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-Revista de Iniciação à Docência, v.6, n.2, 2021– 
Publicação: dezembro, 2021 - ISSN 2525-4332 
 
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Ser tia ou professora? Profissionalidade na educação infantil, um olhar 
sobre as representações de professores do segmento 
Be an aunt or teacher? Professionality in early childhood education, a look at the 
representations of segment teachers 
Jeanny Meiry Sombra Silva1 
Resumo 
Este artigo aborda um estudo realizado com quinze pedagogas concluintes de uma pós-
graduação lato-sensu numa instituição de ensino superior em São Paulo. A coleta de 
dados foi realizada por meio de um grupo focal cujo objetivo foi buscar compreender 
como as professoras participantes do estudo se representam e como percebem as 
representações que a sociedade faz do trabalho do professor da educação infantil. Os 
dados foram analisados com base nos pressupostos da Análise de Conteúdo de Bardin 
(2016) e fundamentados em autores como Freire (1997, 2001), Jodelet (2001), Moscovici 
(2003), dentre outros. Os resultados revelam que as representações sociais sobre o 
trabalho do professor desse segmento interferem nas relações e nas práticas 
pedagógicas e que a profissionalização é um caminho para mudanças de concepções. O 
estudo evidenciou também o desejo de reconhecimento da educação infantil como uma 
etapa da educação básica. 
Palavras-chave: Representações sociais. Profissionalidade. Educação infantil. 
Abstract 
This article deals with a study carried out with fifteen pedagogues completing a lato-
sensu postgraduate course at a higher education institution in São Paulo. Data collection 
was carried out through a focus group whose objective was to understand how the 
teachers participating in the study represent themselves and how they perceive the 
representations that society makes of the work of teachers in this segment. Data were 
analyzed based on Bardin's Content Analysis assumptions and based on authors such as 
Freire (1997, 2001), Jodelet (2001), Moscovici (2003), among others. The results reveal 
that social representations about the work of early childhood education teachers 
interfere in relationships and pedagogical practices and that professionalization is a way 
to change conceptions. The study also highlighted the desire to recognize early childhood 
education as a stage of basic education. 
Keywords: Social representations. Professionalism. Early childhood education. 
 
1 Doutora em Psicologia da Educação PUC-SP. Professora da Educação Básica e de Pós-Graduação na 
UniÍtalo. Formadora contratada SME Coped - Educação Infantil. Monitora do Programa de Estudos Pós-
Graduandos em Educação: Formação de Formadores PUC-SP. E-mail: jeanny.sombra@hotmail.com 
mailto:jeanny.sombra@hotmail.com
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Introdução 
A constituição da profissionalidade docente está associada às experiências 
pessoais e profissionais. É um processo dinâmico e contínuo que se desenvolve ao longo 
da vida e da carreira, nos diversos contextos sociais, institucionais e culturais que 
permeiam o exercício do magistério. O termo profissionalidade pode ser entendido como 
“o conjunto de competências que um profissional deveria ter ou, ainda, o conjunto de 
competências reconhecidas socialmente como característica de uma profissão” (ALTET, 
PERRENOUD, PAQUAY, 2003, p. 235). 
A profissionalidade, dessa forma concebida, encontra consonância no 
pensamento de Paulo Freire, educador que valoriza o contexto da profissão como lugar 
em que o professor se realiza na condição de sujeito inacabado, e como tal, busca 
(re)construir a sua trajetória profissional atrelada à sua essência humana: “Quanto mais 
me capacito como profissional, quanto mais sistematizo minhas experiências quanto mais 
utilizo do patrimônio de todos e ao qual todos devem servir, mais aumenta minha 
responsabilidade com o ser humano” (FREIRE, 1996, p. 20). 
Nesse sentido, pensar a profissionalidade articulada ao contexto de ensino 
envolve pensar nos vários segmentos de atuação do professor. Para Freire (1997), um 
segmento que não pode ser descuidado (ou mesmo menosprezado), ao se tratar de 
desenvolvimento profissional, é o da educação infantil. 
O trabalho na educação infantil é frequentemente compreendido, em nossa 
sociedade, como uma ocupação permeada por estereótipos, dentre eles: uma profissão 
feminina, que não necessita de conhecimentos específicos, uma vez que a mulher, 
naturalmente, possui capacidades suficientes para exercer esse tipo de atividade 
(KUHLMANN, 2007). De fato, o profissional da educação infantil, no Brasil, 
historicamente, foi se constituindo num cenário sem qualquer exigência de qualificação, 
o que traz consequências que ainda hoje tendem a influenciar as concepções acerca da 
docência nesse estrato educacional (AZEVEDO; SCHNETZELER, 2005). 
Assim, as relações de gênero, a competência profissional e, principalmente, o 
modelo feminino marcadamente presente no trabalho com a educação infantil são 
dimensões que caracterizam as discussões acerca da profissionalidade no segmento. Isso, 
provavelmente, contribui para a constituição de uma representação social negativa do 
professor e do trabalho desenvolvido com crianças pequenas. 
Considerando que as representações sociais são um traço constitutivo da 
identidade profissional, será discutido neste artigo um recorte de um estudo realizado 
com professoras de educação infantil cujo objetivo foi o de buscar compreender como 
essas profissionais se representam e como percebem as representações que a sociedade 
faz ao trabalho do professor desse segmento. 
