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Neste livro, Maria Teresa Eglér Mantoan e Rosângela Inclusão Gavioli Prieto adentram os labirintos da inclusão escolar analisando, com muito rigor e competência, suas diferentes facetas. No diálogo que estabelecem, abordam escolar pontos polêmicos e controvertidos, que vão desde as inovações propostas por políticas educacionais e práticas escolares que envolvem o ensino regular e especial até as Maria Teresa Eglér Mantoan relações entre inclusão e integração escolar. Rosângela Gavioli Prieto Para além de um respeitável debate acadêmico, os conceitos, ideias e valores contidos nesta obra são um verdadeiro convite a uma reflexão sobre nossas crenças e práticas, que muitas vezes acabam por nos distanciar de uma escola e de uma sociedade inclusivas. Entre pontos e contrapontos, as autoras transitam por caminhos insólitos e apresentam elementos profícuos para a construção de novos conhecimentos e de práticas educativas com vistas à plena inclusão escolar. ISBN 978-65-5549-088-6 editorialInclusão escolar: pontos e contrapontos Gavioli Prieto é pedagoga, mestre em Educação Especial Universidade Federal de São Carlos doutora em Administração Escolar pela Faculdade de Educação da Universidade de São professora da graduação da da Faculdade de Educação da onde exerce atividades de e pesquisa na área de educacionais governamentais e direcionadas à principalmente, à educação no atendimento de com especiais em redes de Foi professora de alunos com mental rede de durante dez da década de 1980.CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE RJ Mantoan, Maria Teresa Inclusão escolar: Inclusão escolar : e contrapontos / Maria Teresa Mantean, Gavioli Prieto : organização Valeria Amorim Arantes. - [8. São Paulo : Summus, 2023. pontos e contrapontos 104 p. : 21 cm. (Pontos e contrapontos) Inclui ISBN 978-65-5549-088-6 1. Inclusão escolar. 2. Educação especial. 3. Educação inclusiva. I. Rosängela Gavioli. II. Arantes, Valeria IV. Série. CDD: 371.9 23-85975 CDU: 376 Maria Teresa Eglér Mantoar Meri Gleice Rodrigues de Souza - CRB-7/6439 Rosângela Gavioli Prieto Valeria Amorim Arantes (org.) Compre em lugar de fotocopiar. Cada real que você dá por um livro recompensa seus autores e os convida a produzir mais sobre tema; incentiva seus editores a encomendar, traduzir e publicar outras obras sobre e paga aos livreiros por estocar e levar até você livros para a sua informação e D seu entretenimento. Cada real que você pela não autorizada de um livro financia o crime e ajuda a matar a produção intelectual de seu summus editorialINCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS Copyright 2023 by Maria Teresa Eglér Mantoan, Rosângela Gavioli Prieto e Valeria Amorim Arantes Direitos desta edição reservados por Summus Editorial Sumário Editora executiva: Soraia Bini Cury Assistente de produção: Claudia Agnelli Coordenação editorial: Carlos Tranjan (Página Viva) Preparação de texto: Adriana Cerello Apresentação Valeria Arantes 7 Revisão: Márcio Guimarães e Felice Morabito Projeto gráfico: José Rodolfo de Seixas Inclusão escolar 13 Diagramação: Yara Penteado Mantoan Prieto diferenças na escola: como andar no fio da navalha - Mantoan 15 16 Summus Editorial direito à educação no caso de pessoas com 23 Departamento editorial Rua Itapicuru, 613 - andar 29 05006-000 - São Paulo - SP Fone: (11) 3872-3322 escolar de alunos com necessidades educacionais um othar sobre as políticas públicas de educação no e-mail: Gavioli Prieto Atendimento ao consumidor 31 Summus Editorial e relações entre inclusão e Fone: (11) 3865-9890 35 Vendas por atacado de atendimento escolar para os estudantes com Fone: (11) 3873-8638 educacionais especiais no Brasil 49 e-mail: vendas@summus.com.br Impresso no BrasilFormação de profissionais da educação para trabalhar com o atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais no sistema regular de ensino 56 Considerações finais 65 Referências 69 PARTE - Pontuando e contrapondo 75 Maria Teresa Mantoan Rosangela Gavioli Prieto Apresentação PARTE III - Entre pontos e contrapontos 91 Valeria Amorim Arantes* Maria Teresa Mantoan Rosangela Gavioli Prieto Valeria Amorim Arantes A educação, como espaço disciplinar mas também inter, trans e multidisciplinar, em que as fronteiras entre os distintos campos de conhecimento se entrecruzam e, muitas vezes, se tornam difusas, solicita cada vez mais dos profissionais que nela atuam a capacida- de de dialogar e transitar por caminhos insólitos e desconhecidos. Este é desafio atual que muitos pesquisadores e profissionais É docente da graduação e da pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e coordenadora do Ciclo Básico da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São 7VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO PONTOS CONTRAPONTOS vêm assumindo na busca por reconfigurar sentido da educação as diferenças que delimitam as fronteiras dos campos de conhe- à luz das transformações em curso na sociedade cimento em discussão. O diálogo é melhor caminho para transitar por essas fron- Com esse de diálogo, cada livro da coleção Pontos e teiras difusas (e muitas vezes confusas) que, de forma geral, preo- Contrapontos é escrito em três etapas diferentes e complementa- cupam os educadores e a sociedade. Pelo diálogo é possível buscar res, que podem levar até um ano para sua produção. equilíbrio entre interesses particulares e que sus- Estabelecido o tema do diálogo, de comum acordo entre os dois tentam as disciplinas e os campos específicos de autores, na primeira etapa cada um deles produz um texto que Por meio dele, pode-se aceder a novas formas de organização do apresenta e sustenta seu ponto de vista. Esse texto é passado ao par- pensamento e das práticas educativas cotidianas, a partir do co- ceiro de diálogo, que, após a leitura atenta e crítica das ideias e pres- nhecimento produzido pelos pontos e contrapontos trazidos à to- supostos apresentados, formula algumas perguntas para pontuar e na por seus atores e protagonistas, sem, com isso, as dife- contrapor texto que lhe foi entregue. Como segunda etapa de renças e especificidades de cada disciplina. produção do livro, cada autor responde às perguntas feitas pelo in- A coleção Pontos Contrapontos insere-se nessa perspectiva e terlocutor, explicitando e esclarecendo suas ideias. De posse de to- foi pensada para trazer ao âmbito educativo debate e diálogo do esse material, a coordenadora da coleção elabora algumas ques- sobre questões candentes do universo educacional. Com isso, es- que são comuns para os dois autores sobre o tema em debate, pera-se que os livros nela publicados contribuam para a procurando trazer à tona pontos não abordados até momento ou preensão muitas vezes, redefinição das fronteiras estabelecidas contrapondo temáticas que suscitam divergências entre os mesmos. entre os campos de conhecimento que sustentam as pesquisas e as A terceira etapa de escrita do livro consiste na resposta às pergun- práticas de educação. tax feitas pela coordenadora da obra, mediadora do diálogo. Tal empreitada exige dos autores convidados desafios de con- Em Inclusão escolar: pontos e contrapontos, Maria Teresa Eglér siderável complexidade. O maior deles talvez seja o de questio- Mantoan, professora da Faculdade de Educação da Universidade nar-se sobre temas e conceitos que, em alguma medida, já os têm Estadual de Campinas, e Gavioli Prieto, professora da como "verdades" ou "crenças", que foram construídas no trans- Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, adentram correr de sua trajetória acadêmica e profissional. Com diálogo labirintos da inclusão escolar investigando, com muito rigor que foi convidado a estabelecer com seus parceiros, cada autor cientifico e competência, suas diferentes facetas. se obrigado a explicitar conceitos, princípios e pressupostos Na primeira parte do livro, Maria Teresa discorre sobre inclusão que sustentam sua concepção teórica epistemológica, a encon- escolarização analisando pontos polêmicos e controvertidos que trar os pontos de compromisso possíveis entre visões abrangem as inovações propostas por políticas educacionais e prá- que lhe são apresentadas, ao mesmo tempo que necessita pontuar ticas escolares que envolvem o ensino regular e especial. Para tan- 8 9VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS to, foca seu texto na complexa relação de igualdade e diferenças, aprendizagem escolar regular (do que Teresa discorda radicalmen- sempre presente no entendimento, na elaboração de políticas inclu- Teresa torna a discussão ainda mais instigante quando pergunta sivas e nas iniciativas que visam à transformação das escolas para se Rosângela sobre quanto ensino especial que foi e continua ajustarem aos princípios inclusivos de educação. Admitindo que sendo a porta de entrada para a inclusão pode também ser um tratar igualmente aqueles que são diferentes pode levar-nos à ex- a ela. E convida Rosângela a pensar sobre quais situações clusão, a autora defende uma escola que reconheça a igualdade de de poder ficam em risco quando se propõe uma transformação das aprender como ponto de partida e as diferenças do aprendizado escolas visando à inclusão de alunos com deficiência. Por fim, colo- mo processo e ponto de chegada. E adverte-nos: combinar igualdade em questão as políticas de formação de professores para aten- e diferenças no processo escolar é andar no fio da navalha! dimento de alunos com necessidades educacionais especiais. Gavioli Prieto faz uma análise profunda sobre pontos Na terceira e última parte, sugiro às autoras que descrevam cruciais que envolvem o atendimento escolar de alunos com neces- ações e/ou intervenções desenvolvidas por elas, no interior das ins- sidades educacionais especiais, construindo um caminho que vai das escolares, que mostrem como combinar diversidade e relações entre inclusão e integração escolar à formação de professo- igualdade; que discorram sobre aqueles frequentes e conheci- res, passando também por uma análise cuidadosa das políticas públi- dos encaminhamentos (quase sempre inadequados) realizados pela cas de educação para Em todo texto deixa mar- instituição escolar; que retomem a polêmica e complexa discussão cas de seu compromisso com uma educação inclusiva e conclama sobre atendimento educacional especializado e a escola regular; e por respostas educacionais que, para além dos direitos instituídos le- que descrevam ações que efetivamente contribuem para que os galmente, atendam efetivamente às necessidades dos alunos. profissionais da educação olhem para a diversidade como favorece- Na segunda parte, as autoras apresentam às suas interlocutoras dora da aprendizagem. Em suma, minha intenção foi penetrar ain- questões que nos esclarecem sobre pontos tratados na primeira da mais nos entraves enfrentados no cotidiano de uma escola que parte do livro, ao mesmo tempo que nos convidam a participar e pretende ser para todos e de qualidade. a ampliar diálogo em curso, multiplicando, assim, as vozes que, Para além de um respeitável debate as ideias, con- de uma maneira ou de outra, contribuem para a construção de ceitos e valores contidos ao longo desta obra são um verdadeiro uma escola inclusiva. Rosângela solicita a Teresa que explore mais convite a uma reflexão sobre nossas próprias crenças e práticas, que as ideias sobre caráter benéfico das desigualdades naturais e os muitas vezes acabam por nos distanciar de uma escola e de uma riscos de se combinar igualdade e diferenças no processo escolar. sociedade inclusivas. Espero que diálogo aqui estabelecido, os Por fim, pede que Teresa se posicione sobre a possibilidade de os pontos e contrapontos aqui apresentados sejam elementos profi- alunos que demandam intervenções diferenciadas estarem, inicial- cuos para a construção de novos conhecimentos e de práticas edu- mente, só na escola especial para, posteriormente, iniciarem a cativas com vistas à plena inclusão escolar. 10 11PARTE I Inclusão escolar Maria Teresa Egler Mantoan Gavioli PrietoIgualdade e diferenças na escola: como andar no fio da navalha Maria Teresa Mantoan Introdução Nos debates atuais sobre inclusão, o ensino escolar brasileiro tem diante de si desafio de encontrar soluções que respondam à questão do acesso e da permanência dos alunos nas suas institui- educacionais. Algumas escolas públicas e particulares já ado- ações nesse sentido, ao proporem mudanças na sua organi- de modo a reconhecer e valorizar as diferenças, sem discriminar os alunos nem Apesar das resistên- cresce a adesão de redes de ensino, de escolas e de professo- de pais e de instituições dedicados à inclusão de pessoas com 15VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS deficiência, que denota efeito dessas novas experiências e, ao iguais. Para Bobbio, a igualdade natural não tem um significado mesmo tempo, motiva questionamentos. mas tantos quantas forem as respostas às questões "Igual- Com a intenção de explorar esse debate sobre inclusão e es- dade entre quem? Igualdade em A extensão desse valor, colaridade, vamos analisar alguns pontos polêmicos que cercam portanto, precisa ser considerada, para não entendermos que to- essa situação de mudança diante das inovações propostas pelas po- dos os homens sejam iguais em tudo! líticas educacionais e pelas práticas escolares que envolvem en- Mesmo os que defendem igualitarismo até as últimas con- sino regular e especial. sequências entendem que não se pode ser igual em tudo. Bobbio Mais do que avaliar os argumentos contrários e favoráveis às (1997, p. 25) relata que Rousseau, em seu Discurso sobre a políticas educacionais inclusivas, abordarei, entre seus aspectos da desigualdade entre os homens, estabeleceu uma diferenciação en- mais polêmicos, a complexa relação de igualdade-diferenças, que tre desigualdades naturais (produzidas pela natureza) e desigualda- envolve entendimento e a elaboração de tais políticas e de to- des sociais (produzidas pelas relações de domínio econômico, es- das as iniciativas visando à transformação das escolas, para se ajus- piritual, político). Para alcançar os ideais igualitários seria tarem aos princípios inclusivos de educação. necessário eliminar as segundas, não as primeiras, pois estas são benéficas ou mesmo moralmente A como os demais movimentos provocados por gru- A questão igualdade-diferenças pos que historicamente foram excluídos da escola e da cidadania plena, é uma ao que Hannah Arendt chamou de "abs- A inclusão escolar está articulada a movimentos sociais mais am- trata nudez", pois é inovação incompatível com a abstração das plos, que exigem maior igualdade e mecanismos mais equitativos diferenças, para chegar a um sujeito universal. Quando entende- no acesso a bens e Ligada a sociedades democráticas que mos que não é a universalidade da espécie que define um sujei- estão pautadas no mérito individual e na igualdade de oportuni- to, mas as suas peculiaridades, ligadas a sexo, etnia, origem, cren- dades, a inclusão propõe a desigualdade de tratamento como for- tratar as pessoas diferentemente pode enfatizar suas diferenças, ma de restituir uma igualdade que foi rompida por formas segre- assim como tratar igualmente os diferentes pode esconder as suas gadoras de ensino especial e regular. especificidades e excluí-los do mesmo modo; portanto, ser gente Fazer valer o direito à educação para todos não se limita a cum- correr sempre risco de ser diferente. prir o que está na lei e sumariamente, às situações discri- dilema, como nos lembra Pierucci, está em mostrar ou es- minadoras. O assunto merece um entendimento mais profundo da conder as diferenças. Como resolver esse dilema nas escolas que questão de justiça. A escola justa e desejável para todos não se sus- primam pela dos alunos e que usam a desigual- tenta unicamente no fato de os homens iguais e nascerem dade social como argumento em favor da exclusão? 