos com deficiência são organizados da se- guinte forma: A partir de pressupostos inatistas ou comporta- mentais, centrados nas atividades perceptomotoras e funcionais, negligenciando, com raras exceções, suas capacidades cognitivas e, consequentemente, seus processos de elaboração conceitual. Dessa forma, o currículo que lhes é oferecido teria bases fundamentadas na falta de condições que esses sujeitos teriam para aprender, contribuindo para seu alijamento e reforçando o controle social, que, segundo Young (2007, p. 12), “se exprime através das diversas formas pelas quais se processa a deliberação curricular, ou seja, a tomada de de- cisões relativas à concepção, à organização e à realização do currículo”. Isso significa dizer que, na tentativa de criar uma escola para todos, é necessária a compreensão de que: Não há uma única forma de atender às necessida- des educacionais de todos os alunos com deficiên- cia, isto é, não há um programa padrão, uma única oferta de serviço, um único local onde a educação seja oferecida e um currículo único. (GLAT; PLETS- CH, 2009, s/p) Dito isso e corroborando para uma escola na perspectiva de uma educação inclusiva, o currículo deve fazer senti- do para todos os educandos, por meio de práticas curri- culares que promovam sua permanência com garantia de qualidade e desenvolvimento, como nos aponta Vygotsky (1989), quando afirma que a escola não só deve adaptar- -se às deficiências dessa criança, mas também lutar con- tra elas, superá-las. Segundo Campos (2016), é a mediação pedagógica que vai propiciar ao aluno com deficiência de- senvolver uma concepção científica de mundo. Isso sig- 108 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência nifica dizer que devemos garantir um trabalho em que realmente a inclusão seja realizada visando e garantindo o pleno desenvolvimento desses educandos. Para isso, é necessário romper com as práticas tradicionais, marcadas pela homogeneidade e pela fragilidade do currículo no planejamento de atividades para esses alunos. De acordo com a base teórica da perspectiva histórico-cul- tural, que embasa este livro, concordamos com o conceito de práticas curriculares trazidas por Pletsch, que nos diz: [...] são ações que envolvem a elaboração e a im- plementação do currículo em suas diferentes di- mensões (planejamento, metodologias, estratégias de ensino, avaliação, tempo e espaço de aprendi- zagem), as quais, por sua vez, são vinculadas ao processo histórico-cultural dos sujeitos partícipes. Nessa perspectiva, as práticas curriculares são de- senvolvidas de forma coletiva, e não individualiza- da, pelos diferentes sujeitos presentes na institui- çãoescolar, especialmente professores e alunos, considerando as contradições, tensões, conflitos, inovações e mudanças que figuram no espaço esco- lar. (PLETSCH, 2014, p. 162-163) Ainda sobre o assunto, Vygotsky defende que, para a edu- cação da pessoa com deficiência, é importante conhecer como ela se desenvolve, e não as suas limitações. Afirma o autor: Não é importante as insuficiências em si, a carência, o deficit, o defeito, mas, sim, a reação que nasce na personalidade da criança durante seu processo de desenvolvimento, em resposta à dificuldade com que tropeça e que deriva dessas insuficiências. A criança mentalmente retardada não está constituída só de defeitos e carências, seu organismo se rees- 109Falando um pouco sobre o currículo e as adaptações curriculares ...................................................................................................................................................................................................................... trutura como um todo único. Sua personalidade vai sendo equilibrada como um todo, vai sendo com- pensada pelos processos de desenvolvimento da criança. (VYGOTSKY, 1993, p. 134, tradução nossa) Contribuindo com esse pensamento, o autor ainda res- salta que “o que decide o destino da pessoa, em última instância, não é o defeito em si mesmo, mas a sua reali- zação social e psicossocial” (VYGOTSKY, 1993, p. 19). Em outras palavras, a escola necessita rever e aprofundar sua compreensão sobre o fenômeno da prática pedagógica presente nas situações de ensino e aprendizagem destina- das ao grupo de alunos com deficiência, pois acreditamos que somente a partir dessa ressignificação é que alcan- çaremos um ambiente no qual promover aprendizagem e desenvolvimento seja uma premissa para todos os que dela participam. 110 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência AS ADAPTAÇÕES CURRICULARES NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA Ao falarmos sobre flexibilidade no currículo, merecem destaque os conceitos de adaptação de “pequeno” e “gran- de” porte (BRASIL, 1998). As adaptações pequenas, tam- bém conhecidas como não significativas, servem para auxiliar a participação dos alunos com necessidades edu- cacionais especiais nas atividades e na rotina de sala de aula. Podemos dizer que elas envolvem modificações a serem realizadas no currículo e, portanto, são de respon- sabilidade do professor, a fim de garantir a participação e o desenvolvimento do aluno com deficiência no processo de ensino e aprendizagem. Já as grandes são consideradas significativas por exigirem o envolvimento de ações de natureza política, adminis- trativa e financeira, envolvendo, assim, toda a instituição escolar, indo, portanto, além das competências do profes- sor. Dentre as adaptações de grande e pequeno porte que podem ser realizadas pelas instâncias político-administra- tivas, podemos citar as seguintes: 111As adaptações curriculares na educação inclusiva ...................................................................................................................................................................................................................... Adaptações de grande porte Adaptações de pequeno porte • Adaptação do espaço físico da escola. • Aquisição de mobiliário específico, assim como de equipamentos e recursos materiais para atender às necessidades dos alunos. • Adaptação de materiais de uso comum em sala de aula. • Garantia da abertura para que o professor possa realizar adequações (adaptação de objetivos de ensino, dos conteúdos a serem abordados, da metodologia, da organização didática e das formas de avaliação). • Garantia da homogeneidade etária da turma. • Realização de adaptações quanto à temporalidade, ou seja, fazer ajustes no tempo que determinado aluno permanece em uma mesma série. • Capacitação continuada dos professores e dos demais profissionais responsáveis pela educação dos alunos. • Fazer uso de estratégias metodológicas diversificadas que permitam o ajuste da maneira como cada conteúdo será transmitido aos diferentes estilos de aprendizagem apresentados pelos alunos. • Colocar em prática a cooperação durante a realização das atividades propostas, pois os alunos aprendem não apenas com o professor, mas também com seus colegas. A cooperação influencia positivamente o rendimento acadêmico, a autoestima e as relações sociais, bem como o desenvolvimento pessoal. Além disso, ao facilitar o trabalho autônomo dos alunos, ela permite que o professor consiga momentos para fornecer mais atenção aos que dela necessitam. 112 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Adaptações de grande porte Adaptações de pequeno porte • Efetivação de ações que oportunizem e incentivem a interdisciplinaridade, ou seja, de modo que os conteúdos de uma disciplina possam ser trabalhos em outras com os seus devidos ajustes, assim como a transetorialidade, que é a realização de parcerias de serviço distintos para a promoção da aprendizagem — como, por exemplo, o apoio do serviço da saúde para diagnósticos e/ou intervenções. Dentre essas ações, está a definição sistemática do trabalho entre professor de Educação Especial e professor regular (ensino colaborativo ou coensino), assim como da parceria entre o professor e os profissionais responsáveis pela educação (consultoria colaborativa) (BRASIL, 2002). • Oferecer atividades que possibilitem que diferentes graus de complexidade, assim como conteúdos distintos, sejam trabalhados, tais como: atividades com diferentes graus de dificuldade que possam ser executadas de maneiras diversas, uma mesma atividade para trabalhar conteúdos com níveis diferentes de dificuldades, uso de um mesmo conteúdo que pode ser trabalhado por meio de várias atividades, uso de atividades diversas (oficinas, projetos, entre outros). • Dar aos alunos a oportunidade de tomar decisões sobre o planejamento do trabalho acadêmico, apresentando algumas atividades e 20 maneiras como elas podem ser realizadas e deixando que os alunos escolham dentre as opções apresentadas. • Avaliar a quantidade e a qualidade de apoio que cada aluno necessita e retirá-lo gradualmente à medida que os alunos caminhem na direção de alcançar um nível de aprendizagem suficiente. 113As adaptações curriculares na educação inclusiva ...................................................................................................................................................................................................................... Adaptações de grande porte Adaptações de pequeno porte • Explorar a utilização de diversos materiais durante a realização das atividades propostas. • Agrupar os alunos utilizando critérios variados, porém de acordo com a atividade a ser realizada, de modo a possibilitar a emissão de respostas diferentes conforme o objetivo a ser atingido, o tipo de conteúdo abordado e as características e os interesses dos alunos. • Elaborar formas de avaliação adaptadas às necessidades e às particularidades de cada aluno. • Realizar arranjos na sala de aula de modo que o espaço fique agradável para os alunos e para o professor, para que a autonomia e a mobilidade sejam facilitadas, e que seja possível a adaptação da sala aos diferentes tipos de atividades e agrupamentos. Alunos com maiores dificuldadesdevem ocupar lugares nos quais seja mais fácil o acesso à informação, à comunicação e ao relacionamento com os colegas e o professor. 114 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Adaptações de grande porte Adaptações de pequeno porte • Organizar a rotina da classe considerando o tipo de metodologia, atividades que serão realizadas e o apoio que determinados alunos possam necessitar. • Valorizar as diferenças existentes entre os alunos, criando um ambiente de respeito às limitações e às virtudes do outro e no qual exista comunicação. Para tanto, atividades podem ser realizadas com o objetivo de aumentar a união entre os alunos. É necessário levantar os interesses dos alunos e criar novos interesses, ou seja, motivá-los a aprender coisas novas, apresentando sentido e significado para essas aprendizagens. Fonte: Elaborado para fins deste trabalho com base em MEC/Seesp (2002) e Blanco (2004). Portanto, uma escola que se quer inclusiva, como preco- nizado em diversos documentos, deve ter suas práticas voltadas para tornar a aprendizagem, por meio do currí- culo, mais dinâmica, contemplando todos os envolvidos no processo. Não basta que os alunos com deficiência fa- çam parte da lista de frequência, eles também precisam participar de experiências significativas de aprendizagem e formação de sua subjetividade. 115As adaptações curriculares na educação inclusiva ...................................................................................................................................................................................................................... A participação nas atividades que são propostas para a turma em que esses alunos estão incluídos constitui o grande desafio das escolas da atualidade: proporcionar atividades com as adaptações necessárias para que tenha- mos aprendizagem significativa, a fim de que ela gere o desenvolvimento do indivíduo. A partir de agora, daremos ênfase aos aspectos avaliativos que envolvem o PEI, além de seu conceito e sua estrutura. 116 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência PEI: ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO A partir das reflexões realizadas neste livro a respeito da escolarização dos alunos com deficiência, cabe-nos apre- sentar o PEI, instrumento de utilização recente em nosso país (Cf. TANNÚS-VALADÃO, 2010, 2013; BRAUN; VIAN- NA, 2011; GLAT; PLETSCH, 2012; PLESCH; GLAT, 2013; MARIN; BRUAN, 2013; RODRIGUES; CAPELLINI, 2014; AVI- LA, 2015; CAMPOS, 2016), porém já trabalhado na Europa e nos Estados Unidos da América (Cf. GINE; RUIZ, 1995; MANZANO, 2001; PORTUGAL, 2008; TANNÚS-VALADÃO, 2010). Como falamos no início deste capítulo, o PEI vem cola- borar de maneira concreta para o processo de ensino e aprendizagem desses alunos, de forma contextualizada com os objetivos e com a proposta curricular que será de- senvolvida para toda a turma, podendo ser definido como: Um planejamento educacional individualizado, pe- riodicamente avaliado e revisado, que considera o aluno em seu nível atual de habilidades, conheci- mentos e desenvolvimento, idade cronológica, ní- vel de escolarização já alcançado e objetivos edu- cacionais desejados a curto, médio e longo prazos. Também são levadas em consideração expectativas familiares e do próprio sujeito. (GLAT; VIANNA; RE- DIG, 2012, p. 84) É importante destacarmos que os registros que focalizam a individualização do ensino, de modo a contribuir para os processos de inclusão escolar dos alunos com deficiência, 117PEI: estrutura e funcionamento ...................................................................................................................................................................................................................... são enunciados em nossas políticas desde os anos 2000: Na realidade, alunos com necessidades educacio- nais especiais devem ter um Plano Individualizado de Ensino, quando se fizer necessário, podendo ser elaborado com apoio do ensino especial no início de sua vida escolar e por ela atualizado continuamen- te, em função de seu desenvolvimento e aprendiza- gem. Esse Plano é o ponto fundamental de sua vida escolar, norteador das ações de ensino do professor e das atividades escolares do aluno. O Plano deverá, também, ser sequencialmente seguido, independen- temente da série em que o aluno se encontre, já que o critério de inserção do aluno na sala de aula regu- lar é a faixa etária do grupo. (BRASIL, 2000, p. 24) Segundo Campos (2016), devemos ter cuidado ao elabo- rarmos o PEI, uma vez que a diferenciação não deve ser confundida com discriminação, empobrecimento ou res- trição de recursos destinados à escolarização desses alu- nos. Ela deve, por outro lado, ser uma ferramenta que, aliada ao processo de individualização, poderá potenciali- zar o desenvolvimento desses sujeitos: Individualizar o ensino não significa particularizar a ação pedagógica a ponto de segregar o aluno do grupo. O objetivo da individualização é incluí-lo na situação de aprendizagem que os outros estão vivenciando, com as devidas adequações para que a sua participação seja efetiva. É atender às dife- renças individuais que o aluno possa apresentar em decorrência das especificidades do seu desenvolvi- mento. (MARIN; BRAUN, 2013, p. 56) Sendo assim, podemos perceber que elaborar um PEI não é tarefa simples, pois é necessário que o professor conheça seu aluno, suas especificidades, bem como quais serão as adaptações necessárias para sua aprendizagem e desenvol- 118 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência vimento. É necessário conhecimento razoável sobre o aluno e seus processos cognitivos, afetivos e relacionais, de modo que se torne uma intervenção singularmente planejada para cada um deles. O professor deverá, também, contar com a participação da família e da equipe técnico-pedagógica da escola e, quando possível, ouvir o próprio aluno. Outro fator muito importante nesses casos é a avaliação. Ela não deve ser um instrumento apenas para classifica- ção, mas deve também servir para apontar caminhos e explorar as possibilidades de aprendizagem dos alunos, com ou sem deficiência, sem rotular, nem transformar o ato em mais um contribuinte ao estigma sofrido por crian- ças que não se enquadram no modelo de aluno ideal (OLI- VEIRA, 2016). Para a realização dessa avaliação prévia do aluno, Glat e Pletsch utilizaram em suas pesquisas o Inventário de Ha- bilidades Escolares. Esse instrumento foi criado, aplicado e avaliado por Pletsch (2009), em que percebemos a im- portância da realização de um trabalho de caráter colabo- rativo entre o professor de sala de recursos multifuncio- nais e o de sala de aula comum na elaboração do PEI. Esse instrumento é utilizado para avaliação de alunos com de- ficiência intelectual, mas também pode ser adaptado para outras deficiências. 119PEI: estrutura e funcionamento ......................................................................................................................................................................................................................Inventário de Habilidades Escolares Habilidades Realiza sem suporte Realiza com apoio Não realiza Não foi obser- vado Comunicação oral 1. Relata acontecimentos simples de modo compreensível. 2. Lembra-se de dar recados após, aproximadamente, 10 minutos. 3. Comunica-se com outras pessoas usando outro tipo de linguagem (gestos, comunicação alternativa) que não a oral. 4. Utiliza a linguagem oral para comunicar-se. Leitura e escrita 5. Conhece as letras do alfabeto. 6. Reconhece a diferença entre letras e números. 7. Domina sílabas simples. 8. Ouve histórias com atenção. 9. Consegue compreender e reproduzir histórias. 10. Participa de jogos, atendendo às regras. 120 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Habilidades Realiza sem suporte Realiza com apoio Não realiza Não foi obser- vado 11. Utiliza vocabulário adequado para a faixa etária. 12. Sabe soletrar. 13. Consegue escrever palavras simples. 14. É capaz de assinar seu nome. 15. Escreve endereços (com o objetivo de saber aonde chegar). 16. Escreve pequenos textos e/ou bilhetes. 17. Escreve sob ditado. 18. Lê pequenos textos com compreensão. 19. Lê e segue instruções impressas, por ex., em transportes públicos. 20. Utiliza habilidade de leitura para informações, por ex., em jornais ou revistas. Raciocínio lógico-matemático 21. Relaciona quantidade ao número. 22. Soluciona problemas simples. 23. Reconhece os valores dos preços dos produtos. 24. Identifica o valor do dinheiro. 121PEI: estrutura e funcionamento ...................................................................................................................................................................................................................... Habilidades Realiza sem suporte Realiza com apoio Não realiza Não foi obser- vado 25. Diferencia notas e moedas. 26. Sabe agrupar o dinheiro para formar valores. 27. Dá troco, quando necessário, nas atividades realizadas em sala de aula. 28. Possui conceitos como: cor, tamanho, formas geométricas, posição direita e esquerda, antecessor e sucessor. 29. Reconhece a relação entre número e dias do mês (localização temporal). 30. Identifica dias da semana. 31. Reconhece horas. 32. Reconhece horas em relógio digital. 33. Reconhece horas exatas (em relógio com ponteiros). 34. Reconhece horas não exatas (meia hora ou sete minutos, por exemplo, em relógio digital). 35. Reconhece horas não exatas (em relógio com ponteiros). 122 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Habilidades Realiza sem suporte Realiza com apoio Não realiza Não foi obser- vado 36. Associa horários a acontecimentos. 37. Reconhece as medidas de tempo (ano, hora, minuto, dia, semana etc.). 38. Compreende conceitos matemáticos, como dobro e metade. 39. Resolve operações matemáticas (adição ou subtração) com apoio de material concreto. 40. Resolve operações matemáticas (adição ou subtração) sem apoio de material concreto. 41. Demonstra curiosidade e pergunta sobre o funcionamento das coisas. 42. Gosta de jogos envolvendo lógica, como, por exemplo, quebra-cabeça, charadas, entre outros. 43. Organiza figuras em ordem lógica. 123PEI: estrutura e funcionamento ...................................................................................................................................................................................................................... Habilidades Realiza sem suporte Realiza com apoio Não realiza Não foi obser- vado Informática na escola 44. Usa o computador com relativa autonomia (liga, desliga, acessa arquivos e programas). 45. Sabe usar o computador e a Internet quando disponibilizados na escola. Observações sobre: Desenvolvimento cognitivo: Relacionamento social: Dificuldades encontradas: Possibilidades observadas: Há quanto tempo está na escola: Aprendizagens consolidadas (currículo escolar): Objetivos para este aluno: Fonte: Pletsch (2010). Oliveira (2016) afirma que, para pensarmos em como ava- liar a aprendizagem de alunos com deficiência, nós, pro- fessores, precisamos refletir sobre o que é a avaliação, como ela ocorre e o que ela implica. Ainda sobre a questão que envolve a avalição do aluno com deficiência, ressal- tamos que a AAIDD (2010) propõe que ela deve ter como objetivo não apenas o diagnóstico, mas também a classi- ficação e a definição dos apoios e sistemas de suporte a serem utilizados com esses alunos, visando atender suas necessidades e prover seu desenvolvimento. 124 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Muitos docentes prendem-se ao conhecimento do diag- nóstico como sendo um referencial das impossibilidades cognitivas e sensoriais dos alunos, mas o que um diagnós- tico realmente pode oferecer-nos é um caminho alterna- tivo de compensação cognitiva e de potencialização das habilidades já apresentadas. Sendo assim, são sugeridos três níveis de planejamento para a elaboração do PEI, como apresentados no quadro abaixo: Níveis de planejamento do PEI Níveis Descrição Nível I – Identificação. Identificação das necessidades educativas dos alunos. Nível II – Avaliação. Avaliação das áreas “fortes” e “fracas” do aluno. Nesse nível, ocorre a elaboração do PEI entrelaçado às adaptações curriculares e ambientais (manejo de sala de aula) necessárias para atender ao aluno. Nível III – Intervenção. Ocorrem a intervenção a par- tir dos objetivos propostos no PEI e a reavaliação do aluno. Fonte: Pletsch e Glat (2013). Durante a avaliação, é necessário levarmos em considera- ção cada componente básico que compõe o PEI. Mais uma vez, notamos com clareza a importância de conhecermos e considerarmos o que nossos alunos trazem de conheci- mento para que possamos planejar seu processo educati- vo visando atingir aquilo que ainda está por desabrochar, o que ainda não foi explorado e o que deve ser, como nos foi apresentado no conceito de ZDP no capítulo anterior. Veja a seguir a descrição desses componentes: 125PEI: estrutura e funcionamento ...................................................................................................................................................................................................................... Componentes básicos do PEI Componentes Descrição Nível atual de desenvolvimento. Obtido por meio de avaliação formal e/ ou informal, deve indicar o nível atual de desempenho do aluno, bem como informações sobre sua trajetória escolar. Modalidade de atendimento. Contexto de escolarização do aluno: sala regular, com ou sem suporte especializado, classe especial ou escola especial. Aqui também são analisadas possíveis parcerias com a área da saúde, se for o caso. Planejamento do suporte. Tempo, duração e periodicidade do suporte especializado. Objetivos gerais. Conjunto de metas educacionais anuais a serem atingidas nas diferentes áreas curriculares. Objetivos específicos. Conjunto de objetivos que estabelecem etapas intermediárias entre o nível atual de desenvolvimento do alunoe os objetivos anuais. Avaliação e procedimentos pedagógicos. Critérios e procedimentos a serem empregados para atingir os objetivos propostos, de acordo com as diretrizes curriculares da instituição para o ano letivo. Reavaliação. Revisão periódica dos objetivos e das propostas elaboradas para o aluno, a partir do seu desenvolvimento. Composição da equipe. A proposta do PEI é elaborada coletiva- mente pelos profissionais envolvidos no processo educativo do aluno. O ideal é que, pelo menos, os professores da classe comum e do suporte especiali- zado (AEE) atuem conjuntamente. Anuência parental. Aprovação do PEI por parte dos pais. O ide- al é que eles possam participar, em alguma medida, da elaboração do PEI, bem como, no caso de jovens, os próprios alunos. Fonte: Pletsch e Glat (2013). 126 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Veja abaixo uma proposta apresentada por Pletsch e Glat (2012) para o desenvolvimento do PEI: Planejamento Educacional Individualizado - PEI Aluno: Nascimento/idade: Data do planejamento: Grupo/série: Professor de referência: Capacidades, interesses a serem de- senvolvidos. O QUE SABE? DO QUE GOSTA? Necessi- dades e prioridades. O QUE APRENDER/ ENSINAR? Metas e prazos para a realização da inter- venção. EM QUANTO TEMPO? Recursos e estra- tégias a serem utilizados. O QUE USAR PARA ENSINAR? COMO? Profis- sionais en- volvidos na apli- cação da proposta. QUEM PLANEJA E APLICA? Fonte: Pletsch e Glat (2012). Diante de tais colocações, Campos (2016) ressalta a re- lação do PEI com o objetivo da avaliação, que deve ser pedagógico, e não clínico, a fim de atendermos às espe- cificidades desse alunado por meio de um planejamento que promova sua aprendizagem e seu desenvolvimento. Ainda segundo a autora, além das garantias legais, são ne- cessárias intervenções didáticas que promovam o desen- volvimento desses alunos, por meio de instrumentos que viabilizem, de forma concreta, a sua participação ativa no processo de ensino e aprendizagem — sendo o PEI um desses instrumentos didáticos. 