Os resultados analíticos que serão relatados e discutidos nos próximos tópicos 
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contribuem com a atividade investigativa no campo da formação de educadores, na 
medida em que servem para problematizar aspectos sobre a construção e a incidência de 
representações sociais na formação e na profissionalidade docente, especialmente 
aquelas relativas aos professores de educação infantil. 
Representações sociais e trabalho docente: um diálogo entre a teoria de 
Moscovici e o pensamento de Paulo Freire 
Serge Moscovici e Paulo Freire foram pensadores contemporâneos. No 
pensamento de ambos é possível encontrar pressupostos teóricos convergentes no que 
concerne à formulação de um paradigma da mudança em contraponto a uma ciência da 
conformidade e da estabilidade. Freire (1983) pontua, com clareza, que: 
[...] mudança e estabilidade não são um “em si”, algo separado ou independente 
da estrutura; não são um engano da percepção. Mudança e estabilidade 
resultam ambas da ação, do trabalho que o homem exerce sobre o mundo. 
Como um ser de práxis, o homem, ao responder aos desafios do mundo, cria seu 
mundo: o mundo histórico-cultural. O mundo de acontecimentos, de valores, de 
ideias, de instituições. Mundo da linguagem, dos sinais, dos significados, dos 
símbolos (Freire, 1983, p.46). 
Nos anos 1960, Moscovici, elabora a teoria das representações sociais, tomando 
por base, principalmente, a sociologia moderna de Émile Durkheim, que adota a 
expressão “representação coletiva” para designar o efeito coercitivo do social sobre o 
individual, na qual crenças e ideais persistem ao longo do tempo, determinando os 
valores da sociedade. Para Durkheim, as representações coletivas têm caráter estático – 
fazem com que as sociedades se mantenham coesas, conservando e preservando as 
estruturas. A partir disso, Moscovici amplia a compreensão de Durkheim ao atribuir às 
representações sociais um caráter dinâmico – com interesse na inovação e mudança 
social. Para ele, o ser humano, a partir de suas experiências individuais e coletivas, 
constrói e reconstrói seus conceitos, crenças, ideais que, de forma inconsciente, se 
agregam a sua capacidade de pensar e criar sobre sua realidade,orientando 
comportamentos e práticas. Nessa perspectiva, a representação social é entendida como 
uma forma de conhecimento socialmente elaborada e partilhada, promovendo a 
construção de uma realidade comum a um conjunto social. Assim, as representações não 
apenas atuam diretamente sobre nossa maneira de pensar, mas prescrevem nossos 
comportamentos e práticas e, enquanto tal, possuem uma “força irresistível, envolvendo 
uma tradição que decreta o que deve ser pensado” (MOSCOVICI, 2003, p. 36). Isso 
implica considerar o senso comum na vida social, relacionando-o ao comportamento 
humano criador, numa determinada realidade que se constitui da experiência responsável 
pelo movimento de comunicação e cognição do indivíduo. 
Para Moscovici os atos psíquicos (individuais) têm origens sociais: o pensamento, 
o senso comum e a ciência se misturam a um só tempo, na história e na cultura. A 
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realidade é uma estrutura social em inter-relação com outras estruturas sociais. 
Ontologicamente, um ser que é ser para si torna-se um ser para o outro, dependente 
quando perde seu direito de decidir, seguindo prescrições e determinações sociais (o que 
Hegel chamou de consciência servil ou senhoril). 
Desta maneira, se o senso comum, historicamente, atribui ao professor de 
educação infantil um papel paternalista, cuja função básica se restringe a cuidar de bebês 
e crianças, isso significa que esse imaginário social condiciona a ação desse profissional? A 
resposta é “Não”, pois, conforme Moscovici (1978), representar uma coisa não implica 
reprodução, mas reconstituição, inovação e mudança. 
A articulação entre linguagem e representação consolida as razões das escolhas e 
das ações assumidas pelo sujeito social, provocando opiniões e atitudes diante do objeto. 
Por isso, as representações são sociais, não porque o sujeito é social, mas pela função que 
elas desempenham para organizar as condutas e a comunicação social - nas palavras de 
Moscovici (1978): 
[...] Toda representação é composta de figuras e de expressões socializadas. 
Conjuntamente, uma representação social é a organização de imagens e 
linguagem, porque ela realça e simboliza atos e situações que se tornam 
comuns. [...] uma representação fala tanto quanto mostra, comunica tanto 
quanto exprime. No final das contas, ela produz e determina os 
comportamentos, pois define simultaneamente a natureza dos estímulos que 
nos cercam e nos provocam, e os significados das respostas a dar-lhes. Em 
poucas palavras, a representação social é uma modalidade de conhecimento 
particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a 
comunicação entre indivíduos (MOSCOVICI, 1978, p.25). 
Assim sendo, quando representamos, estamos revelando o que pensamos sobre o 
objeto, evocando o passado, mas com uma espécie de filtragem das informações 
recebidas, buscando a coerência necessária entre a percepção e a interpretação dessas 
informações que foram protegidas por nossa memória. 
Diante desse pressuposto, para que o profissional se reconheça como um sujeito 
em constante processo de formação e cujo papel no âmbito do quadro da educação 
infantil não se restrinja às concepções de práticas automatizadas e mecânicas como dar 
mamadeira, dar banho, colocar para dormir entre outros aspectos relacionados à rotina, é 
necessário que ele seja capaz de ressignificar os sentidos dessas ações e, portanto, que 
seja capaz de se interrogar sobre sua prática cotidiana. 