16 17VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS Para instaurar uma condição de igualdade nas escolas não se complicador que se torna insuportável e delirante para os reacio- concebe que todos os alunos sejam iguais em tudo, como é ca- nários que as compõem e as defendem tal como ela ainda se man- so do modelo escolar mais reconhecido ainda hoje. Temos de Porque a diferença é dificil de ser recusada, negada, desvalo- considerar as suas desigualdades naturais e sociais, e só estas últi- rizada. Se ela é recusada, negada, desvalorizada, que assimilá-la mas podem e devem ser Se a igualdade traz proble- ao igualitarismo essencialista e, se aceita e valorizada, há que mu- mas, as diferenças podem trazer muito mais! dar de lado e romper com os pilares nos quais a escola tem se fir- As políticas educacionais atuais confirmam em muitos mo- mado até agora. mentos projeto igualitarista e universalista da No A igualdade abstrata não propiciou a garantia de relações jus- geral, elas participam do esforço da Modernidade para superar tas nas escolas. A igualdade de oportunidades, que tem sido a mar- que se chamou de "estado da natureza", a fim de domesticar os ca das políticas igualitárias e democráticas no âmbito educacional, que diferem do Como incluir as diferenças com base em também não consegue resolver O problema das diferenças nas es- um plano racional de atuação que as extingue ou as de lado colas, pois elas escapam ao que essa proposta sugere, diante das de- como refugo que escapa à definição? (Bauman, 1999, p. 15). sigualdades naturais e sociais. O discurso da Modernidade (movimento que se caracteriza, Em Uma teoria da justiça (2002, p. 108), Rawls opõe-se às decla- principalmente, por uma guerra à ambivalência e por um esforço rações de direito do mundo moderno, que igualaram os homens racional de ordenar o mundo, os seres humanos, a vida) estendeu em seu instante de nascimento e estabeleceram mérito e es- suas precauções contra o imprevisível, a ambiguidade e demais forço de cada um como medida de acesso e uso de bens, recursos riscos à ordem e à unicidade, repetindo que todos são iguais, to- disponíveis e mobilidade social. Para esse filósofo a liber- dos são livres, mas um "todos" padronizado, dentro de seus pres- dade civil com suas desigualdades sociais e a igualdade de supostos disciplinadores (ibidem). oportunidades com suas desigualdades naturais são arbitrárias Esse discurso sustenta a organização pedagógica escolar e, por do ponto de vista moral; ele propôs uma política da diferença, es- seus parâmetros, o aluno diferente (porque ele é indefinido, incoe- tabelecendo a identificação das diferenças como uma nova medi- rente, indeterminado) desestabiliza pensamento moderno da es- da da igualdade: cola, na sua ânsia pelo lógico, pela negação das condições que pro- duzem as diferenças, que são as matrizes da nossa Assim, somos levados ao princípio da diferença, se desejamos A diferença propõe conflito, o dissenso e a imprevisibilida- montar sistema social de modo que ninguém ganhe ou perca de, a impossibilidade do cálculo, da definição, a multiplicidade in- devido ao seu lugar arbitrário na distribuição de dotes naturais controlável e infinita. Essas situações não se enquadram na cultu- ou à sua posição inicial na sociedade sem dar ou receber benefi- ra da igualdade das escolas, introduzindo nelas um elemento cios compensatórios em troca. 18 19AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS CONTRAPONTOS Na mesma direção das propostas escolares inclusivas, o referido A esse propósito é fundamental a contribuição de Joseph autor defende que a distribuição natural de talentos ou a posição Ele nos trouxe um olhar original sobre a igualdade, que social que cada indivíduo ocupa não são justas nem O que até então se emaranhava nas questões de direito, de de as torna justas ou não são as maneiras pelas quais as instituições (no promessas constitucionais. Ele afirmava que a igualdade não seria caso, as educacionais) fazem uso delas. Ele sugere uma igualdade alcançada a partir da desigualdade, como se espera atingi-la, até que combina princípio da igualdade de oportuni- hoje, nas acreditava em uma outra igualdade, a igualdade dades com o princípio da diferença (ibidem, 79). de inteligências. Jacotot defendia ser humano como ser cognos- A sugestão de Rawls tem opositores, por ser contra a noção de cente, capaz de aprender, de conhecer, e defendia essa capacidade mérito. Para os que lutam por uma escola verdadeiramente inclu- de toda submissão uma inteligência não pode submeter uma siva, na mesma linha argumentativa de Rawls, merecimento não outra. Em outras palavras, a emancipação da inteligência proviria parece aplicar-se devidamente aos que já nascem em uma situação dessa igualdade da capacidade de aprender, que vem antes de tu- privilegiada socialmente, aos que já tiveram a oportunidade de se do e é ponto de partida para qualquer tipo ou nível de aprendi desenvolver, com base em melhores condições de vida e de apro- zagem. O professor, portanto, não poderia negar essa capacidade veitamento de suas potencialidades; o mérito deve ser proporcio- esse "lugar do saber" que cada aluno tem de ocupar diante do en nal ao ponto de partida de cada um. Ao combinar os dois princi- sino ministrado, pois ao estaria ferindo esse princípio de pios, Rawls reconhece que as desigualdades naturais e sociais são igualdade intelectual e, portanto, embrutecendo-o. imerecidas e precisam ser reparadas e compensadas, e princípio Vale citar algumas das suas ideias, para entrever alcance da da diferença é que garante essa reparação, visando à igualdade. pedagogia desse mestre para os nossos tempos de inclusão edu- A igualdade de oportunidades é perversa, quando garante cacional: acesso, por exemplo, à escola comum de pessoas com alguma de- A igualdade não é um objetivo a atingir, mas um ponto de par- ficiência de nascimento ou de pessoas que não têm a mesma pos- tida, uma suposição a ser mantida em qualquer circunstância. sibilidade das demais, por problemas alheios aos seus esforços, de desigualdade nas manifestações da inteligência, segundo a passar pelo processo educacional em toda a sua Mas energia mais ou menos grande que a vontade comunica à inte- não lhes assegura a permanência e prosseguimento da escola- ridade em todos os níveis de ensino. Mais um motivo para se fir- professor de ideias extravagantes para e ainda hoje, viveu de mar a necessidade de repensar e de romper com modelo edu- 1770 1840. Foi trazido do esquecimento da historia da pedagogia do cacional elitista de nossas escolas e de reconhecer a igualdade de XIX por Jacques Rancière, no livro O mestre Cinco lições sobre a aprender como ponto de partida e as diferenças no aprendizado intelectual (Belo Horizonte, 2002), em que nos conta a como processo e ponto de as ideias ousadas e inovadoras desse educador. 20 21VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS ligência para descobrir combinar relações novas, mas não há Esses espaços educacionais não podem continuar sendo lugares da hierarquia de capacidade discriminação, do esquecimento, que é ponto final dos que se- guem a rota da proposta da eliminação das ambivalências com As grandes lições desse mestre, embora enfoquem a igual ca- que as diferenças afrontam a pacidade de conhecer, constituem mais um argumento em favor da necessidade de combinar igualdade com diferenças e de nos distanciarmos dos que se apegam unicamente à cultura da igual- Fazer valer o direito à educação dade de oportunidades liberal e do mérito para defender a esco- no caso de pessoas com deficiência la do seu caráter excludente, que bane os que por desigualdades significativas de nascimento e/ou desigualdades sociais não con- Nosso sistema educacional, diante da democratização do ensino, seguem preencher os requisitos de um padrão de aluno previa- tem vivido muitas dificuldades para equacionar uma relação com- mente estipulado. plexa, que é a de garantir escola para todos, mas de qualidade. É A escola insiste em afirmar que os alunos são diferentes quan- inegável que a inclusão coloca ainda mais lenha na fogueira e que do se matriculam em uma série escolar, mas objetivo escolar, no problema escolar brasileiro é dos mais dificeis, diante do núme- final desse período letivo, é que eles se igualem em conhecimen- TO de alunos que temos de atender, das diferenças regionais, do tos a um padrão que é estabelecido para aquela série, caso contrá- conservadorismo das escolas, entre outros fatores. rio serão excluídos por repetência ou a frequentar os A verdade é que ensino escolar brasileiro continua aberto a grupos de reforço e de aceleração da aprendizagem e outros pro- poucos, e essa situação se acentua drasticamente no caso dos alunos gramas embrutecedores da inteligência. com deficiência. O fato é recorrente em qualquer ponto de nosso A indiferença às diferenças está acabando, passando da moda. território, na maior parte de nossas escolas, públicas ou particulares, Nada mais desfocado da realidade atual do que ignorá-las. Nada e em todos os níveis de ensino, mas sobretudo nas etapas do ensi- mais regressivo do que discriminá-las e isolá-las em categorias ge- no básico: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. néricas, típicas da necessidade moderna de agrupar os iguais, de A inclusão escolar tem sido mal compreendida, principalmen- organizar pela abstração de uma característica qualquer, inventa- to no seu apelo a mudanças nas escolas comuns e especiais. da, e atribuída de fora. Sabemos, contudo, que sem essas mudanças não garantiremos a Mas é preciso estar atento, pois combinar igualdade e diferen- condição de nossas escolas receberem, indistintamente, a todos os ças no processo escolar é andar no fio da navalha. certo, porém, alunos, oferecendo-lhes condições de prosseguir em seus estudos, é que os alunos jamais deverão ser desvalorizados e inferiorizados segundo a capacidade de cada um, sem discriminações nem espa- pelas suas diferenças, seja nas escolas comuns, seja nas segregados de educação. 22 23VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS Muitos argumentos têm sido utilizados para combater os que Precisamos de apoio e de parcerias para enfrentar essa tarefa de lutam em favor da inclusão escolar, até mesmo há os que nos acu- todos que é ensino de qualidade. Temos sofrido muita oposi- sam de com irresponsabilidade! A eles temos de res- e resistência dos que deveriam estar nos apoiando. Falta von- ponder com sentido inovador e revolucionário dessa proposta tade de mudar. educacional. Na verdade, resiste-se à inclusão escolar porque ela nos faz Artigos, livros, palestras que tratam devidamente do tema in- lembrar que temos uma dívida a saldar em relação aos alunos que sistem na transformação das práticas de ensino comum e especial excluímos pelos motivos mais banais e inconsistentes, apoiados para a garantia da e é nítida essa nossa preocupação, pois por uma organização pedagógico-escolar que se destina a alunos a inclusão é, ao mesmo tempo, motivo e consequência de uma ideais, padronizados por uma concepção de normalidade e de efi- educação de qualidade e aberta às diferenças. ciência arbitrariamente definida. Temos a Constituição de 1988 e leis educacionais que apoiam Sabemos que alunos com e sem deficiência, que foram e são a necessidade de reconstruir a escola brasileira sob novos enfo- ainda excluídos das escolas devem estar inseridos nessas ques educacionais e que nos conclamam a uma "virada para me- escolas, e há muito tempo, ou seja, desde que ensino fundamen- lhor" de nosso ensino. Há apoio legal suficiente para mudar, mas tal é obrigatório para os alunos em geral. Se os pais, professores, só temos tido, até agora, muitos entraves nesse sentido. dirigentes educacionais não tinham conhecimento do direito de Entre esses entraves estão: a resistência das instituições espe- todos à educação comum, há hoje documentos e uma ação cora- cializadas a mudanças de qualquer tipo; a neutralização do de- josa do movimento escolar inclusivo que estão cumprindo seu safio à inclusão, por meio de políticas públicas que impedem dever de alertar os educadores e os pais nesse sentido. que as escolas se mobilizem para rever suas práticas homoge- A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 96) neizadoras, meritocráticas, condutistas, subordinadoras e, em deixa claro que ensino especial é uma modalidade e, como tal, consequência, excludentes; o preconceito, paternalismo em deve perpassar ensino comum em todos os seus níveis da es- relação aos grupos socialmente fragilizados, como das pessoas cola básica ao ensino superior. Haja vista as portarias e demais ins- com deficiência. pelos quais a educação garante aos alunos Há ainda a considerar outras barreiras que impedem a trans- a presença de intérpretes, tecnologia assistiva e outros formação de nossas escolas: corporativismo dos que se dedi- recursos em sala de aula comum. Há que assegurar não apenas cam às pessoas com deficiência e a outras minorias, principal- acesso, mas a permanência e prosseguimento do estudo desses mente dos que tratam de pessoas com deficiência mental; a alunos e não retirar do Estado, por nenhum motivo, essa obriga- ignorância de muitos pais, a fragilidade de grande maioria de- exigindo, postulando cumprimento das leis, para atender às les diante do fenômeno da deficiência de seus filhos. necessidades educacionais de 24 25VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS Se ainda não é do conhecimento geral, é importante que se alunos com e sem deficiência deixem de frequentar ambientes saiba que as escolas especiais complementam, e não substituem, a educacionais à parte, que segregam, discriminam, diferenciam pe- escola comum. E as nossas leis prescrevem esse (novo?) fato há la deficiência, excluem como é próprio das escolas especiais. quase duas décadas. As escolas especiais se destinam ao ensino do O que falta às escolas especiais, como substitutas das comuns, que é diferente da base curricular nacional, mas que garante e é muito mais do que a soma das carências das escolas comuns. possibilita ao aluno com deficiência a aprendizagem desses con- Falta-lhes primordial das escolas, isto é, ambiente apropriado teúdos quando incluídos nas turmas comuns de ensino regular; de formação do cidadão. oferecem atendimento educacional especializado, que não tem Em inúmeras publicações artigos, livros, entrevistas, palestras níveis, seriações, certificações. indicamos as mudanças necessárias para que acesso, a perma- Falta às escolas especiais e às instituições para pessoas com de- nência e prosseguimento dos estudos de alunos com deficiên- ficiência a compreensão do papel formador da escola comum, cia na escola comum se assunto já é sobejamente que jamais será exercido em um meio educacional segregado, as- conhecido dos educadores e gestores da educação escolar em to- sim como lhes falta a consciência de que as escolas especiais se dos os níveis de ensino. descaracterizaram, perderam sua identidade, bem como os profis- Tanto as escolas especiais quanto as comuns precisam se reor- sionais que nelas lecionam, particularmente os que são professo- ganizar e melhorar atendimento que dispensam a seus alunos. res especializados. De fato, ora esses profissionais atuam como Precisamos lutar por essas mudanças e por movimentos que têm orientadores de professores de escolas comuns, onde estão incluí- como fim virar essas escolas do avesso. Ambas precisam sair do co- dos alguns alunos dessas instituições, ora dão aulas como profes- modismo em que se encontram, e a inclusão, especialmente sores de ensino regular, mas em escolas especiais! quando se trata de alunos com deficiência, é o grande mote para Tudo se confundiu de tal modo que é dificil, até para quem empreender essa reviravolta. quer compreender que significa atender a alunos com deficiên- E um engano pensar que as escolas de países mais avançados cia nas suas necessidades educacionais como um todo, sejam as mais ricos são melhores do que as Elas podem apresen- especificamente escolares, sejam as relativas ao atendimento com- menores de desaprovação, pois esses países não têm plementar especializado. Se a escola é especial, parece coerente problemas de superpopulação na idade escolar e de aumento que ela não seja comum, mas o que ocorre é que elas acabam sen- constante desse segmento, principalmente nas grandes do nem uma coisa nem outra. Mas problemas que causam essa desaprovação são os mesmos Nossa obrigação é fazer valer direito de todos à educação e todo mundo. Outro ledo engano é pensar que nesses não precisamos ser corajosos para defender a inclusão, porque es- inclusão já acontece, sobretudo no que diz respeito à defi- tamos certos de que não corremos nenhum risco ao propor que mental. 