Buscar

Artrites - Pediatria

Prévia do material em texto

Caso 14 – Artrites
Febre Reumática
- Definição:
A febre reumática (FR) e a cardiopatia reumática crônica (CRC) são complicações não supurativas da faringoamigdalite causada pelo estreptococo beta-hemolítico do grupo A e decorrem de resposta imune tardia a esta infecção em populações geneticamente predispostas.
- Epidemiologia:
A faringoamigdalite e o impetigo são as infecções mais frequentemente causadas pelo EBGA. No entanto, somente a primeira está associada à FR. O EBGA é o responsável por 15-20% das faringoamigdalites e pela quase totalidade daquelas de origem bacteriana. A faringoamigdalite estreptocócica acomete preferencialmente indivíduos de 5 a 18 anos, mas sua incidência varia conforme os países e suas regiões. É uma doença frequentemente associada à pobreza e às más condições de vida.
Estima-se que anualmente no Brasil ocorram cerca de 10 milhões de faringoamigdalites estreptocócicas, perfazendo o total de 30.000 casos novos de FR, dos quais aproximadamente 15.000 poderiam evoluir com acometimento cardíaco. No entanto, em todas as regiões brasileiras observa-se uma redução progressiva do total de internações por esta doença.
Apesar da reconhecida redução da incidência de FR nas últimas décadas nos países desenvolvidos, com consequente redução da CRC, a FR permanece como um grande problema de saúde pública, principalmente nos países em desenvolvimento.
- Etiopatogenia:
Fatores ambientais e socioeconômicos contribuem para o aparecimento da doença, uma vez que alimentação inadequada, habitação em aglomerados e ausência ou carência de atendimento médico constituem fatores importantes para o desenvolvimento da faringoamigdalite estreptocócica. Paralelamente, fatores genéticos de suscetibilidade à doença estão diretamente relacionados ao desenvolvimento da FR e suas sequelas.
A existência de processo autoimune na FR foi postulada após observação de que as lesões no coração estavam associadas a anticorpos que reconheciam o tecido cardíaco por mimetismo molecular. Os anticorpos reativos ao tecido cardíaco, por reação cruzada com antígenos do estreptococo, se fixam à parede do endotélio valvar e aumentam a expressão da molécula de adesão VCAM I, que atrai determinadas quimiocinas e favorecem a infiltração por neutrófilos, macrófagos e, principalmente, linfócitos T, gerando inflamação local, destruição tecidual e necrose.
Postula-se que a produção de citocinas direciona para uma resposta celular (Th1), causando quadros de cardite grave e sequela valvar e, provavelmente, para uma resposta predominantemente humoral (Th2), que causaria quadro clínico com coreia e artrite. Essa diferença de resposta é vista também na apresentação clínica, pois se observou que apenas 5% dos pacientes com cardite grave cursaram com coreia, enquanto a incidência entre os pacientes com cardite leve foi de 65%.
* Nódulos de Aschoff: patognomônicos da FR; compostos por agregados de células semelhantes a macrófagos e monócitos, exercem a função de células apresentadoras de antígeno para as células T.
* No tecido cardíaco de pacientes com cardiopatia reumática grave há predomínio de células mononucleares secretoras de TNF-alfa e IFN-gama (padrão Th1), enquanto raras células mononucleares infiltrantes das válvulas produzem IL-4 e citocina reguladora da resposta inflamatória. Portanto, a baixa produção de IL-4 está correlacionada com a progressão das lesões valvares na CRC, enquanto no miocárdio ocorre cura da miocardite após algumas semanas.
- Diagnóstico:
O diagnóstico é clínico, sendo sustentado pelos exames laboratoriais que revelam processo inflamatório e infecção estreptocócica. Os critérios de Jones, estabelecidos em 1944, tiveram sua última modificação em 1992 e continuam sendo o padrão-ouro para o diagnóstico do primeiro surto da FR. A probabilidade de FR é alta quando há evidência de infecção estreptocócica prévia (elevação da antiestreptolisina O), além da presença de pelo menos dois critérios maiores ou um maior e dois menores. Já os critérios de Jones revistos pela OMS em 2004 destinam-se também ao diagnóstico das recorrências da FR em pacientes com CRC estabelecida.