Nessa perspectiva, é necessário que haja, por parte do professor, a reflexão-ação-
reflexão constante sobre sua prática, bem como a busca de conhecimentos específicos 
para a superação da visão assistencialista construída historicamente no segmento. Pois se 
a educação infantil é parte integrante do sistema educacional brasileiro é importante que 
os conteúdos e práticas desenvolvidos nas instituições sejam condizentes com proposta 
de formação da criança como sujeito integral, e que o professor esteja familiarizado com 
saberes necessários para o exercício da docência com bebês e crianças. 
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A esse respeito, o pensamento de Paulo Freire contribui sobremaneira, lançando 
luz sobre a importância de o educador infantil legitimar seu papel profissional, rompendo 
com o senso comum social que, por vezes, insiste em representar de maneira paternalista 
sua figura docente. É o que se observa, por exemplo, na obra “Professora sim, tia não: 
cartas a quem ousa ensinar” (FREIRE, 1997), na qual Freire explica que o mote 
“professora-tia” é mais um capítulo da luta contra a tendência à desvalorização 
profissional representada pelo hábito, que se cristaliza por muitas décadas, de 
transformar a professora num parente postiço2. 
Para o educador, aceitar a identificação da figura de um professor a de um tio 
significa retirar algo fundamental do docente: sua responsabilidade profissional de que 
faz parte a exigência política por sua formação permanente. Com efeito, assinala Freire 
(1997): 
[...] O que me parece necessário na tentativa de compreensão crítica do 
enunciado - professora, sim; tia, não -, se não é opor a professora à tia não é 
também identificá-las ou reduzir a professora à condição de tia. A professora 
pode ter sobrinhos e por isso é tia da mesma forma que qualquer tia pode 
ensinar, pode ser professora, por isso, trabalhar com alunos. Isto não significa, 
porém, que a tarefa de ensinar transforme a professora em tia de seus alunos da 
mesma forma como uma tia qualquer não se converte em professora de seus 
sobrinhos só por ser tia deles. Ensinar é profissão que envolve certa tarefa, certa 
militância, certa especificidade no seu cumprimento, enquanto ser tia é viver 
uma relação de parentesco. Ser professora implica assumir uma profissão, 
enquanto não se é tia por profissão. Se pode ser tio ou tia geograficamente ou 
afetivamente distante dos sobrinhos, mas não se pode ser autenticamente 
professora, mesmo num trabalho a longa distância, “longe” dos alunos (FREIRE, 
1997, p. 9). 
Nesse contexto, subjacente à rotulação tia, não está apenas uma perspectiva 
distorcida da tarefa profissional do educador, mas também um pensamento ideológico 
de alguns setores sociais, os quais guardam, de maneira velada, interesses de 
manutenção da ordem social vigente. Em outras palavras, acentua Freire (1997): 
[...] Identificar professora com tia, o que foi e vem sendo ainda enfatizado, 
sobretudo na rede privada em todo o país, é quase como proclamar que 
professoras, como boas tias, não devem brigar, não devem rebelar-se, não 
devem fazer greve. Quem já viu dez mil “tias” fazendo greve, sacrificando seus 
sobrinhos, prejudicando-os no seu aprendizado? E essa ideologia que toma o 
protesto necessário da professora como manifestação de seu desamor aos 
alunos, de sua irresponsabilidade de tias, se constitui como ponto central em 
que se apoia grande parte das famílias com filhos em escolas privadas. Mas 
também ocorre com famílias de crianças de escolas públicas (FREIRE, 1997, p. 
10). 
Ao longo de sua obra Freire sublinhou a necessidade de que o educador 
conhecesse profundamente seu contexto histórico e social, admitindo que “os outros” 
estão, como ele, condicionados pela realidade dialeticamente permanente e mutável. 
 
2 Dentre as discussões levadas a efeito sobre esse tema, Freire destaca o trabalho “Professora Primaria – 
mestra ou tia” de NOVAES (1984). 
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Ressalta, ainda, a importância de o educador analisar criticamente a realidade social e as 
teorias dominantes mantenedoras do status quo, conforme adverte o educador: 
[...] A ideologia do poder não apenas opaciza a realidade, mas também nos 
torna míopes, paranão ver claramente a realidade. O seu poder é domesticante 
e nos deixa, quando tocados e deformados por ele, ambíguos e indecisos. Daí 
ser fácil entender a observação que uma jovem professora da rede municipal de 
São Paulo me fez, em conversa recente: “Em que medida certas professoras 
querem mesmo deixar de ser tias para assumir-se como professoras? Seu medo 
à liberdade as conduz à falsa paz que lhes parece existir na situação de tias, o 
que não existe na aceitação plena de sua responsabilidade de professoras”. 
(FREIRE, 1997, p. 10). 
Para Freire, o ser humano é sujeito ativo de transformação e não seu objeto. A 
estrutura social é obra dos seres humanos e, portanto, é sempre contraditória: envolve 
tanto os que pretendem mantê-la quanto os que, insatisfeitos, pretendem transformá-la. 