26 27VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS Quanto mais país se sofistica intelectual e culturalmente, novas possibilidades para ensino comum e especial, há que mais essas pessoas são desvalorizadas nas suas competências labo- existir uma ruptura com modelo antigo de escola. Porque não rais e acadêmicas e mais se amplia a rede de proteção à deficiên- há como caminhar com um pé em cada cia e, com isso, a segregação aumenta e recrudesce. O ensino escolar comum e despreparo dos professores, por Se a inclusão for uma das razões fortes de mudança, temos sua vez, não podem continuar sendo justificativa dos que que- condições de romper com os modelos conservadores da escola rem escapar da inclusão escolar pelos mais diferentes motivos. comum brasileira e iniciar um processo gradual, porém firme, de De fato, esse despreparo dos professores e das escolas tranquili- redirecionamento de suas práticas para melhor qualidade de en- e é o argumento favorito de muitos pais de crianças e jovens sino para todos. com deficiência, que acharam uma boa saída para fugir da in- Muito já teria sido feito, não fossem os entraves com que clusão. Felizmente nem todos são tão ingênuos a ponto de "en- sempre deparamos: ora são as instituições especializadas, ora as golir" essa argumentação. Surpreende-me que ela ainda esteja corporações, ora as autoridades de ensino, ora os defensores pú- sendo utilizada! blicos; enfim, sempre temos de perder tempo de trabalhar em Como prepará-los sem que possam viver a experiência e de- favor de uma escola de melhor qualidade para dedicar-nos a de- das diferenças nas suas salas de aula? Que motivos teriam pa- fender óbvio. se mobilizar? Para buscar novas respostas educacionais? As escolas especiais também estão perdendo O seu tempo de Em poucas palavras, a inclusão não pode mais ser ignorada. Ela Há inúmeras redes de escolas comuns e também algumas está tão presente que motiva pressões descabidas, que pretendem escolas especiais que há tempos estão vivendo esse processo de nos desestabilizar a qualquer custo. transformação e eliminando seus métodos excludentes de ensinar. Aos contrassensos pelos quais a escola inclusiva é tão comba- Elas já estão se adequando e cumprindo a Constituição e a LDB e vamos responder com sentido pleno que damos à escola pondo em ação práticas que exigem inovações educacionais, co- que queremos para todos os brasileiros uma escola que reco- mo a inclusão escolar. Muitas escolas, tanto comuns como espe- e valoriza as diferenças. ciais, já estão assegurando aos alunos com deficiência atendi- mento educacional especializado, em horário diferente do da escola Referências bibliográficas O processo de transformação da escola comum é lento e não pretende gerar maior marginalização da que já existe, aberta- H. O sistema Lisboa: Dom Quixote, 1978. mente, nas escolas especiais, tais como hoje se apresentam. Para Z. Modernidade e Rio de Janeiro: Zahar, que haja um processo de mudança, cujo movimento ruma para 1999. 29 28VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) N. Igualdade e liberdade. Rio de Janeiro: Ediouro, ed., UCCI, A. F. Ciladas da diferença. São Paulo: Editora 34, 1999. LS, J. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, ed., Atendimento escolar 002. de alunos com necessidades educacionais especiais: um olhar sobre as políticas públicas de educação no Brasil Gavioli Prieto Introdução Na organização deste texto foram abordados alguns temas deter- minantes do debate sobre atendimento escolar de alunos com necessidades educacionais especiais, quais sejam: con- e relações entre inclusão e integração condições de atendimento escolar desses estudantes no Brasil; orientações para a promoção da sua inclusão no ensino regular: a construção de politicas públicas de educação para todos; e formação de pro- da educação para trabalhar com seu atendimento no sis- regular de ensino. 30 31VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS F. CONTRAPONTOS Os vieses empregados nesta exposição para análise dos referi- dos os alunos. Sem a intenção de negar a validade e a importância dos temas primordialmente, resgatados na interlocução de de experiências desenvolvidas em escolas específicas ou em deter- conteúdos de documentos legais nacionais, que explicitam os minadas salas de aula, desacredita-se na sua possibilidade de gene- compromissos políticos brasileiros com a educação da referida ralização para O sistema de ensino e acredita-se que seu isolamen- população com referenciais teóricos afins. Da legislação foram se- to pode comprometer sua continuidade em anos posteriores. lecionadas a Constituição da Federativa do Brasil (CF As instituições escolares, ao reproduzirem constantemente 88), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 96) e modelo tradicional, não têm demonstrado condições de respon- a Resolução do Conselho Nacional de Educação e Câmara de der aos desafios da inclusão social e do acolhimento às diferenças Educação Básica n° 2, de 11 de setembro de 2001 (Res. 2/01). nem de promover aprendizagens necessárias à vida em sociedade, São ainda analisados indicadores de atendimento escolar, pu- particularmente nas sociedades complexas do século XXI. Assim, blicados pelo poder público federal nos últimos anos, com vistas neste século em que próprio conhecimento e nossa relação com a averiguar e discutir a evolução das matrículas dessa população ele mudaram radicalmente, não se justifica que parte expressiva da nas redes de ensino, particularmente após 1998, quando se oficia- sociedade continue apegada à representação da escola transmisso- liza a frequência anual do Censo escolar. de conhecimentos e de valores fixos e inquestionáveis. São resgatados e analisados alguns eixos da política educacio- Mesmo que assim seja compreendido seu papel, a escola não nal indicados, com base em nossa experiência, como essenciais tem conseguido cumpri-lo, pois esse modelo assenta-se em pres- para universalizar ensino fundamental, sempre tendo como es- suposto irrealizável, ao exigir que todos os alunos se enquadrem colha destacar suas implicações para atendimento escolar de is suas exigências. Essa escola não tem, dessa maneira, conseguido alunos com necessidades educacionais especiais. Com essa inten- configurar como espaço educativo para significativo contin- ção, este texto abordará situações exemplares para sistemas de en- gente de alunos, independentemente de apresentarem ou não ne- sino produzirem formas de atender a esse alunado, pautando-se na cessidades denominadas como educacionais garantia de seu acesso e de sua permanência, como resultados da Somada a essa constatação, a partir de meados da década de qualidade de ensino oferecida. 1990, a escolarização de pessoas com necessidades educacionais Outro tema que sempre deve comparecer nesse debate é a for- especiais em classes comuns está na pauta da legislação brasileira mação de professores para atendimento educacional de pessoas sobre educação, nos debates e nas publicações No com necessidades especiais, que será explorado na última parte plano e a defesa de sua igualdade de direitos, com deste texto. Temos trabalhado nos últimos anos na perspectiva de destaque para direito à educação, parece constituir-se um con- pesquisar e intervir nos sistemas de ensino, embasados no As discordâncias são anunciadas no plano da definição das to de que a universalização do ensino de qualidade é direito de to- propostas para sua concretização. 32 33VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS Embora sem respaldo teórico, no discurso recorrente de muitos O planejamento e a implantação de políticas educacionais pa- profissionais da educação a inclusão escolar tem sido expressão em- atender a alunos com necessidades educacionais especiais reque- pregada com sentido restrito como se significasse apenas matricu- rem conceitual sobre escolar e sobre as solicita- lar alunos com deficiência em classe comum. Mas a construção con- ções decorrentes de sua adoção enquanto princípio ceitual dessa expressão ultrapassa em muito essa compreensão. Sua bem como a clara definição dos princípios e diretrizes nos planos implantação pode implicar resguardar a classe comum como espaço programas elaborados, permitindo a re)definição dos papéis da de escolarização de todos ou como uma das opções para aqueles educação especial e do locus do atendimento desse alunado. com necessidades educacionais especiais, ainda que deva ser a prefe- rencial, como preconizado pela Constituição Federal de Outro embate que revela acentuadas discordâncias no plano da Princípios, concepções e relações implantação de políticas de educação inclusiva é a definição do pa- entre inclusão e integração escolar pel que atendimento educacional especializado pode assumir, ou seja, a possibilidade de serviços especializados substituírem ensi- Como já foi citado, temos muitos desafios a enfrentar para atingir no comum. Atualmente coexistem pelo menos duas propostas pa- educação como direito de Um deles é não permitir que ra a educação especial: uma, em que os conhecimentos acumulados esse direito seja traduzido meramente como cumprimento da obri- sobre educação especial, teóricos e práticos, devem estar a serviço gação de matricular e manter alunos com necessidades educacio- dos sistemas de ensino e. portanto, das escolas, e disponíveis a todos nais em classes comuns. Se assim for, ou seja, se investi- os professores, alunos e demais membros da comunidade escolar, mento na qualidade de ensino não se tornar uma ação constante, a que a qualquer momento podem outra, em que se evolução das matrículas desse alunado na classe comum pode resul- deve configurar um conjunto de recursos e serviços educacionais far em recrudescimento da rejeição já existente nas escolas e especializados, dirigidos apenas à população escolar que apresente solicitações que ensino comum não tem conseguido contemplar Neste texto, a expressão "alunos com necessidades educacionais especiais" é (podendo ser ofertada no âmbito do ensino regular ou em outros para designar pessoas com deficiência (mental, auditiva, visual, e superdotação altas habilidades ou condutas típicas, tal como espe- locais exclusivos para essa população). Neste último caso, a educa- no documento Nacional de Educação Especial ção especial é marcada pela "ideia de uma educação diferente e di- que em seu processo de educação escolar, atendimento edu- rigida a um grupo de sujeitos específicos"; a compreensão anterior especializado, que pode se concretizar em intervenções para lhes ga- é marcada pela "ideia de uma ação ou conjunto de ações e servi- acessibilidade de comunicação e de sinalização, adequações dirigidos a todos os sujeitos que deles necessitem, em contex- curriculares e administrativas, bem como materiais e tos normalizados" 69). equipamentos específicos ou adaptados. 34 35VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS em maior dificuldade de estudarem junto com os outros responsabilizado por esse tipo de atendimento. Nesse sentido, para Nesse caso, eles podem ter acesso à escola, ou nela permanecer, Sousa e Prieto (2002, p. 123), "tem-se previsto na edu- apenas para atender a uma exigência legal, sem que isso signifique cação referindo-se a condições que possam ser necessárias a alguns reconhecimento de sua igualdade de direitos. alunos para que se viabilize cumprimento do direito de todos à Uma das tarefas é identificar constantemente as intervenções educação". O que se tem como objetivo precípuo, portanto, é a e as ações desencadeadas aprimoradas para que a escola se- defesa da educação escolar para todos como um princípio. ja um espaço de aprendizagem para todos os Isso exigirá É mister salientar que mudanças na educação brasileira, nessa novas elaborações no âmbito dos projetos escolares, visando ao perspectiva, dependem de um conjunto de ações em nível de sis- aprimoramento de sua proposta dos procedimentos tema de ensino que tem de se movimentar a fim de garantir que avaliativos institucionais e da aprendizagem dos alunos. É impor- todas as unidades que compõem ultrapassem patamar em que tante ainda uma atenção especial ao modo como se estabelecem se encontram. É inegável valor das ações que se tornam exem- as relações entre alunos e professores, além da constituição de es- plares, mas certamente isso não garante sua generalização para paços privilegiados para a formação dos profissionais da educação, sistema de ensino, que resultará em desigualdade na oferta de para que venham a ser agentes corresponsáveis desse processo. mesmas condições de qualidade para todos os alunos residentes na Afora ações para garantir que as escolas se constituam em es- circunscrição de cada escola. paços de aprendizagem para todos os alunos, na CF 88 (art. 205, Se os princípios da educação inclusiva vêm se fortalecendo inc. III) está previsto que Estado deve garantir atendimento desde meados da década de 1990, na prática é modelo da inte- educacional especializado aos educandos com necessidades edu- gração escolar que ainda predomina. cacionais especiais (Res. 2/01), preferencialmente na rede regu- No Brasil, nas décadas de 1960 e 1970, foram estruturadas lar de ensino. propostas de atendimento educacional para pessoas com deficiên- No Brasil, tradicionalmente, é a educação especial que tem se cia (população focalizada na época) com a pretensão de que elas estivessem O mais próximo possível aos demais Na época, 3. No plano legal, a definição mais atual para educação especial é localizada no movimentos sociais internacionais e nacionais de e para pessoas art. da Res. 2/01: "Modalidade de educação escolar: entende-se um proces- nessa condição reivindicavam seu direito a ter acesso aos bens e so educacional definido por uma proposta pedagógica que assegure recursos e serviços sociais disponíveis para os demais segmentos da socieda- serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apolar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacio- um deles a classe comum. nais de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvol- A integração escolar tinha como objetivo "ajudar pessoas com vimento das potencialidades dos que apresentam necessidades edu- deficiência a obter uma existência tão próxima ao normal possi- cacionais especiais, em todas as etapas e modalidades da educação elas disponibilizando padrões e condições de vida cotidiana 36 37VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO PONTOS E CONTRAPONTOS próximas às normas padrões da sociedade" American a fim de ocupar a classe comum logo Com essas National Association of Rehabilition Connseling, 1973 apud indicações, e alertando para a existência de diferenças entre esses Aranha, p. 167). autores, estavam previstos para seu atendimento: classe comum; Sua efetivação podia se dar pela oferta de um continuum de ser- classe especial; escola especial; e o atendimento em ambiente do- viços que pudesse garantir ao aluno com deficiência direito de miciliar e/ou hospitalar. estar em espaços sociais (dentre eles a escola) que aumentassem Assim, no que se refere à escolarização de pessoas com defi- sua proximidade com os demais alunos e pessoas (dimensão ciência, uma das alternativas indicadas é a classe comum, cuja ma- podendo usufruir os mesmos recursos educacionais dispo- tricula nesse modelo está condicionada ao tipo de limitação que níveis no sistema de ensino, incluindo a classe comum (dimensão o aluno apresenta, ficando mais distante desse espaço escolar funcional), com a intenção de potencializar suas possibilidades de quem menos se ajusta às suas normas disciplinares ou de organi- interagir socialmente (dimensão social). A integração social, de- zação administrativa e pedagógica. Esses são dois dos critérios corrente do cumprimento a essa última dimensão, envolve questionados pela proposta de inclusão escolar: acesso condicio- nal de alguns alunos à classe comum e a manutenção das escolas a interação, mediante a comunicação, a assimilação, pela partici- no seu atual molde de funcionamento, na expectativa de que os pação ativa e reconhecida do excepcional como elemento do alunos a ela se adaptem. grupo de crianças "normais" e, finalmente, a aceitação, refletida Um breve comentário sobre a implantação da integração es- na aprovação da criança excepcional como elemento participan- colar no Brasil é necessário, uma vez que críticas indiscriminadas te e aceito no grupo, mediante relações regulares espontâneas foram lançadas diretamente a alguns tipos de serviços, particular- que fazem com que excepcional se sinta parte natural do gru- mente às classes especiais direcionadas a alunos com deficiência po. (Mazzotta, 1989, pp. 43-4, grifos do autor) Essas críticas muitas vezes não evidenciam que a implan- tação desse modelo integracionista não respeitou as suas próprias O de serviços, idealizado nas décadas de 1960 e 70, indicações: não foi oferecido referido conjunto de serviços de foi denominado por Reynolds (1962) como "hierarquia de servi- maneira a garantir que encaminhamento respeitasse as caracte- modelo de educação por Deno (1970) como "sis- individuais e as necessidades das pessoas; encaminha- tema de cascata dos serviços de educação especial" e por Dunn mento para a educação especial não se justificava pela necessida- (1973) como "modelo da pirâmide invertida" PP- 45 de do aluno, e sim por este ser rejeitado na classe comum: não 47). Propõe-se nesse modelo que os alunos sejam atendidos em foram seguidos os princípios de transitoriedade, ou seja, de per- suas necessidades segundo duas orientações: encaminhá-los para manência do aluno em ambientes exclusivos de educação espe- recursos especializados "somente quando necessário"; e por tempo determinado. 