127PEI: estrutura e funcionamento ...................................................................................................................................................................................................................... Corroborando com as ideias descritas anteriormente, cabe ressaltarmos que se tornou um grande desafio favorecer esse processo das crianças com deficiência, uma vez que o laudo vem colaborar com a continuidade de currículos esvaziados de sentido, mas pleno de práticas pouco desa- fiadoras, pois quase não são previstas práticas pedagógi- cas adequadas para a aprendizagem formal de conceitos e conteúdos escolares para o alunado considerado deficien- te (PLETSCH, 2014). Para Vygotsky (1997), a força da compensação está em uma educação voltada para a superação dos obstáculos impostos, para o futuro. Portanto, “a educação de uma criança anormal deve basear-se em uma elevada noção da personalidade humana, e na compreensão de sua unidade e integridade orgânica” (VYGOTSKY, 1997, p. 46). Em ou- tras palavras, é necessário ter claro que os caminhos que não se alcançam pelo percurso tradicional serão substitu- ídos por um ou mais caminhos alternativos de desenvol- vimento cultural, os quais poderão ser elaborados a partir do PEI. Dessa forma, torna-se imprescindível entender o desen- volvimento humano da pessoa com deficiência, o que, se- gundo Vygotsky (1997), é compreender os princípios de sua teoria geral do desenvolvimento humano, que abran- ge, para ele e seus seguidores, o desenvolvimento natural e cultural dos seres humanos nos processos de formação da sua personalidade. A partir de agora, desenvolveremos uma exemplificação do PEI para algumas deficiências. É preciso deixar claro ...................................................................................................................................................................................................................... 128 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência que não existe uma fórmula que se enquadre para todos os alunos. Portanto, o PEI deverá ser pensado, analisado, avaliado e elaborado individualmente, a partir da história e das especificidades de cada indivíduo. ...................................................................................................................................................................................................................... 129PEI para alunos com deficiência intelectual ...................................................................................................................................................................................................................... PEI PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL Sabemos que um grande desafio na educação inclusiva é estruturar os ambientes de aprendizagem e de desenvol- vimento dos alunos com deficiência intelectual. Alguns professores não compreendem a forma como a aprendi- zagem desses estudantes ocorre e acabam tendo expecta- tivas negativas sobre a possibilidade de eles aprenderem — expectativas que acabam confirmando-se por meio de interações qualitativamente pobres e pouco significativas para o desenvolvimento desses alunos. Os alunos com deficiência intelectual apresentam uma forma peculiar de aprender: levam mais tempo para con- cluir o que desejam, apresentam problemas de manuten- ção do foco referente à atenção e acabam apresentando problemas de comunicação que interferem tanto na com- preensão quanto na capacidade de executar o que está sendo solicitado pelo professor. Dessa forma, não deve- mos focar nas dificuldades, mas precisamos criar formas de compensar os deficit intelectuais ao desenvolvermos habilidades de maior concentração, armazenamento e re- cuperação de dados de memória tanto da de curto prazo como da de longo prazo, ajudando o aluno a relacionar ideias e acontecimentos, de modo que ele encontre nexo causal e explicativo entre eles. É notório que, além dos desafios intelectivos, os alunos com deficiência intelectual também sofrem com a crença preconceituosa por parte de alguns profissionais, que não acreditam em sua capacidade de aprender. É muito impor- ...................................................................................................................................................................................................................... 130 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência tante refletir sobre a sua constituição da subjetividade, pois eles crescem vendo muitos olhares e discursos que acreditam em seu fracasso e desconsideram seus senti- mentos e expectativas de futuro. Além disso, são vistos como eternas crianças, que não poderão ter uma vida in- dependente nem fazer planos pessoais e profissionais. A Associação Americana sobre Deficiência Intelectual e do Desenvolvimento (American Association of Intellectual and Developmental Disabilities – AAIDD), antiga Associa- ção Americana de Retardo Mental (American Association on Mental Retardation – AAMR), define o conceito de defi- ciência intelectual como15: [...] uma incapacidade caracterizada por importan-tes limitações, tanto no funcionamento intelectual quanto no comportamento adaptativo, e está ex- presso nas habilidades adaptativas conceituais, so- ciais e práticas. Essa incapacidade tem início antes dos 18 anos. (AAMR, 2006, p. 11) Como já dito anteriormente, a avaliação é de fundamen- tal importância para que possamos planejar e garantir os suportes, os apoios e as adaptações necessários, a fim de permitir e garantir o sucesso no processo de ensino e aprendizagem desses alunos. A AAMR (2006) apresenta cinco dimensões do comporta- mento adaptativo: I) habilidades intelectuais; II) comporta- mento adaptativo; III) participação, interações, papéis sociais; IV) saúde e V) contexto. Sem dúvida alguma que 15 Há dois documentos dessa instituição, um com o nome antigo, e o outro, com o nome mais recente. As nomenclaturas foram mantidas de acordo com as entradas dos documentos referenciados. ...................................................................................................................................................................................................................... 131PEI para alunos com deficiência intelectual as dimensões são importantes, mas, segundo Avila (2015), a mais importante para a deficiência intelectual seria a di- mensão III, pois nos remete a uma “avaliação compreensi- va do nível de desenvolvimento e aprendizagem do aluno, considerando o que ele já sabe” (GLAT; VIANNA; REDIG, 2012), com vistas ao planejamento educacional para aten- der a novos níveis de desenvolvimento. O comportamento adaptativo é formado pelo conjunto de habilidades conceituais, práticas e sociais que a pessoa pre- cisa para corresponder às demandas da vida diária. O qua- dro abaixo traz a especificação de cada uma delas: HABILIDADES CONCEITUAIS HABILIDADES PRÁTICAS HABILIDADES SOCIAIS COMUNICAÇÃO • Utiliza a fala para comunicar-se com clareza? • Apresenta ecolalia (repetição de palavras ou frases inteiras)? • Sua fala é com frequência monossilábica? • Apresenta pouco vocabulário? • Apresenta dificuldade na articulação da comunicação oral? • Tem fala robotizada? CUIDADOS PESSOAIS • Alimenta-se sozinho? • Despe-se sozinho? • Veste-se sozinho? • Penteia-se sozinho? • Lava as mãos sozinho? • Escova os dentes sozinho? • Utiliza o banheiro sozinho (de acordo com suas necessidades fisiológicas)? VIDA FAMILIAR • Identifica-se como componente da família? • Reconhece os papéis familiares? • Atende pelo próprio nome? • Reconhece o nome do pai ou da mãe ou responsável? • Reconhece pelo nome os irmãos e demais parentes? • Demonstra mudança exagerada e repetitiva de comportamento caso saia da rotina familiar? ...................................................................................................................................................................................................................... 132 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência HABILIDADES CONCEITUAIS HABILIDADES PRÁTICAS HABILIDADES SOCIAIS • Relata fatos do cotidiano com clareza? • Compreende ordens simples? • Consegue dar recados oralmente? FUNCIONALIDADE ACADÊMICA • Usa apropriadamente conceitos como hoje, agora, ontem, amanhã? • Orienta-se temporalmente, localizando se no ano, dia do mês, dia da semana? • Localiza-se espacialmente reconhecendo, por exemplo, em que local se encontra no momento? • Localiza espacialmente as posições de seu corpo (direita, esquerda, em cima, embaixo, atrás, frente, dentro, fora)? • Higieniza-se sozinho quando vai ao banheiro? • Faz nó e/ou laço (amarra os sapatos) sozinho? ATIVIDADES DA VIDA DOMÉSTICA • Auxilia na arrumação do espaço doméstico (do próprio quarto, por exemplo)? • Tem noção de recolher as roupas usadas? • Guarda suas roupas sujas no local próprio? • É capaz de pegar o alimento que deseja na geladeira? • Reconhece os alimentos de lanche ou refeição? • Reconhece os locais onde são guardados produtos de alimentação e limpeza? CONVÍVIO SOCIAL • Demonstra pânico em situações sociais novas? • Demonstra iniciativa em interagir com outras pessoas? • Sua relação interpessoal é adequada? • Demonstra ingenuidade no trato das questões sociais? • Respeita as regras de convivência social? • Interrompe frequentemente os outros enquanto estão falando? • Sente-se confortável fora do ambiente familiar? • Quando contra- riado, reage com agressividade? ...................................................................................................................................................................................................................... 133PEI para alunos com deficiência intelectual HABILIDADES CONCEITUAIS HABILIDADES PRÁTICAS HABILIDADES SOCIAIS • Corta materiais diversos, além do papel? • Colore respeitando as linhas de uma figura quando pinta? • Sabe a própria idade? • Possui noções de “mais velho”, “mais novo”? • Reconhece partes de seu corpo? • Reconhece conceitos como maior ou menor, perto ou longe, entre outros, por meio de situações concretas? • Utiliza caracteres não convencionais para representar a escrita? • Utiliza caracteres convencionais (letras e números) para representar a escrita? • Desenha uma figura humana? • É capaz de memorizar e reproduzir recados para os familiares? • Constrói recados próprios? INDEPENDÊNCIA • É capaz de seguir um programa de rotina? • Inicia e continua atividades propostas para a sua faixa etária? • Vai à escola sozinho? • Reconhece e memoriza itinerários? • Sabe dizer onde mora e fornece referências? • Demonstra autoestima? • Zela pelo seu bem-estar? • Identifica e esquiva-se das situações de perigo? USO COMUNITÁRIO • Faz pequenas compras sozinho? • Frequenta praças ou outros espaços públicos sozinho? • É capaz de escolher seu próprio lanche ou refeição? • Participa de celebrações religiosas junto à família e à comunidade? • Reconhece a rua onde mora? • Reconhece a sua casa? • Reconhece símbolos que identificam lugares, como banheiro masculino/feminino, refeitório? ...................................................................................................................................................................................................................... 134 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência HABILIDADES CONCEITUAIS HABILIDADES PRÁTICAS HABILIDADES SOCIAIS • Nomeia seus desenhos? • Desenha com intencionalidade (por exemplo, diz o que vai desenhar)? • É capaz de entender normas de segurança (ex. não se aproximar de locais perigosos)? • Entende as normas corretas de andar na rua e mantém sua segurança com autonomia? • É capaz de interagir socialmente respeitando as normas de convivência esperadas para a sua idade? LAZER • Ao brincar em grupo, aceita as regras de convivência? • Empresta seus brinquedos? • Interessa-se por brinquedos e jogos próprios de sua faixa etária? • Reconhece brinquedos fazendo uso adequado deles? ...................................................................................................................................................................................................................... 135PEI para alunos com deficiência intelectual HABILIDADES CONCEITUAIS HABILIDADES PRÁTICAS HABILIDADES SOCIAIS TRABALHO E/ OU ATIVIDADES • É capaz de manter-se envolvido durante algum tempo em uma atividade? • Solicita, com demasiada frequência, auxílio para realizar uma atividade? • Consegue desenvolver as atividades até o final? • Possui iniciativa para a realização das atividades propostas? • Interage de formaapropriada com os companheiros de atividade? Fonte: AAMR (2006). Ainda segundo a AAIDD (2010), existem alguns fatores de risco relacionados à deficiência intelectual, os quais se en- contram divididos em pré-natais, perinatais e pós-natais. O quadro abaixo nos auxiliará na compreensão de cada um deles: ...................................................................................................................................................................................................................... 136 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Fatores de risco para a deficiência intelectual Período Definição Fatores de risco Pré-natal Esses fatores incidirão desde a concepção até o início do trabalho de parto. Apre- sentam incidência de 55% a 75%. Pode ser provocado por vários fatores, dentre os quais destacamos: pobreza, violência doméstica, desnutrição materna, fumo, falta de acompanhamento pré-natal, uso de álcool e drogas pelos pais, doenças infecciosas como sífilis, toxoplasmose, rubéola. Perinatal São os fatores que incidirão do início do trabalho de parto até o 30º dia de vida do bebê. Apresentam incidência de 10%. Prematuridade, lesão no nascimento, baixo peso, falta de acesso aos cuidados do parto, rejeição e/ou abandono dos pais, falta de encaminhamento para intervenção após alta hospitalar. Pós-natal Incidirão do 30º dia de vida até o final da adolescên- cia. Apresentam incidência de 5%. Desnutrição, pobreza familiar, lesão cerebral traumática, institucionalização, falta de estimulação adequada, privação social, abuso e negligência da criança, violência doméstica, infecções (como meningoencefalites, sarampo, etc.), intoxicações exógenas (envenenamento): remédios, inseticidas, produtos químicos (chumbo, mercúrio, etc.), acidentes: trânsito, afogamento, choque elétrico, asfixia, quedas, entre outros. Fonte: AAIDD (2010). ...................................................................................................................................................................................................................... 137PEI para alunos com deficiência intelectual Importante destacar que algumas síndromes também se encontram relacionadas a ela, como síndrome de Down16, a síndrome do álcool fetal17 , a síndrome do X frágil18, entre outras. Veja a seguir uma sugestão de modelo de PEI para aluno com deficiência intelectual incluído no ensino comum. PEI desenvolvido para aluno de 10 anos, com deficiência intelectual, incluído no segundo ano do ensino fundamen- tal. Aluno muito comunicativo, interessado, identifica as vogais, as letras de seu nome e os números até cinco, além de contextualizar com facilidade o tema trabalhado a fa- tos da vida diária. O planejamento deverá ser realizado em um período de seis meses, ou seja, um semestre, podendo ser reavaliado e readequado às necessidades do aluno, e deverá desenvolver a matriz curricular da turma em que o aluno está incluído, realizando as adaptações necessárias. 16 A síndrome de Down – SD é uma alteração genética, descrita há mais de um século por John Langdon Down, sendo caracterizada pela presença de um cromossomo a mais nas células, acarretando alterações no desen- volvimento motor, físico e intelectual. É uma das causas mais frequentes de deficiência intelectual, compreendendo cerca de 18% do total de defi- cientes intelectuais em instituições educacionais especializadas e centros de reabilitação no Brasil (GORLA et al. 2011). 17 Foi citada como a causa mais comum da deficiência intelectual nos países desenvolvidos. A exposição no primeiro trimestre de gravidez afeta a organogênese e o desenvolvimento craniofacial, enquanto o desenvolvi- mento do sistema nervoso central é influenciado durante toda a gravidez, devido à maturação continuada dos neurônios (THACKRAY; TIFFT, 2001). 18 A síndrome do X frágil – SXF é a causa hereditária mais comum de de- ficiência intelectual no sexo masculino, com uma prevalência estimada de 1:4.000 meninos e 1:6.000 meninas. Foi constatado que existe associação do autismo com a SXF, que, entretanto, é casual, e não causal, uma vez que se observam na fala de indivíduos com SXF algumas manifestações frequentes, como ecolalia e perseveração (YONAMINE; SILVA, 2002). ...................................................................................................................................................................................................................... 138 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Habilidades acadêmicas e funcionais Objetivos Estratégias Língua Portuguesa Copiar do quadro o nome da escola e a data. Relatar experiências vividas e narrar fatos. Desenvolver a escrita do próprio nome completo, fazendo comparações com os nomes dos colegas do grupo. Participar da produção de textos coletivos. Identificar e reconhecer letras, palavras e pequenos textos por meio da leitura formal. Colocar o aluno sentado mais próximo à professora e, quando necessário, junto de outro aluno para o desenvolvimento das atividades. Confeccionar uma ficha com o nome completo dos alunos para que possam fazer em seus cadernos e em outras atividades. Solicitar a participação do aluno a partir de perguntas sobre as leituras, incentivando-o e motivando-o. Fazer uso do alfabeto móvel e de figuras com seus respectivos nomes para auxiliar na leitura. Confeccionar um caderno com pequenas leituras para a turma. ...................................................................................................................................................................................................................... 139PEI para alunos com deficiência intelectual Habilidades acadêmicas e funcionais Objetivos Estratégias Matemática Identificar e reconhecer os números de zero a 20. Resolver operações que envolvam adição e subtração simples. Identificar algumas formas geométricas, como triângulo, quadrado, retângulo. Desenvolver estratégias para a resolução de problemas matemáticos, experimentando formas de raciocínio. Trabalhar com diversos tipos de material (figuras, jogos, o próprio livro da turma, etc.) para identificação dos números e das formas geométricas. Realizar trabalho em conjunto para solucionar problemas matemáticos, além de solicitar a participação do aluno para a correção no quadro sempre que possível. Vida diária Cuidar de seu material escolar com mais cuidado, evitando perdê-lo e reconhecendo a importância dele para sua rotina na escola. Ensinar ao aluno a importância de cuidar de seu material escolar e como fazê-lo, por meio da contação de histórias e situações que envolvam essa questão. ...................................................................................................................................................................................................................... 140 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Smith (2008) destaca algumas estratégias que podem aju- dar nossos alunos com deficiência intelectual a terem me- lhor rendimento acadêmico por meio de mediações sis- tematicamente planejadas para facilitar suas construções cognitivas. O professor pode: 1. Selecionar as metas e os objetivos de aprendiza- gem que são funcionais e relevantes para o aluno, fazendo uma flexibilização no currículo. 2. Conseguir a atenção do aluno antes de iniciar uma instrução, relacionando o tema que será estu- dado com o contexto de vida do aluno. 3. Certificar-se de que os alunos estão ativamente en- volvidos, fazendo perguntas sobre o tema abordado. 4. Ensinarcom materiais concretos (em vez de sím- bolos ou abstrações). 5. Variar materiais e exemplos para chamar a aten- ção dos alunos e usar várias linguagens diferentes. 6. Variar os instrutores, podendo até mesmo eleger colegas para essa comunicação. 7. Certificar-se de que a habilidade cognitiva é do- minada em, pelo menos, um contexto. ...................................................................................................................................................................................................................... 141PEI para alunos com deficiência intelectual 8. Variar os contextos, incluindo aqueles em que as habilidades devem ser aplicadas. 9. Promover muitas oportunidades para a prática, pois ela leva à compreensão. 10. Diminuir gradualmente a ajuda de adultos, pois eles precisam adquirir autonomia. E no tocante às habilidades comportamentais e sociais, é possível usar o feedback para ajudar nossos alunos a compreender quais são os comportamentos mais adequa- dos e eficientes às interações acadêmicas (SMITH, 2008). O professor pode manter os alunos interessados por meio de feedback se: • Deixar claras as expectativas a respeito do com- portamento mais adequado para as interações aca- dêmicas. • Estimular ou lembrar os alunos sobre como de- vem comportar-se para manterem melhor o foco re- ferente à atenção. • Lembrar de envolvê-los continuamente na instru- ção ou no grupo de atividade. • Comentar com os colegas os bons resultados dos alunos com deficiência intelectual. ...................................................................................................................................................................................................................... 142 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Além dessas técnicas, também ressaltamos a importância do uso de tecnologias de informação e comunicação – TICs para facilitar tanto o processo de pesquisa e construção do conhecimento como as interações acadêmicas, mediante instrumentos multimídia que auxiliem a sistematização do conhecimento pelos alunos. ...................................................................................................................................................................................................................... 143PEI para alunos com deficiência auditiva/surdez PEI PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA/SURDEZ A deficiência auditiva/surdez pode ser definida da seguin- te maneira: Qualquer alteração ou distúrbio no processamento normal da audição, seja qual for a causa, tipo ou grau de severidade, constitui uma alteração auditi- va, determinando, para o indivíduo, uma diminui- ção da sua capacidade de ouvir e perceber os sons. (BRASIL, 2006, p. 14) As principais causas que levam à deficiência auditiva/sur- dez são variadas e podem dividir-se em: Pré-natais Perinatais Pós-natais Surdez provocada por fatores genéticos e hereditários, doenças adquiridas pela mãe na época da gestação (rubéola, toxoplasmose, citomegalovírus) e exposição da mãe a drogas ototóxicas (medicamentos que podem afetar a audição). Surdez provocada mais frequentemente por parto prematuro, anóxia cerebral (falta de oxigenação no cérebro logo após o nascimento) e trauma de parto (uso inadequado de fórceps, parto excessivamente rápido, parto demorado). Surdez provocada por doenças adquiridas pelo indivíduo ao longo da vida, por sequela de meningite, caxumba, sarampo, por uso de medicamentos ototóxicos, entre outros fatores, como o avanço da idade e acidentes. ...................................................................................................................................................................................................................... 144 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Segundo Oliveira (2014, p. 33): A surdez é uma experiência visual, com isso as formas de compreender o universo, os meios de processar informações são construídos enquanto experiência visual, logo as potencialidades visuais dos surdos não podem ser consideradas apenas pela língua de sinais. Existe uma cultura surda que perpassa a história desses sujeitos e vai delineando suas identidades. O diagnóstico precoce é decisivo para o início das inter- venções de estímulo para que a criança consiga comuni- car-se, desenvolvendo a linguagem no período adequado de sua vida para que não tenha deficit cognitivos. Além disso, ele permite uma melhor adaptação aos aparelhos auditivos, o que vai influenciar na capacidade de leitura dos anos seguintes. Na subjetividade de ser surdo, existe uma compreensão de pertencer a um grupo minoritário, mas dono de uma cultura rica, com um padrão próprio de linguagem, que é a LIBRAS. Portanto, há a ideia da surdez como uma dife- rença, e não uma deficiência. Um problema recorrente que afeta o desenvolvimento aca- dêmico dos alunos surdos é a dificuldade para ler. Como sugestão, Smith (2008) aponta como alternativas: 1. Enfocar o significado do texto em vez de o voca- bulário. ...................................................................................................................................................................................................................... 