Há então um antagonismo constante entre os que querem e os que não querem a 
mudança. Moscovici também considera que há esse confronto quando explicita que 
sempre ocorrerá uma luta simbólica, objetiva e material entre maiorias e minorias. A 
mudança inicia-se numa problematização da consciência: da passagem do estado de 
“objeto” a sujeito. Esse dar-se conta de seu papel ativo na mudança é o processo de 
politização da consciência. 
Tanto Freire quanto Moscovici advertem que a mudança depende, sempre, de um 
posicionamento crítico, inquieto, descontente e desejante, que questiona a ordem e a 
uniformidade de condutas e opiniões. A mudança é, então, sempre um processo 
permeado de tensões declaradas entre posições diferentes. Assim, a educação reflexiva, 
seja ela em qualquer segmento de ensino, não está voltada à adaptação, mas sim, à 
transformação. 
O estudo: o contexto e a coleta de dados 
Este estudo enquadra-se no que (MARCONI; LAKATOS, 2017) consideram como 
pesquisa qualitativa de abordagem etnográfica. O objetivo geral foi compreender como 
as professoras participantes do estudo se representam e como percebem as 
representações que a sociedade faz do trabalho do professor da educação infantil. Os 
sujeitos participantes foram quinze pedagogas concluintes de uma pós-graduação lato-
sensu de um curso intitulado Linguagens da Infância. As participantes atuam como 
professoras de educação infantil, cuja faixa etária abrange desde os bebês até crianças de 
cinco anos. 
A escolha das participantes foi motivado por dois fatores: primeiro por estarem 
concluindo uma especialização em seu campo de atuação o que denota interesse na 
profissionalização docente. O segundo fator deveu-se a autora deste texto ministrar uma 
das disciplinas do referido curso e ter tido contado por dez semanas com as 
participantes, o que favoreceu o olhar investigativo da autora sobre questões suscitadas 
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pelo grupo acerca das representações sociais e sua influência no trabalho dessas 
profissionais. 
Ao término do curso as professoras foram convidadas a participar de um grupo 
focal. A reunião teve três horas de duração e foi gravada em áudio com o consentimento 
das participantes3. Os dados coletados nesse encontro serviram como corpus de análise 
para este estudo 
Conforme Gatti (2012), a coleta por meio do método grupo focal envolve uma 
discussão informal, com um grupo de tamanho reduzido, cujo interesse é obter 
informações de caráter qualitativo, podendo ser um instrumento importante na 
compreensão dos processos de construção da realidade por determinados grupos 
sociais, bem como para o conhecimento de “representações, preconceitos, linguagem e 
simbologias que prevalecem em relação a determinadas questões nos grupos de pessoas 
pesquisadas” (GATTI, 2012, p. 9). 
As perguntas desencadeadoras da discussão foram: há quanto tempo você atua 
na educação infantil? Como foi seu início na carreira? O que te motivou a fazer essa pós-
graduação? Como você se vê profissionalmente hoje, após concluir o curso? Em sua 
opinião, como a sociedade vê o trabalho do professor de educação infantil? 
Após a transcrição da discussão, deu-se início ao processo de análise. Foi utilizado 
como balizador deste estudo, a técnica de Análise de Conteúdo (BARDIN, 2016), cujas 
etapas são: pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados, inferência e 
interpretação. 
As questões desencadeadoras da discussão no grupo focal serviram como base 
para criação das categorias, quais foram: como eu me vejo; como a sociedade me vê; 
percurso profissional; aprendizagens na pós-graduação. Para esse artigo, selecionamos 
alguns trechos dos relatos de duas categorias e os cotejamos com os estudos de Paulo 
Freire e de autores da teoria das representações sociais. 
Resultados e discussão 
Tendo por base o objetivo de conhecer as representações que as docentes têm 
sobre sua atividade profissional, bem como as representações que a sociedade faz ao 
trabalho do professor de educação infantil, selecionou-se para este artigo apresentar a 
análise de duas categorias: “Como eu me vejo” e “como a sociedade me vê”. 
• Categoria: Como eu me vejo 
Nessa categoria, algumas participantes associaram o “ser professor da educação 
infantil” como o indivíduo que possui: vocação, que gosta de criança, desenvolve uma 
 
3 As participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido para utilização de dados. Seus 
nomes foram alterados neste texto. 
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relação maternal, sugerindo dessa forma, uma representação tradicional da profissão, 
enraizada no processo sócio-histórico e cultural do segmento do educador infantil. Trata-
se, conforme discutido, de um dos eixos mais arraigados e sustentadores desse 
componente representacional. Nas palavras das participantes: 
[...] Para ser professora de criança precisa gostar muito dos pequenininhos, ter vocação, pois eles 
exigem dedicação e afeto [...] (Ana). 
[...] Quando eu comecei a trabalhar, meu primeiro emprego foi numa creche. Mas não foi difícil, 
porque eu tratava os bebês do mesmo jeito que tratei meus filhos: com carinho e cuidado [...] eu 
me doava para eles [...] (Júlia). 
[...] eu gosto de dizer que o papel de professora de pequeninos é igual a metáfora do laço: numa 
ponta estão os pais, na outra a gente e na soma dos dois, no meio do laço, está a criança. Então 
penso que a gente faz muito o papel da mãe [...] (Patrícia). 
[...] além de gostar, precisa ter muita paciência. Não é fácil ser professora de criança, são poucos os 
que têm esse dom (Lúcia). 