38 39VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS que constatamos como herança desse modelo, da forma co- para condenar práticas da educação especial, sem contudo ressaltar mo foi implantado, é a permanência do aluno em instituições es- que sua trajetória reflete em alto grau a marginalização a que foi pecializadas e classes especiais, pelo tempo em que esteve vincu- submetida pelas políticas educacionais, que a fez constituir-se lado a algum também como alternativa com o poder de reiterar isolamento Com vistas a se contrapor ao referido modelo, o objetivo na social daqueles em atendimento por essa modalidade de ensino. inclusão escolar é tornar reconhecida e valorizada a diversidade Tem ainda aparecido como a grande responsável quase que como condição humana favorecedora da aprendizagem. Nesse isoladamente pela perpetuação de fortes mecanismos de resistên- caso, as limitações dos sujeitos devem ser consideradas apenas co- cia à escolarização de todos em escolas regulares. O que se pode mo uma informação sobre eles que, assim, não pode ser despre- denunciar, com certa garantia de que seja posição consensual, é zada na elaboração dos planejamentos de ensino. A ênfase deve descaso com que muitos de nossos governantes ainda tratam a recair sobre a identificação de suas possibilidades, culminando educação de pessoas com necessidades educacionais com a construção de alternativas para garantir condições favorá- A tradução para escolar, não raras vezes, tem se res- veis à sua autonomia escolar e social, enfim, para que se tornem tringido no âmbito das práticas, como já assinalado, à garantia da cidadãos de iguais direitos. oferta de vagas para alunos com necessidades educacionais espe- A educação inclusiva tem sido caracterizada como um "novo ciais em classes comuns. A meu ver, essa distorção conceitual é que se constitui pelo apreço à diversidade como con- que tem se configurado, de fato, como um dos principais obstá- dição a ser valorizada, pois é benéfica à escolarização de todas as culos à concretização da tão conclamada educação para pessoas, pelo respeito aos diferentes ritmos de aprendizagem e pe- De acordo com as mais recentes normatizações para a educa- la proposição de outras práticas pedagógicas, o que exige ruptura ção especial (Res. 2/01), a opção brasileira é por manter os servi- com instituído na sociedade e, consequentemente, nos sistemas em caráter extraordinário e transitório. Há que de ensino. A ideia de ruptura é rotineiramente empregada em contraposição à ideia de continuidade e tida como expressão do A LDB 96 estabelece duas categorias de atendimento educacional especializa- novo, podendo causar deslumbramento a ponto de não ser ques- do, em escolas ou "serviços e "serviços de apoio espe- tionada e repetir-se como modelo que nada transforma. Por ou- cializado" na classe A Res. 2/01 assegura classes e escolas especiais e classes hospitalares e "atendimento em ambiente como tro lado, a ideia de ao ser associada ao que é professor especializado em educação especial, das lin- ultrapassado, pode ser maldita sem que suas virtudes sejam reco- guagens códigos aplicáveis, atuação de professores outros profissionais iti- nhecidas em seu devido contexto histórico e social. intra outros apoios necessários à aprendi- Quando objetivo é atendimento de alunos com necessida- à locomoção e à comunicação e salas de recursos como "serviços de des educacionais especiais, muito desse novo discurso tem servido apoio pedagógico especializado". 40 41VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS se ter cuidado para que, assim como proposta, a educação inclu- dos alunos, barreiras essas que sempre existirão porque haverá no- siva não se configure apenas em retomada de antigas propostas vos ingressantes, e mesmo os alunos já existentes sempre não realizadas na sua Pérez Gomes (2001, p. 22) con- desafios cujas respostas atuais podem não ser suficientes. tribui para esse debate declarando não estar claro se que nasce No âmbito particular de indicações para sua execução no pla- é uma negação superadora do velho ou uma radicalização de suas no das escolas, para Stainback e Stainback (1999, pp. 21-2), há três possibilidades não componentes práticos interdependentes no ensino inclusivo: Sem desprezar os embates atuais sobre educação inclusiva principalmente quanto à sua coexistência ou não com serviços O primeiro deles é a rede de apoio, componente organizacio- especializados para atendimento paralelo à classe comum a pro- nal, que envolve a coordenação de equipes e de indivíduos que posta de atender a alunos com necessidades educacionais especiais apoiam uns aos outros através de conexões formais e informais nessas classes implica atentar para mudanças no âmbito dos siste- grupos de serviço baseados na escola, grupos de serviço ba- mas de ensino, das unidades escolares, da prática de cada profissio- seados no distrito e parcerias com as agências nal da educação em suas diferentes dimensões e respeitando suas segundo componente é a consulta cooperativa e O trabalho em particularidades. Nesse sentido, alguns autores equipe, componente de procedimento, que envolve indivíduos de várias especialidades trabalhando juntos para planejar e imple- Vale sempre enfatizar que a inclusão de indivíduos com necessi- mentar programas para diferentes alunos em ambientes integra- dades educacionais especiais na rede regular de ensino con- dos. terceiro é a aprendizagem cooperativa, componente do siste apenas na sua permanência junto aos demais alunos, nem na ensino, que está relacionado à criação de uma atmosfera de negação dos serviços especializados que deles aprendizagem em sala de aula em que alunos com vários interes- Ao contrário, implica uma reorganização do sistema educacional, ses e habilidades podem atingir seu potencial. que acarreta a revisão de antigas concepções e paradigmas edu- cacionais na busca de se possibilitar o desenvolvimento cogniti- Ainda que na versão desses autores assim sejam apresentados vo, cultural e social desses alunos, respeitando suas diferenças e componentes da educação inclusiva, identifica-se muito de atendendo às suas (Glat e Nogueira, 2002, p. 26) uma visão ingênua representada por discursos mais situados no comum, que consideram que a educação inclusiva já acon- Essas considerações contribuem para melhor contornar os pois acreditam que acesso à classe regular de alunos com pressupostos que embasam a inclusão escolar, que deve ser carac- necessidades educacionais especiais é suficiente para caracterizá-la. terizada como um processo, à medida que as soluções vão sendo expressando uma visão pessimista ou descrente, consi- estruturadas para enfrentar as barreiras impostas à aprendizagem deram a educação inclusiva irrealizável, justificando que a edu- 42 43VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS cação não tem conseguido contemplar os ditos alunos normais, Tomando como referência os alunos com necessidades edu- que dirá "esses" Há os que, pautados no princípio trans- cacionais especiais, a tensão se evidencia pelo confronto de duas formador da escola e da sociedade, defendem a educação inclu- posições. De um lado estão os defensores da proposta de uma siva como um processo gradual de ampliação do atendimento de escola que se comprometa com atendimento de todos alunos com necessidades educacionais especiais nas classes os alunos, e, de outro, aqueles que compreendem que a igualda- muns, construído com e pela participação contínua e intensiva de de oportunidades pode ser traduzida inclusive pela diversida- de vários agentes e agências sociais para que esse fim seja alcan- de de opções de atendimento escolar, que pressupõe a exis- Esses propõem a manutenção dos recursos educacionais es- tência de recursos especializados para além daqueles de peciais em paralelo ao desenvolvimento de alternativas que pos- complementação, de suplementação e de apoio ou suporte à sua sam ir substituindo as formas atuais de atendimento de alunos permanência na classe comum. com necessidades educacionais Mas há ainda, ao me- Neste texto, educação inclusiva está colocada como compro- nos, uma quarta posição, a daqueles que consideram a possibili- misso que implica garantir a educação como di- dade de rupturas com instituído, propondo que, de imediato, reito de todos. É preciso frisar que "em uma democracia plena, uma única educação se responsabilize pela aprendizagem de to- quantidade é sinal de qualidade social e, se não se tem quanti- das as dade total atendida, não se pode falar em qualidade" (Cortella, Ainda marcando as divergências nas formas de conceber a 1988, p. 14). educação inclusiva, Mendes p. 70) considera que: Se tomarmos como referência a população com necessidades educacionais especiais, os indicadores de atendimento mostram No contexto da educação, termo inclusão atualmen- maior disparidade ainda entre proposto e atingido, que se- te, significados diversos. Para quem não deseja mudança, ele retratado posteriormente. Enfrentamos também a necessidade equivale ao que já existe. Para aqueles que desejam mais, ele sig- de definir os contornos de forma a não suscitar dúvidas em rela- nifica uma reorganização fundamental do sistema ção a pelo menos três dimensões envolvidas no atendimento à sob a bandeira da inclusão estão práticas e pressupostos população que requer atendimento educacional especializado: o bastante distintos, O que garante um consenso apenas aparente e conceito de educação especial, a população elegível para os servi- acomoda diferentes posições que, na prática, são extremamente de atendimento educacional especializado. do atendi- divergentes. mento escolar e os recursos e serviços educacionais especiais. Na LDB 96 e na Res. 2/01 a educação especial é definida co- mo uma modalidade de educação escolar. Em que pesem as con- 5. Um discurso comumente reproduzido cm escolas. troversias quanto aos sentidos que podem ser atribuídos ao termo 44 45VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS modalidade, em parte da literatura especializada e em documen- gânica específica, considerando que, por dificuldades cognitivas, tos produzidos pela Secretaria de Educação Especial do Minis- psicomotoras e de comportamento, alunos são frequentemente tério da Educação (Seesp/MEC), entendimento é de que os ser- negligenciados ou mesmo excluídos dos apoios viços de educação especial devem ser parte integrante do sistema educacional brasileiro, e sua oferta deve "garantir a educação es- preconizado nesse parecer embasou a elaboração do art. colar e promover desenvolvimento das potencialidades dos da Res. 2/01, cuja redação Mendes considera que "permite educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, interpretar que houve uma tentativa tanto de ampliação da po- em todas as etapas e modalidades da educação básica". (Brasil, pa- pulação que deve ser referida a partir de agora para ensino es- recer CNE/CEB n° 17 de Ferreira (1998), analisando ca- pecial quanto de abandonar as classificações categoriais tradi- pítulo V da LDB 96, considera que, tal como definida, a educação cionais da clientela da Educação Especial, provavelmente em especial está mais ligada à educação escolar e ao ensino público. virtude da adoção do conceito de 'necessidades educacionais Nessa mesma direção, na Res. 2/01 a educação especial é "um (p. 16). processo educacional definido por uma proposta pedagógica que Todavia é necessário destacar que, tal como apresentada, essa assegure recursos e serviços educacionais especiais". definição abre precedentes para que se continue a indicar alu- Enquanto na CF 88 a expressão de referência era "portadores no como responsável pelos problemas identificados no seu pro- de deficiência", os documentos posteriormente aprovados am- cesso de escolarização e ainda deixa aberta a possibilidade de se- pliam o alcance do dispositivo constitucional com uso da ex- rem encaminhados inadequadamente para serviços de educação pressão "necessidades educacionais especiais" (Ferreira, 1998). No especial. Por outro lado, é importante frisar que "são as necessi- parecer 17/01, está assim especificado: dades educacionais individuais, globalmente consideradas, con- frontadas com os serviços educacionais existentes na comunida- com a adoção do conceito de necessidades educacionais especiais, de, que devem subsidiar a definição da via ou dos recursos a afirma-se compromisso com uma nova abordagem, que tem serem utilizados para a educação de qualquer pessoa" (Mazzotta, mo horizonte a Dentro dessa visão, a ação da educação 1982, p. 18). especial amplia-se, passando a abranger não apenas as dificuldades Quanto ao locus do atendimento, a CF 88 e a LDB 96 adotam a de aprendizagem relacionadas a condições, disfunções, limitações e mesma perspectiva. Estabelecem que atendimento educacional deficiências, mas também aquelas não vinculadas a uma causa or- especializado e a educação especial, como respectivamente estão denominados nesses documentos, devem ser oferecidos "prefe- rencialmente na rede regular de ensino" (art. 208, inc. III e art. 58, 6. Doravante denominado parecer respectivamente). Contudo, segundo nos alerta Minto, "preferen- 46 47VALÉRIA AMORIM ARANTES INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS cialmente pode ser termo-chave para não cumprimento do ar- trizes da educacional brasileira a serem seguidas, é inegá- tigo, pois quem dá primazia a já tem arbitrada legalmente a porta vel que atendimento escolar de alunos com necessidades edu- de (p. 9, grifos do autor). cacionais especiais deve ser universalizado, que os sistemas de en- Para a implantação do referido atendimento educacional espe- sino precisam responder melhor às demandas de aprendizagem cializado, a LDB 96 prevê serviços especializados e serviços de desses alunos, que aos professores deve ser garantida formação apoio especializados (art. 58) e a Res. 2/01 assegura "recursos e continuada, entre outras serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente Para dar continuidade ao debate desse tema, próximo item para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, subs- busca trazer à tona dados sobre atendimento escolar dessa po- tituir os serviços educacionais (art. pulação no Brasil. No detalhamento dessa proposta, no art. inc. IV e V dessa re- solução, estão previstos como serviços de apoio especializados: pro- fessor especializado em educação especial, As condições de atendimento escolar das linguagens e códigos, professores e outros profissionais itine- para os estudantes com necessidades rantes, outros apoios à locomoção e à comunicação e salas de re- educacionais especiais no Brasil cursos. Nos artigos 10 e 13, como serviços especializados para uma população que demanda "ajudas e apoios intensos e conti- inegável a expansão no Brasil das matrículas iniciais no ensino nuos" ou "alunos impossibilitados de frequentar as aulas em razão fundamental, sobretudo a partir da década de 1990, e, com esse de tratamento de saúde" são asseguradas classes especiais, escolas avanço, centro das preocupações governamentais passou a ser a especiais, classes hospitalares e atendimento em ambiente domici- garantia da qualidade do ensino, já que os resultados de avaliações liar. Embora esse atendimento deva ser oferecido em caráter ex- mostrado que a aprendizagem dos alunos está aquém do es- traordinário e/ou transitório, a previsão de sua oferta contraria al- perado. Além disso, ainda há violação do direito de acesso à edu- gumas tendências "modernas" pois, tal como estabelecido, as cação, pois muitas crianças e jovens ainda estão fora das escolas e os sistemas de ensino podem não somente manter, mas criar classes especiais ou escolas especiais, respectivamente. preciso pois cumprir com os objetivos estabelecidos na CF 88 Se as "imagens" da educação inclusiva, da educação para a educação, quais sejam: "erradicação do analfabetismo, bem como a população elegível para atendimento educacional especializado, os tipos de recursos educacionais especiais e locus ideias neste texto extraídas de artigos publicados por Pricto na Revista de atendimento escolar do referido alunado ainda suscitam acla- Undime (ano sem. 2002) e na Revista de Educação (Apeoesp, ramento conceitual para que não restem dúvidas quanto às dire- mar. 2003). 