145PEI para alunos com deficiência auditiva/surdez 2. Identificar as principais ideias do texto. 3. Pensar sobre o conhecimento relacionado. 4. Praticar com livros “concretos”. 5. Pensar sobre a mensagem como um todo. Atualmente, a proposta educacional bilíngue estabelece que a educação escolar de surdos deve ser baseada nas duas línguas, com privilégios diferentes: a língua de si- nais como primeira língua (L1), e a língua da comunidade ouvinte local como segunda língua (L2) (GÓES, 1996). Em outras palavras: o bilinguismo pretende proporcionar ao aluno surdo a condição de utilizar bem as duas línguas, a de sinais e a da comunidade ouvinte, posteriormente escolhendo que língua utilizar para sua comunicação de acordo com a situação em que se encontra. A educação de surdos por meio do bilinguismo é garanti- da pela Lei nº 10.346/2002 e regulamentada pelo Decreto nº 5.626/2005, que, no Capítulo IV, art. 14, § 1º, prevê a necessidade de: Ofertar, obrigatoriamente, desde a educação infan- til, o ensino da Libras e também da Língua Portu- guesa, como segunda língua para alunos surdos, [...] prover as escolas com [...] professor para o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua para pessoas surdas. (BRASIL, 2005) ...................................................................................................................................................................................................................... 146 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Por meio de reivindicações dos próprios surdos e de uma parcela da sociedade que se preocupou em como o ensino estava sendo ministrado aos alunos surdos, questionan- do-se o que era necessário aprender para ajudá-los a se desenvolverem e de forma a diminuir a distância existente entre a educação de ouvintes e a de surdos, a necessida- de de que os professores estejam abertos ao aprendiza- do, entendam e reflitam sobre as especificidades que os alunos com surdez apresentam tornou-se uma realidade. Para que os alunos surdos possam, então, vir a ser atores na construção do currículo, a aquisição da língua de sinais é um dos fatores mais relevantes, para que, por meio dela, possam ter a chance de externar a sua subjetividade. For- mozo (2009, p. 35) ressalta a importância em: [...] Proporcionar à criança surda, o mais cedo possí- vel, o contato com a língua de sinais, pois é atravésmembro da Sociedade Brasileira de Neurociência e Comportamento, pós-graduada em Anatomia Humana e espe- cialista em Fisiologia Humana, Bioética Aplicada e Didática do En- sino Superior. Atua, ainda, como pesquisadora na área de biologia cognitiva e aprendizagem, como professora universitária e do en- sino básico e como coordenadora do curso de pós-graduação de Neurociência Pedagógica na AVM Faculdade Integrada – RJ). 13 APRESENTAÇÃO APRESENTAÇÃO Este livro, A trajetória histórica da Educação Especial no Brasil: da legislação às salas de aula, foi concebido para ser um guia na forma- ção do aluno de educação inclusiva, buscando responder às principais questões referentes à aprendizagem e ao desenvolvimento do aluno deficiente na escola regular. Dessa forma, começamos nosso percurso teórico apresentando e discutindo a eficiência das legislações e polí- ticas públicas referentes à Educação Especial. Depois, discorreremos sobre a relação entre a neurociência e a aprendizagem, evidenciando as condições em que todos os alunos têm de aprender. Apresentaremos, também, a concepção sócio-histórica de desenvolvimento fundamen- tada na obra de Lev Vygotsky e, por fim, construiremos um guia de orientação para os futuros docentes que abordará os planejamentos educacionais individualizados – PEI para as principais necessidades educativas apresentadas na educação inclusiva. Desejamos que você aproveite ao máximo esta experiência e que a leitu- ra desta obra promova uma oportunidade de reflexão sobre os conteú- dos abordados, contribuindo efetivamente para o seu enriquecimento cultural e acadêmico. ...................................................................................................................................................................................................................... 14 SOBRE AS AUTORAS Taísa Costa Vliese é psicóloga e mestre em Educação, com especiali- zações na área da Saúde Mental e do Desenvolvimento da Criança e do Adolescente. Professora universitária há 16 anos em diversas institui- ções públicas e privadas, atua como professora assistente nas cadei- ras de Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem e Educação Especial e, há três anos, como professora orientadora de monografia. É autora do livro Graciliano Ramos: a infância pelas mãos do escri- tor: um ensaio sobre a constituição da subjetividade na psicologia sócio-histórica, consultora de secretarias de educação sobre educação infantil e colunista de sites. Érica Costa Vliese Zichtl Campos é psicóloga e mestre em Educação, com especializações em Orientação Educacional e Terapia Comunitá- ria. Professora das redes municipais de educação de Nova Iguaçu e Duque de Caxias, atua como orientadora educacional e no atendimen- to educacional especializado (sala de recursos multifuncionais) há 12 anos. Também é colaboradora do grupo de pesquisa “A escolarização de alunos com deficiência intelectual: políticas públicas, processos cognitivos e avaliação da aprendizagem”, desenvolvido em rede pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ, Universidade do Estado de Santa Catarina – Udesc e Universidade do Vale do Itajaí – Univali (2012), criado em 2009, sob coordenação da professora dou- tora Márcia Denise Pletsch. Nesse grupo de pesquisa, colabora com a produção de artigos científicos, capítulos de livros e apresentação de trabalhos em congressos e seminários sobre o tema, além da participa- ção em pesquisas de campo. 15Um pouco da história da Educação Especial ...................................................................................................................................................................................................................... CAPÍTULO 1 EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL: PERSPECTIVAS DE UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA Este capítulo aborda sucintamente a constituição histórica da Educação Especial no Brasil, perpassando por diferentes épocas e concepções que muito nos auxiliam a compreen- der as políticas destinadas a esse grupo até a atualidade. Dessa forma, leia com atenção e tente contextualizar suas experiências pessoais e profissionais com o conteúdo tra- balhado. Educação Especial no Brasil: perspectivas de uma educação inclusiva16 ...................................................................................................................................................................................................................... UM POUCO DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL A história da deficiência percorreu um longo caminho até chegar à concepção de Educação Especial que temos hoje. Sempre existiram pessoas que, por algum motivo, chama- ram atenção por serem diferentes — seja pela deficiência, modos de pensar, se vestir, de agir, entre outros — e que por esses mesmos motivos eram segregados, escondidos da sociedade. Bueno (1997, p. 159) corrobora com essa ideia ao dizer que [...] em todas as épocas, o meio social identificou, por algum critério, indivíduos que possuíam algu- mas características que não faziam parte daquelas que se encontravam entre a maior parte dos mem- bros desse mesmo meio, não pela simples presença de uma diferença, mas pelas consequências desse sujeito na construção coletiva de sobrevivência e re- produção de diferentes agrupamentos sociais, em diferentes momentos históricos. Por volta do século XVII, acreditava-se que tanto a loucu- ra quanto a deficiência eram irremediáveis, sendo o isola- mento em sanatórios e hospícios visto como uma “forma de proteção do meio social de manifestações individuais que interfeririam na nova ordem social” (BUENO, 1997, p. 165). Não havia distinção entre ambas, que eram conside- radas irreversíveis. O atendimento às pessoas com defi- ciência, durante esse período, estava mais relacionado ao aspecto social do que ao educacional propriamente dito. 17Um pouco da história da Educação Especial ...................................................................................................................................................................................................................... A Educação Especial surgiu na Europa, no final do século XVIII, com a criação de instituições especializadas para o atendimento educacional de surdos e cegos cujos legados contribuíram para a expansão da área. Destacam-se im- portantes iniciativas educacionais para as pessoas com deficiência que surgiram com alguns educadores e cien- tistas, como Philippe Pinel1 , Jean- Marc Itard2 , Valentin Haüy3, entre outros, que constataram que a pessoa com alguma deficiência poderia aprender e, consequentemen- te, ser educada (MENDES, 1995; AMARAL, 1995; SILVA; CASTRO; BRANCO, 2006; PLETSCH, 2014). 1 Médico, pioneiro no tratamento dos doentes mentais, Pinel inicialmente clinicou e só passou a se interessar pela psiquiatria por volta de 1780, devido à preocupação em socorrer um amigo vítima de psicose maníaca aguda. Corretamente considerou as doenças mentais como resultado de tensões sociais e psicológicas excessivas, de causa hereditária, ou ainda originadas de acidentes físicos, desprezando a crendice entre o povo e mesmo entre os médicos de que fossem resultado de possessão demo- níaca. Humanista, era contra as medicalizações e defendia que o médico deveria participar da administração hospitalar, objetivando organização, higiene e relações interpessoais saudáveis. Em 1801, publicou o Trata- do médico-filosófico sobre a alienação ou a mania, no qual descreveu uma nova especialidade médica, que viria a se chamar psiquiatria (1847). Disponível em: . Acesso em: 10 jan. 2015. 2 Tornou-se conhecido como educador de surdos e realizou diversos experimentos nos seus alunos da École de Saint-Jacques, em Paris. Seu paciente mais famoso, personagem de um de seus livros, foi o “Homemdessa língua que ela construirá sua identidade sur- da, inserindo-se, dessa forma, na comunidade surda e partilhando as experiências culturais surdas. Sendo assim, torna-se fundamental que o aluno surdo tenha acesso às adaptações necessárias que favoreçam a aquisição da língua de sinais simultaneamente com o aprendizado do português. Mais uma vez, vemos que, para isso, faz-se necessário o estabelecimento de práticas pe- dagógicas menos rígidas e que se aproximem das necessi- dades desses alunos. Uma importante discussão é sobre a possibilidade de fazer um implante coclear, um procedimento cirúrgico que reali- za uma incisão atrás do ouvido, e, quando ela cicatriza, um fio é introduzido por meio da cóclea. Esse fio é conectado a ...................................................................................................................................................................................................................... 147PEI para alunos com deficiência auditiva/surdez um receptor muito pequeno, que pode ser usado preso a um cinto. No processo auditivo, o computador detecta o som e envia os sinais elétricos para o receptor implantado, que estimula o nervo auditivo, produzindo o som (SMITH, 2008). A eficiência dos implantes é variável, pois há diversos fa- tores que podem influenciar sua eficiência, como a idade na época do implante e o período de tempo em que a pes- soa ficou sem ouvir. Para as crianças, os resultados são melhores se o implante for colocado antes dos cinco anos de idade. Corroborando com o que foi descrito até aqui, há cuidados que facilitam as interações escolares e a aprendizagem de alunos surdos. São elas (SMITH, 2008): • Diminuir o barulho excessivo na sala de aula. • Definir palavras-chave do vocabulário devagar e cuidadosamente. • Usar material auxiliar (que o aluno possa mani- pular) para explicar conceitos matemáticos. • Fazer apresentações multimídia com legendas. • Pedir que cada aluno fale sobre as suas observa- ções. • Usar mapas, globos e cartazes para demonstrar os conceitos-chave. ...................................................................................................................................................................................................................... 148 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência • Usar exemplos e assuntos conhecidos e concre- tos quando apresentar conceitos abstratos. • Oferecer aos alunos oportunidades amplas de debates. • Ensinar e praticar motivando a elaboração con- ceitual (por exemplo, fazer analogias, usar material para paráfrase, identificar as ideias principais, resu- mir os pontos-chave). • Estar consciente da sua velocidade e ir mais vaga- rosamente se os alunos parecerem confusos. • Manter suas mãos longe do rosto quando falar. • Sempre falar olhando para a criança surda ou com deficiência auditiva. • Usar o mínimo possível de linguagem figurada. • Colocar a criança o mais próximo possível de quem está falando. • Certificar-se de que o aparelho auditivo da crian- ça está ligado e funcionando adequadamente. • Articular-se de maneira clara, mas não falar mais alto, a menos que você tenha um tom de voz muito baixo. ...................................................................................................................................................................................................................... 149PEI para alunos com deficiência auditiva/surdez • Certificar-se de que está tendo a atenção dos alu- nos antes de falar ou começar uma lição. • Não exagerar os movimentos labiais. • Não ficar de costas para a turma. • Usar um projetor acima da sua cabeça em vez de quadros negros comuns, de maneira que os alunos possam ver a sua boca. • Evitar movimentar-se pela sala enquanto fala. • Falar vagarosamente. • Repetir e apresentar mais de uma vez a informa- ção, parafraseando-a. • Conversar bastante com os alunos, individual- mente, de forma que você acostume-se com a fala de cada um deles. • Evitar lugares muito claros, como uma janela, quando estiver falando ou sinalizando. • Não saltar ou movimentar-se enquanto fala. • Curvar-se de forma que você fique no mesmo ní- vel dos olhos do aluno quando estiver falando só com ele ou com pequenos grupos. ...................................................................................................................................................................................................................... 150 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência • Usar cartazes para comunicar informações im- portantes, como palestras, palestrantes convidados, excursões e filmes educacionais. • Pedir a um aluno voluntário para ser assistente, preferencialmente um aluno por sala de aula, por unidade ou por assunto. • Pedir aos alunos que façam um rodízio para fa- zer a cópia extra das anotações, usando o papel carbono quando escreverem, propiciando, assim, ao aluno surdo a chance de olhar mais atentamente para o professor. • Orientar-se com um professor especialista em deficiência auditiva. E sobre os cuidados relativos à docência em cooperação com um intérprete, ambos precisam coordenar esforços para assegurar que eles entendam o papel um do outro: o professor é o responsável, e o intérprete dá o apoio neces- sário. Para isso, o professor deve fornecer todo o conteúdo, listas dos termos-chave e o livro-texto para assegurar uma tradução clara e precisa das suas instruções e explicações. E por fim, o intérprete deve sentar-se em um local sem claridade excessiva, porém, bem iluminado e de cor sóli- da, a fim de não bloquear a visão nem do quadro nem do professor. A seguir, um modelo de PEI elaborado para um aluno in- cluído em uma classe comum do quinto ano do ensino ...................................................................................................................................................................................................................... 151PEI para alunos com deficiência auditiva/surdez fundamental, com 11 anos de idade. Ressaltamos que o aluno já possui algum conhecimento de LIBRAS, mas ain- da é necessário apoio em sala de aula comum. Seus pais são ouvintes, e, até os sete anos de idade, ele utilizava o oralismo como forma de comunicação. Iniciou atividades em sala de recursos aos nove anos de idade, momento em que também iniciou o aprendizado de LIBRAS. Apresenta dificuldades em relacionar-se com seus colegas de classe, assim como na realização de atividades e avaliações pro- postas. É necessário desenvolver a matriz curricular da turma em que o aluno está incluído, realizando as adapta- ções necessárias. ...................................................................................................................................................................................................................... 152 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Habilidades acadêmicas e funcionais Objetivos Estratégias Língua Portuguesa Ciências História/Geografia Matemática Desenvolver atividades de atenção e concentração a partir de jogos de identificação de elementos do português escrito e figuras com o apoio da LIBRAS. Interpretar fatos e outras experiências por meio do uso de diferentes instrumentos simbólicos (narrativa — com o uso da LIBRAS —, dramatização, imitação, desenho, uso de objetos). Desenvolver atividades que proporcionem a interação e a comunicação entre os alunos. Colocar o aluno sentado mais próximo à professora e, quando necessário, junto a outro aluno para o desenvolvimento das atividades. Expor os conteúdos trabalhados por meio da LIBRAS (intérprete deLIBRAS ou professor com fluência nessa modalidade). Utilizar materiais pedagógicos com pistas visuais que favoreçam a compreensão sobre o conteúdo trabalhado (livros com ilustrações, jogos de percepção visual, maquetes, jogos diversos, uso do computador, entre outros). Realizar trabalho em grupo por meio da modalidade sinalizada. ...................................................................................................................................................................................................................... 153PEI para alunos com deficiência múltipla PEI PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA A deficiência múltipla pode ser definida como: [...] expressão adotada para designar pessoas que têm mais de uma deficiência. É uma condição he- terogênea que identifica diferentes grupos de pes- soas, revelando associações diversas de deficiência que afetam, mais ou menos intensamente, o fun- cionamento individual e o relacionamento social. (CARVALHO, 2000, p. 47) Segundo Rocha (2014), o grau de comprometimento de- pende não apenas das características que se apresentam de acordo com cada deficiência, mas de aspectos influen- ciados pelo ambiente, pelas oportunidades, pelos estímu- los e pelas relações que são vivenciados por ele, entre tan- tas outras questões. A esse respeito, a autora diz: A criança com deficiência múltipla necessita de atenção especial em todas as esferas do seu desen- volvimento, sendo elas: motora, sensorial, intelec- tual, educacional e social. Tanto intervenções mais pontuais quanto o estabelecimento de estratégias para o seu desenvolvimento global devem ser tes- tadas e, seus resultados, compartilhados no meio científico, para que um número cada vez maior des- tas crianças, seus cuidadores e educadores, sejam beneficiados pelas pesquisas e relatos de experiên- cias bem-sucedidas. (ROCHA, 2014, p. 27-28) Sendo assim, pretendemos apresentar formas de garantir a aprendizagem e o desenvolvimento desses alunos sem desconsiderar as necessidades apresentadas por eles. ...................................................................................................................................................................................................................... 154 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Alguns fatores são considerados como etiologias da defi- ciência múltipla, podendo ser pré-natais, perinatais ou na- tais e pós-natais, além de situações ambientais, tais como: acidentes e traumatismos cranianos, intoxicação química, irradiações, tumores e outras (SILVA, 2012, p. 3). Segundo Rocha (2014), para realmente considerar os des- dobramentos que o quadro de deficiência múltipla pode trazer para a vida da pessoa, é importante analisar seus efeitos na funcionalidade do sujeito frente ao seu ambien- te, com relação ao cotidiano e à realidade em que vive. Smith (2008) convida-nos a refletir acerca de quais seriam os parâmetros para a estruturação de uma proposta peda- gógica para esses alunos a partir de perguntas como: • Como satisfazer as suas necessidades educacio- nais? • Como podem alcançar os objetivos de uma vida independente e a plena participação em sua comu- nidade? • Que apoios requerem durante seus anos escola- res? • Como o currículo pode melhor ajudá-los no de- senvolvimento das habilidades de que eles preci- sam? • Quais apoios tecnológicos facilitarão a sua inde- pendência futura? ...................................................................................................................................................................................................................... 155PEI para alunos com deficiência múltipla A ênfase para os alunos com deficiências múltiplas gra- ves está no desenvolvimento das habilidades que promo- vam a independência e a presença na comunidade. Nesse sentido, é muito importante conhecermos as áreas de tec- nologias assistivas – TAs e de comunicação alternativa e ampliada – CAA como possibilidades a serem empregadas com alunos com múltiplas deficiências. Vejamos o concei- to de TA: É uma área do conhecimento, de característica in- terdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à atividade e participação, de pessoas com deficiên- cia, incapacidades ou mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social. (BRASIL, 2007) Rocha (2014) sinaliza que, para que os recursos de TA possam favorecer os processos de ensino e aprendizagem e inclusão educacional dos alunos com múltiplas defici- ências, é necessário que eles estejam, de fato, disponíveis e acessíveis na realidade escolar. E é justamente aqui que destacamos a importância do PEI para uma utilização que pense, avalie e valorize as reais necessidades do aluno e em como esses recursos poderão ser utilizados visando alcançar os objetivos propostos para cada educando. Veja a seguir um quadro com alguns recursos de TA: ...................................................................................................................................................................................................................... 156 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Categorias Descrição de categorias Ilustrações dos exemplos de recursos Auxílio para a vida diária Produtos que favoreçam autonomia durante a realização de tarefas presentes no cotidiano das pessoas. Exemplos: barras de apoio nos banheiros, talheres adaptados, roupas com alterações para facilitar a sua colocação, materiais escolares. Talheres e tesoura adaptados. Materiais de CAA Instrumentos destinados a atender pessoas sem fala ou escrita funcional ou em defasagem entre sua necessidade comunicativa e sua habilidade em falar e/ou escrever. Prancha para comunicação e vocalizador portátil. ...................................................................................................................................................................................................................... 157PEI para alunos com deficiência múltipla Categorias Descrição de categorias Ilustrações dos exemplos de recursos Recursos de acessibilidade ao computador Conjunto de hardwares e softwares especialmente idealizados para tornar o computador acessível de acordo com as necessidades que uma pessoa com deficiência possa apresentar. Exemplos: teclados adaptados, mouses especiais, softwares de reconhecimento de voz, entre tantos outros. Monitor com tela de toque. Órtese para digitação. Sistemas de controle do ambiente Controles remotos ou acionadores que podem estar em qualquer parte do corpo para acionar luzes, ventiladores, sistemas de segurança, entre outras funções. Representação de controle de ambiente. ...................................................................................................................................................................................................................... 