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04PS_aula03_doc01

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Uma investigação que pesquise dados qualitativos pode então ser posta em marcha 
para refinar o conhecimento que temos sobre o que se passa em tais comunidades. 
Nesse caso, poderemos seguir alguns caminhos, mas teremos sempre que decidir o que 
será interpretado. Poderá ser o que dizem determinadas pessoas por sua importância 
para a comunidade (presidentes de associações de moradores, por exemplo), ou 
pessoas da própria comunidade escolhidas randomicamente. Note que é um erro supor 
que pessoas que ocupam funções importantes são as que sabem mais e podem dar as 
informações mais importantes. 
 
Esse tipo de erro foi exaustivamente apontado pelas instituições psiquiátricas 
chamadas “comunidades terapêuticas” e nas quais o assistente social desempenhava 
papel da maior importância. Essas comunidades surgiram no contexto das primeiras 
tentativas de reforma da psiquiatria clássica e questionavam o modelo fortemente 
hierarquizado que vigorava nos hospitais psiquiátricos tradicionais. 
Neste modelo, o médico ficava no topo da pirâmide, detentor dos segredos da saúde e 
da doença, enquanto os pacientes ficavam na base, tidos como alienados, objetos do 
saber e prática médica que deveriam trazê-los de volta à razão / saúde. Entre esses 
dois extremos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais, funcionários da 
instituição. 
 
O princípio norteador das práticas das comunidades terapêuticas era que essa 
hierarquia era produtora de doença. Criaram-se espaços nos quais os pacientes 
pudessem dizer o que pensavam sobre o que lhes acontecia e sobre o que acontecia 
na clínica. Deveriam poder opinar em condições de igualdade nos grupos operativos, 
de tal maneira que passassem a ser agentes de seu próprio tratamento e do ambiente 
da clínica. Não apenas pacientes, mas também funcionários e outros técnicos deviam 
escutar e aprender com os médicos, mas estes também deveriam escutar e aprender 
com os primeiros. Todos aqueles que antes não encontravam espaço para participar 
das decisões concernentes ao tratamento, por não representarem o saber 
oficialmente aceito como científico, passam a ter voz ativa, o que foi de extrema 
riqueza para o desenvolvimento da psiquiatria como um todo. 
 
Assim fará parte importantíssima de sua pesquisa a decisão sobre quem ouvir e para 
quê. Cumpre ainda mais uma vez notar que outros signos que não os enunciados de 
pessoas podem ser colhidos como dados qualitativos, como, por exemplo, uma 
manifestação coletiva de protesto, ou o surgimento de uma manifestação artística ou 
cultural coletiva ou individual. 
 
Estaremos sempre observando ações humanas, muitas vezes levando em conta o 
significado / sentido do que as pessoas dizem enquanto agem, mas também sempre 
atentos aos aspectos não verbais que fazem parte de todo ato de fala. Se o significado 
das palavras muda em uma frase dependendo de um ponto, ou de uma vírgula, que 
dizer do quanto poderá mudar dependendo do lugar e do momento em que um sujeito 
fala em meio a sua ação social. Aliás, conforme disse em nossa última aula, essa 
flutuação do significado das palavras utilizadas no aqui agora da vida real é o que nos 
faz recorrer ao termo “sentido”. O sentido carece sempre de interpretação; fala-se 
 
 
 
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em “sentido” quando não se tem apenas uma maneira de entender o que está sendo 
dito, ou escrito. 
 
Para fazer seu trabalho de campo em uma abordagem quantitativa, qualitativa ou 
mista, você poderá contar com alguns instrumentos, sobre os quais tecerei 
comentários a partir de agora.

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