48 49VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS universalização do atendimento escolar, melhoria da qualidade Todavia não dispomos de informações sobre número de de ensino, formação para trabalho e promoção pessoas nessa condição que nunca tiveram acesso a nenhuma cientifica e tecnológica do dessas formas de atendimento. Por ora, os dados apresentados são suficientes para indicar quanto ainda estamos distantes dos Precisamos, entre outras providências, conhecer e saber fazer objetivos estabelecidos em 1988 para a educação brasileira. uso dos instrumentos viabilizadores do direito à educação, esta- A política educacional brasileira tem deslocado progressiva- belecidos pela CF 88: mandado de segurança coletivo, man- mente para os municípios parte da responsabilidade administrati- dado de injunção e a ação civil pública. Sobre esse assunto, financeira e pedagógica pelo acesso e permanência de alunos Oliveira (2001, p. 33) analisa que com necessidades educacionais especiais, em decorrência do pro- cesso de municipalização do ensino fundamental. Essa diretriz a própria declaração desse direito educação], pelo menos no tem provocado alguns impactos no atendimento desse alunado. que diz respeito à gratuidade, constava já na Constituição Algumas prefeituras criaram formas de atendimento educacional Imperial. O que se aperfeiçoou, para além de uma maior preci- especializado, outras ampliaram ou mantiveram seus auxílios e são jurídica evidenciada pela redação foram os mecanismos serviços especiais de algumas estão apenas matriculando capazes de garantir, em termos práticos, os direitos anteriormen- esses alunos em suas redes de ensino e há ainda as que desativa- te enunciados, estes, sim, verdadeiramente ram alguns serviços prestados, como, por exemplo, a oferta de programas de transporte adaptado. Para autor, "as modernas sociedades democráticas encerram, Ressalte-se, contudo, que alguns estudos, finalizados ou em portanto, uma contradição entre ter de declarar direitos a todos e têm indicado que a tendência dos municípios bra- a resistência social à sua (ibidem, p. 42). sileiros é pela organização de auxílios especiais, sob diferentes de- Nesse sentido, se tomarmos particularmente segmento da nominações e com estrutura e funcionamento Além sociedade genericamente designado como pessoas com necessi- disso, a perspectiva anunciada nos documentos de muitos muni- dades educacionais especiais, pelos dados oficiais apresentados em 2004, a matrícula desse alunado nas classes comuns das es- colas regulares representava enquanto 65,6% estavam Mazzotta (1982, p. 42) emprega a expressão "recursos educacionais especiais" matriculados em escolas e classes especiais (Brasil, para abranger o que denomina de aqueles proporcionados 2004). Quanto ao caráter público ou privado desse atendimen- no ambiente ou regular de ensino, e de "serviços os desen- volvidos em situações mais restritivas ou segregadas. to, do total de matrículas, 57% correspondiam a escolas públicas Prieto (2000); Sousa Prieto (1999); Prieto e Sousa (2004); Prieto et (2002- e 43% a escolas privadas. Prieto et al. (2004). 50 51VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS cípios, principalmente desde meados da década de 1990, é de progressiva do número de matrículas foi a esfera municipal, re- atender aos princípios da educação inclusiva. velando crescimento de seguida da rede particular, cu- Isso deveria, em tese, impor mudanças nas políticas educa- jo aumento foi de cionais para que a estrutura e a organização administrativo-pe- Pelo Censo escolar de total de matrículas da educa- dagógica das escolas pudessem construir propostas que favore- especial era de 566.753, sendo 243.495 em escolas privadas cessem a aprendizagem e desenvolvimento de toda a sua e 323.258 em públicas, assim distribuídas: 849 em escolas fede- demanda escolar. rais, 142.085 em estaduais e, novamente predominando, nas es- Os dados divulgados pelo MEC/Inep, sobre as matri- colas municipais 180.324. culas de alunos com necessidades educacionais especiais indicam A fim de melhor mapear os possíveis significados do cômpu- que entre 1988 e 1998 houve retração na esfera federal da ordem to oficial de 2004, focalizando aspectos mais específicos, desta- de 65,5%; na esfera estadual, apesar de número absoluto de ma- ca-se que 371.383 desses alunos estão matriculados em escolas trículas ter aumentado de 82.770 em 1988, para 115.424 em especiais divididas em públicas (136.711) e privadas (234.672), o atendimento em relação às outras esferas representava equivalendo, estas últimas, a 63,2% do total e 195.370 em es- 49,8% em 1988 e 34,2% em 1998. colas comuns, com acentuada vantagem para as públicas: 186.547 A evolução das matrículas na educação especial, em serviços que equivale a 95,4% do total para 8.823 em esco- especializados, registrados nos Censos escolares de 1998 e de las privadas (4,6%). 2002, revela que, em 1998, atendimento era prestado a Dessa forma, no Brasil, atendimento educacional especiali- 293.403 alunos, sendo 155.879 matriculados na rede privada e zado era, em 2004, desenvolvido na proporção de 1/3 para os demais nas redes públicas (estaduais 91.959; municipais referindo-se a escolas comuns públicas e a escolas exclusivamen- 44.693; federais 872). especializadas ou em classes especiais, respectivamente. Em 2002, das 338.081 matrículas em escolas exclusivamente Considerando que discurso governamental e a legislação especializadas ou em classes especiais, 203.367 referem-se a ma- educacional brasileira vêm reforçando propósito de atender a trículas em estabelecimentos privados; as outras estavam em es- alunos com necessidades educacionais especiais, preferencial- colas públicas estaduais; 57.164 municipais; 788 fede- mente na rede regular de ensino, em classes comuns, que jus- rais). Nesse período, a maior responsável pela ampliação essa ampliação das matrículas também na rede privada? Seria a demonstração do descompasso entre O discurso pela in- 10. Dados obtidos no site mais especificamente os divulgados e, mais recentemente, pela inclusão escolar, e as ações pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais acessado governamentais? Ou O setor privado se configura, na maioria das em novembro de 2002. como alternativa única quando aluno apresenta limita- 52 53VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS ções mais acentuadas, requerendo recursos e serviços mais espe- sendo garantido, além do acesso à escola, acesso à educação, aqui cíficos e não disponíveis regularmente nas escolas públicas? Essas compreendida como "processo de desenvolvimento da capacidade são apenas algumas das perguntas que continuam sem resposta. fisica, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, vi- Caracterizar e analisar as justificativas para tal resultado é tarefa sando à sua melhor integração individual e para as esferas públicas. Informações preciosas não estão disponíveis. O registro por ti- Ademais, a base de dados divulgada não registra informações po de necessidade educacional especial as categoriza em: visual, sobre matrículas no ensino superior, mas revela que atendimen- auditiva, mental, múltipla, altas habilidades/superdotados, to está centrado na educação infantil (109.596 que cor- condutas típicas e outras. No entanto, assim expressas, continua- respondem a 19,3% do total) e no ensino fundamental (365.359, mos sem saber qual a natureza de sua necessidade educacional, ou 64,4%). Há na EJA (Educação de Jovens e Adultos) e na edu- tampouco se é especial, ou seja, se demandaria organização de cação profissional pouco mais de 41.500 matrículas em cada uma ações específicas para que possa ser atendida. Quanto ao apoio dessas modalidades; no ensino médio, as matrículas equivaliam a pedagógico oferecido a alguns desses alunos matriculados nas com apenas 8.381 alunos nesse nível de ensino. classes comuns, não há declaração sobre o tipo de apoio, sua fre- Em sintese, a matrícula inicial na classe comum evoluiu de quência, que profissionais prestam esse atendimento e qual sua 1998 a 2002 em Passamos de um total de 43.923 formação, por exemplo, divulgados em publicações oficiais atuais. culas, em 1998, para 110.536, em 2002. Já em 2003, em dados Além da importância que assume a obtenção desses dados pa- aproximados, havia 144.100 alunos com necessidades educacio- a elaboração do planejamento do atendimento aos que apre- nais especiais nas referidas classes; e, em 2004, 184.800, eviden- sentam necessidades educacionais especiais e para avaliação das ciando crescimento anual de 28,1% entre esses dois últimos ações implantadas, esses também são essenciais para que se possa Cabe registrar que há ausência de dados sobre quantas pessoas caracterizar a distância entre a política proposta e a implantada no Brasil apresentam de fato necessidades educacionais no Brasil. Deixa-se em aberto a possibilidade de sabermos que patamar de Uma ação que deve marcar as políticas públicas de educação atendimento foi atingido, pois para isso precisaríamos ter dados so- formação dos profissionais da educação. No próximo item bre os que estão fora da escola, portanto sem nenhum tipo de deste texto esse tema será abordado tendo como referência atendimento escolar. Todavia, dados quantitativos, tal como os aqui atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais apresentados, exigem acréscimo de outros indicadores de qualida- no ensino regular. de, para que sejam acumulados elementos para aferir a oferta de condições adequadas de ensino. É um dever não cumprido averi- guar se, aos alunos com necessidades educacionais especiais, está Ferreira. Dicionário básico da lingua 1995. 54 55VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS Formação de profissionais da educação quando se trata da formação de um profissional que, para além para trabalhar com o atendimento de do domínio de habilidades exigidas para exercício profissional alunos com necessidades educacionais no ensino comum, deverá ter qualificação para concretizar especiais no sistema regular de pecial' da A expansão do acesso de alunos com necessidades educacio- nais às classes comuns, constatável principalmente des- A formação de profissionais da educação é tema de destacado va- de a última década do século XX, demanda investimentos de di- lor quando a perspectiva do sistema de ensino é garantir a matri- versas naturezas para também assegurar sua permanência, cula de todos os alunos no ensino regular, particularmente na compreendida como aprendizagem e Nesse classe comum. sentido, Xavier (2002, p. 19) considera que: Sem deixar de considerar que em educação atuam profissio- nais no âmbito técnico-administrativo e em outras funções, com A construção da competência do professor para responder com importante papel no desenvolvimento de ações educacionais, qualidade às necessidades educacionais especiais de seus alunos foco desse texto será a formação de professores, especialmente os em uma escola inclusiva, pela mediação da ética, responde à ne- das redes públicas de ensino, com ênfase no atendimento de alu- cessidade social e histórica de superação das práticas pedagógicas nos com necessidades educacionais especiais. que discriminam, segregam e excluem, e, ao mesmo tempo, con- Na LDB 96 são previstos "professores com especialização ade- figura, na ação educativa, vetor de transformação social para a quada em nível médio ou superior, para atendimento especiali- equidade, a solidariedade, a cidadania. zado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns" (art. 58, III). A formação continuada do professor deve ser um compromis- Destaque-se que essa lei admite formação em nível médio, con- so dos sistemas de ensino comprometidos com a qualidade do en- trariando a orientação geral para magistério, a qual tem esti- sino que, nessa perspectiva, devem assegurar que sejam aptos a mulado ou exigido a formação no ensino superior. Segundo elaborar e a implantar novas propostas e práticas de ensino para Sousa e Prieto (2002, p. 131), "tal constatação causa estranheza responder às características de seus alunos, incluindo aquelas evi- denciadas pelos alunos com necessidades educacionais especiais. 12. A referência deste item é artigo de Prieto, "Formação de professores para atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais: diretrizes nacionais para a educação básica e a educação (In: Políticas Mais especificamente, os dados censitários oficiais adotam essa denominação educação, tecnologias e com Shirley Silva e Marli Vizim para apresentar dados de matricula de alunos com deficiência, com condutas Campinas, Mercado das 2003). com altas habilidades ou 56 57VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS Assim, os professores devem ser capazes de analisar os domí- Contudo, conhecimento dos domínios teóricos e práticos nios de conhecimentos atuais dos alunos, as diferentes necessida- dos professores é essencial para subsidiar a formulação de politi- des demandadas nos seus processos de aprendizagem, bem como, cas para sua continuada formação pelos sistemas de ensino. Isso com base pelo menos nessas duas referências, elaborar atividades, impõe a necessidade de levantar informações sobre esses para, pe- criar ou adaptar materiais, além de prever formas de avaliar os alu- lo menos, identificar seu perfil acadêmico e sua experiência com nos para que as informações sirvam para retroalimentar seu pla- alunos que apresentam necessidades educacionais e nejamento e aprimorar o atendimento aos alunos. projetar formas de lhes prover esse conhecimento, aproximando Um dos âmbitos que explicitam as orientações para a forma- conteúdo da formação às suas expectativas e necessidades. ção continuada de professores está no plano do legal- Ainda é preciso conjugar os objetivos maiores para a educação mente. Dessa maneira, analisaremos as diretrizes nacionais para a naquele sistema de ensino ao que se pretende oferecer enquanto formação continuada de professores para atendimento de alu- conteúdo nos programas de formação, visando a que as mudan- nos com necessidades educacionais especiais nas classes sejam refletidas pelo conjunto dos professores e acompanha- Os documentos de referência serão: a lei n° 10.172, de 9 de janei- das de sustentação e não impostas à sua revelia. de 2001, que apresenta Plano Nacional de Educação (PNE 01), Não há como mudar práticas de professores sem que os mesmos e a resolução n° 2 do CNE/Câmara de Educação Básica (CEB), de tenham consciência de suas razões e benefícios, tanto para os alu- 11 de setembro de 2001, que institui as Diretrizes Nacionais para a nos, para a escola e para sistema de ensino quanto para seu de- Educação Especial na Educação senvolvimento profissional. Os conhecimentos sobre ensino de alunos com necessidades educacionais especiais não podem ser de domínio apenas de al- 14. Outra definição dessa expressão, mais recente, é apresentada no art. da Res. guns "especialistas", e sim apropriados pelo maior número possi- 2/01 em que "consideram-se educandos com necessidades educacionais espe- vel de profissionais da educação, idealmente por todos. Todavia, se ciais os durante o processo educacional, considerarmos que atendimento do referido alunado em clas- I dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de de- ses comuns é a determinação privilegiada nos últimos anos, po- senvolvimento que acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos: demos afirmar que ainda há muitos professores dos sistemas de a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica ensino com pouca familiaridade teórica e prática sobre b) aquelas relacionadas a limitações ou to. Muitos deles, quando completaram seus estudos para exer- - dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alu- cício do magistério, não tiveram acesso a esses conhecimentos, nos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis; que era tratado em estudos complementares realizados no geral altas grande facilidade de aprendizagem que os em habilitações do curso de pedagogia. leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes". 