158 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Categorias Descrição de categorias Ilustrações dos exemplos de recursos Projetos arquitetônicos para acessibilidade Projetos de edificação e urbanismo podem garantir acesso e mobilidade às pessoas independen- temente das deficiências que possam apresentar. Adaptações em banheiros. Órteses e próteses Peças artificiais podem substituir partes ausentes do corpo. Prótese de membro inferior. Adequação postural Adequação postural diz respeito a recursos que promovam adequações em todas as posturas (deitado, sentado, de pé...). Almofadas noleito também se enquadram nessa categoria. Adaptação de cadeira escolar. ...................................................................................................................................................................................................................... 159PEI para alunos com deficiência múltipla Categorias Descrição de categorias Ilustrações dos exemplos de recursos Auxílio de mobilidade A mobilidade pode ser auxiliada por equipamentos ou estratégias que viabilizem a locomoção. Exemplos: bengalas, an- dadores, cadeiras de rodas, carrinhos e outros. Andador com freios. Auxílios para cegos ou para pessoas com baixa visão Equipamentos para a promoção da autonomia de pessoas com deficiências visuais. Exemplos: teclados falados, relógios e calculadoras adaptadas. Termômetros falados. Auxílio para pessoas com surdez Aparelhos para surdez, sistemas com alerta tátil e visual, entre outros, visando suprir as necessidades de quem apresenta esse tipo de deficiência. Telefone com teclado. ...................................................................................................................................................................................................................... 160 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Categorias Descrição de categorias Ilustrações dos exemplos de recursos Adaptações em veículo Acessórios e adaptações que possibilitam uma pessoa com deficiência física adentrar e até mesmo dirigir um automóvel. Elevador para cadeira de rodas. Fonte: Quadro elaborado de acordo com a organização classificatória de Bersch (2008 apud ROCHA, 2014). Ilustrações obtidas no mesmo documento. De acordo com a descrição acerca de alguns recursos de TAs apontados no quadro anterior, podemos depreender que elas contribuem para proporcionar maior habilidade na realização das atividades que fazem parte tanto da vida cotidiana como da estudantil e laborativa. Consequente- mente, elas colaboram para promover a inclusão social e uma vida mais independente (ROCHA, 2014). A TA ajuda-nos a mudar a perspectiva pela qual vemos o aluno: em vez de descrevê-lo em termos de deficit — o que eles não podem fazer —, novas perspectivas enfocam o que o indivíduo pode realizar por meio de uma variedade de apoios em muitas dimensões da vida. Ilustrando essa questão, o maior desafio que os indiví- duos surdocegos enfrentam é aprender a comunicar-se. Alguns nem aprendem a falar, tornando-se permanente- mente dependentes dos outros no que tange a tornar a ...................................................................................................................................................................................................................... 161PEI para alunos com deficiência múltipla linguagem acessível. Para muitas dessas crianças, o meio para aproximar-se do mundo é usando uma comunicação manual (por exemplo, linguagem de sinais, gestos) a fim de expressar suas necessidades e de aprender e crescer. Alguns alunos aprendem diferentes tipos de linguagem de sinais para comunicar-se com os outros, usando uma for- ma tátil da linguagem de sinais, que é chamada de “mão sobre mão”, na qual os sinais são transmitidos por meio do toque. Nesse sistema, os dedos colocados na palma da mão da outra pessoa constituem o meio de interação. Um sério problema na vida de muitos indivíduos com sur- docegueira é o isolamento, um aspecto com que os educa- dores devem saber lidar, pois o mundo dos alunos é restri- to. O papel do educador é expandir suas “visões do mundo” e conectá-los a outras pessoas e aos seus ambientes. As habilidades devem ser ensinadas em casa e na comunida- de da criança em atividades cotidianas, pois elas precisam entender o que os outros estão falando. Para isso, deve-se estimular, de fato, o uso dos seus sentidos residuais. Colaborando com o processo de inclusão e escolarização do aluno com deficiência múltipla, temos também a CAA, que pode ser assim compreendida: A comunicação alternativa envolve o uso de gestos manuais, expressões faciais e corporais, símbolos gráficos, fotografias, gravuras, desenhos, linguagem alfabética e ainda objetos reais, miniaturas, voz di- gitalizada, dentre outros, como meio de efetuar a comunicação face a face de indivíduos incapazes de usar a linguagem oral. Ela é considerada como uma área que se propõe a compensar temporária ou permanentemente a dificuldade do indivíduo em se comunicar. (GARCIA; PASSONI, 2008, p. 11) ...................................................................................................................................................................................................................... 162 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Segundo Rocha (2014), a literatura sobre CAA tem aponta- do diversos tipos de sistemas e programas que permitem a comunicação de pessoas que não produzem linguagem oral, como, por exemplo, Sistema Bliss (HEHNER, 1980; MC- NAUGHTON, 1985); Picture Communication Symbols – PCS (JOHNSON, 1992); Picture Exchange Communication Sys- tem – PECS (FROST; BONDY, 1996); Pictogram – Ideogram Communication – PIC (MAHARAJ, 1980) e, mais recente- mente, Portal Aragonés de la Comunicación Aumentativa y Alternativa – ARASAAC (RODRIGO; CORRAL, 2013). Abaixo, teremos exemplos de símbolos pertinentes a al- guns dos sistemas de comunicação alternativa citados: Sistema Bliss Fonte: . É importante colocar que os símbolos do Sistema Bliss, as- sim como os do PCS, podem ser trabalhados associados a uma configuração de cores de acordo com as categorias se- mânticas nas quais estejam inseridos (DELIBERATO, 2006). ...................................................................................................................................................................................................................... 163PEI para alunos com deficiência múltipla Conjunto de cartões com símbolos PCS associados a cores de acordo com suas categorias semânticas Fonte: . Categoria de cores em que podem ser distribuídos os símbolos dos Sistemas Bliss e PCS Cores Categorias Rosa Figuras relacionadas a relações sociais. Amarelo Figuras de pessoas. Verde Figuras representativas de ações. Azul Figuras descritivas, comumente relacionadas a adjetivos ou advérbios. Laranja Figuras correspondentes a substantivos. Branco Figuras miscelâneas. Fonte: Quadro elaborado de acordo com informações obtidas em Deliberato (2006 apud ROCHA, 2014). Os recursos podem ser classificados como sendo de baixa, média ou até de alta tecnologia dentro da área da CAA. O quadro a seguir traz uma exemplificação dessa classificação: ...................................................................................................................................................................................................................... 164 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Baixa tecnologia Média tecnologia Alta tecnologia Objetos concretos, miniaturas, fotos e gra- vuras, fotos e figuras para atividades sequenciais, símbolos gráficos, pranchas de comunicação, cartões de comunicação, entre outros. Computadores, notebooks, tablets e smartphones, co- municadores com voz gravada ou sintetizada, pran- chas sonorizadas, entre outros. Escaneamento de retina. Fotos e gravuras. Cartões de comunicação. Pranchas para comunicação. Vocalizador.19 Fonte: Ilustrações obtidas em domínios públicos disponibilizados na internet. 19 É um recurso eletrônico de gravação/reprodução que ajuda a comuni- cação das pessoas em seu dia a dia. Por meiodele, seu usuário expressa pensamentos, sentimentos e desejos pressionando uma mensagem ade- quada que está pré-gravada no aparelho. As mensagens são acessadas por teclas sobre as quais são colocadas imagens (fotos, símbolos, figuras) ou palavras, que correspondem ao conteúdo sonoro gravado. Disponível em: . ...................................................................................................................................................................................................................... 165PEI para alunos com deficiência múltipla A partir do levantamento acerca da importância dos re- cursos de TA e CAA, podemos concluir, como nos diz Ro- cha (2014), que ambos contribuem para os processos de aprendizagem e desenvolvimento desses alunos, que pas- sam a ter maiores oportunidades de interação, de constru- ção de conceitos científicos e desenvolvimento de habili- dades, visto que: Tem seus conceitos atrelados ao desenvolvimen- to de ações que venham a oportunizar autonomia, acesso à informação, integração ao grupo social, dentre tantos aspectos que venham a configurar uma efetiva inclusão, transpondo o ambiente es- colar, levando a desdobramentos que conduzem à prática da cidadania. Nisto, consideramos que o conhecimento destas áreas, assim como o entendi- mento dos recursos e estratégias que estas abran- gem, pode contribuir para uma prática educativa mais adequada às necessidades educacionais de alunos que apresentem limitações significativas de- correntes do quadro de deficiência múltipla. (RO- CHA, 2014, p. 67) Sendo assim, a partir de agora traçaremos um PEI para um aluno com deficiência múltipla, de 10 anos de idade, que está incluído em uma classe comum do quarto ano do ensino fundamental. O aluno frequenta sala de recursos desde os oito anos de idade, é alfabético e apresenta fa- cilidade em relacionar os temas cotidianos aos conteúdos de sala de aula comum. Seu laudo descreve paralisia cere- bral, paraplegia, movimentos involuntários dos membros superiores e baixa visão, porém sem prejuízos cognitivos. Sugere-se a utilização de uma pulseira imantada ou, ainda, caneta e engrossador de borracha, para facilitar a preensão e a escrita. O PEI deve desenvolver a matriz curricular da turma em que o aluno está incluído, realizando as adapta- ções necessárias. ...................................................................................................................................................................................................................... 166 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Habilidades acadêmicas e funcionais Objetivos Estratégias Língua Portuguesa Relatar experiências vividas. Utilizar a prancha com o alfabeto ampliado para reconhecer as letras e a grafia do próprio nome. Participar da produção de textos coletivos. Elaborar pequenos textos individualmente. Orientação individual e sistemática do aluno frente às suas necessidades específicas. Colocar o aluno sentado mais próximo à professora e, quando necessário, junto a outro aluno para desenvolvimento das atividades. Utilizar caderno de pauta ampliada. Confeccionar uma ficha com o nome completo do aluno para que possa fazer em seus trabalhos, bem como cadernos e em outras atividades. Todo material deverá ser ampliado para atender à necessidade do aluno quanto à baixa visão. Solicitar a participação do aluno a partir de perguntas sobre as leituras, incentivando-o e motivando-o. Fazer uso do alfabeto móvel e de figuras com seus respectivos nomes para auxiliar na leitura. Todos deverão ser ampliados. ...................................................................................................................................................................................................................... 167PEI para alunos com deficiência múltipla Habilidades acadêmicas e funcionais Objetivos Estratégias Matemática Resolver operações que envolvam adição, subtração e multiplicação. Identificar algumas formas geométricas, como triângulo, quadrado, retângulo. Desenvolver estratégias para a resolução de problemas matemáticos, experimentando diversas formas de raciocínio. Orientação individual e sistemática do aluno frente às suas necessidades específicas. Trabalhar com diversos tipos de material (figuras, jogos matemáticos, o próprio livro da turma, ábaco, pesquisa na web, uso do computador com adaptações para teclado e mouse, entre outros). Realizar trabalho em conjunto para solucionar problemas matemáticos, além de solicitar oralmente a participação do aluno para a correção sempre que possível. Ciências, História e Geografia Desenvolver o conteúdo curricular proposto para sua turma. Uso de pesquisa na web, trabalhos em grupo. Utilizar papéis com maior espessura, contact e velcro para melhor manuseio do aluno. ...................................................................................................................................................................................................................... 168 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência PEI PARA ALUNOS COM AUTISMO A palavra “autismo” deriva do grego autos, que significa “voltar-se para si mesmo”. Atualmente, o DSM-V (como é conhecida a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatís- tico de Transtornos Mentais) adota o termo transtorno do espectro autista – TEA para referir-se a esse distúrbio do desenvolvimento, extinguindo o termo transtorno global do desenvolvimento – TGD. Passa-se agora a incorporar a síndrome de Asperger ao espectro autista. Outros trans- tornos do desenvolvimento que compunham o TGD, como a síndrome de Rett, o TGD não especificado e o transtorno degenerativo da infância, não fazem parte da categoria que corresponde ao grupo autista. Segundo Silva (2012, p. 109): Para crianças com autismo clássico, isto é, aquelas crianças que têm maiores dificuldades de socializa- ção, comprometimento na linguagem e comporta- mentos repetitivos, fica clara a necessidade de aten- ção individualizada. Essas crianças já começam sua vida escolar com diagnóstico, e as estratégias in- dividualizadas vão surgindo naturalmente. Muitas vezes, elas apresentam atraso mental e, com isso, não conseguem acompanhar a demanda pedagógica como as outras crianças. Para essas crianças serão necessários acompanhamentos educacionais espe- cializados e individualizados. O estudante com autismo pode apresentar algumas destas características: • Prejuízo no uso de múltiplos comportamentos não verbais, tais como: contato visual direto, ex- ...................................................................................................................................................................................................................... 169PEI para alunos com autismo pressão facial, postura facial e corporal e gestos para regular a interação social. • Dificuldade em desenvolver relacionamento com seus pares. • Não demonstra prazer no contato com outras pessoas. • Falta de reciprocidade social ou emocional. • Ausência ou atraso na linguagem. • Em sujeitos que apresentam fala, observa-se difi- culdade para manter uma conversação. • Uso estereotipado e repetitivo da linguagem. • Falha em jogos e brincadeiras de imitação. • Interesse anormal por algo. • Adesão inflexível a rotinas e rituais. • Maneirismos (gritar, apertar mãos, etc.). • Preocupação persistente com partes de objetos. • Atrasos na interação social, na linguagem e nos jogos imaginativos. • Acentuada falta de noção da existência dos senti- mentos dos outros. • Ausência ou busca de conforto anormal para oca- sião do sofrimento. • Imitação ausente ou175PEI para alunos com autismo Habilidades acadêmicas e funcionais Objetivos Estratégias Matemática Resolver questões que envolvam as quatro operações. Identificar algumas formas geométricas, como triângulo, quadrado e retângulo. Trabalhar o sistema monetário brasileiro. Trabalhar com diversos tipos de material (figuras, jogos matemáticos, o próprio livro da turma, ábaco, pesquisa na web, uso do computador, entre outros). Exploração do sistema monetário brasileiro em situações-problema concretas, como simulação de feiras, mercados etc. Realizar trabalho em conjunto para solucionar problemas matemáticos, além de solicitar a participação do aluno para a correção, sempre que possível. Ciências, História e Geografia Desenvolver o conteúdo curricular proposto para sua turma. Trabalhar coletivamente as situações, a fim de que o aluno aproxime- se do grupo e sinta-se pertencente a ele. Além disso, favorecer a identidade do aluno com atividades de cunho pessoal: “quem eu sou, onde vivo, com quem vivo” etc. Deve-se fomentar também atividades de segurança e proteção com a própria vida, a partir de contação de histórias, filmes, pesquisas em computador etc. ...................................................................................................................................................................................................................... 176 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Além dessa sistematização, há preocupação com a estru- tura de apoio à comunicação funcional e instruções em ha- bilidades sociais, bem como métodos positivos e práticos que apoiam o comportamento dos alunos com autismo. Sugerimos essas perguntas na estruturação de um plane- jamento para alunos autistas (SMITH, 2008, p. 370): • Que habilidades ajudarão a criança em seus am- bientes atuais e futuros? • Que habilidades ajudarão a criança a ter sucesso em ambientes menos restritivos? • Qual é a idade apropriada e os objetivos social- mente válidos para que a criança possa aprender? • Nas habilidades em que a criança tem domínio e nas quais ela gosta de executar, estão sendo ofere- cidos apoio e instrução? Há ainda toda uma preocupação com o desenvolvimento de habilidades sociais, pois os autistas acabam tendo mui- ta dificuldade na manutenção das relações sociais: As instruções em habilidades sociais, por vezes, são incorporadas em todo o dia escolar da criança, ou podem ser apresentadas durante o momento especí- fico das habilidades sociais coletivas. Normalmente, as metas e os objetivos incluem aprendizagem de como desenvolver empatia, de como fazer e manter amizades e de como adequar comportamentos so- ciais em diferentes contextos. (SMITH, 2008, p. 370) Em resposta de como seria possível organizar um ambien- te estruturado e seguro para alunos autistas, temos como dicas: ...................................................................................................................................................................................................................... 177PEI para alunos com autismo Promover eventos previsíveis ao: • Desenvolver uma programação. • Realizar experiências narrativas previsíveis. • Evitar surpresas. • Evitar mudanças sem comunicação prévia. • Manter uma estrutura e uma rotina. • Saber como o indivíduo administra seu tempo livre. Comunicando cuidadosamente as instruções e as conse- quências ao: • Procurar coerência nas reações de todos os alu- nos para comportamentos inapropriados. • Dar explicações diretas. • Não utilizar gírias ou metáforas. • Evitar usar somente pistas não verbais. • Usar cuidadosamente os pronomes pessoais. Estimulando a participação positiva ao: • Apresentar o feedback sobre a adequação das re- ações. • Lembrar-se de dizer ao indivíduo quando o seu comportamento está adequado. • Criar tarefas que a pessoa possa realizar. • Traduzir o tempo em algo tangível ou visível. • Enriquecer a comunicação verbal com ilustrações ou figuras. • Usar exemplos concretos. ...................................................................................................................................................................................................................... 178 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência PEI PARA ALUNOS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO Estudantes com altas habilidades/superdotação são aque- les que, segundo o MEC, apresentam notável desempenho e elevada potencialidade em aspectos isolados ou combi- nados, isto é, que têm “capacidade intelectual geral, apti- dão acadêmica específica, pensamento criador ou produti- vo, capacidade de liderança, talento especial para as artes e capacidade psicomotora” (BRASIL, 2006, p. 12). Em função de suas diferenças (altos níveis de inteligência, desempenho acadêmico, criatividade ou habilidades), es- ses alunos são, na maior parte das vezes, sufocados pelos sistemas educacionais que não os desafiam ou desenvol- vem suas habilidades cognitivas ou seus potenciais, o que gera grande desinteresse e comportamentos semelhantes a quadros neuropsiquiátricos, como deficit de atenção e depressão. Gallagher (apud SMITH, 2008, p. 202) defende que algu- mas pessoas nasceram com uma [...] constituição neurológica que lhes permite apren- der com mais agilidade, ter boa memória, processar informações com eficácia e generalizar ideias mais novas e incomuns do que seus semelhantes da mes- ma idade. Acreditamos que o ambiente pode inibir ou facilitar o desen- volvimento de habilidades dos indivíduos, mas, sem uma ...................................................................................................................................................................................................................... 179PEI para alunos com altas habilidades/superdotação predisposição inata para a realização e para o desempenho acelerado, o desenvolvimento excepcional não é possível. Como base para indicadores de superdotação/parâmetros para observação de alunos em sala de aula (DELOU, 2001), devemos estar atentos às características abaixo: • Demonstra prazer em realizar ou planejar que- bra-cabeças e problemas em forma de jogos. • Dirige mais sua atenção para o que já conhece e/ ou faz sempre. • Sente prazer em superar os obstáculos ou as ta- refas consideradas difíceis. • Demonstra que faz excelente uso da faculdade de concatenar, relacionar ideias deduzidas umas das outras, a fim de chegar a uma conclusão ou a uma demonstração. • Mantém e defende suas próprias ideias. • Demonstra que associa o que aprende hoje ao que já aprendeu ou assimilou. • Emite opiniões pensadas, refletidas. • Faz perguntas sobre assuntos corriqueiros do dia a dia, assim como sobre questões diferentes ligadas à física, astronomia, filosofia e outros. • Demonstra realizar com acerto e aperfeiçoar, cada vez mais, tudo o que faz. • Demonstra não precisar da ajuda de outras pes- soas para desincumbir-se de suas responsabilidades. • Demonstra saber chegar ao término de um pen- samento, problema, atividade e outros. ...................................................................................................................................................................................................................... 180 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência • Produz ideias e faz associações diferentes, en- contrando novas alternativas para situações e pro- blemas. • Usa métodos novos em suas atividades, combina ideias e cria produtos diferentes. • Faz atividades ou exercícios a mais do que foram pedidos. • Apresenta ideias comuns e diferentes com faci- lidade. • Não precisa de muito tempo para produzir ideiasnovas ou muitas ideias. • Demonstram verbalmente ideias novas e diferen- tes por meio de histórias, soluções de problemas, confecção e elaboração de textos, criação de objetos e outros. • Produz, inventa suas próprias respostas, encon- trando soluções originais. • Usa os objetos que já têm uma função definida de diferentes maneiras. • É capaz de perceber o que seus colegas são ca- pazes de fazer e orientá-los para que utilizem essa capacidade em trabalhos e atividades do próprio grupo. • Faz contatos sociais e inicia conversas com faci- lidade. • Tem coordenação, agilidade e habilidade para participar satisfatoriamente de exercícios e jogos. Pesquisas mostram que os meninos superdotados têm a taxa de evasão escolar três vezes maior que as meninas ...................................................................................................................................................................................................................... 181PEI para alunos com altas habilidades/superdotação superdotadas, e, no total, é estimado que de 15 a 25% dei- xam a escola antes de concluírem os estudos (RENZULLI; PARK apud SMITH, 2008, p. 202). E, quando questionados se os programas educacionais elaborados para eles esta- vam apropriados e se satisfaziam às suas necessidades, eles responderam que o currículo não é desafiador, o an- damento instrucional é muito lento, muitas informações que já foram dominadas repetem-se, poucas oportunida- des são dadas para estudar assuntos de interesse pessoal ou para analisá-los mais profundamente e, por fim, predo- mina a ênfase na memorização dos fatos, em vez de nas habilidades de raciocínio. A seguir, veja a elaboração de um modelo de PEI para um aluno de 12 anos, que frequenta o sétimo ano do ensino fundamental, com habilidade acentuada para produção de textos e desenhos. Frequenta sala de recursos desde os nove anos de idade. Foi alfabetizado aos três anos pela mãe. Distrai-se com facilidade e às vezes demonstra de- sinteresse em acompanhar as atividades propostas para a sala de aula comum, achando-as “fáceis demais” para ele. O PEI, nesse caso, deve trabalhar a matriz curricular estabelecida para o ano em que está matriculado e reali- zar as adaptações necessárias para maior envolvimento do aluno. ...................................................................................................................................................................................................................... 