Uma vez que outros diagnósticos sejam excluídos, a coreia, a cardite indolente e as recorrências são três exceções em que os critérios de Jones não têm que ser rigorosamente respeitados:
1) Considerando-se a raridade de outras etiologias para a coreia, sua presença implica no diagnóstico de FR, mesmo na ausência dos outros critérios ou da comprovação da infecção estreptocócica anterior; 2) Na cardite indolente, as manifestações clínicas iniciais são pouco expressivas e, quando o paciente procura o médico, as alterações cardíacas podem ser a única manifestação, e os exames de fase aguda, assim como os títulos de anticorpos para o estreptococo, podem estar normais; 3) Nos casos em que o paciente tem história de surto agudo prévio ou de cardiopatia crônica comprovada, o diagnóstico de recorrência pode ser baseado em apenas um sinal maior ou em vários sinais menores ou, simplesmente, em dois sinais menores pelo critério da OMS.
* Outros sinais e sintomas, como epistaxe, dor abdominal, anorexia, fadiga, perda de peso e palidez podem estar presentes, mas não estão incluídos entre as manifestações menores de Jones.
Diagnóstico da faringoamigdalite: Aproximadamente 30% dessas infecções pelo EBGA são de manifestações subclínicas (subdiagnosticados). O diagnóstico da faringoamigdalite estreptocócica permite o tratamento adequado e, consequentemente, a prevenção primária da FR. O diagnóstico diferencial deve ser feito com as infecções virais e, para isso, as manifestações auxiliam: faringoamigdalite estreptocócica mal-estar geral, vômitos, febre elevada, hiperemia e edema de orofaringe, bem como petéquias e exsudato purulento, além de linfonodos cervicais palpáveis e dolorosos; infecção viral coriza, tosse, rouquidão e conjuntivite. Recomenda-se a comprovação laboratorial da infecção pelo EBGA. A cultura da orofaringe é o padrão-ouro, mas quando comparado ao teste rápido para a detecção do antígeno, vê-se a vantagem do tempo. Exames sorológicos traduzem uma infecção prévia e não o quadro agudo: antiestreptolisina O (ASLO) e anti-desoxyribonuclease B (anti-DNase).
* A elevação dos títulos de ASLO se inicia por volta do 7º dia após ainfecção e atinge o pico entre a 4ª e a 6ª semana, mantendo-se elevada por meses. Recomenda-se a realização de duas dosagens de ASLO com intervalo de 15 dias.
* Aproximadamente 20% dos pacientes com FR não cursam com elevação da ASLO.
Artrite: É a manifestação mais comum da FR (75% dos casos), com evolução autolimitada e sem sequelas. A artrite típica da FR evolui de forma assimétrica e migratória, afetando preferencialmente as grandes articulações (+ MMII). A duração do processo inflamatório em cada articulação raramente ultrapassa uma semana e o quadro total cessa em menos de um mês. A artrite é em geral muito dolorosa e pode ser observada ao exame físico a limitação dos movimentos. A resposta aos AINEs é rápida. Existem também as apresentações atípicas (20%), que incluem a artrite aditiva (envolvimento progressivoe simultâneo de várias articulações, sem cessar a inflamação nas anteriores), monoartrite (o uso precoce de AINEs pode impedir a progressão dos sinais e sintomas para outras articulações; importante a suspensão dos anti-inflamatórios para fazer retornar o quadro e permitir uma melhor avaliação) e acometimento de pequenas articulações (mas sempre deve haver acometimento concomitante de grandes articulações) e da coluna vertebral (+ cervical).
* Nos casos de associação da artrite com a cardite, tem sido descrita correlação inversa entre a gravidade das duas manifestações.