59 58VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS CONTRAPONTOS Para Glat e Nogueira (2002, p. 25), se a pretensão é "garantir central é a associação da socialização como algo que acontece educação para todos, independentemente de suas pelo simples fato de pessoas fazerem uso do mesmo espaço, no deve-se asseverar caso escolar. Isso pode estar referendando pressuposto de que não devam ser intencionalmente desenvolvidas atividades a oferta de uma formação que possibilite aos professores analisar, que potencializem convívio e a aceitação mútua entre alunos acompanhar e contribuir para aprimoramento dos processos e professores. Ao reunir pessoas de diferentes origens socioeco regulares de escolarização, no sentido de que possam dar conta nômicas, culturais, religiosas e com características individuais di- das mais diversas diferenças existentes entre seus versas, a escola e seus professores têm de planejar atividades fa- vorecedoras da socialização, pensando-a como "processo de Uma das competências previstas para os professores maneja- adaptação de indivíduo a um grupo social e, em particular, rem suas classes é considerar as diferenças individuais dos alunos de uma criança à vida em e suas implicações pedagógicas como condição indispensável pa- Em a elaboração de políticas de formação de professo- ra a elaboração do planejamento e para a implantação de propos- além de considerar essas indicações, também conta com algu- tas de ensino e de avaliação da aprendizagem, condizentes e res- mas orientações legais que a seguir serão resgatadas. ponsivas às suas Uma delas, apresentada no item "Diretrizes" do PNE 01, esta- Todo plano de formação deve servir para que os professores se belece como prioridade a formação de tornem aptos ao ensino de toda a demanda escolar. Dessa forma, seu conhecimento deve ultrapassar a aceitação de que a classe co- recursos humanos com capacidade de oferecer o atendimento mum é, para os alunos com necessidades educacionais especiais, aos educandos especiais nas creches, pré-escolas, centros de edu- um mero espaço de socialização. cação infantil, escolas regulares de ensino médio e 1° O primeiro que pode estar associado a essa ideia é superior, bem como em instituições especializadas e outras insti- de que alguns à escola para aprender e outros unicamente pa- ra se socializar. Escola é espaço de aprendizagem para todos! Na escola, muitas vezes são associados diferentes valores à Com propósito de atingir esse fim, nos "Objetivos e metas" socialização e à instrução. Assim, são priorizados os conheci- do PNE 01 constam: mentos de determinadas áreas, fundamentalmente a de mate- 2. Generalizar, em cinco anos, como parte dos programas de for- mática e a de língua portuguesa, em detrimento de compor mação em serviço, a oferta de cursos sobre o atendimento bási- currículo com outros campos do conhecimento ou exploran- do atividades mais diversificadas. Entretanto, uma preocupação Ferreira. Dicionário básico da lingua 1995. 60 61VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) ESCOLAR: PONTOS CONTRAPONTOS a educandos especiais, para os professores em exercício na tem dúvidas sobre as competências delegadas a cada instância do educação infantil e no ensino fundamental, utilizando inclusive a sistema de ensino. TV Escola e outros programas de educação a Reiterando dispositivo da LDB 96, a Res. 2/01 (art. 18) define que professores para serem considerados capacitados a atender 16. Assegurar a no projeto pedagógico das unidades es- alunos com necessidades educacionais especiais na classe comum colares, do atendimento às necessidades educacionais especiais de devem comprovar "que, em sua formação, de nível médio ou su- seus alunos, definindo os recursos disponíveis e oferecendo for- perior, foram incluídos conteúdos sobre educação especial". Para mação em serviço aos professores em exercício. evitar que a responsabilidade pela capacitação recaia sobre os pro- fessores, não seria mais adequado que a redação desse dispositivo Além dos riscos encontrados na não implantação do previsse que "os professores devem ser capacitados pelos respecti- do legalmente, deve-se evitar que a formação em serviço, tal co- vos sistemas públicos de ensino aos quais estão afiliados ou pela mo denominada nessa lei, se restrinja à modalidade de ensino a parceria dos mesmos com instituições formadoras de professo- distância pois, como as barreiras psicossociais podem se constituir res"? (Prieto, 2003). Para Glat e Nogueira, em impedimentos cruciais ao acesso e à permanência dos alunos com necessidades educacionais especiais, é salutar questionar se As políticas públicas para a inclusão devem ser concretizadas na mudanças de atitudes e valores dos professores, bem como de sua forma de programas de capacitação e acompanhamento percepção da representação social dessas pessoas, podem ser en- nuo, que orientem trabalho docente na perspectiva da dimi- frentadas por programas não presenciais. nuição gradativa da exclusão escolar, que visa a beneficiar não No mais, item 16 tem redação dúbia, em que tanto se pode apenas os alunos com necessidades especiais, mas, de uma forma interpretar que é função da escola a oferta de formação em ser- geral, a educação escolar como um (2002, p. 27) viço aos professores em exercício quanto (ou também) que nos horários de trabalho coletivo previstos em certas jornadas de pro- Retomando o documento, a referida formação deve garantir fessores um tema seja O atendimento de alunos com necessidades desenvolvimento de competências e valores para: educacionais especiais. Esses questionamentos indicam que, de fato, esse documento perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos e precisa ser retomado e, à luz de contribuições dos profissionais da valorizar a educação inclusiva; educação, revisto para melhor expressar os compromissos dos flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas de conhe- professores, dos demais profissionais, dos gestores das escolas e cimento de modo adequado às necessidades especiais de apren- dos do sistema de ensino, entre outros; enfim, para que não res dizagem; 63 62VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO PONTOS CONTRAPONTOS III - avaliar continuamente a eficácia do processo educativo pa- pela mera redução de conteúdos. Afinal, prático e instru- ra atendimento de necessidades educacionais especiais; mental significa exatamente quê? Enfim, cada uma das registra- IV atuar em equipe, inclusive com professores especializados das indicações precisa ser definida pelos sistemas de ensino para em educação especial. (Brasil, Res. 2/01, § 2°) que os projetos de suas escolas possam contemplá-la, e seus professores, nas classes, tenham compreensão de seu desdo- Essas indicações, no entanto, precisam ser ampla e profunda- bramento no cotidiano de sua intervenção pedagógica. mente debatidas, além de sustentadas por referenciais teóricos es- Cabe ressaltar que conjunto de questionamentos e ideias pecíficos, pois necessitam de tradução para uma linguagem que apresentadas neste item do texto reflete algumas das inquieta- mostre suas diferentes possibilidades de implantação. Somente pa- ções que podem advir da análise das normatizações em vigên- ra registrar algumas inquietações, que práticas de ensino podem cia para a educação brasileira. Essas por permiti- garantir a percepção das necessidades dos alunos? Qual compreen- rem, tal como estão elaboradas, diferentes desdobramentos na são de educação inclusiva está sendo adotada e, consequentemen- sua implantação, indicam a necessidade de ampliarmos deba- te, pode ser valorizada pelos professores? De que formas, em su- te e investirmos em produções de registros que avaliem atual a flexibilização da ação pedagógica pode ser interpretada? perfil das políticas públicas de atendimento a alunos com neces- Se recorrermos ao art. dessa resolução, cujo teor está abai- sidades educacionais especiais. Precisamos de mais estudos sobre XO registrado, teremos outras tantas definições a serem construí- os impactos das ações no âmbito dos sistemas de ensino, e que das em nível dos sistemas de ensino. estes orientem também os programas de formação continuada de professores. As escolas da rede regular de ensino devem prever e prover na or- ganização de suas classes comuns: III - flexibilizações e adaptações curriculares que considerem o Considerações finais significado prático e instrumental dos conteúdos básicos, metodo- logias de ensino e recursos didáticos diferenciados e processos de Uma das constatações possíveis neste momento da é que avaliação adequados ao desenvolvimento de alunos que apresen- nossas tarefas ainda são inúmeras, mas devemos identificar priori- tam necessidades educacionais especiais, cm consonância com dades, denunciar ações reprodutoras de iguais atitudes sociais pa- projeto pedagógico da escola, respeitada a frequência obrigatória. com essas pessoas, acompanhar ações do poder público em educação, cobrar compromissos firmados pelos governantes em Uma das definições deve ser alcançada pelos significados atri- campanhas eleitorais e em seus planos de governo, além de buídos às adaptações curriculares, que não podem se concretizar ampliar e sedimentar espaços de participação coletiva e juntar for- 64 65VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS ças para resistir e avançar na construção de uma sociedade justa, bido como educação. Por outro lado, há sistemas de ensino que cujos valores humanos predominem sobre os de mercado. têm se apropriado da "bandeira" denominada "educação inclusi- Tomando como base os indicadores de qualidade de vida da va", associando a essa expressão a ruptura com mecanismos sociais população nas últimas décadas e as consequências da adoção da e escolares que vêm expulsando ou impedindo a entrada de alu- agenda econômica neoliberal em países com características como nos que não se enquadram nos padrões de normalidade constitui- as do com elevadíssima desigualdade social, O discurso em dos socialmente, bem como na estrutura e na organização física, prol de uma escola que acolha a todos parece caminhar na con- administrativa e pedagógica das tramão do que vem sendo instituído, ou seja, preconizamos a in- A distorção de sentido de uma bandeira defendida há anos, a clusão escolar como componente da inclusão social num contex- educação como direito de todos, pode dificultar a compreensão to histórico e social em que estamos constantemente ameaçados do significado, das implicações e das responsabilidades de todos pela expansão da exclusão econômica e social. em relação à efetivação da educação inclusiva. Em que pesem as divergências nos discursos e nas propostas, A mera matrícula de alunos com necessidades educacionais para alcançarmos a tão conclamada qualidade de ensino, também especiais pode acentuar a resistência de alguns profissionais da pela universalização do acesso à educação e pela democratização educação e não contribuir para que os sistemas de ensino e suas do conhecimento, deve-se exigir a revisão do papel do Estado, ga- escolas se constituam também em espaços para a educação para rantindo que assuma como prioridade a administração e finan- esses alunos em classes Além disso, assim interpretada, ciamento de políticas sociais, particularmente as de educação. desconsidera a história da educação especial no Brasil retratada que se deve evitar é descompromisso do poder público por vários autores (Januzzi, 1992, 2004; Mazzotta, 1996; Bueno, com a educação e que a inclusão escolar acabe sendo traduzida 1993), que há muito mobilizam esforços para que esse alunado mo mero ingresso de alunos com necessidades educacionais espe- possa estar em classes comuns, com suas necessidades educacio- ciais nas classes risco é que, dizendo-se norteado pelo nais supridas. atendimento à normativa que confere direito de todos à educação, O anúncio de que a denominada "educação de excepcionais" poder público não promova o atendimento às demandas escola- deveria enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de inte- res de alguns alunos, negando-lhes que de fato pode ser conce- grá-los na comunidade, data da década de 1960 (LDB 4.024 de 1961, título X, art. 88). Todavia foi também a partir dessa mesma que houve uma expansão mais expressiva de serviços de 16. No início da década de 1990, o Brasil adotou uma agenda com políticas de especializados paralelos ao ensino regular, de cunho ajuste econômico, cuja consequência tem sido a contenção de gastos com líticas públicas de cunho incluindo a não aplicação de verbas em edu filantrópico e nem sempre de caráter educacional. Convivemos cação em proporção suficiente para garantir qualidade de desde então com ensino traduzido pela dicotomia comum e es- 66 67VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO PONTOS E CONTRAPONTOS sem que tenhamos condições de aliviar as tensões dai de- a reiteração do princípio do atendimento dos alunos com neces- correntes. Esse confronto tem se evidenciado com mais peso sidades educacionais especiais na rede regular de ensino, pela pre- depois que se intensificaram os debates acerca do direito de os servação do de recursos especiais, tanto os de apoio alunos com necessidades educacionais especiais terem sua escola- quanto os especializados. Dois grandes desafios de imediato estão colocados para os siste- ridade processada em classes Um enfrentamento é na redefinição dos fins da educação es- mas de ensino e para a sociedade brasileira: fazer que os direitos ul- pecial, cujo perfil dos atendimentos deve assegurar, principalmen- trapassem plano do meramente instituído legalmente e construir te, que a escolarização dos alunos com necessidades educacionais respostas educacionais que atendam às necessidades dos alunos. especiais seja como a dos demais alunos. Assim, é preciso atentar As mudanças a ser implantadas devem ser assumidas como para que seus profissionais sejam capacitados para atuar no siste- parte da responsabilidade tanto da sociedade civil quanto dos re- ma regular de ensino junto às escolas, uma prática que eles não presentantes do poder público, pois se, por um lado, garantir carregam como herança e, portanto, tem de ser objeto de forma- educação de qualidade para todos implica somar atuações de vá- ção continuada, prevendo que sua intervenção, no âmbito das es- rias instâncias, setores e agentes sociais, por outro, seus resulta- colas, esteja assentada em práticas de ensino a serem desenvolvi- dos poderão ser desfrutados por todos, já que a educação esco- das com esses alunos em turmas do ensino regular. Ainda entre lar pode propiciar meios que possibilitem transformações na outras possíveis atribuições, precisam reorientar seu conhecimen- busca da melhoria da qualidade de vida da população. E isso é de interesse de todos! to e sua prática para atuar em cargos administrativos em diversos órgãos dos sistemas públicos de ensino, a fim de construir politi- cas de educação para todos, além de realizar atividades de assesso- ria e acompanhamento de planejamento e de implantação de po- Referências bibliográficas líticas educacionais públicas que visem a atender com qualidade ARANHA, MARIA SALETE "Paradigmas da relação da socie- as demandas desses alunos. Sua formação deve a disseminação de conhe- dade com as pessoas com In: Revista do Ministério cimentos sobre pessoas com necessidades educacionais especiais, Público do Brasília, ano XI, 21, pp. 160-73, mar. 2001. pela elaboração de referenciais sobre a aprendi- Congresso Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988. zagem e O ensino dessa população e pela construção de Congresso Nacional. Lei de Diretrizes Bases da Educação ciais de ação político-administrativa com vistas a. de fato, garantir Nacional LDB n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. educação para todos. Diário Oficial da União de 23 de dezembro de 1996. Em pode-se constatar na legislação nacional após 1988 69 68VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação clusiva no Brasil". In: Revista Integração. Brasília: Ministério Básica. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial Educação da Educação/Secretaria de Educação Especial, ano 14, 24, Básica, Resolução CNE/CEB n° 2 de 11 de setembro de 2001. 2002. Brasília: Diário Oficial da União de 14 de setembro de 2001. JOSÉ ANTONIO Educação e diversidade: bases Ministério da Educação, Secretaria de Educação Es- didáticas e organizativas. Porto Alegre: 2001. pecial. Política Nacional de Educação Especial. 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(Doutorado) Faculdade de Educação, Universidade de São SANDRA MARIA ZÁKIA LIAN PRIETO, Paulo, São Paulo, SP. "Política de atendimento aos alunos com necessida- "Atendimento escolar de alunos com necessidades edu- des educacionais especiais da rede municipal de ensino de São cacionais especiais: indicadores para análise de políticas públi- Paulo, implementada a partir de 1993: caracterização e análise cas". In: Revista Undime, ano III, n° 1. Rio de Janeiro, semes- das SAPNES direcionadas ao portador de deficiência tre de 2002, pp. 5-14 Trabalho apresentado na 22 Reunião Anual da Associação de "Políticas públicas de inclusão: compromissos do poder Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), set. 1999. público, da escola e dos professores". In Revista de Educação, "A educação especial" In: OLIVEIRA, ROMUALDO POR- 16. São Paulo: Apeoesp, mar. 2003, pp. 5-14 e 23-8, TELA DE E THERESA (orgs.). 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"Políticas de inclusão escolar no Brasil: descrição e análise de sua implementação em municípios de diferentes re- giões" Anais da Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), 2004. E SOUSA, SANDRA MARIA ZÁKIA LIAN. "Educação espe- cial no município de São Paulo: acompanhamento da 72 73PARTE II Pontuando e contrapondo Maria Teresa Mantoan Gavioli PrietoRosângela: Professora Maria a leitura de seu texto susci- tou algumas questões das quais pretendo, nesta oportunidade, ob- ter maiores esclarecimentos por meio do espaço de diálogo pro- porcionado pelo formato desta obra Começo por sugerir que nos forneça mais elementos sobre caráter benéfico e moral- mente indiferente das desigualdades naturais, se possível inclusive situando-as primeiramente. Maria Teresa: As desigualdades naturais são benéficas porque re- velam as marcas de novos possíveis na nossa espécie. Elas nos livram da uniformidade e conferem aos seres humanos uma peculiaridade que nos distingue interna e externamente e de outros seres, por mais que eles se aproximem de todos nós, nas escalas biológicas de comparação. como membros dessa espécie, as condi- ções de julgar moralmente as desigualdades naturais, dado que elas são produzidas pelo agir da natureza, diante de uma inusitada com- posição de fatores intervenientes de criação, que ainda pretende- mos controlar (não estamos sendo clonados, por enquanto!). Já as desigualdades sociais são produzidas e decorrentes de fa- tores que envolvem diretamente controle e a interferência hu- mana e, portanto, passíveis de serem moralmente consideradas. 77VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS Sobre a desconstrução do modelo escolar que perpetua as desi- estão fincados em novos paradigmas educacionais e implicados gualdades sociais, como é este que temos hoje em todos os níveis nas ideias de autores tais como McLaren, de ensino, pensamos que é preciso agir mais rápido possível pa- Souza Santos, Freire, Bauman, Morin. Prigogine, Lyotard. A teo- ra reparar essas desigualdades, pois não são justas e geram situa- ria da equilibração piagetiana nos assegura a firmeza dessa recons- ções que devem ser revertidas, para bem de todos os alunos e trução e nos esclarece sobre papel da interação social como fon- da sociedade em geral. Se fato de ser negra e pobre, por exem- te de toda possibilidade de transformação mas sem plo, impede uma pessoa de ter acesso à escola e também de pros- retirar do sujeito a autoria de suas Esses e outros autores seguir seus estudos, há que existir justiça racial e social para rever- que nos propiciam a adoção de uma linha conceptual inclusiva de ter essa situação moralmente Por outro lado, ser educação também nos apoiam no delineamento do cenário esco- negro, em relação a pessoas de outras raças, reforça as variações lar inclusivo. A pedagogia freinetiana está entre as nossas referên- sobre um mesmo tema que a natureza é capaz de criar, com as cias pedagógicas, por ter como eixos trabalho, a cooperação, a notas de nossa espécie, não cabendo nenhuma regulação moral livre expressão e a autonomia. nessa capacidade infinita de composições Negamos agrupamento dos alunos em categorias educacio- nais, psicológicas e escalas de desenvolvimento atribuídas univer- Rosângela: Outra ideia presente em seu texto é a possibilidade salmente e entendemos que esses essencialismos não condizem colocada para a escola de "romper com o modelo educacional com um sistema cognitivo aberto e autorregulado pelo sujeito do Quais são os referenciais teóricos que sustentam essa Nesse novo ambiente educacional, as ambivalên- condição de ruptura com instituído socialmente e o valorizado cias, as ambiguidades, as diferenças, a multiplicidade não são mais culturalmente como padrão de funcionamento das instituições insuportáveis, negadas, desvalorizadas pelo primado da racionali- sociais? Isso não pressupõe a ausência de limites para a atuação dade moderna. "autônoma" da escola na busca de construção de um projeto que indique outras rotas educacionais? Rosângela: Quais são as "armadilhas" a ser enfrentadas na cons- trução de uma educação que valorize, respeite e incorpore a di- Maria Teresa: Para romper com o instituído na instituição es- versidade humana como ingrediente do processo de aprendiza- colar, caminhamos pelas trilhas das identidades móveis, pelos es- gem e que sustente a afirmação "combinar igualdade e diferenças tudos culturais e adotamos propostas sugeridas por ensino não no processo escolar é andar no fio da disciplinar, transversal, e que configura uma rede complexa de re- lações entre os conhecimentos e os sentidos atribuídos pelo sujei- Maria Teresa: Como dissemos, livrar-se da armadilha das dife- to a dado objeto. Esses pilares de nossa redefinição da escola renças é saber quando mostrá-las e quando A garan- 78 79VALÉRIA AMORIM ARANTES INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS tia do acesso à educação escolar implica para que se chegar. Suas práticas "escondem" as diferenças, pois não admitem legitime direito à igualdade de aprender em uma mesma tur- ensino, a avaliação e outros procedimentos diversificados para ma, em escolas comuns de ensino regular. Ocorre que a inclusão alguns, e permitem que as diferenças sejam "mostradas" por meio ultrapassa a legitimação desse ao exigir não apenas a ma- do leque infinito das diferentes respostas dos alunos às atividades, trícula escolar, mas o prosseguimento dos estudos até os níveis estas, sim, diversificadas, pelas quais dado conteúdo é apresen- mais elevados da criação artística, da produção cientifica, da tec- tado, coletivamente, à turma toda. As diferenças podem ainda ser nologia, Há, então, que se reconhecer as peculiaridades dos alu- "mostradas" no oferecimento do atendimento educacional nos, isto é, as suas diferenças. Nesse sentido, é preciso cializado para alunos com deficiência, desde que esse atendimen- porém sem discriminá-las nem inferiorizá-las. to não substitua ensino regular, mas seja um complemento da As propostas educacionais inclusivas exigem uma atenção educação escolar, assegurando a esses alunos a inclusão em esco- constante dos professores para que não seja ferido direito huma- las A experiência da diferença precisa ser vivida nas es- no e indisponível de todos os alunos ao ensino escolar comum. colas, para que se exercite equilíbrio entre yin e yang dos Esse direito envolve necessariamente uma reorganização processos educativos e consigamos vencer os desafios de nos equi- gica das escolas. Nessa reorganização é fundamental não mudar librar na afiada lâmina da ensino especial de lugar, introduzindo-o nas salas de aula de ensi- no regular, como frequentemente acontece. Soluções rotineiras, Rosângela: Ao defender a ideia de que as escolas especiais com- usuais, como as adaptações curriculares, ensino itinerante e ou- plementam e não substituem a escola comum, você atribui tras saídas adotadas para atender aos alunos com deficiência e/ou las a função de ensinar que é diferente da base curricular dificuldades de aprender são excludentes e diferenciam os alunos mum e que deveria ser base de sustentação para a aprendizagem pela deficiência; elas podem ser consideradas atos de discriminação daquele Nesse sentido, não se pode presumir que, pri- pela Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as meiro, a escola especial é também um espaço de legitimação da Formas de Discriminação Contra a Pessoa Portadora de igualdade de oportunidades? Segundo, que alguns alunos apenas cia, da qual Brasil é signatário e que foi interiorizada em nossas nela poderiam estar, ainda que por um dado tempo, em função de leis, em 2001. Essa Convenção deixa clara a impossibilidade de tra- demandarem muitas intervenções diferenciadas, para só depois tamento desigual com base nas diferenças. iniciarem a aprendizagem da referida base curricular? As transformações exigidas pela inclusão se estendem a todos os alunos de uma turma e reconhecem a capacidade de adapta- Maria Teresa: Penso que as escolas especiais não constituem es- ção intelectual desses aprendizes aos conhecimentos escolares, in- se espaço, pois direito à igualdade não se configura nas situações dependentemente dos níveis de compreensão a que consigam em que as diferenciações pela deficiência excluem, restringem 80 81AMORIM ARANIES (ORG.) INCLUSÃO PONTOS E CONTRAPONTOS impedem aluno de ter garantido acesso ao mesmo ambiente blicas educacionais de aperfeiçoamento do ensino regular para educacional que os demais colegas de sua faixa etária. poder acolher todos os alunos, já avançado mais do que Toda preparação escolar antecipada em instituições especializa- conseguimos no que diz respeito ao entendimento dessa inova- das tem consequências na formação social e intelectual dos alunos ção (reconhecimento de seus princípios, valores, práticas etc.) e à com e sem deficiência e é geradora de questões intermináveis sobre função complementar do ensino especial? que é integração inserção parcial e condicional de alguns alunos Em que sentido, então, ensino especial, que foi e continua nas escolas comuns e sobre as diferenças entre essa modalidade de sendo a porta de entrada da inclusão, tem sido um obstáculo à inserção e a inclusão escolar - incorporação de todos os alunos na concretização de um projeto escolar brasileiro, incondicionalmen- escola comum, sem nenhuma strição/preparação prévia. te aberto às diferenças e para todos? O ensino especial, como é interpretado atualmente, deve ser oferecido concomitantemente às aulas que aluno com deficiên- Rosângela: Penso não ser tarefa possível quantificar os avanços cia assiste na sua de ensino regular e em horário oposto a es- sem qualificar alguns de seus indicadores. Um dos princípios da te. De fato. atendimento educacional especializado não terá sen- inclusão escolar é a universalização do acesso, ou seja, é a garan- tido se for anterior ou posterior à frequência desse aluno às escolas tia da educação como um direito de todos. É inegável que aces- regulares, porque, se oferecido anteriormente, condiciona-o a uma às escolas brasileiras tem se ampliado muito nos últimos anos, preparação prévia para ter a garantia de um direito que não prevê sem, contudo, ter atingido mesmo percentual de expansão para a restrição e a exclusão escolar como condições anteriores ao aces- os diferentes níveis de O progresso nas matrículas do en- ao ensino comum (como é caso da integração escolar). No ca- sino fundamental, bem como nas de alunos com necessidades so de ser oferecido posteriormente, O atendimento educacional es- educacionais especiais, tem sido fruto de investimentos em poli- pecializado deixa de ser uma garantia da inclusão escolar de alunos ticas públicas de educação, gerenciadas em nível de sistemas de com deficiência e confunde-se com as práticas dos antigos serviços ensino. Um outro desafio, de igual importância, é atendermos ao prestados pela educação especial, nos quais se recebem em classes e padrão de qualidade do ensino, assegurado constitucionalmente escolas especiais os alunos com e sem deficiência que não deram (art. Para isso, há que se investir na definição de tais padrões conta das exigências das escolas comuns, ferindo disposto na para ensino brasileiro por mais que certas responsabilidades Constituição Federal e na Convenção da Guatemala. sejam de competência das escolas, como a elaboração, implanta- ção e constante avaliação da realização de compromissos assumi- Maria Teresa: A leitura de seu texto nos fornece um quadro si- dos em seu projeto seu funcionamento em muito tuacional da inclusão escolar no Brasil. Uma pergunta: se a inclu- depende das condições asseguradas em nível do sistema de ensi- são sido introduzida nas escolas brasileiras por políticas condições essas que são engendradas por políticas 83 82VALÉRIA AMORIM ARANTES INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS Assim, compreender inclusão escolar não somente como aces- uma transformação das escolas especiais e comuns, visando à in- à escola, mas como a conquista da educação como direito de clusão de alunos com deficiência, especificamente? Onde reco- todos pressupõe assegurar maior investimento financeiro nessa implicita e/ou explicitamente, nas nossas políticas pú- área, implementar uma plataforma brasileira para a educação, am- blicas de educação? plamente discutida com a sociedade, e implantar uma política de contínua formação de professores, como exemplos de demandas Rosângela: Tenho identificado um forte grau de desconfian- pela melhoria da sua qualidade. Defendo a construção de sis- ça dos profissionais da educação (do ensino comum e do espe- tema nacional de educação, pela articulação de locais, es- cial) em relação ao cumprimento das atribuições do poder pú- taduais e blico para assegurar as condições requeridas para a melhoria da Quanto à porta de entrada dos alunos com necessidades edu- qualidade do ensino, com destaque para suprir exigido duran- cacionais especiais, há projetos diferenciados sendo implantados te a escolarização de alguns alunos com necessidades educacio- pelos sistemas de ensino, particularmente os Alguns nais adotam como possibilidade a matrícula efetuada tanto via ensino O temor é que se fortaleça discurso que busca atribuir as regular como via ensino especial. Outros têm assumido como di- responsabilidades pelas mazelas da educação tão somente às es- retriz acesso de todos à educação infantil, podendo diferenciar colas e a seus