182 PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Habilidades acadêmicas e funcionais Objetivos Estratégias Língua Portuguesa e Artes Trabalhar as disciplinas em conjunto, a fim de garantir a inter- disciplinaridade, além de fomentar a capacidade crítica em todas as suas formas. Desenvolver textos coletivos com a participação efetiva do aluno. Realizar o empréstimo de livros, assim como idas mais frequentes ao espaço da sala de leitura ou biblioteca. Confeccionar murais com a produção dos alunos. Criar um livro com as produções dos alunos, para apresentação desses trabalhos. Apresentar filmes e discuti- los oralmente e de forma escrita, a fim de trabalhar a opinião de cada um. Trabalhar em grupo ou dupla, sempre que possível. Promover passeios com toda a turma para promover a interação social, além de ampliação do repertório de ideias e interesses do aluno. ...................................................................................................................................................................................................................... 183PEI para alunos com altas habilidades/superdotação Sabemos que muitas alternativas pedagógicas podem ser utilizadas para adaptações curriculares que tragam mais conforto e aumentem a motivação dos alunos com altas habilidades. Dentre elas, Smith (2008) cita: 1. Acima de tudo, ver os alunos como superdotados e, depois, como crianças com deficiência. 2. Propiciar o acesso dos superdotados, na educa- ção, a um currículo enriquecido. 3. Favorecer adaptações por meio de tecnologia. 4. Facilitar uma situação colaborativa com a equipe, incluindo os educadores do ensino regular e da Edu- cação Especial, bem como educadores para super- dotados e profissionais de serviços correlatos (por exemplo, conselheiros escolares, fonoaudiólogos). 5. Encontrar oportunidades para as crianças super- dotadas com distúrbios de aprendizagem interagi- rem com as outras. 6. Utilizar um currículo que incorpore a teoria de inteligências múltiplas. 7. Permitir adaptações nos testes. 8. Acelerar a aprendizagem, quando necessário. 9. Dar oportunidades aos alunos de falarem sobre estresse e dificuldades emocionais, seja em grupos, seja em encontros com os profissionais. 10. Fornecer aos alunos exemplos de papéis assumi- dos por instrutores que também são superdotados e têm distúrbios de aprendizagem. São dois os tipos de recursos que poderão ajudar sistema- ticamente os alunos com altas habilidades: enriquecimen- ...................................................................................................................................................................................................................... 184 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência to e aceleração, ambos trabalhando o processamento, o cognitivo, o pensamento abstrato, além do raciocínio, da resolução criativa de problemas e do autocontrole. O enriquecimento consiste em dialogar abertamente quan- do assuntos extras ou habilidades são incluídas no cur- rículo tradicional, e a aceleração conta com considerável apoio, pois não exige turmas separadas, especiais ou um programa para alunos superdotados. A aceleração pode ser de várias formas: saltar séries, programas de ensino avançado ou grupos divididos por capacidades com as se- ções de honra. Smith (2008, p. 217) cita os benefícios da aceleração: 1. Os alunos podem completar o currículo tradicio- nal do ensino regular em um período curto de tem- po, finalizando o ensino médio mais cedo. 2. As disciplinas podem ser concluídas com mais rapidez, permitindo que os alunos estudem mais profundamente os assuntos correlatos. 3. Os educadores percebem maior ganho intelectual por parte dos alunos que estão envolvidos com esse sistema. 4. Alguns alunos desenvolvem um autoconceito adequado e atitudes mais positivas relativas ao con- teúdo e à escola. 5. O sistema de aceleração evita a crítica de que a educação para superdotados segrega esses alunos dos aprendizes típicos, porque, embora eles não frequentem as aulas com alunos da mesma idade, eles estão participando dos programas do ensino regular. ...................................................................................................................................................................................................................... 185PEI para alunos com altas habilidades/superdotação ...................................................................................................................................................................................................................... Alguns alunos com altas habilidades são encaminhados para avaliações neuropsicopedagógicas devido à queixa de transtornos comportamentais, rebeldia e baixo rendi- mento escolar. Tais situações, muitas vezes, podem ser explicadas pela dificuldade de enquadrarem-se nos currí- culos rígidos e nas interações acadêmicas que não promo- vem tanto o raciocínio e a criatividade. ......................................................................................................................................................................................................................186 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência PEI PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL A expressão deficiência visual, segundo o MEC (DOMIN- GUES et al., 2010), refere-se ao espectro que vai da ceguei- ra até a visão subnormal (baixa visão). Portanto, é necessá- rio conhecer esses dois conceitos. A cegueira é definida como “pessoas que apresentam des- de a ausência total de visão até a perda da projeção de luz” (BRASIL, 2006, p. 17). O processo de aprendizagem acontecerá por meio dos sentidos remanescentes (tato, audição, olfato e paladar), com a utilização do sistema braile como principal meio de comunicação escrita. Já o conceito de baixa visão retrata a pessoa que apresenta dificuldade “desde condições de indicar projeção de luz até o grau em que a redução da acuidade visual interfere ou li- mita seu desempenho” (BRASIL, 2006, p. 16). Será principal- mente por meios visuais que se desenvolverá seu processo educativo, além da utilização de recursos específicos, como lupa, caderno de pauta ampliada, entre outros. As principais causas de cegueira e baixa visão podem ser congênitas ou adquiridas, segundo o MEC (BRASIL, 2006, p. 17-18), como veremos a seguir: ...................................................................................................................................................................................................................... 187PEI para alunos com deficiência visual ...................................................................................................................................................................................................................... Causas congênitas • Retinopatia da prematuridade, graus III, IV ou V (por imaturidade da retina em virtude de parto pre- maturo ou por excesso de oxigênio na incubadora). • Corioretinite, por toxoplasmose na gestação. • Catarata congênita (rubéola, infecções na gesta- ção ou hereditária). • Glaucoma congênito (hereditário ou por infecções). • Atrofia óptica por problema de parto (hipóxia, anóxia ou infecções perinatais). • Degenerações retinianas (síndrome de Leber, do- enças hereditárias ou diabetes). • Deficiência visual cortical (encefalopatias, altera- ções de sistema nervoso central ou convulsões). Destacam-se ainda como fatores mais frequentes de causa congênita: gestação precoce, desnutrição da gestante, dro- gas em geral, álcool, infecções durante a gravidez (rubéo- la, sífilis, Aids, toxoplasmose e citomegalovírus). Causas adquiridas Por doenças como diabetes, descolamento de retina, glau- coma, catarata, degeneração senil e traumas oculares. Não é nosso objetivo aqui descrever cada uma dessas cau- sas, mas, sim, em como podemos auxiliar esses alunos em seus processos de escolarização. Cabe destacar, ainda, que essas causas variam de acordo com as condições de ...................................................................................................................................................................................................................... 188 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência desenvolvimento a que a população está exposta: situação econômica, qualidade de atendimento básico de saúde, sa- neamento básico etc. Em países com bom desenvolvimen- to, as causas estão relacionadas a diabetes, degenerações maculares, traumatismos, tumores etc. Já em países em desenvolvimento, como o Brasil, ela está associada a toxoplasmose, rubéola congênita (durante a gravidez), catarata, tracoma, retinites, infecções, tumores, além de traumatismos provocados por acidentes domésti- cos, de trânsito, entre outros. Daí a importância em garan- tirmos políticas públicas de qualidade no que diz respeito ao atendimento de saúde de qualidade, por meio de um pré-natal bem acompanhado, assim como um pós-natal, orientando os pais sobre os cuidados básicos com sua saúde e a do bebê, entre outras questões. É importante destacarmos alguns sintomas a serem obser- vados pelo professor em sala de aula que correspondem a alguns indicativos de problemas com a visão, que, segun- do o MEC (BRASIL, 2006), são os seguintes: • Irritações crônicas nos olhos, indicadas por olhos lacrimejantes, pálpebras avermelhadas, inchadas ou com crostas. • Náuseas, visão dupla, embaçamento visual du- rante ou após a leitura. • Fricção dos olhos, franzimento na testa, contra- ção do rosto ao olhar para objetos distantes. • Cautela excessiva ao andar, correr com pouca frequência e tropeçar sem razão aparente. ...................................................................................................................................................................................................................... 189PEI para alunos com deficiência visual ...................................................................................................................................................................................................................... • Desatenção anormal a gráficos, mapas e lousas. • Inquietação, irritabilidade, nervosismo excessivo após trabalho visual prolongado. • Piscamento excessivo dos olhos, em especial du- rante a leitura. • Posicionamento do material didático de leitura muito perto, muito longe ou em posições incomuns para leitura. • Capacidade de ler apenas por curtos períodos de tempo. • Fechamento ou cobertura de um dos olhos, as- sim como pendência da cabeça para um dos lados, durante a leitura. Também cabe salientar algumas orientações para o pro- fessor acerca de seu aluno com deficiência visual, a fim de que ele fique atento ao seu processo de inclusão e es- colarização. Veja abaixo uma descrição das mais comuns associadas à baixa visão, com seus respectivos recursos ópticos e estratégias pedagógicas mais utilizados: ...................................................................................................................................................................................................................... 190 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Patologia Estratégias pedagógicas Atrofia óptica • Verificar o potencial de visão central preservado. • Compreender as dificuldades de percepção de detalhes que o aluno apresente e a necessidade de aproximação da lousa ou do material pedagógico. • Facilitar a discriminação de detalhes, potencializando o contraste e a iluminação do material a ser discriminado. • Favorecer o desenvolvimento da consciência visual, ajudando o aluno a analisar e interpretar formas mais complexas de objetos e figuras. • Favorecer a ampliação do repertório visual do aluno por meio de múltiplas experiências, incluindo até ajudas táteis e auditivas quando a visão não for suficiente. • Motivar o aluno a construir as imagens mentais a partir da experiência concreta com os objetos para a representação tridimensional e a representação simbólica. • Ajudar o aluno a compreender suas reais alterações de campo visual e as dificuldades com escotoma (ponto cego), buscando o melhor posicionamento de cabeça ou do material,a fim de que favoreça o melhor desempenho visual. ...................................................................................................................................................................................................................... 191PEI para alunos com deficiência visual ...................................................................................................................................................................................................................... Patologia Estratégias pedagógicas Coriorre- tinite • O professor precisa compreender que muitas vezes é impossível a criança olhar para frente ou nos olhos do professor, pois os olhos desviam para fugir do ponto cego, da cicatriz macular. Reco- mendam-se os mesmos procedimentos peda- gógicos da atrofia óptica, pois o funcionamento visual é semelhante. Deve-se considerar que, nas alterações maculares importantes, a discriminação de figuras complexas, como de animais, torna-se difícil. Embora o aluno apresente nível gráfico ele- mentar, o professor pode e deve oferecer materiais simbólicos, como letras e outros. A cópia da lousa é bastante difícil devido ao fato de a visão ficar prejudicada ou apresentar escotomas no campo visual, à distância. O professor deve ajudar o aluno a buscar a melhor posição e distância para facilitar a cópia na lousa, além de organizar o campo grá- fico da lousa em relação à necessidade do aluno. Retino- blastoma • Motivar o aluno a utilizar ao máximo seu potencial visual, mesmo nos descolamentos de retina ou em degenerações progressivas. Nos descolamentos de retina ou na redução extrema do campo visual, as dificuldades de leitura acentuam-se. Entretanto, o professor deve encorajar o aluno a utilizar a visão residual, sem temor de perdê-la ou gastá-la. • Recursos de alta iluminação, controle de luz por dimmer e potencialização de contrastes melhoram o desempenho visual do aluno. • Lápis ou canetas fluorescentes ajudam na visualização. • Na acuidade visual muito baixa ou restrição acentuada do campo visual, a cópia da lousa torna-se muito difícil. Podem ser utilizadas ampliações para perto ou recursos eletrônicos para cópia da lousa, por varredura. • Lentes escurecidas melhoram o funcionamento visual e ajudam nas atividades recreativas. ...................................................................................................................................................................................................................... 192 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Patologia Estratégias pedagógicas Glaucoma • Compreender que o nível de visão do aluno com glaucoma flutua muito. Ele estressa-se com frequ- ência por causa de dor, fotofobia e flutuação da vi- são. Isso não significa, portanto, que o aluno seja desmotivado e preguiçoso. • Analisar, cuidadosamente, as alterações de campo visual, que podem ser diferentes em cada olho. • Ajudar o aluno a compreender e a buscar a me- lhor posição para o trabalho visual. • Ajudar o aluno a identificar o melhor equipamen- to de magnificação, de lupas manuais, de copo, mesa ou lupas iluminadas. Muitas vezes, a adapta- ção desses auxílios é dificultada pelo reflexo de luz e brilho. • Compreender que, em virtude das alterações de campo visual, nem sempre o material ampliado fa- cilita a discriminação e a leitura. • Utilizar porta-texto para maior conforto para a leitura. Catarata • O aluno que teve a catarata operada precocemente e com boa correção óptica dificilmente necessitará de ajudas adicionais. Nos casos de altas correções ópticas, há necessidade de grande aproximação do material a ser lido, o que pode acarretar cansaço e estresse na leitura. • É importante investigar com o aluno e o médico se uma correção óptica de menor dioptria com adição manual não favorece o processo de leitura-escrita. Nas cataratas não operadas, lupas iluminadas e controle de iluminação no ambiente com luminárias de foco dirigíveis podem melhorar o desempenho visual. Fonte: MEC (BRASIL, 2006). ...................................................................................................................................................................................................................... 193PEI para alunos com deficiência visual ...................................................................................................................................................................................................................... Os problemas referentes à deficiência visual, quando de- tectados precocemente, podem constituir fator decisivo no desenvolvimento global da criança, pois, a partir daí, serão propiciadas condições de estimulação adequadas às suas necessidades, favorecendo o desenvolvimento de suas po- tencialidades e contribuindo para diminuir as limitações impostas pela incapacidade visual. Já na infância, são estabelecidos os fundamentos para habi- lidades sociais, sucesso acadêmico e independência. Nesse sentido, afirmamos que a educação infantil e as interven- ções precoces para os alunos cegos fornecem o alicerce para a aprendizagem e a independência ao longo da vida. Esse é o momento em que as crianças aprendem a comunicação bá- sica e os modelos de interação, o que representa um desafio para os alunos cegos. Diante de todos os dados apresentados, o PEI apresenta- -se como parte fundamental no processo de escolarização desses alunos, visto que suas peculiaridades precisam ser conhecidas e compreendidas para que as adaptações e os suportes necessários sejam realizados de maneira eficaz, a fim de atender à sua aprendizagem e ao seu desenvolvi- mento. Sendo assim, apresentaremos um modelo de PEI para aluno de nove anos, albino, com baixa visão, incluído no terceiro ano do ensino fundamental. Ele apresenta dificuldades de acompanhar as atividades propostas para sua turma. É al- fabético, mas não copia do quadro e irrita-se com facilida- de, reagindo de maneira agressiva com colegas e professor quando contrariado. Em Matemática, apresenta dificuldade em resolver problemas. Também não participa das ativida- des em grupo, mantendo-se isolado a maior parte do tempo. O PEI deve trabalhar a matriz curricular da turma em que o aluno está incluído. ...................................................................................................................................................................................................................... 194 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Habilidades acadêmicas e funcionais Objetivos Estratégias Língua Portuguesa Estabelecer e trabalhar a rotina diária em sala com o aluno, envolvendo-o para trabalhar a coletividade, sempre que possível. Relatar e ouvir experiências vividas pelos colegas, bem como as suas. Participar da produção de textos coletivos nas formas oral e escrita. Elaborar pequenos textos individualmente. Orientação individual e sistemática do aluno frente às suas necessidades específicas. Colocar o aluno sentado mais próximo à professora, e, quando necessário, junto a outro aluno, para o desenvolvimento das atividades. Solicitar a participação do aluno a partir de perguntas sobre as leituras, incentivando-o e motivando-o. Utilizar caderno de pauta ampliada para a realização das atividades....................................................................................................................................................................................................................... 195PEI para alunos com deficiência visual ...................................................................................................................................................................................................................... Habilidades acadêmicas e funcionais Objetivos Estratégias Matemática Resolver questões que envolvam as quatro operações. Trabalhar com diversos tipos de material (figuras, jogos matemáticos, o próprio livro da turma, ábaco, pesquisa na web, uso do computador, entre outros), com o cuidado de ampliá-los, se necessário. Exploração de situação- concreta, como simulação de feiras, mercados, etc., para trabalhar a resolução de problemas. Realizar trabalho em conjunto para solucionar problemas matemáticos, além de solicitar a participação do aluno para a correção sempre que possível. ...................................................................................................................................................................................................................... 196 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência Habilidades acadêmicas e funcionais Objetivos Estratégias Ciências, História e Geografia Desenvolver o conteúdo curricular proposto para sua turma. Trabalhar coletivamente as situações, para que o aluno se aproxime do grupo e sinta-se pertencente a ele. Além dessa sistematização de PEI como uma leitura pos- sível de uma intervenção, ainda citamos vários outros cui- dados que são muito significativos na escolarização do aluno cego. Um deles é aumentar a capacidade de interação dos alu- nos, pois o nosso cérebro cria neuroplasticidades inteira- mente novas para os desafios cognitivos, afetivos e senso- riais colocados nas interações. De acordo com Smith (2008), é importante: 1. Entender as capacidades visuais do aluno. 2. Identificar as características visuais que aumen- tam as funções visuais do aluno (cores, contraste, tamanho). ...................................................................................................................................................................................................................... 197PEI para alunos com deficiência visual ...................................................................................................................................................................................................................... 3. Estimular o interesse do aluno por objetos, acon- tecimentos e pessoas (os alunos precisam ter algu- ma coisa pelas quais se interessem e sobre as quais desejem falar). 4. Aprender as pistas não verbais do aluno, indican- do interesse. 5. Desenvolver um diagnóstico e um sistema com- preensível para iniciar as conversas. 6. Acrescentar, quando necessário, sinais não ver- bais, a fim de aprimorar a comunicação. 7. Planejar várias oportunidades para interações nos ambientes naturais da criança. 8. Ampliar o vocabulário e a comunicação do aluno por meio da repetição e da extensão da interação. 9. Reduzir a confiança nas iniciativas do adulto, per- mitindo e estimulando maior iniciativa do aluno. 10. Fazer interações prazerosas, tanto para o aluno como para o adulto. Além disso, é muito importante pensar nas questões re- lativas à iluminação natural, com janelas grandes e pou- cos reflexos das superfícies luminosas, para que não obs- truam a visão do quadro-negro. É fundamental, ainda, a utilização de equipamentos auxiliares de TA, assim como também preparar todas as aulas com antecedência para fornecer ao aluno, em letras maiores, os resumos e o que será escrito no quadro ou apresentado no computador. Quando pedir um projeto grande, avise aos alunos com antecedência, de forma que eles tenham tempo suficiente para reunir os materiais necessários para sua compreen- são e construção. Além disso: ...................................................................................................................................................................................................................... 198 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência • Ofereça um período maior para realizar testes e provas, permitindo que tenham outro aluno ou um professor auxiliar registrando as respostas orais dele. • Ao utilizar mapas e gráficos, distribua cópias ampliadas destes para os alunos com deficiências visuais. Programe e individualize as sessões para os alunos com deficiências visuais, de modo que pos- sam ver as apresentações multimídia com o especia- lista da área, a fim de garantir que eles entendam os conceitos visuais. • Se houver legendas nas apresentações, peça que alguém as leia para os alunos que não conseguem enxergá-las. • Tome alguns cuidados em relação à prevenção de acidentes, mantendo portas de armário e gabi- netes fechadas, além de dar orientações objetivas sobre tapetes e percursos dentro da escola. • Lembre-se, ainda, de que o aluno usa outros sen- tidos para orientar-se e perceber, mas não saia da sala de aula sem avisá-lo. • Explique as regras implícitas e explícitas para conduzir a turma, os jogos e as situações sociais. • Estimule os alunos com deficiências visuais a ex- pressar suas necessidades visuais. • Repita oralmente as informações escritas no qua- dro-negro ou em uma projeção e dê ao aluno uma versão escrita. ...................................................................................................................................................................................................................... 