As expressões utilizadas pelas participantes permitem inferir que o senso comum, 
construído ao longo dos últimos anos, impôs uma representação sobre a função da 
professora na educação infantil “como uma pessoa responsável pelos cuidados básicos 
da criança – tarefa para a qual a afetividade é o maior atributo como: ‘ter jeito’, ‘ter amor 
às crianças’, ‘gostar’” (CUNHA, 1999, p. 4). Tal representação pode ter proporcionado a 
identificação dessas educadoras com esse papel, pois nota-se como elas descrevem como 
é o “papel de professora de pequeninos”. 
A metáfora do laço utilizada no depoimento de Patrícia coloca o professor como 
uma extensão do papel da família e que ambos, professor e pais, têm a função de educar. 
Mas será que se trata do mesmo sentido de educar? Freire (1986) destaca que “existem 
graus de educação” e que essas ocorrem em diferentes ambientes sociais. A educação 
que ocorre na escola tem um caráter sistêmico e profissional. A tarefa do educador é de 
problematizar o objeto de conhecimento com intuito de possibilitar aos alunos um 
“exercício de pensar criticamente, tirando suas próprias interpretações do porquê dos 
fatos” (FREIRE, 1992, p. 52). 
A visão paternalista do educador, conforme se observa nos depoimentos, é 
incorporada de maneira natural na mentalidade dessas professoras, o discurso delas 
contribui para reforçaro ideário comum que a sociedade tem desse profissional. Como 
assevera Moscovici (1978, p. 25), a representação social “produz e determina os 
comportamentos, pois define simultaneamente a natureza dos estímulos que nos cercam 
e nos provocam, e os significados das respostas a dar-lhes”. 
Ressalta-se, no entanto, que a crítica a essa representação de nada exclui a 
importância da afetividade na atuação docente. Conforme Freire (1997, p. 9), o 
profissional de educação de crianças pequenas possui uma tarefa que, sendo prazerosa, 
também é exigente de seriedade, de comprometimento, de preparação pedagógica, 
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emocional e afetiva: “a tarefa de ensinar é uma tarefa profissional que, no entanto, exige 
amorosidade, criatividade, competência científica”. 
Para Freire a escola pode ser alegre e leve. Num espaço em que haja afetividade, a 
curiosidade tem condições de avançar para um estágio epistemológico, mesmo entre 
crianças muito pequenas, que aprendem, desde cedo, que podem e devem empregar 
toda a sua energia na busca de conhecer e que a descoberta do novo, depois do esforço, 
pode ser sumamente prazerosa. A escola alegre e leve, “[...] nada tem a ver com uma 
escola fácil, irresponsável. Pelo contrário, ela é cuidadosa, trabalha criticamente a 
disciplina intelectual da criança, estimulando-a e desafiando-a a engajar-se seriamente na 
busca do conhecimento” (FREIRE, 2001, p. 196). 
A teoria das representações sociais ajuda a entender os motivos de as educadoras 
se representarem da maneira observada em seus depoimentos. De fato, é difícil 
incorporar o novo às ideias preexistentes e objetivar os novos conhecimentos tornando-
os familiares, ancorando-os, no sentido de modificar as condutas consensuais reificadas 
pelo discurso do imaginário social. 
Entretanto, como a representação não é estática, as mesmas professoras também 
revelam em seus discursos expressões que denotam profissionalidade, compromisso, 
autoformação - elementos que vão compondo um quadro de como elas também se 
percebem e se representam, como verificado nos trechos abaixo: 
Sempre considerei que estudar era importante, mas ao longo desses dois anos eu fui percebendo 
como eu estava errando, como eu tinha que fazer coisas diferentes com as crianças (Júlia). 
Eu me vejo dentro da sala de aula com uma responsabilidade muito grande. Porque a gente acaba 
sendo não só professora, mas também um pouco de mãe, por isso é extremamente importante 
avaliar a criança em suas necessidades de aprendizagem, porque nosso papel é voltado para o 
desenvolvimento educacional (Lúcia). 
Eu sou professora da rede pública de uma comunidade carente. A maior parte deles não tem nem 
quintal para brincar, não tem alguém que brinque, que cante, que faça uma leitura de uma 
história. Então eu tomei um pouco dessa responsabilidade, de não deixar as crianças que passarem 
por minha sala, sair sem vivenciar experiências infantis. Esses momentos que são tão importantes 
também devem ser considerados como aprendizagem. Então, hoje eu me vejo como uma 
profissional que tenta valorizar a cultura da infância (Patrícia). 
É possível depreender nesses depoimentos uma maior sensibilidade quanto ao 
discurso pedagógico atual, isto é, quanto ao discurso da “cultura da infância” delineado 
na Nova Base Nacional Comum Curricular – BNCC, conforme se observa: 
[...] A Educação Básica deve visar à formação e ao desenvolvimento humano 
global, o que implica compreender a complexidade e a não linearidade desse 
desenvolvimento, rompendo com visões reducionistas que privilegiam ou a 
dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva. Significa, ainda, assumir 
uma visão plural, singular e integral da criança, do adolescente, do jovem e do 
adulto – considerando-os como sujeitos de aprendizagem – e promover uma 
educação voltada ao seu acolhimento, reconhecimento e desenvolvimento 
pleno, nas suas singularidades e diversidades (BRASIL, 2017, p.14). 