professores e que, com isso, Estado possa se des- as trajetórias escolares dos alunos com necessidades educacionais comprometer mais e mais com a educação, incitando que solu- especiais a partir da conclusão desse nível de ensino, momento da ções sejam buscadas apenas pelas "parcerias" com a sociedade escolaridade em que permitem seu encaminhamento para servi- civil ou demais organizações sociais, num reforço à ideia de uma especializados. Isso, novamente, tem sido definido em nível de suposta autonomia das Outra possibilidade refere-se às sistema de ensino pela criação de dispositivos legais oficiais para mudanças nas práticas dos profissionais da educação. orientar seus gestores e demais profissionais sobre como proceder Identifico, ainda, uma herança de trabalho em educação que matrículas. Ressalte-se, que evidências de necessidades se pauta predominantemente em ações que não têm respondi- educacionais especiais só podem ser percebidas a partir da do às necessidades de nossos alunos: há repetição de práticas pe- cia das pessoas em escolas, e não a priori, por deduções que não dagógicas, de gestão, de contato com a comunidade, entre ou- aquelas registradas com base em como se processa sua aprendiza- tras, sem que seja registrada sua consonância com bons gem em contexto regular de ensino. resultados para a educação Nesse tanto nas es- colas comuns quanto nos serviços de educação especial, temos Maria Teresa: Do seu ponto de vista, que situações de poder de enfrentar desafio da construção de práticas que respondam tão em no ensino regular e no especial, quando se propõe ao atendimento de todos os A evolução do atendimen- 84 85VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO PONTOS E CONTRAPONTOS to escolar de alunos com necessidades educacionais especiais nas Rosângela: Nem todas as ações da educação especial podem ser classes comuns e a mudança do perfil dos ingressantes em esco- caracterizadas como conservadoras, pois se assim fosse não las especiais exige que sejam avaliados, em nível de sistema de já implantadas ações para apoiar a permanência de alunos com ne- ensino, os resultados alcançados e, mais especificamente, os im- cessidades educacionais especiais em classes comuns pela garantia pactos em sua aprendizagem. da melhoria da qualidade de ensino para todos, nem desenvolvi- No âmbito das políticas públicas, a cada "nova" proposta go- mento de referenciais pedagógicos para que suas demandas sejam vernamental deparamos com incremento de dispositivos legais contempladas e sua aprendizagem seja garantida. Identifico, sim, que nem sempre contribuem para dissipar nossa desconfiança em que processo de construção de respostas educacionais no ensino relação ao projeto nacional para a educação. regular para atendimento desses alunos não é compromisso ape- Um dos exemplos na legislação é modelo de financiamen- nas dos professores do ensino Há investimentos daqueles to da educação adotado para os últimos anos, Fundef, que que historicamente atuaram apenas em serviços de educação espe- prioriza ensino fundamental pela assunção da política de não cial para encontrar caminhos e alcançar bons resultados de apren- ampliar as verbas para a educação, mas de estabelecer critérios e dizagem com alunos que apresentam necessidades educacionais es- prioridades para seu uso, e, mais recentemente, Fundeb, que em peciais, quando matriculados em classes comuns. devemos, sua formulação traduz a educação básica como atendimento de no âmbito das instituições de ensino superior e dos sistemas de en- quatro anos até o final do ensino médio, deixando, mais uma sino, incentivar a sistematização e análise de projetos e ações para a educação até três anos sem alcance a essa verba. Os desdobra- garantir sua escolarização. Não defendo que sejam depreciadas, in- mentos dessa de financiamento da educação afetam di- discriminadamente, as ações levadas a cabo pela educação especial. retamente atendimento de alunos com necessidades educacio- Considero que essa atitude não contribuiria em nada para avançar- nais especiais, pois, se a porta de entrada de todos os alunos, de mos na direção de garantir educação para todos, com igualdade de fato, for educação comum, muito se tem de investir nas creches condições e oportunidades para a totalidade dos alunos usufruir es- para que possam prover as demandas dessa população, garantin- se direito. Ressalto a importância de averiguar os patamares de aten- do, no mínimo, profissionais bem formados e capacitados para tal dimento dos alunos com necessidades educacionais especiais, in- fim, bem como aportes materiais. cluindo dados quantitativos e qualitativos, elaborando instrumentos que afiram a evolução do atendimento dessa incluindo Maria Teresa: Nesse jogo de perde/ganha de nossas políticas informações sobre sua aprendizagem e sua trajetória escolar. educacionais, em que pontos O ensino especial tem se apegado para manter sua posição conservadora na cena educacional inclu- Maria Teresa: A formação dos professores toma novos rumos siva? Na sua opinião, como reverteríamos esta atual posição? quando se trata de uma preparação profissional para se ensinar 86 87VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS E CONTRAPONTOS toda uma turma em uma sala de aula de escola Que de projetos educacionais para atender a todos os No orientações têm sido fornecidas por documentos oficiais às ins- Brasil, quanto à formação de professores especializados (termo da tituições formadoras, de modo que possam enfrentar esse desa- LDB/96), temos muito a implantar e a implementar. No território fio imposto pela inclusão? E que há de novo na formação dos nacional temos insuficiência de cursos em instituições de educa- professores que no ensino especial ou, mais especifica- ção superior que formem esses professores; houve desativação de mente, prestando atendimento educacional especializado? alguns cursos; essa formação, muitas vezes, exige mais tempo de Como formadora de professores do ensino superior, exponha- estudo inclusive, é inviável financeiramente para muitos de nos- -nos suas ideias a respeito desses dois diferentes casos. SOS professores, que não salvo com auxílio dos sistemas de ensino. Rosângela: Em meu texto resgato algumas das orientações da Além desses fatores, como estamos nos referindo à formação LDB/96 e de normatizações posteriores e em artigo publicado de professores em âmbito nacional e os parâmetros e informações anteriormente (Prieto, 2003) são explorados outros aspectos re- sobre os cursos não se encontram divulgados, a necessidade de lacionados à formação de professores para atendimento de constituir fóruns de interlocução entre as instituições que estão alunos com necessidades educacionais especiais. desenvolvendo programas de formação inicial na perspectiva de Todavia cumpre destacar que desde o final da década de certificar professores como especializados e como capacitados 1990, mais particularmente, em documentos legais e de outra (LDB/96) para atuar com os alunos com necessidades educacionais natureza, vêm sendo incorporadas diretrizes que estabelecem especiais. que a formação inicial de todos os professores deva capacitá-los No âmbito da formação continuada, saliento que a Seesp/MEC para "atenderem demandas específicas dos alunos com necessi- vem desenvolvendo um programa de formação, iniciado com dades educacionais especiais" e com "conhecimentos sobre alu- gestores de sistemas municipais de ensino, que demandaria análi- nos com necessidades educacionais não sendo mais se de seus diferentes contornos e resultados, pois se trata de uma tema apenas para as tradicionais "habilitações" em educação iniciativa federal que intenta elevar os patamares de implantação especial. É preciso intensificar as mudanças nos cursos de forma- de políticas de educação inclusiva. ção para que em todas as disciplinas se privilegie a construção 17. Essas podem ser localizadas nos seguintes documentos Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia Resolução CP 1/99 Institutos Superiores de Educação: Resolução CNE/CP 1/02 Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores da Educação 88 89PARTE III Entre pontos e contrapontos Maria Teresa Rosangela Gavioli Valeria AmorimA primeira pergunta que farei como não poderia deixar de ser - diz respeito à igualdade de condições de acesso e per- manência escola (art. 206, inciso I da Constituição Federal de 1988). Apesar de partirem deste princípio - da universalização do ensino de qualidade como direito de todos para discorrer so- bre os princípios da inclusão escolar, o fazem sob perspectivas di- ferentes, De um modo ou de outro, ambas sinalizaram que, ape- sar dos avanços que sistema brasileiro teve no que tange à universalização do acesso à educação básica, ainda temos um lon- go caminho pela frente para fazer valer princípio da perma- nência na escola. Tal caminho, entre outras coisas, pressupõe a criação de práticas sociais e educativas que combinem diversida- de e igualdade. Acho que seria interessante se vocês descrevessem algumas ações e/ou intervenções realizadas no interior das insti- tuições escolares que ilustrem essa combinação, ou seja, que su- peram as desigualdades ao mesmo tempo que favorecem o reco- das diferenças. Maria Teresa: Minhas ações em favor da inclusão escolar em redes brasileiras de ensino público vêm de longa data, ou melhor, desde 1993, quando iniciei esse trabalho em Três Corações (MG). 93VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO ESCOLAR: PONTOS F CONTRAPONTOS Concomitantemente, atuava nas escolas municipais de Sorocaba dos e outros, que não são conhecimentos próprios do ensino co- (SP) e Florianópolis cidades em que as propostas envolveram mum. Os professores comuns e os especializados têm muitas todas as unidades Atualmente estou trabalhando vidas sobre que deverão ensinar a alunos com deficiência. A com os professores do ensino regular e do ensino especial da re- maioria acha que a inclusão escolar obriga professor comum a de municipal de Itajai Tive experiências muito ricas em es- ser especializado e professor especializado a entender de esco- colas públicas e particulares de Cachoeira do Sul (RS) e em São la Paulo (SP). Ambas provocaram mudanças na organização Mal informados e com receio de que os "alunos incluídos" au- gica das etapas do nível básico de Desde 2003 coordeno mentem seus problemas de ensino e prejudiquem ainda mais as um projeto de acessibilidade no ensino superior na Unicamp. suas turmas, baixando nível de desempenho e de aprovação dos Acompanho inúmeros outros projetos escolares inclusivos, con- grupos nas provas referências fundamentais para se avaliar a qua- tribuindo pontualmente para a solução de questões relativas à re- lidade da educação excludente de nossas escolas os professores formulação curricular, avaliação do aproveitamento dos alunos, do ensino regular resistem à Os professores do ensino es- formação em serviço de professores e ajustando-os às exigências pecial sentem e fazem o eles também têm receio, mas de de um ensino verdadeiramente perder espaço que conquistaram na educação escolar, seja nas Em todos esses projetos, não teria sido possível avançar se não escolas especiais, seja nas comuns. fosse considerada, acima de tudo, a necessidade de assegurar di- Para dirimir essas e outras dúvidas cruciais dos professores, ca- reito de todos os alunos à educação escolar e de atender às suas minho para, paulatinamente, provocar esses profissionais, e os de- especificidades, quando estas são negadas pela educação comum. mais que compõem as equipes das unidades escolares, a experi- Por outro é preciso estar atento para que direito à diferen- mentar novas maneiras de planejar e de ministrar as aulas, de ça não inferiorize, não discrimine nem marginalize, não condene avaliar os alunos e de discutir problemas de ensino, vividos no in- aos preconceitos e à segregação alunos com e sem deficiência. terior de suas escolas e com base em seus projetos pedagógicos e, No caso da inclusão do aluno com deficiência, nos níveis de essencialmente, no que acontece nas salas de aula. ensino básico e superior, é oferecido, quando necessário, aten- Os professores do ensino regular e especial têm necessidade de dimento educacional especializado. Cabe à escola comum ensi- rever seus papéis e de atualizar seus conhecimentos e práticas, de nar a esse aluno os conhecimentos acadêmicos e é função do modo que todos possam reconhecer e valorizar as sem atendimento especializado propiciar-lhe a complementação da que em nenhum momento tenham de desconhecer direito in- sua formação, por meio de conteúdos, tais como Libras, código disponível e incondicional de todos os alunos à escola É Braille, orientação e mobilidade, uso de técnicas de comunicação de acordo com essa maneira de trabalhar que you enfrentando os alternativa, português como segunda para os alunos problemas e atingindo que pretendo nas 94 95VALÉRIA AMORIM ARANTES (ORG.) INCLUSÃO PONTOS E CONTRAPONTOS Rosângela: Mesmo que a solicitação dessa questão nos remeta encaminhamentos e em que medida eles podem significar um a focalizar práticas em escolas, é importante ressaltar que essas em entrave para ensino inclusivo. Por favor, comentem. muito dependem de normativas legais precisas e orientações cla- ras do sistema de ensino ao qual estão filiadas, bem como susten- Maria Teresa: O modelo de inserção parcial e condicional, in- tação política e financeira. tegração escolar de alunos com deficiência, predomina em nossas Quanto às experiências de escolas, desenvolvimento de pes- escolas, porque os professores e os sistemas de ensino em geral quisas e a atuação com os sistemas municipais têm evidenciado ainda estão organizados em função de um padrão de desempe- que práticas democratizantes de gestão escolar têm potencializa- nho, de um nível mínimo de conteúdos curriculares aprendidos, do as possibilidades de participação dos seus agentes nas próprias para que o aluno esteja apto a ser promovido nos ciclos ou a pas- instâncias já reconhecidas legalmente (conselho de escola e sar de uma série para outra em um dado nível de ensino, enfim a mio estudantil. como exemplos). Isso tem contribuído para a de- ter acesso e permanência nas escolas O ensino especial, de prioridades, orientado a elaboração, implantação e ava- na perspectiva da integração, não complementa, mas substitui liação de projetos pedagógicos e a construção de consensos que ensino comum para pessoas com deficiência, até que estas estejam conjuguem esforços em direções que não se Nesse senti- "prontas" para acesso e/ou retorno às salas de aula do ensino do, essas escolas têm objetivado a melhora da qualidade do ensi- regular. Os professores comuns encaminham alunos com deficiência no para toda a sua demanda. Todavia, os mecanismos instituídos legalmente não podem ser para reforço escolar e para a educação especial, porque acredi- os únicos balizadores das ações dos profissionais da educação. tam que os encaminhamentos referidos (e outros que extrapolam Pode-se (e deve-se) impondo outro ritmo de en- a área educacional) servem para que esses alunos se recuperem frentamento aos desafios cotidianos nas escolas. e/ou adquiram as condições e preencham os requisitos rios para estudar com os demais colegas sem deficiência nem di- Valeria: Acho que vale a pena retomarmos uma questão posta ficuldades de aprendizagem em uma mesma turma do ensino re- pela quando discorreu sobre as relações entre inclusão gular. Justificam a necessidade desses encaminhamentos como e integração escolar: os encaminhamentos (quase sempre inade- uma saída para evitar a "exclusão na inclusão", expressão utiliza- quados) dos alunos com necessidades Se tal da com frequência quando se referem à incapacidade de certos como afirmou a que, apesar de os princípios da edu- alunos de acompanharem a turma e de permanecerem nas salas cação inclusiva terem se fortalecido nos últimos anos, na prática de aula apenas para se socializarem.. modelo de integração escolar ainda é predominante, é preciso com esses fins precisam ser evitados. A in- refletir sobre que, os educadores esperam destes clusão escolar, ao combatê-los, reafirma a necessidade de ultrapas- 97 96

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