199PEI para alunos com deficiência visual ...................................................................................................................................................................................................................... Devemos lembrar que a criança com cegueira deve ter seu próprio mundo de experiência como ponto de partida em sua educação. Dessa maneira, como já falamos anterior- mente, ela partirá daquilo que faz sentido em sua vida, da forma como se relaciona com o mundo, incluindo a escrita e a leitura. É importante que desde a pré-escola sejam oferecidas oportunidades de contato com a escrita em braile para esse aluno, o que pode ser feito por meio da adaptação de livros infantis. Pode-se começar por uma frase e depois ir aumentando gradativamente, e, conforme o adulto lê a história, o aluno vai passando os dedos indicadores em cada palavra, relacionando aos sons das palavras. Podemos também etiquetar os objetos e os materiais da sala com a escrita em braile, o que ajudará o aluno com ce- gueira a familiarizar-se com os objetos e sua escrita. Veja abaixo o alfabeto em braile: Fonte: Imagem retirada da internet. ...................................................................................................................................................................................................................... 200 ......................................................................................................................................................................................................................Selvagem”. Retirado aos 12 anos da floresta de Aveyron, no sul da França, por cinco anos, Jean Marc Itard trabalhou com Vítor; seus registros deram origem ao livro considerado como o “primeiro manual de educação de retardados” (MAZZOTTA, 2005; BRIDI, 2006; JANNUZZI, 2006). 3 Valentin Haüy foi uma das primeiras pessoas a se interessar pelos ce- gos, promovendo uma intensa campanha de sensibilização pública para as suas necessidades e dedicando-se à investigação de técnicas que permi- tissem a sua educação e integração socioprofissional (MAZZOTTA, 2005). Educação Especial no Brasil: perspectivas de uma educação inclusiva18 ...................................................................................................................................................................................................................... Nesse período, em Paris, começaram a ser criadas as pri- meiras instituições para pessoas com deficiência, acolhen- do crianças cegas e surdas. Nesses locais, eram utilizadas as mesmas práticas dos hospícios, dentre elas, a interna- ção, que visava à “cura” do “paciente” e da sua deficiência. As crianças com essas deficiências eram submetidas a cui- dados médicos. Por meio desse atendimento, adaptaram- -se outras formas de comunicação para surdos, como a linguagem de sinais, também conhecida como LIBRAS4, e o alfabeto em alto relevo para os cegos, denominado brai- le5. Dessa forma, buscava-se compensar a deficiência, de- senvolvendo habilidades na pessoa com deficiência para que ela pudesse ser “útil” à sociedade. Em contrapartida, a autonomia era pouco ou nunca trabalhada nesses indi- víduos, tornando-os muito dependentes das instituições, fazendo com que permanecessem nessas condições até o fim da vida (BUENO, 1997), como vemos a seguir: 4 A Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS é utilizada por deficientes au- ditivos para a comunicação entre eles e entre surdos e ouvintes. Tem origem na linguagem de sinais francesa e é uma das linguagens de sinais existentes no mundo inteiro para a comunicação entre surdos. As lingua- gens de sinais não são universais, elas possuem sua própria estrutura de país para país e diferem até mesmo de região para região de um mesmo país, dependendo da cultura daquele determinado local para construir suas expressões ou regionalismos. Essa história reflete uma realidade so- cial, política e histórica que também vai se refletir na história do surdo através dos tempos (MOURA, 2000). 5 Braille ou braile é um sistema de leitura com o tato para cegos inventa- do pelo francês Louis Braille, que perdeu a visão aos três anos, no ano de 1827, em Paris. Quatro anos depois, ingressou no Instituto de Cegos de Paris e tornou-se professor desse instituto. Ao ouvir falar de um sistema de pontos e buracos inventado por um oficial para ler mensagens durante a noite em lugares onde seria perigoso acender a luz, ele fez algumas adaptações no sistema de pontos em alto-relevo e, em 1829, publicou o seu método (MAZZOTTA, 2005). 19Um pouco da história da Educação Especial ...................................................................................................................................................................................................................... Esses institutos se transformaram em asilos, preen- chendo basicamente a função de organizadores de mão de obra barata, que retiravam os desocupados das ruas e os encaminhavam para o trabalho obri- gatório, manual e tedioso, parcamente remunerado, quando não em troca de comida e um catre no “ma- ravilhoso espaço do asilo oficina”. (BUENO, 1997, p. 167) Ainda nesse período, outras instituições na Europa tam- bém se abriram para acolher pessoas com deficiência e com condutas desviantes, mas acabaram por tornarem-se instituições residenciais como opção para “não punir, não abandonar e nem sobrecarregar o estado e a família com sua incômoda presença” (PESSOTTI, 1984, p. 24). Partindo dessa perspectiva, observamos que a Educação Especial se constituiu a partir de um modelo clínico/mé- dico. Ainda que essa abordagem seja, até nos dias atuais, bastante criticada, não há como negar a participação e a influência médica durante todo esse processo: [...] os médicos foram os primeiros a despertar para a necessidade de escolarização de indivíduos com deficiência que se encontravam misturados na po- pulação dos hospitais psiquiátricos, sem distinção de patologia ou de idade, principalmente no caso da deficiência intelectual. Sob esse enfoque o olhar médico tinha precedência: a deficiência era entendi- da como uma doença crônica, e todo atendimento prestado a essa clientela, mesmo quando envolvia a área educacional, era considerado pelo viés tera- pêutico. (GLAT; BLANCO, 2007, p. 19) A partir do que vimos até agora, passaremos a discutir os caminhos da Educação Especial no Brasil. 20 ...................................................................................................................................................................................................................... Educação Especial no Brasil: perspectivas de uma educação inclusiva A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL Analisando o período histórico da Educação Especial no Brasil6 do século XVI ao XVIII, notamos que se evidenciam teorias e práticas sociais de discriminação, promovendo infinitas situações de exclusão. Podemos dizer que essa foi uma época caracterizada pelo desconhecimento e pela rejeição do indivíduo com deficiência em vários segmen- tos — a família, a escola e a sociedade em geral conde- navam esse público de forma preconceituosa, de modo a excluí-lo do estado social. Segundo Mendes (2006), podemos encontrar alguma pers- pectiva de Educação Especial a partir do século XVI, com uma mudança de pensamento dos profissionais da época: Médicos e pedagogos que, desafiando os conceitos vigentes da época, acreditaram nas possibilidades de indivíduos até então considerados ineducáveis. Centrados no aspecto pedagógico, numa sociedade em que a educação formal era direito de poucos, es- ses precursores desenvolveram seus trabalhos em bases tutoriais, sendo eles próprios os professores de seus pupilos. (p. 387) No Império, ano de 1824, temos a menção de educação para todos, mas retirando os direitos políticos dos incapa- 6 Para auxiliar em um melhor entendimento desse contexto históri- co brasileiro, buscamos nas produções de autores como Bueno (1997); Mazzotta (2005); Jannuzzi (2004; 2006); Glat; Fernandes (2005); Meletti (2007); Mendes (2010); Souza (2013); Pletsch (2014), entre diversos outros fatos, para compreender a constituição e a materialização política dessa área. 21A Educação Especial no Brasil ...................................................................................................................................................................................................................... citados físicos e morais (considerados todos os desvalidos — criminalidade, demências, promiscuidade, deficiências mentais). Um grande e importante marco dessa época foi a fundação, na década de 1850, do Imperial Instituto de Educação de Cegos do Brasil/Instituto Benjamin Cons- tant – IBC7 (1954) e do Instituto Nacional de Educação de Surdos – Ines8 (1856) (BUENO, 1993; MAZZOTTA, 2005; PLETSCH, 2014). Há consenso entre estudiosos de que a criação desses ins- titutos pode ser considerada como atos oficiais isolados, uma vez que não havia legislação específica para tratar 7 Em 17 de setembro de 1854, o Brasil tornava-se pioneiro na área da Educação Especial na América Latina — fundava-se o Imperial Instituto dos Meninos Cegos. Sob a inspiração e o idealismo do jovem cego José Álvares de Azevedo, criava-se a primeira escola especializada no Rio de Janeiro, cujo perfil seguia o modelo do Instituto dos Jovens Cegos de Paris. Construía-se,PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência A escrita em braile poderá ser feita de forma mecânica: 1. Com o auxílio da reglete e punção. Fonte: Imagem retirada da internet. 2. Com a máquina Perkins braile. Fonte: Imagem retirada da internet. 3. Com a impressora em braile. Fonte: Imagem retirada da internet. ...................................................................................................................................................................................................................... 201PEI para alunos com deficiência visual ...................................................................................................................................................................................................................... Para o aprendizado da matemática, o sorobã é o instru- mento utilizado para realizar os cálculos. Com ele, o alu- no conseguirá resolver as quatro operações matemáticas e até potencialização. Esse instrumento é utilizado no Japão desde a Antiguidade. Fonte: Imagem retirada da internet. É importante ressaltar que estudos recentes têm apontado que a leitura tátil é três vezes mais fatigante que a leitura visual e que, após certo tempo de leitura, o dedo indica- dor, que é o mais utilizado para a leitura, perde um pouco a sensibilidade. Como vimos, são muitas as adaptações curriculares que ajudarão os alunos com deficiência visual a transpor os desafios diários para estudarem e conviverem na escola. 202 ...................................................................................................................................................................................................................... PEI e adaptação curricular: novas perspectivas para a escolarização do aluno com deficiência REFERÊNCIAS AMERICAN ASSOCIATION OF INTELLECTUAL AND DEVE- LOPMENTAL DISABILITIES. Discapacidad intelectual, de- finición, clasificación y sistemas de apoyo. 11. ed. Madri: Alianza Editorail, 2010. AMERICAN ASSOCIATION ON MENTAL RETARDATION. 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CAPÍTULO 5 UMA ATENÇÃO ESPECIAL PARA ALUNOS COM MICROCEFALIA Como se não bastassem todos os desafios que a educação inclusiva vem enfrentando na estruturação de um sistema nacional de cuidados e educação de alunos com deficiência, o segundo semestre de 2015 em nosso país foi marcado por uma epidemia de crianças diagnosticadas com micro- cefalia. As autoridades em saúde entraram em estado de atenção, uma vez que a maioria das mães desses bebês ti- nha apresentado algum sintoma, no primeiro trimestre ou em algum outro período da gravidez, de uma doença deno- minada zica, que é transmitida pelo mosquito Aedes aegyp- ti, o mesmo que também transmite a dengue. ...................................................................................................................................................................................................................... 214 Uma atenção especial para alunos com microcelafia PEI PARA ALUNOS COM MICROCEFALIA E OUTRAS ENCEFALOPATIAS De acordo com a Organização Mundial de Saúde – OMS20, é considerada com microcefalia a criança que apresenta o perímetro cefálico igual ou menor que 32 cm, pois são esperados, pelo menos, 34 cm de perímetro cefálico para bebês nascidos com nove meses de gestação. Como causas da microcefalia destacamos: • Infecções adquiridas pela mãe, principalmente no primeiro trimestre de gravidez. Exemplo: toxo- plasmose, rubéola, citomegalovírus e a zica. • Abuso de drogas e álcool durante a gestação. • Contaminação por radiação pesada, como mercú- rio e arsênio. • Síndromes genéticas, como a síndrome de Down, por exemplo. Na maioria dos casos, a microcefalia está associada a um atraso no desenvolvimento neurológico, psíquico ou mo- tor. O tipo e a gravidade da sequela variam de um caso para outro, pois dependem da área cerebral afetada e do período da gestação em que a mãe foi acometida por 20 MICROCEFALIA. Organização Mundial da Saúde, Genebra, 2 mar. 2016. Disponível em: . Acesso em: 20 maio 2015. ...................................................................................................................................................................................................................... 215PEI para alunos com microcefalia e outras encefalopatias alguma virose. De acordo com a OMS21 (2015), os deficit mais comuns na criança com microcefalia são: • Deficit cognitivo. • Problemas visuais. • Deficit auditivos e motores. • Epilepsia. • Atraso no desenvolvimento. Em pesquisa realizada por Stevens Rehen, da UFRJ, foi confirmado que o vírus zica infecta e mata, mas, antes disso, ele faz com que as células-tronco neurais parem de dividir-se durante a gestação, provocando um desenvol- vimento neurológico atípico. As células humanas respon- sáveis pelo desenvolvimento do cérebro foram infectadas pelo vírus em laboratório e tiveram seu desenvolvimento reduzido em 40%, quando comparadas a outras sem con- tato com o vírus (BRASIL, 2016). De acordo com uma reportagem sobre a microcefalia no Brasil veiculada no UOL (BRASIL..., 2016): A microcefalia é decorrente de um dano grande no cérebro, que leva a uma alteração no desenvolvi- mento e pode ter uma constelação de problemas, como crises convulsivas, tensão da musculatura, choro inconsolável e dificuldade para sustentar a cabeça. 21 MICROCEFALIA. Organização Mundial da Saúde, Genebra, 2 mar. 2016. Disponível em: . Acesso em: 20 maio 2015. ...................................................................................................................................................................................................................... 216 Uma atenção especial para alunos com microcelafia A microcefalia representa uma condição especial de de- senvolvimento que requer cuidados e intervenções ainda durante a gestação. Como vimos neste livro, nosso cérebro possui capacida- de de plasticidade cerebral, que é a propriedade do siste- ma nervoso que permite o desenvolvimento de alterações estruturais em resposta à experiência, que pode ser uma adaptação a condições mutantes e a estímulos repetidos. Em outras palavras: os estímulos ofertados serão decisi- vos para que esses sujeitos criem caminhos alternativos de compensação e aprendizagem. Mais uma vez a pers- pectiva histórico-cultural de Vygotsky faz-se aliada nesse processo, pois a compensação se dará a partir do que for ofertado e das formas de mediação propostas para esses alunos. Dentre elas, citamos as práticas de estimulação precoce que podem ser desenvolvidas na educação para promo- ver o desenvolvimento neuropsiconeurológico de crianças que nasceram com microcefalia. E quando falamos no desenvolvimento neurológico, que é tão primordial, ressaltamos a importância das relações afetivas e acolhedoras tanto para as crianças como para as suas famílias, que se mostram inseguras diante das carac- terísticas comportamentais da criança e de expectativas negativas que nutrem sobre o futuro delas. De acordo com As diretrizes de estimulação precoce, do Ministério da Saúde, publicadas em 2016: ......................................................................................................................................................................................................................217PEI para alunos com microcefalia e outras encefalopatias O acolhimento e o cuidado a essas crianças e a suas famílias são essenciais para que se conquiste o maior ganho funcional possível nos primeiros anos de vida, fase em que a formação de habilidades pri- mordiais e a plasticidade neuronal estão fortemente presentes, proporcionando amplitude e flexibilida- de para progressão do desenvolvimento nas áreas motoras, cognitiva e de linguagem. Pesquisas realizadas com as equipes de saúde evidenciam que os recém-nascidos com microcefalia apresentam alte- rações no desenvolvimento neuropsicomotor e que trata- mentos de suporte devem ser iniciados o mais rápido pos- sível, a fim de que a reabilitação seja garantia e promotora do desenvolvimento. A estimulação precoce promove a harmonia do desenvol- vimento entre vários sistemas orgânicos funcionais (áre- as motora, sensorial, perceptiva, proprioceptiva, linguís- tica, cognitiva, emocional e social), dependentes ou não da maturação do sistema nervoso central. Trata-se de um programa que deve circunscrever desde a gestação até os três anos de idade, por ser uma fase em que o cérebro se desenvolve mais rapidamente, constituindo uma janela de oportunidades para o estabelecimento das fundações que repercutirão em uma boa saúde e produtividade ótima no futuro (UNICEF, 2015). A estimulação precoce é compreendida como: [...] uma abordagem sistemática e sequencial, que utiliza técnicas e recursos terapêuticos capazes de estimular todos os domínios que interferem na ma- turação da criança, de forma a favorecer o desen- volvimento motor, cognitivo, sensorial, linguístico e social, evitando ou amenizando eventuais prejuízos (BRASIL, 2016, p. 57) ...................................................................................................................................................................................................................... 218 Uma atenção especial para alunos com microcelafia Sentidos a serem estimulados desde bebês: Audição Pela audição, haverá a organização de processos neurop- sicológicos, orgânicos, afetivos e simbólicos. O sistema auditivo está formado desde o nascimento, e, mediante a estimulação sonora, ocorrerá a maturação das vias audi- tivas, em nível de tronco encefálico. O período de maior plasticidade neuronal da via auditiva compreende a faixa etária que vai do nascimento aos dois anos de idade. A avaliação precoce de perdas auditivas possibilita inter- venção imediata, oferecendo condições para o desenvol- vimento da fala, da linguagem, da sociabilidade, do psi- quismo e do processo educacional da criança, permitindo prognósticos mais favoráveis para o seu desenvolvimento. A audição poderá ser estimulada por meio da localização sonora, a fim de exercitar a atenção, a localização, a latera- lização, a discriminação, a compreensão auditiva e a repe- tição de sons ludicamente. Além disso, isso também será feito pela imitação de sons e mediante várias atividades que trabalhem o desenvolvimento da linguagem. Para crianças com perda auditiva, o Sistema Único de Saú- de – SUS disponibiliza a concessão e a adaptação das pró- teses auditivas ou implante coclear. ...................................................................................................................................................................................................................... 219PEI para alunos com microcefalia e outras encefalopatias Como esse trabalho seria sistematizado (BRASIL, 2016): • A criança deve reconhecer os sons produzidos por objetos e pelas pessoas por meio da fala. • Deve monitorar a própria voz em termos de pa- drões de timbre, duração, intensidade e entonação, além de desenvolver a percepção auditiva, que com- preende a consciência, a localização e a compreen- são dos sons. • Deve perceber a presença e a ausência do som. • Deve discriminar dois ou mais estímulos sonoros. • Deve identificar o som e a fonte sonora, com ca- pacidade de classificar ou nomear o que ouviu. • Deve compreender as relações entre o estímulo sonoro produzido, outros eventos do ambiente e o próprio comportamento. Essas relações têm as pro- priedades de reflexividade, simetria e transitividade (BASTOS; FLEIG; NASCIMENTO, 2010). Visão Todo recém-nascido nasce com baixa visão, e seu o sistema visual vai desenvolver-se tal como o sistema nervoso cen- tral: a partir dos estímulos visuais recebidos. Nas primeiras semanas de vida, a retina, as vias ópticas e o córtex visual têm um rápido desenvolvimento, até o primeiro ano de vida. A estimulação visual é simples e deve ser realizada, siste- maticamente, desde os primeiros dias de vida, nas ativida- des da vida diária e nos contatos afetivos com o cuidador. ...................................................................................................................................................................................................................... 220 Uma atenção especial para alunos com microcelafia Como esse trabalho seria sistematizado (BRASIL, 2016)? Criando experiências agradáveis por meio do brincar e das interações sociais diárias, para chamar a atenção da criança ao: • Estimular o uso da visão residual durante o brin- car com outras crianças e com os cuidadores. • Incentivar o comportamento exploratório do am- biente, demonstrando de forma verbal onde a crian- ça está, com quem está, aonde irá e quais objetos estão localizados no ambiente. • Utilizar brinquedos e objetos adaptados de acor- do com as necessidades da criança por meio das funções sensoriais (auditiva, tátil, proprioceptiva e vestibular), com brinquedos grandes, na linha mé- dia e no campo visual de 20 cm, estimulando ver- balmente que ela busque com o olhar e a cabeça (se houver controle de tronco). • Usar objetos de tamanhos e tipos variados, com cores de alto contraste e coloridos (com amarelo e preto e/ou vermelho e branco) e/ou com brilho e iluminados, estimulando a visão residual e a per- cepção tátil no campo visual de 20 cm. • Empregar brinquedos sonoros (como, por exem- plo, chocalhos), dispostos na frente da linha média da criança, em seu campo visual e/ou horizontal- mente, realizando movimentos com o brinquedo de trás para a frente, e assim sucessivamente, como ...................................................................................................................................................................................................................... 221PEI para alunos com microcefalia e outras encefalopatias também de forma lenta, a fim de a criança perceber o objeto à sua volta. • Estimular aspectos táteis com diferentes textu- ras, como, por exemplo, grãos, esponjas, algodão etc. É necessário colocar as mãos da criança na tex- tura e, com ajuda terapêutica, auxiliar a criança a se autoestimular, sempre dando estímulos verbais do que está sendo passado em seu corpo e qual o tipo de textura, se é áspero, liso, gelado, entre outros. • Evitar a luz direta nos olhos em crianças que apresentem crises convulsivas, mas, se não houver, é importante utilizar lanternas em ambiente escu- ros, apontando para determinados pontos do am- biente e para objetos para os quais o terapeuta quer que a criança olhe. • Orientar familiares acerca de como utilizar esses recursos em suas residências, para que o façam e aumentem o estímulo dado à criança (BRASIL, 2013). A criança com microcefalia apresenta a cabeça baixa e ne- cessita de um estímulo visual adequado ou diferente do visual (ou associado) para elevá-la. Esse estímulo pode ser: o contato com o rosto da mãe, o sopro suave no seu rosto, o diálogo, entre outros. Quando a criança apresenta um resíduo visual, podemos apresentar um brinquedo contrastante a uma distância e no campo visual, sensíveis à sua condição visual. Éimportante que quando a crian- ça localiza o brinquedo e leva as mãos para tentar alcançá-lo, seja permitido efetivar o alcance e a ex- ploração do brinquedo através de outros sentidos ...................................................................................................................................................................................................................... 