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A aparente contradição no discurso das participantes ocorre, provavelmente, pelo 
fato de elas estarem concluindo uma pós-graduação cuja concepção de educação infantil, 
bem como do papel do professor desse segmento, assemelha-se aos princípios da 
pedagogia libertadora proposta por Paulo Freire (1986), na qual se valoriza a análise 
crítica da educação tradicional visando à formação de uma consciência crítica. Tal 
pedagogia concebe professores e alunos como sujeitos do ato educativo e a relação 
dialógica autêntica como forma de aprender e atuar. 
Assim, os processos de comunicação ao qual as educadoras estiveram expostas ao 
longo do curso concorrem ou pressionam para que apresentem em seus discursos uma 
visão comum da “cultura da infância”. A esse respeito, Jodelet (2001) explica que 
fenômenos como esse ocorrem devido à pressão pela inferência, ou seja, pela 
necessidade de agir, de tomar posição ou de obter reconhecimento e adesão dos outros 
sujeitos do grupo. A pressão pela inferência promove o processo de objetivação, no qual 
ocorre um duplo esforço do sujeito. Esse transporta os elementos objetivos para o meio 
cognitivo atribuindo-lhes uma realidade tangível aproximada do universo do grupo de 
pertença. 
Numa perspectiva parecida, Freire considera que o homem é capaz de romper 
com os papeis (ou representações) que lhe são atribuídos socialmente, por meio de um 
processo que classifica como transição. Para o educador: 
Não há transição que não implique um ponto de partida, um processo e um 
ponto de chegada. Todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje. De 
modo que o nosso futuro se baseia no passado e se corporifica no presente. 
Temos de saber o que fomos e o que somos, para saber o que seremos (FREIRE, 
1983, p. 33). 
[...] Nutrindo-se de mudanças, a transição é mais que as mudanças. Implica 
realmente na marcha que faz a sociedade na procura de novos temas, de novas 
tarefas ou, mais precisamente, de sua objetivação. (FREIRE, 1983, p. 65) 
O conjunto de mudanças aos quais os sujeitos estão expostos, como é o caso das 
professoras deste estudo, mobilizam a reformulação das representações sociais. Ainda 
que o processo seja demorado, tais mudanças fazem com que a sociedade prossiga em 
busca de novos temas e da objetivação desses. A sociedade, constituída por suas crenças, 
valores, concepções, está em questionamento e reflexão constantes. Quando essas 
reflexões e mudanças provocam o rompimento do equilíbrio do pensamento vigente, as 
crenças e os valores decaem, surgindo novos em seu lugar. Esse período é chamado de 
transição. 
Assim, pode-se concluir, que as participantes deste estudo não têm uma visão 
unilateral de si, pois estão no período de transição, tentando objetivar seu papel 
profissional. 
• Categoria: como a sociedade me vê 
A falta de valorização do professor de educação infantil foi recorrente nos 
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depoimentos. Predomina a noção de que o profissional do segmento é menos 
reconhecido e valorizado, e que a educação voltada para essa etapa do não tem o mesmo 
prestígio que as demais etapas da escolarização: 
Para o dia da reunião de pais eu e minhas colegas nos preparamos bastante, elaboramos uma 
pauta [...]. A gente queria que os pais compreendessem nossa proposta pedagógica. Não 
queríamos somente ficar mostrando fotos e filmagens dos filhos deles, mas discutir com eles, em 
que medida, nossas aulas estavam contribuindo para o desenvolvimento integral das crianças. Os 
pais foram chegando para a reunião e nós estávamos os recepcionando no pátio. A diretora da 
escola estava conosco. De repente, ela pega o microfone e diz: “sejam bem-vindos pais, dentro de 
alguns minutos as tiasirão com vocês para as salas”. Escutar, no alto-falante, a expressão ‘tia’ 
vinda da boca da própria diretora, foi horrível para mim. Naquele momento, toda minha segurança 
foi desmoronando. Entrei na sala com vontade apenas de mostrar fotos dos filhos deles. (Andréa). 
No primeiro dia de aula desse ano, durante a reunião de pais, um pai falou: “então tia ...”. Eu 
respondi: olha pais, eu quero deixar uma coisa bem clara aqui, eu não sou tia, eu fiz uma faculdade 
de quatro anos e agora estou me especializando para dar uma educação melhor para o filho de 
vocês. Alguém aqui estuda para ser tio? (Elisangela) 
O não reconhecimento a que se referem as participantes não é apenas 
profissional, mas também social. Elas consideram que os professores de educação infantil 
ainda não alcançaram status de profissionais. Sobressai, desse modo, a ideia nuclear 
recorrente de que o professor desse segmento é aquele que desempenha funções 
maternas. 
Quando a gente fala que é da educação infantil, nossos colegas e parentes não nos valorizam [...] 
as pessoas não entendem que a agente é educadora da infância (Sara). 
Eu vivi esse dilema dentro da minha própria família. Quando eu me tornei professora da educação 
infantil, minha irmã chegou a me dizer “tanto estudo para ficar trocando fralda, para ser babá, pra 
cuidar do filho dos outros!?”. Para esse servicinho você não precisava ter feito faculdade (Gisele). 
Referir-se à educação infantil como um “servicinho” traz subjacente a 
representação de que o trabalho nesse segmento não tem relevância e que qualquer 
pessoa, sem qualquer preparação formativa, pode realizar essa atividade. Contrário ao 
encarar o trabalho do professor da educação infantil como sendo de menor prestígio 
social, Freire afirma: 
[...] Lidamos com gente, com crianças, com adolescentes, ou adultos. 
Participamos de sua formação. Ajudamo-los ou os prejudicamos nesta busca. 
Estamos intrinsecamente a eles ligados no seu processo de conhecimento. 
Podemos concorrer com nossa incompetência, com nossa má preparação, com 
nossa responsabilidade para seu fracasso. Mas podemos também, com nossa 
responsabilidade, como nosso preparo científico e ou nosso gosto do ensino, 
com nossa seriedade e o nosso testemunho de luta contra as injustiças 
contribuir para que vão se tornando presenças marcantes no mundo. (FREIRE, 
1997, p. 150) 
 Edenilza expõe em seu depoimento como se sente em relação ao tratamento que 
muitas vezes lhe é conferido: 
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Eu me vejo como professora da educação infantil, que tem que estar o tempo todo tentando 
provar para sociedade que a gente é importante. Isso é uma ofensa [...] quem somos nós? As 
professoras? As tias, não é assim? Nós somos as tias, nós não somos valorizadas; muitas vezes pelas 
famílias, pelo grupo de trabalho, não somos valorizadas financeiramente. Não somos valorizadas 
no contexto geral da educação, do ser humano. Às vezes eu acho que isso revolta, tristeza [...]. 
 Apesar de sofrer com a visão de desvalorização profissional, Edenilza não se 
resigna e não assume a representação de tia que lhe é atribuída socialmente, pois em 
outro momento da roda de conversa a educadora afirma: 
Mas para mim isso é um incentivo para eu continuar, se é para provar, eu não vou provar, porque 
meus alunos precisam de mim integralmente ali com eles. Seu eu ficar o tempo todo tentando 
provar para os outros o que eu e meus alunos somos capazes juntos de construir, eu me torno uma 
pessoa frustrada, eu não chego a lugar nenhum. Então eu me vejo nessa condição, de deixar prá lá 
muitas coisas que a gente precisa para sobreviver e parar para pensar naquilo que realmente me 
satisfaz: que é eu ver o resultado lá na frente. Independentemente de a maioria das pessoas 
acharem que a gente não faz nada (Edenilza). 
Opondo-se a essa representação, Paulo Freire adverte que o educador deve se 
mostrar persistente, assumindo-se como sujeito atuante no movimento de 
conscientização, da luta pela mudança e por uma educação como prioridade, conforme 
afirma: “os professores precisam continuar brigando, e muito. É preciso também, que a 
opinião pública entenda o direito e até o dever que os professores têm de lutar. [...]” 
(FREIRE, 2001, p. 245). Freire considera que existem diferentes maneiras de protestar, 
dentre elas está a inserção crítica, ou a tomada de consciência pelo indivíduo oprimido de 
sua realidade. Para o educador, não basta que o indivíduo seja consciente de que faz 
parte da sociedade, o mais importante é que este conheça o seu papel na coletividade e 
que seja capaz de questioná-lo a fim de produzir transformações. 
[...] por isto inserção crítica e ação já são a mesma coisa. Por isso também é que 
o mero reconhecimento de uma realidade que não leve a esta inserção crítica 
(ação já) não conduz a nenhuma transformação da realidade objetiva, 
precisamente porque não é reconhecimento verdadeiro. (FREIRE, 1987, p. 38) 
O protesto de Edenilza é potente, pois não se mantém no mero reconhecimento e 
acomodação da realidade, ao contrário, busca transformá-la por meio de sua formação 
continuada. 
Numa perspectiva similar, outra participante do grupo de discussão relata: 
Isso que a gente tem que ficar provando para as outras pessoas, eu acho que o principal é provar 
para nós mesmas que somos professoras. É a gente se valorizar e entrar no debate quando alguém 
vem questionar [...] eu acho que o essencial para isso é o que a gente tá fazendo agora, é a 
formação; é a gente ter o conhecimento pra gente conseguir debater [...] quando a gente começa a 
buscar nossa formação e aprimoramento, entendendo mais nossa posição como professora, a 
gente tem mais bagagem para defender a nossa profissão, e até mesmo se valorizar primeiro; 
antes de pensar que as outras pessoas deveriam valorizar a gente (Paula). 
Consciente de como a sociedade enxerga o professor da educação infantil, Paula 
entende que não há protesto com verbalismo, nem tão pouco com ativismo, mas sim 
com a práxis, ou seja, com reflexão e ação incidindo sobre as estruturas a serem 
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transformadas. A esse respeito, Freire afirma: 
É exatamente esta capacidade de atuar, operar de transformar a realidade de 
acordo com finalidades propostas pelo homem à qual está associada sua 
capacidade de refletir, que o faz um ser da práxis. Se ação e reflexão, como 
constituintes inseparáveis da práxis são a maneira humana de existir, isto não 
significa, contudo, que não estão condicionadas, como se fossem absolutas, pela 
realidade em que está o homem (FREIRE, 183, p. 17). 
A práxis é a reflexão do oprimido sobre seu mundo e a reação transformadora 
deste contra a realidade encontrada. Paula não naturaliza a visão que a sociedade tem a 
respeito do educador da primeira infância. Na Teoria das Representações Sociais, é na 
naturalização que se consuma o processo de objetivação. A imagem assume o lugar de 
realidade. Como bem descreve Moscovici (2003, p. 74) “a imagem do conceito deixa de 
ser um signo e torna-se a réplica da realidade, um simulacro [...] adquirindo uma 
existência quase física, independente”. 