222 Uma atenção especial para alunos com microcelafia (tato, olfato, gustação, auditivo). Entretanto, não são poucas as crianças que reagem evitando o contato com texturas, sons, gostos diversos, necessitando intervenção também nesta área. Quanto ao alcance, sendo a visão o seu motivador primário, são neces- sários outros atrativos para que a criança busque algo que não esteja em contato com o seu corpo. Os brinquedos que produzem sons são frequentemen- te usados para promover o alcance, mas para uma abordagem mais efetiva, podem estar combinados a movimentos direcionados ou coativos (mão sobre mão). (BRASIL, 2016, p. 64) Paladar O bebê deverá ser exposto a variados tipos de sabores, texturas, cores e nutrientes, de acordo com o seu cresci- mento e a dieta prescrita pelo seu pediatra. Entretanto, sabemos que o reconhecimento dos sabores é um sentido desenvolvido ao longo dos primeiros anos de vida, e, por isso, a criança deve aprender a reconhecer os alimentos na interação com diferentes sabores. Estimulações com frutas frescas, gelatinas, sucos e outras formas que promovam o reconhecimento de texturas, sa- bores e cores são muito agradáveis para as crianças. Olfato As experiências olfativas podem ocorrer naturalmente por meio de aromas que fazem parte do cotidiano, como o cheiro das refeições sendo preparadas, as frutas e os pro- dutos de limpeza durante a higiene. Contudo, os educado- res também podem fazer estimulações associando aromas a sabores e aproveitando a riqueza dos aromas brasileiros que existem na natureza. ...................................................................................................................................................................................................................... 223PEI para alunos com microcefalia e outras encefalopatias Tato As experiências táteis são fundamentais para o desenvol- vimento não apenas da sensibilidade e da psicomotrici- dade, mas da própria afetividade. Em se tratando desse tema, destacamos a massagem oriental Shantala, que pro- move a estimulação tátil e afetiva dos bebês, trazendo alívio para um quadro permanente de irritabilidade, que faz os bebês com microcefalia chorarem excessivamente. A Shantala é uma massagem que pode ser feita a partir do primeiro mês completo de vida, desde que o bebê apre- sente boas condições de saúde. Realizada até duas vezes por dia, consiste em movimentos ritmados e sequenciados que estimulam e relaxam o bebê. É originária da Índia e foi trazida para o Ocidente pelo médico Frederick Leboyer. Dentre os inúmeros benefícios que ela tem, podemos citar: a tranquilidade, a prevenção de cólicas e prisão de ventre, o equilíbrio do sistema imu- nológico, a intensificação do vínculo afetivo entre o bebê e quem faz a massagem e o alívio para as dores que o bebê apresenta por movimentar-se muito pouco. Em instituições, essa massagem deve ser feita sempre no mesmo horário, respeitando, no entanto, o desejo do bebê, pois ele deve estar bem e disposto a participar da massagem. Além disso, devemos esperar cerca de uma hora e meia para iniciar a massagem após as refeições. O bebê deve estar sem roupa, e devemos aplicar um óleo vegetal que ajude no des- lizamento das mãos do educador sobre o corpo do bebê. ...................................................................................................................................................................................................................... 224 Uma atenção especial para alunos com microcelafia A preparação do ambiente também é importante. Deve ser feita em lugar calmo, silencioso e com poucos estímulos para ajudar a concentração do bebê. Além da Shantala, as instituições de educação infantil de- vem experimentar os diversos movimentos e posições na aquisição de habilidades motoras futuras e tentar promo- vê-las de forma lúdica e agradável. Todas as experiências diárias devem ser estimulantes, para que o cérebro da criança sempre entre em contato com novas informações e desafios que venham por todos os sentidos, porém, so- bretudo, pela linguagem. As principais metas de um programa de intervenção pre- coce na primeira infância são: 1. Maximizar o potencial de cada criança inserida no programa por meio da estimulação em nível am- bulatorial e também em seu ambiente natural, esta- belecendo o tipo, o ritmo e a velocidade dos estímu- los, e designando, na medida do possível, um perfil de reação. 2. Potencializar a contribuição dos pais ou responsáveis, de modo que eles interajam com a criança de forma a estabelecer mutualidade precoce na comunicação e afeto, prevenindo o advento de patologias emocionais e cinestésicas. 3. Promover um ambiente favorável para o desempenho de ativi- dades que são necessárias para o desenvolvimento da criança. 4. Oferecer orientações aos pais e a co- munidade quanto às possibilidades de acompanha- mento desde o período neonatal até a fase escolar. 5. Promover um modelo de atuação multiprofissio- nal e interdisciplinar. 6. Disseminar informações incentivando e auxiliando a criação de novos pro- gramas de estimulação precoce. (FORMIGA, PEDRA- ZZANI e TUDELA, 2010 apud BRASIL, 2016, p. 68) ...................................................................................................................................................................................................................... 225PEI para alunos com microcefalia e outras encefalopatias Atividades como rolamento, engatinhar, sentar-se e segu- rar um objeto, bem como empurrar a cadeira ensaiando a marcha, entre outras ações, devem fazer parte do cotidia- no das crianças como atividades de estimulação. Deve ser feita, também, a estimulação da função manual, como colocar em vasilhas de plástico grãos (arroz seco, fei- jão seco, macarrão) ou de bolas de gude e estimular que a criança explore ou brinque, mantendo o contato das mãos com as diferentes texturas, a fim de que ela discrimine os estímulos. Pode-se, ainda, colocar objetos em recipientes afastados da criança e estimular que ela os alcance, além de usar tinta guache para estimular a pintura e oferecer objetos com cores e texturas diferentes. Tocar objetos de seu dia a dia, como pegar uma maçã, banana descascada, assim ela irá sentir a tex- tura, forma, tamanho, associando e memorizando, com mais rapidez, o nome do objeto e sua função. (BRASIL, 2016, p. 83) Lembre-se: para a criança construir os esquemas de co- nhecimento necessários para essas interações, ela deve repetir uma mesma atividade várias vezes, sendo sempre estimulada a novidades e a superar os desafios cognitivos colocados, como encaixar, empilhar, selecionar, pinçar, enxergar, ouvir etc. Temos, ainda, como objetivos da estimulação precoce o encorajamento da linguagem e da cognição, que devem ocorrer a partir das atividades de vida diária da criança, ...................................................................................................................................................................................................................... 226 Uma atenção especial para alunos com microcelafia do conhecimento e da intervenção nos contextos de vida, por meio do brincar, da contação de histórias, de músicas, de jogos e de brincadeiras. Sabemos que esse quadro de microcefalia tem perspectivas de uma epidemia nacional e que a escola terá como desafio garantir um planejamento que contemple as necessidades individuaisdesses pequenos sujeitos, com vistas à apren- dizagem e ao desenvolvimento. Mais uma vez o PEI entrará como um importante instrumento que auxiliará na elabo- ração de atividades, suportes e apoios para esses alunos. A partir de então, vamos elaborar um PEI para um aluno de dois anos, com microcefalia, incluído em uma turma de educação infantil. O aluno não fala e apresenta dificulda- des motoras para caminhar e segurar objetos. Usa fralda e necessita de auxílio para alimentar-se. Segundo a família, adora músicas e o desenho da Peppa Pig. ...................................................................................................................................................................................................................... 227PEI para alunos com microcefalia e outras encefalopatias Habilidades acadêmicas e funcionais Objetivos Estratégias Linguagem Estimular diferentes formas de comunicação e de desenvolvimento da linguagem oral. Iniciar todos os dias com a rodinha, na qual os amigos contam como estão sentindo-se, e nosso aluno expressa-se da forma como conseguir, sendo que os amiguinhos tentarão estabelecer um diálogo com ele, buscando compreender o que ele quer dizer. Trabalhar nomeação, expressão por gestos e músicas. Afetiva Trabalhar a identidade do aluno por meio da identificação dos seus pertences e dos colegas da classe. Apontar os objetos e pedir que o aluno reconheça quais são os seus pertences. Tentar identificar os colegas da classe durante as músicas que são organizadoras da rotina. Fazer a massagem Shan- tala diariamente. Trabalhar gestos e expressões com significado nas interações sociais da turma. Psicomotora Estimular a psicomotricidade ampla e manual, além de coordenar duas ações, como, por exemplo, coordenação visomotora. Atividades de psicomotricidade, como: rolamento, engatinhar, a massagem oriental Shantala, brinquedos de encaixe, cubos a serem empilhados e outros brinquedos com cores e texturas diferentes. ...................................................................................................................................................................................................................... 228 Uma atenção especial para alunos com microcelafia Habilidades acadêmicas e funcionais Objetivos Estratégias Cognitiva Traduzir todos os conteúdos abordados para uma linguagem que o aluno possa compreender e participar com suas habilidades cognitivas. Músicas, brinquedos cantados, histórias e outras atividades que traduzam todos os conteúdos dos projetos trabalhados em uma linguagem que ele possa compreender. Sensoriais Fazer o estímulo dos vários sentidos diariamente, tentando associá-los, e compensar os sentidos menos desenvolvidos. Atividades que estimulem a audição e a diferenciação de sons e palavras, a percepção de objetos com tamanhos, cores e texturas diferentes, bem como o desenvolvimento do paladar e do olfato por meio do conhecimento de frutas e legumes e estimulação tátil por meio do reconhecimento das diferentes temperaturas. Neste capítulo, você estudou a importância das adapta- ções curriculares e do PEI para a escolarização dos alunos com deficiência. Entendemos que o PEI é um instrumento que pode ressignificar práticas pedagógicas descontextualizadas, com pouco ou nenhum significado, permitindo que a inclusão aconteça de fato, mediante a permanência desses alunos, com garantia de aprendizado e desenvolvimento. Vimos também que a aprendizagem está intimamente re- lacionada com o que ofertamos aos nossos alunos e que ...................................................................................................................................................................................................................... 229PEI para alunos com microcefalia e outras encefalopatias essa questão é de responsabilidade de todos na escola, e não apenas do professor de AEE, em seus espaço e tempo limitados. O trabalho colaborativo é uma necessidade em nossas escolas, permitindo o acesso ao currículo sem mi- nimizar e empobrecer as propostas pedagógicas que serão desenvolvidas com esses sujeitos. Finalmente, compreendemos que o PEI é decisivo para que sua funcionalidade acadêmica seja trabalhada, favorecendo seu processo de inclusão e pertencimento na escola, além do mais importante: garantir sua escolarização de fato. ...................................................................................................................................................................................................................... 230 Uma atenção especial para alunos com microcelafia REFERÊNCIAS BASTOS, F. N.; FLEIG, R.; NASCIMENTO, I. B. Análise das habilidades auditivas em uma criança deficiente auditiva oralizada e portadora de HIV: estudo de caso. Revista Ce- fac, [S.l.], v. 12, n. 4, p. 700-708, jul./ago. 2010. BRASIL. Diretrizes de atenção à saúde ocular na infância: detecção e intervenção precoce para prevenção de defici- ências visuais. Brasília: MEC, 2013. . Diretrizes de estimulação precoce: crianças de zero a 3 anos com atraso no desenvolvimento neuropsico- motor decorrente de microcefalia. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2016. . Saberes e práticas da inclusão: desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educa- cionais especiais de alunos cegos e de alunos com baixa visão. 2. ed. Brasília: MEC/Seesp, 2006. BRASIL tem 1.168 casos confirmados de microcefalia e le- sões neurológicas. UOL, São Paulo, 20 abr. 2016. Disponí- vel em: . Acesso em: 25 jul. 2016. CHORO constante é marca de bebês com má-formação cerebral. UOL, São Paulo, 6 mar. 2016. Disponível em: . Acesso em: 25 jul. 2016. FORMIGA, C. K. M. R.; PEDRAZZANI, E. S.; TUDELA, E. In- tervenção precoce com bebês de risco. Rio de Janeiro: Atheneu, 2010. LIMA, C. L. A.; FONSECA, L. F. Paralisia cerebral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. ...................................................................................................................................................................................................................... 231 MARIA-MENGEL, M. R. S.; LINHARES, M. B. M. Risk factors for infant developmental problems. Revista Latino-Ameri- cana de Enfermagem, [S.l.], v. 15, p. 837-842, 2007. UNITED NATIONS CHILDREN’S FUND. Early childhood de- velopment: the key to a full and productive life. New York, 2015. 232 CONSIDERAÇÕES FINAIS Um vir a ser que depende de cada um de nós para a eficiência e a humanização da inclusão escolar e social no Brasil A presença de alunos com deficiência em classes comuns tem exigido da escola e, em especial, de nós, professores, a necessidade de aprofundarmos nossa compreensão so- bre o fenômeno da prática pedagógica presente nas situa- ções de ensino e aprendizagem destinadas a esse grupo. O movimento pela inclusão de todos os educandos na es- cola comum foi um dos mais significativos no contexto educacional brasileiro, o que provocou avanços extraordi- nários nessa área. Passamos a ter perspectivas concretas de inserção escolar, assim como de desenvolvimento so- cial e cognitivo para pessoas com deficiências. Diversas foram as fases da educação brasileira até che- garmos à que vivenciamos, na contemporaneidade, com a fase da inclusão, suscitando a reorganização de modelos tradicionais. Tudo isso com vistas à inovação metodológi- ca, inserindo na escola novos processos coletivos de deci- são, participação, pertencimento e protagonismo. Conforme vimos anteriormente, as concepções sobre as possibilidades de aprendizagem dos alunos com deficiên- cia foram por muito tempo ignoradas, e o ensino a eles destinado privilegiava as práticas de socialização,o cui- 233 dado e o preparo para o trabalho. No entanto, as discus- sões trazidas neste livro apontam para o fato de que na própria deficiência estão dadas as possibilidades para o seu desenvolvimento (VYGOTSKY, 1997). É importante que tenhamos clareza quanto às possíveis dificuldades que esses alunos possam apresentar, sejam elas relacionadas à aquisição da escrita, leitura, conceitos matemáticos, entre outros (CAMPOS, 2016). Mas estas não podem se constituir em determinantes de não aprendiza- gem. Nessa lógica, a ideia da inclusão educacional pres- supõe a melhoria da resposta educativa da escola para todos, sem distinção. Nesse sentido, denunciamos as avaliações cognitivas su- perficiais, que retiram o aluno do seu contexto de intera- ção e, a partir de questionários padronizados, restringem a sua subjetividade, utilizando rótulos que apenas acen- tuam a ideia da deficiência. Anunciamos uma pedagogia das possibilidades a par- tir da qual o exercício do ato pedagógico não pode ser considerado somente um meio de transmissão de con- teúdos acadêmicos, mas principalmente um ato de me- diação capaz de formar e ampliar consciências humanas. E é justamente a relevância dos aspectos interacionais e a complexidade da cultura escolar, presentes na prática pedagógica do professor que trabalha com alunos com deficiência, que nos fazem acreditar nas possibilidades de seus processos de ensino e aprendizagem. 234 A partir dessas reflexões, vislumbramos as contribuições do PEI, em colaboração com o redimensionamento do cur- rículo, para a realização de um trabalho que esteja vin- culado a toda escola, e não apenas ao professor de AEE, em seu espaço e tempo limitados, pois, coerentemente ao que expõe Freire (1996): “[...] não há docência sem discên- cia.” A parceria com toda a unidade escolar colabora para uma discussão urgente sobre como o aluno com deficiên- cia pode ser visto em suas possibilidades, e não apenas pelo lócus da deficiência, que marca o olhar e as práticas sem significação destinadas a ele. Assim, apesar das dificuldades que ainda serão encontra- das, professores de classe comum, de AEE e alunos pode- rão vivenciar novas práticas em sua rotina escolar, o que contribuirá para que se reconheçam como capazes, rele- vando o sentido e a importância de pesquisarmos sobre essa temática. Isso significa dizer que a prática escolar poderá ser modificadora de vidas, reconhecendo e des- crevendo potenciais antes escondidos, excluídos. Signifi- ca trazer sentido para transformar, ressignificar rotinas de negligência e falta de perspectivas. Este livro não pretendeu responder a todas as questões suscitadas pelo complexo fenômeno relativo à prática pedagógica de professores de alunos com deficiência. Entendemos que todo esse percurso levantou questões que necessitam de reflexão, sendo o passo inicial de uma busca pela inclusão, contribuindo de alguma forma para transformar nossa sociedade em um local mais justo e democrático para todas as pessoas, sejam elas deficientes ou não. 235 Na perspectiva de um fazer pedagógico inovador, acre- ditamos que possa ser construído um ensino que tenha por meta uma aprendizagem significativa para todos os envolvidos. Sendo assim, a transformação da escola não é, portanto, uma mera exigência da inclusão de alunos com deficiência intelectual. Ela deve ser encarada como um compromisso inadiável, que terá a inclusão efetiva como consequência. 236 REFERÊNCIAS CAMPOS, E. C. V. Z. Diálogos entre o currículo e o plane- jamento educacional individualizado (PEI) na escolariza- ção de alunos com deficiência intelectual. 2016. 172 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Fede- ral Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998. . Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fon- tes, 1994. . Fundamentos de defectologia. Madrid: Visos, 1997. v. 5. (Obras escogidas).a partir dessa iniciativa, o desenvolvimento efetivo do indivíduo com deficiência visual em nosso país. Inseria-se a criança cega brasileira em um sistema educacional que se reservava apenas à eli- te da Corte. É um centro de referência, a nível nacional, para questões da deficiência visual. Possui uma escola, capacita profissionais da área da deficiência visual, assessora escolas e instituições, realiza consultas oftalmológicas à população, reabilita, produz material especializado, im- pressos em braile, e publicações científicas. Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2015. 8 Criado em meados do século XIX por iniciativa do surdo francês E. Huet, teve como primeira denominação Colégio Nacional para Surdos-Mu- dos, de ambos os sexos. Em razão de ser a única instituição de educação de surdos em território brasileiro e mesmo em países vizinhos, por muito tempo, o Ines recebeu alunos de todo o Brasil e do exterior, tornando-se referência para os assuntos de educação, profissionalização e socializa- ção de surdos. O Ines tem como uma de suas atribuições regimentais subsidiar a formulação da política nacional de educação de surdos, em conformidade com a Portaria MEC nº 323, de 8 de abril de 2009, publica- da no Diário Oficial da União de 9 de abril de 2009, e com o Decreto nº 7.690, de 2 de março de 2012, publicado no Diário Oficial da União de 6 de março de 2012. Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2015. 22 ...................................................................................................................................................................................................................... Educação Especial no Brasil: perspectivas de uma educação inclusiva da educação de pessoas com deficiência. Predominava a proposta de educação das classes populares por meio do ensino profissionalizante, não sendo mencionada a esco- larização para alunos com deficiência intelectual. No século XIX, em particular a partir da segunda metade, chegou ao Brasil, com a vinda da Corte Imperial, o movi- mento higienista, no qual a medicina ganhava status e o médico era considerado um cientista social. Assim, até a primeira década do século XX — ainda com a sustenta- ção do movimento higienista e agora já sob a égide do movimento escola-novista (MENDES, 2010) —, a escola se ampliou e assumiu a responsabilidade de instalar meca- nismos de controle e de moralização. A partir da legislação de 1946 surgiram as primeiras clas- ses especiais, cujo objetivo era o de homogeneizar as clas- ses comuns, apresentando um olhar de inspeção sanitária, diferenciando quem era “normal” do “anormal” (MACEDO; CARVALHO; PLETSCH, 2011, p. 36). A esse respeito, Glat e Blanco (2007, p. 19) descrevem que “a avaliação e a identi- ficação eram pautadas em exames médicos e psicológicos com ênfase nos testes projetivos e de inteligência e rígi- da classificação etiológica”. A Educação Especial era ainda essencialmente relacionada ao modelo clínico e se basea- va em tratamento e correção da deficiência, que era vista como uma doença crônica (GLAT; FERNANDES; PLETSCH, 2008). Além das influências médicas e psicológicas, não pode- mos deixar de registrar as bases assistencialistas que sur- giram no Brasil a partir das instituições filantrópicas, que tiveram como fundação iniciativas particulares e convê- 23A Educação Especial no Brasil ...................................................................................................................................................................................................................... nios com órgãos públicos em sua maior parte. O quadro a seguir ilustra as primeiras instituições fundadas no Brasil: Primeiras Instituições filantrópicas fundadas no Brasil Instituição Local Ano Instituto Pestalozzi Porto Alegre, Canoas 1926 – Porto Alegre; em 1927, foi transferido para Canoas Sociedade Pestalozzi do Brasil Rio de Janeiro 1948 Sociedade Pestalozzi de São Paulo São Paulo 1952 Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – Apae Rio de Janeiro 1954 Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – Apae São Paulo 1961 Fonte: Mazzotta (2005). O atendimento às pessoas com deficiência passou a ser fundamentado em 1961, pelas disposições na Lei nº 4.024/1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, ao mencionar a expressão “educação de excepcionais” (BRASIL, 1961, arts. 88 e 899). Esse período também foi marcado por campanhas espe- cíficas, iniciadas pelo governo, para a educação do públi- co-alvo da Educação Especial. A primeira delas foi a Cam- 9 O artigo 88 assegurava a matrícula do aluno excepcional, dentro do possível, na educação regular, e o artigo 89 garantia o apoio financeiro às instituições particulares consideradas eficientes pelos critérios dos con- selhos estaduais de educação (MELETTI; KASSAR, 2013). 24 ...................................................................................................................................................................................................................... Educação Especial no Brasil: perspectivas de uma educação inclusiva panha para Educação do Surdo Brasileiro – Cesb, criada pelo Decreto nº 42.728, de 1957, que foi instalada no Ines, Rio de Janeiro. Destacamos, ainda, a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação dos Deficitários Visuais — CNERDV, em 1958, e a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação do Deficiente Mental – Cademe, em 1960. Durante o período da ditadura militar no Brasil (1964– 1985), foi instituída a LDB nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, na qual se definiu a clientela de Educação Especial como alunos que apresentassem deficiências físicas ou mentais ou que se encontrassem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula, além dos superdota- dos (MENDES, 2010). Outro marco importante no período foi a criação, em 1973, do Centro Nacional de Educação Especial – Cenesp, do Ministério da Educação – MEC, com o objetivo de norte- ar as linhas e diretrizes do atendimento educacional para as pessoas com deficiências. A responsabilidade pela edu- cação de pessoas com deficiência mental, até então, era assumida por entidades não governamentais, como ante- riormente ressaltamos. Em termos internacionais, surgiam os princípios da “nor- malização” e “integração”, com sua base nos Estados Uni- dos e na Europa. A proposta desse movimento, segundo Glat e Blanco (2007, p. 22), era preparar alunos das classes e escolas especiais para ingressarem em classes regula- res, quando receberiam, na medida das suas necessidades, atendimento paralelo em salas de recursos ou outras mo- dalidades especializadas. 25A Educação Especial no Brasil ...................................................................................................................................................................................................................... Com a conquista da promulgação da Constituição de 1988 — já que esta foi aprovada após o fim da ditadura militar —, a Educação Especial foi contemplada no texto, que cita os termos atendimento educacional especializado. O art. 208 traz o seguinte texto: O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...]: III – atendimento educa- cional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. Daremos ênfase agora ao período que vai da década de 1990 até os dias atuais. 26 ...................................................................................................................................................................................................................... Educação Especial no Brasil: perspectivas de uma educação inclusiva DA DÉCADA DE 1990 AOS DIAS ATUAIS A partir dos anos 1990, oBrasil tornou-se signatário de documentos oriundos de reuniões internacionais, como a Declaração de Jomtien10 (UNESCO, 1990), que preconi- za a “educação para todos”, a Declaração de Nova Delhi11 (UNESCO, 1998), a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), que destaca a educação de pessoas com deficiên- cias no ensino regular, o Marco de Ação de Dakar12 (UNES- CO, 2000), entre outros. A partir da Declaração de Salamanca, vista como principal referência filosófica na área, há o desencadeamento de re- 10 Em meio a um contexto político-econômico conturbado, com indicado- res sociais desfavoráveis, em 1990 se deu a “Conferência Mundial sobre a Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendiza- gem”. Realizada em Jomtien, na Tailândia, foi a culminância de diversas reuniões feitas anteriormente com o apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – Unesco. A partir dessa con- ferência, foi assinada a Declaração de Educação para Todos (PLETSCH, 2014). 11 O Brasil foi convidado a participar juntamente com as nações mais po- bres e populosas do mundo. O evento pretendia reiterar os compromissos assumidos em Jomtien. Para tal, as referidas nações deveriam redobrar os esforços para assegurar a todas as crianças, jovens e adultos, até o ano 2000, conteúdos mínimos de aprendizagem tidos como elementares da vida contemporânea (PLETSCH, 2011). 12 O Marco de Ação de Dakar é um compromisso coletivo para a ação. Os governos têm a obrigação de assegurar que os objetivos e as metas de Educação para Todos – EPT sejam alcançados e mantidos. Essa res- ponsabilidade será atingida de forma mais eficaz por meio de amplas parcerias no âmbito de cada país, apoiada pela cooperação com agências e instituições regionais e internacionais. Disponível em: . Acesso em: 25 jan. 2015. 27Da década de 1990 aos dias atuais ...................................................................................................................................................................................................................... formas nas políticas públicas de saúde, educação, trabalho e assistência social. Ou seja, o princípio básico da inclusão escolar consistiria em que as escolas reconhecessem as di- versas necessidades dos educandos e que dessem respos- tas a elas, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas etc. Em termos nacionais, tais princípios foram inseridos em documentos como: a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, instituída pelo Decre- to nº 3.298 (BRASIL, 1999); o Plano Nacional de Educação, instituído pela Lei nº 10.172 (BRASIL, 2000); as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001); e a Lei nº 10.436 (BRASIL, 2002), regula- mentada pelo Decreto nº 5.626 (BRASIL, 2005). Também cabe destacar a LDB nº 9.394 (BRASIL, 1996), que dedicou um capítulo13 à Educação Especial. Ao nosso ver, apesar dos questionamentos na época sobre o uso do termo preferencialmente, a LDB representou um avanço significativo, do ponto de vista legal, no que se refere à educação de alunos com deficiência e à responsa- bilidade dos sistemas de ensino: 13 “Art. 58. Entende-se por Educação Especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede re- gular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais: § 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de Educação Especial; § 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou servi- ços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.” (BRASIL, 1996). 28 ...................................................................................................................................................................................................................... Educação Especial no Brasil: perspectivas de uma educação inclusiva Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos edu- candos com necessidades especiais: I - currículos, métodos, técnicas, recursos educati- vos e organização específicos, para atender às suas necessidades; II - terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiên- cias, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; III - professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especia- lizado, bem como professores do ensino regular ca- pacitados para a integração desses educandos nas classes comuns; IV - Educação Especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusi- ve condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma ha- bilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora; V - acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular. (BRASIL, 1996) Nos anos 2000, cabe destacar a ampliação dos investi- mentos políticos e financeiros para promover a inclusão social e educacional desses sujeitos (PLETSCH, 2011; SOU- ZA, 2013). Nesse período, novos documentos passaram a nortear a política de Educação Especial, agora em uma perspectiva inclusiva. O quadro a seguir traz uma síntese desse panorama: 29Da década de 1990 aos dias atuais ...................................................................................................................................................................................................................... Principais documentos e diretrizes políticas Documento Ano Disposições Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – Decreto nº 3.298 (BRASIL, 1999). 1999 Determinou matrícula compulsória de pessoas com deficiência em escolas regulares. Plano Nacional de Educação – Lei nº 10.172 (BRASIL, 2001). 2001 Tendo sido determinada a sua elaboração pela LDB de 1996, tinha como uma de suas prioridades tornar a escola inclusiva. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001). 2001 Oficializou os termos educação inclusiva e necessidades educacionais especiais. Trouxe regulamentação sobre a organização e a função da Educação Especial nos sistemas de ensino, bem como as suas modalidades de atendimento. Também apresentou a proposta de flexibilização e adaptação curricular. Lei nº 10.436 (BRASIL, 2002), regulamentada pelo Decreto nº 5.626 (BRASIL, 2005). 2002 Dispõe sobre a obrigatoriedade da LIBRAS nos currículos dos cursos de formação de professores e nos cursos de fonoaudiologia. 30 ...................................................................................................................................................................................................................... Educação Especial no Brasil: perspectivas de uma educação inclusiva Principais documentos e diretrizes políticas Documento Ano Disposições Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2008a). 2008 Conhecida como Declaração da Organização das Nações Unidas – ONU, foi aprovada pela Câmara dos Deputados em 13 de maio de 2008 como emenda constitucional. Dentre outras providências, visou a mudanças mais significativas na estrutura e no funcionamento da educação dirigida a pessoas com deficiências. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008b). 2008 A Educação Especialfoi definida como uma modali- dade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades da educação desde a educação infantil até o ensino superior. Resolução CNE/CEB nº 4 (BRASIL, 2009). 2009 Instituiu diretrizes operacionais para o atendimento educacional especializado na educação básica, estabelecendo a matrícula dupla dos alunos com necessidades educacionais especiais. Decreto nº 7.611 (BRASIL, 2011). 2011 Dispôs sobre a Educação Especial, o atendimento educacional especializado, entre outras providências. 31Da década de 1990 aos dias atuais ...................................................................................................................................................................................................................... Principais documentos e diretrizes políticas Documento Ano Disposições Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014) 2014 Estabelece metas e estratégias para o setor nos próximos 10 anos, como a erradicação do analfabetismo e a universalização do atendimento escolar. Fonte: Rocha (2014). Posto isso, são inegáveis os avanços no campo da Educa- ção Especial em nosso país. Porém, não basta teorizar con- ceitos e entender necessidades sem que a atitude no dia a dia se modifique. Em outras palavras, para vivermos uma verdadeira e legítima educação inclusiva, não basta que os alunos estejam matriculados nas escolas, mas, sim, que as transformações no interior destas sejam prioritárias, auxi- liando alunos com deficiências e professores em sua rotina escolar, promovendo e ampliando as expectativas de am- bas as partes. Dessa forma, é fundamental mudarmos a nossa perspec- tiva para percebermos a educação inclusiva como fazen- do parte de um novo paradigma de organização social, a partir do qual toda a comunidade é responsável por ati- tudes inclusivas que removam as barreiras atitudinais e que oportunizem interações qualitativamente eficientes e democráticas no interior das escolas. A educação brasileira está, pois, diante de um grande de- safio frente às legislações previstas: trabalhar para ofertar muito mais do que o acesso escolar, ou seja, uma proposta 32 ...................................................................................................................................................................................................................... Educação Especial no Brasil: perspectivas de uma educação inclusiva inclusiva baseada em um ensino de qualidade para TODOS, o que pode ser construído por meio das flexibilizações cur- riculares e pedagógicas e, sobretudo, por meio de novas produções subjetivas que percebam a educação como tem- plo da diversidade e as pessoas com necessidades educati- vas especiais como responsáveis pela sua própria história. Estamos construindo a história da educação inclusiva bra- sileira e podemos ser parâmetros internacionais se a co- munidade perceber as potencialidades de um projeto de- mocrático e humanitário. Neste capítulo, você estudou a constituição histórica da Educação Especial no Brasil, perpassando por diferentes épocas e concepções até os dias atuais. Entendemos que a Educação Especial no Brasil se constituiu a partir de um modelo clínico/médico, baseado em algumas práticas de segregação, tratamento e correção da doença, pouco vol- tadas para a escolarização desses sujeitos. Não podemos deixar de registrar as bases assistencialistas que surgiram no Brasil a partir da fundação de instituições filantrópi- cas, como a Pestalozzi e as Apaes. Por fim, vimos também que, a partir dos anos 1990 e 2000, muitos foram os esforços para a ampliação dos investi- mentos políticos e financeiros para promover a inclusão social e educacional desses sujeitos. 33 ...................................................................................................................................................................................................................... REFERÊNCIAS AMARAL, L. A. Conhecendo a deficiência. São Paulo: Robe, 1995. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educa- ção Básica. Resolução nº 4, de 2 de outubro de 2009. Insti- tui diretrizes operacionais para o atendimento educacional especializado na educação básica, modalidade Educação Especial. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 out. 2009. Disponível em: . Acesso em: 2 out. 2015. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Fe- derativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília, DF: Senado, 1988. . 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Repensando a inclusão escolar: diretrizes políti- cas, práticas curriculares e deficiência intelectual. Rio de Janeiro: Nau; Edur, 2014. ...................................................................................................................................................................................................................... 38 ...................................................................................................................................................................................................................... Educação Especial no Brasil: perspectivas de uma educação inclusiva ROCHA, M. G. S. Processos de ensino e aprendizagem de alunos com múltiplas deficiências à luz da teoria histó- rico-cultural: tecnologias assistivas e comunicação alter- nativa possibilitando práticas no AEE. 2014. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 2014. SILVA, A. F.; CASTRO, A. L. B.; BRANCO, M. C. 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Acesso em: 29 jan. 2015. 39PEI: estrutura e funcionamento ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ CAPÍTULO 2 NEUROCIÊNCIA E EDUCAÇÃO INCLUSIVA: A NEUROPLASTICIDADE CEREBRAL Este capítulo aborda os conceitos de neurociência que ex- plicam a capacidade de aprendizagem e transformação das funções cerebrais mediante a qualidade dos estímulos re- cebidos. É importante que você leia com atenção e relacione as es- truturas neurológicas com a possibilidade de desenvolvi- mento dos alunos, a partir de uma prática pedagógica vol- tada para a superação. ......................................................................................................................................................................................................................40 Neurociência e educação inclusiva: a neuroplasticidade cerebral TRANSFORMANDO DEFICIÊNCIA EM EFICIÊNCIA Quando recebemos um aluno com necessidades educati- vas especiais, faz-se necessário identificarmos algumas peculiaridades relacionadas à deficiência, especialmente quanto às suas causas e características. Questões envol- vendo a história da família e possíveis aspectos que pos- sam influenciar esse desenvolvimento contribuirão para pensarmos em práticas escolares relacionadas às possi- bilidades de aprendizagem desses alunos. Usar a neuro- ciência para estigmatizar com rótulos e prever limitações nos educandos é uma prática totalmente contrária à nossa perspectiva teórica, que compreende o desenvolvimento de maneira permanente e eficiente na vida da pessoa. Por que é tão necessário conhecer o laudo de um aluno? Muitos apresentam deficit cognitivo resultante de deficit de atenção ou de prejuízo no processamento de habilida- des cognitivas e executivas específicas. Conhecer o lau- do pode ser uma armadilha que force o professor a ver o aluno por meio de sua dificuldade ou limitação. O laudo deve nos mostrar onde devemos atuar nas compensações cognitivas e relacionais adequadas. Voltando aos nossos alunos, perguntamos diante de suas características: ele teve alguma lesão cerebral? Passou por convulsões significativas? Nasceu com síndromes genéti- cas que alteraram a estrutura funcional de seu cérebro? Ou ainda: como acontece o processamento de informa- ...................................................................................................................................................................................................................... 41Transformando deficiência em eficiência ções em sua cognição? Será que seu cérebro é um órgão que interfere na qualidade de sua aprendizagem? Muitos devem se perguntar qual a razão de tentar compreender uma situação fisiológica tão complexa, para a qual os pro- fessores não tiveram a formação adequada. Seria um re- torno ao reducionismo biológico que excluiria as caracte- rísticas socioculturais e subjetivas do processo educativo? Não. Longe disso, pois as áreas de conhecimento estão cada vez mais interligadas, e a educação inclusiva vai prescin- dir desses saberes para melhor compreender a dinâmica de aprendizagem dos alunos e, com base nela, planejar as estratégias educativas mais eficientes. Sendo assim, neste capítulo, vamos fazer uma apresen- tação sobre os principais conceitos de neurociência rela- cionados à aprendizagem, a organização do sistema ner- voso central e, por fim, como a neuroplasticidade pode transformar as potencialidades de alunos que apresentam deficiência. 42 ...................................................................................................................................................................................................................... Neurociência e educação inclusiva: a neuroplasticidade cerebral MAS O QUE É NEUROCIÊNCIA? De acordo com Relvas (2012), a neurociência é um novo campo de estudo que trata do desenvolvimento químico, estrutural, funcional e patológico do sistema nervoso. É formada por várias ciências, e a sua contribuição para a educação é explicar a aprendizagem por meio do processo de inter-relação do sistema nervoso, as funções cerebrais e mentais e o ambiente. Marta Relvas (2009, p. 11) sugere que: [...] conhecer o processo da aprendizagem se tornou um novo desafio para os professores, e o ambiente desta especificidade é a sala de aula. É preciso re- configurar este lugar de forma que se possa promo- ver uma maior convergência entre ciência, aprendi- zagem, ensino e educação. Dessa forma, o professor terá os conhecimentos neces- sários para elaborar programas de ensino e as flexibili- zações curriculares e pedagógicas adequadas ao desen- volvimento do aluno — um aluno concreto, que tenha no substrato cerebral o seu órgão da aprendizagem e a sua possibilidade de transformação cognitiva. Isso porque aprender exige necessariamente planejar no- vas maneiras de solucionar desafios e criar atividades que estimulem as diferentes áreas cerebrais, a fim de desven- dar com eficiência o desenvolvimento das potencialidades 43Mas o que é neurociência? ...................................................................................................................................................................................................................... humanas e a capacidade de pensar (RELVAS, 2012). Esse é um mecanismo encontrado no planejamento educa- cional individualizado – PEI14, no qual os profissionais da educação utilizam a avaliação como meio para estimular e desenvolver atividades pedagógicas e relacionais que pro- movam aprendizagem e desenvolvimento. Para compreendermos essa potencialidade, precisaremos reconhecer os mecanismos cerebrais responsáveis pela aprendizagem. Vamos começar por uma filogênese e uma ontogênese do sistema nervoso central? 14 O PEI também é conhecido como plano educacional individualizado – PEI, plano de desenvolvimento psicoeducacional individualizado – PPI) e plano de desenvolvimento educacional individualizado – PDEI (MARIN; BRAUN, 2013). Optamos pela nomenclatura planejamento por acredi- tarmos ser de maior abrangência para a questão tratada. Esse tema será abordado no quarto capítulo deste livro. 44 ...................................................................................................................................................................................................................... Neurociência e educação inclusiva: a neuroplasticidade cerebral FILOGÊNESE DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL Analisando as transformações filogenéticas humanas, percebemos que o cérebro e sua estrutura e morfologia estão relacionados com as atividades que foram significa- tivas para a transformação da nossa espécie ao longo dos milhares de anos. Na natureza, não há nada tão complexo quanto o funcionamento do cérebro humano. Usamos 100% de sua capacidade e temos muitas possibi- lidades de estruturação de funções ainda mais complexas que serão construídas mediante as necessidades sociocul- turais. A princípio, o homem tinha uma caixa craniana pequena com mandíbulas grandes para alimentação crua. Depois da descoberta do fogo, passou a ter uma caixa craniana com encéfalo maior e a mandíbula menor, o que permitiu maior desenvolvimento da inteligência. Nessa fase, o ho- mem liberou as mãos do movimento da marcha e come- çou a utilizar ferramentas de trabalho para transformar a natureza. O córtex cerebral aumentou de volume e, com ele, a pos- sibilidade de processamento de informações por meio do pensamento e da linguagem. A socialização se tornou uma necessidade, bem como o desenvolvimento de habilidades de convivência e organização sociais. 45Filogênese do sistema nervoso central ...................................................................................................................................................................................................................... Em milhares de anos de evolução filogenética, a estrutura cerebral foi alterada em função das necessidades ambien- tais e culturais. Hoje, sabemos que a morfologia de nosso cérebro pouco se transforma diante de tantas inovações tecnológicas, mas a sua estrutura de funcionamento está totalmente aberta aos estímulos que recebe do ambiente e que serão os responsáveis pela consolidação das redes neurais que conduzirão a aprendizagem. As áreas corticais criam redes neurais cada vez mais exu- berantes e eficientes em sua ação de codificar, compreen- der e processar as informações. Em outras palavras, cada um de nós tem um cérebro de acordo com a sua cultura e com os desafios cognitivos que nos são colocados. Dessa forma, afirmamoso cui- 233 dado e o preparo para o trabalho. No entanto, as discus- sões trazidas neste livro apontam para o fato de que na própria deficiência estão dadas as possibilidades para o seu desenvolvimento (VYGOTSKY, 1997). É importante que tenhamos clareza quanto às possíveis dificuldades que esses alunos possam apresentar, sejam elas relacionadas à aquisição da escrita, leitura, conceitos matemáticos, entre outros (CAMPOS, 2016). Mas estas não podem se constituir em determinantes de não aprendiza- gem. Nessa lógica, a ideia da inclusão educacional pres- supõe a melhoria da resposta educativa da escola para todos, sem distinção. Nesse sentido, denunciamos as avaliações cognitivas su- perficiais, que retiram o aluno do seu contexto de intera- ção e, a partir de questionários padronizados, restringem a sua subjetividade, utilizando rótulos que apenas acen- tuam a ideia da deficiência. Anunciamos uma pedagogia das possibilidades a par- tir da qual o exercício do ato pedagógico não pode ser considerado somente um meio de transmissão de con- teúdos acadêmicos, mas principalmente um ato de me- diação capaz de formar e ampliar consciências humanas. E é justamente a relevância dos aspectos interacionais e a complexidade da cultura escolar, presentes na prática pedagógica do professor que trabalha com alunos com deficiência, que nos fazem acreditar nas possibilidades de seus processos de ensino e aprendizagem. 234 A partir dessas reflexões, vislumbramos as contribuições do PEI, em colaboração com o redimensionamento do cur- rículo, para a realização de um trabalho que esteja vin- culado a toda escola, e não apenas ao professor de AEE, em seu espaço e tempo limitados, pois, coerentemente ao que expõe Freire (1996): “[...] não há docência sem discên- cia.” A parceria com toda a unidade escolar colabora para uma discussão urgente sobre como o aluno com deficiên- cia pode ser visto em suas possibilidades, e não apenas pelo lócus da deficiência, que marca o olhar e as práticas sem significação destinadas a ele. Assim, apesar das dificuldades que ainda serão encontra- das, professores de classe comum, de AEE e alunos pode- rão vivenciar novas práticas em sua rotina escolar, o que contribuirá para que se reconheçam como capazes, rele- vando o sentido e a importância de pesquisarmos sobre essa temática. Isso significa dizer que a prática escolar poderá ser modificadora de vidas, reconhecendo e des- crevendo potenciais antes escondidos, excluídos. Signifi- ca trazer sentido para transformar, ressignificar rotinas de negligência e falta de perspectivas. Este livro não pretendeu responder a todas as questões suscitadas pelo complexo fenômeno relativo à prática pedagógica de professores de alunos com deficiência. Entendemos que todo esse percurso levantou questões que necessitam de reflexão, sendo o passo inicial de uma busca pela inclusão, contribuindo de alguma forma para transformar nossa sociedade em um local mais justo e democrático para todas as pessoas, sejam elas deficientes ou não. 235 Na perspectiva de um fazer pedagógico inovador, acre- ditamos que possa ser construído um ensino que tenha por meta uma aprendizagem significativa para todos os envolvidos. Sendo assim, a transformação da escola não é, portanto, uma mera exigência da inclusão de alunos com deficiência intelectual. Ela deve ser encarada como um compromisso inadiável, que terá a inclusão efetiva como consequência. 236 REFERÊNCIAS CAMPOS, E. C. V. Z. Diálogos entre o currículo e o plane- jamento educacional individualizado (PEI) na escolariza- ção de alunos com deficiência intelectual. 2016. 172 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Fede- ral Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. FREIRE, P. 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