Contudo, mesmo considerando que processos de influência podem assegurar 
estabilidade a representações específicas, como adverte Moscovici (2003), tais 
representações não são eternas, nem generalizáveis por si mesmas e podem apresentar-
se de um modo distinto em um mesmo grupo. 
Assim, para que haja mudanças nas representações que a sociedade impõe ao 
educador da educação infantil, esses profissionais devem considerar sua práxis. Para que 
haja práxis, é essencial, que o indivíduo seja levado a tomar consciência de sua realidade 
para que, então, possa refletir sobre ela e, finalmente, questioná-la e transformá-la. 
Indiscutivelmente, asrepresentações que a sociedade faz sobre o trabalho do 
professor da educação infantil interferem nas relações e nas práticas pedagógicas. A 
despeito de todas as dificuldades que revelam enfrentar, as participantes não desistem 
da docência; ao contrário, buscam maneiras de se profissionalizar na área. Talvez a 
legitimação social seja um fator preponderante para que realizem um investimento em 
sua formação continuada. Por meio da profissionalização, buscam transformar a 
representação que a sociedade tem sobre o trabalho que realizam. 
Os depoimentos sugerem que as docentes estão num constante enfrentamento 
de uma concepção que as diminui como profissionais. Percebe-se um alto grau de 
comprometimento pessoal de cada educadora, que reconhece a complexidade da 
profissão e a importância de uma formação adequada da área. As declarações revelam, 
ainda, o desejo de reconhecimento da educação infantil como uma etapa da educação 
básica. 
O conjunto dos depoimentos revela que essas educadoras vivem no que Freire 
(2000) considera “situações-limite”, ou seja, as barreiras que o ser humano encontra em 
sua caminhada, diante das quais pode assumir várias atitudes, como se submeter a elas 
ou, então, vê-las como obstáculos que devem ser vencidos. Diante dessas barreiras, o 
indivíduo pode unir esperança com a prática e agir para que a situação se modifique ou 
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simplesmente se deixar levar pela desesperança. Para enfrentar situações-limite são 
necessários os chamados “atos-limite”, termo usado por Freire para designar as atitudes 
assumidas a fim de se romper com as situações-limite. Esses atos são necessários para 
que se possa atingir o inédito-viável: 
Nas situações-limite, mais além das quais se acha o “inédito viável”, às 
vezes perceptível, às vezes não, se encontram razões de ser para ambas 
as posições: a esperançosa e a desesperançosa. Uma das tarefas do 
educador ou educadora progressista [...] é desvelar as possibilidades, 
não importam os obstáculos, para a esperança (FREIRE, 1992, p. 6). 
 Para o educador, a esperança é a crença no sonho possível, desde que aqueles que 
fazem a história assim o queiram. Essa é a crença que acompanha as educadoras 
participantes deste estudo. 
Considerações finais 
De maneira geral, os currículos de Pedagogia ainda oferecem pouco espaço para a 
reflexão e para o processo de formação docente. Professores iniciam atividades sem 
saber direito o que é ser um profissional da educação infantil, que conjunto de saberes e 
práticas ela envolve, que identidade profissional constitui (GATTI, BARRETO, 2009). Se os 
cursos de Pedagogia não contemplam como deveriam a educação infantil, isso, de 
alguma forma, talvez influenciem as representações negativas que os próprios 
professores possuem sobre a área. 
A desvalorização da profissão constitui um dos maiores obstáculos ao 
desenvolvimento da profissionalidade. Investir em uma formação que contemple as 
especificidades dessa fase pode levar a uma mudança nesse olhar revestido de 
negatividade sobre o trabalho do educador infantil. Nas palavras de Freire: 
É preciso que haja luta, que haja protesto, que haja exigência e que os 
responsáveis, de maneira direta ou indireta, pela tarefa de formar entendam que 
formação é permanente. Não existe formação momentânea, formação do 
começo, formação do fim de carreira. Nada disso. Formação é uma experiência 
permanente, que não para nunca. (FREIRE, 2001, p. 245) 
Para pensar em alcançar qualidade na educação, em qualquer que seja o 
segmento de ensino, há de se ter como ponto de partida uma política de valorização, de 
formação e de qualificação do professor, o que implica criar melhores condições de 
trabalho, reconhecer e valorizar a profissão e, sobretudo, uma remuneração adequada. 
Para garantir uma prática que seja efetivamente coerente no compromisso com as 
crianças, é preciso que o educador se assuma como tal e lute por seus direitos como 
profissional. A educação infantil (também) exige seriedade e profissionais formados 
especificamente para atender a uma fase específica do desenvolvimento humano, e que 
não se confundem com as relações familiares de parentesco. É imprescindível que a 
professora, representada como tia afetiva e paciente, dotada de um dom maternal inato, 
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sendo guiada somente pelo amor e pela intuição, dê lugar ao profissional da educação, 
com estudos específicos que abrangem o ser, o saber, o conhecer e o conviver da e na 
ação docente (FREIRE, 1997). Educação infantil não é campo para amadorismo. 
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 Recebido: 16.07.2021 
Aprovado: 17.11.2021 
 
 
 
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