* Artrite reativa pós-estreptocócica: Afeta principalmente os adultos, com envolvimento de mais de uma articulação, mas não preenche os critérios de Jones para diagnóstico de FR. O intervalo de tempo entre a infecção estreptocócica e a artrite é de cerca de 10 dias. Habitualmente tem caráter cumulativo e persistente, alémde não apresentar resposta satisfatória aos AINEs. O grau de acometimento cardíaco é incerto e, provavelmente, incomum.
Cardite: É a manifestação mais grave da FR, pois é a única que pode deixar sequelas e acarretar óbito. Ocorre entre 40-70% dos primeiros surtos. A cardite tende a aparecer em fase precoce e, mais frequentemente, é diagnosticada nas três primeiras semanas da fase aguda. O acometimento é caracterizado pela pancardite, mas são as lesões valvares as mais associadas ao quadro clínico e prognóstico. O acometimento pericárdico não é comum e não ocorre isoladamente, é diagnosticado pela presença de atrito e/ou derrame pericárdico, abafamento de bulhas, dor ou desconforto precordial; nos casos leves, é um achado exclusivo do ECO. A miocardite tem sido diagnosticada com base no abafamento da primeira bulha, no galope protodiastólico, na cardiomegalia e na ICC (causada pela lesão valvar, apesar do envolvimento do miocárdio). A endocardite/valvite constitui a marca diagnóstica da cardite, envolvendo mais frequentemente as valvas mitral e aórtica. Na fase aguda, a lesão mais frequente é a regurgitação mitral, seguida pela regurgitação aórtica. Por outro lado, as estenoses valvares ocorrem mais tardiamente (fase crônica). Três sopros são característicos do primeiro episódio e podem não representar disfunção valvar definitiva: sopro sistólico de regurgitação mitral, sopro diastólico de Carey Coombs e sopro diastólico de regurgitação aórtica.
* A ausência de sopro não afasta a possibilidade e comprometimento cardíaco.
* Cardite recorrente: suspeitada por meio da detecção de um novo sopro ou pelo aumento da intensidade de sopros previamente existentes, atrito ou derrame pericárdico, aumento da área cardíaca ou IC associada à evidência de infecção estreptocócica anterior.
Coreia de Sydenham: Ocorre predominantemente em crianças e adolescentes do sexo feminino, sendo rara após os 20 anos de idade. Sua prevalência varia de 5-36%, com início insidioso caracterizado, geralmente, por labilidade emocional e fraqueza muscular que dificultam o diagnóstico. Trata-se de uma desordem neurológica caracterizada por movimentos rápidos involuntários incoordenados, que desaparecem durante o sono e são acentuados em situações de estresse e esforço. São frequentemente generalizados. Disartria e dificuldades na escrita podem ocorrer. O surto da coreia dura, em média, de 2 a 3 meses, mas pode prolongar-se por mais de um ano. Também foram descritas manifestações neuropsiquiátricas, como tiques e transtorno obsessivo compulsivo. Com frequência, apresenta-se associada à cardite e, menos, à artrite. Geralmente ocorre como manifestação tardia, até 7 meses após a infecção estreptocócica.
* Nos casos em que a coreia é a única manifestação da FR ou é acompanhada somente por artrite, deve ser solicitado, se possível, o anticorpo antinúcleo para descartar a possibilidade de LES. Anticorpos anticardiolipina têm sido descritos em pacientes com CS.
Eritema marginado: Manifestação rara (menos de 3%). Caracteriza-se por eritema com bordas nítidas, centro claro, contornos arredondados ou irregulares, sendo de difícil detecção nas pessoas de pele escura. As lesões são múltiplas, não rpuriginosas, indolores, podendo haver fusão, resultando em aspecto serpiginoso. Localizam-se principalmente no tronco, abdome e face interna de MMSS e MMII, poupando a face. São fugazes, podendo durar minutos ou horas, e mudam frequentemente de forma. Essa manifestação está associada à cardite, porém não necessariamente à sua forma grave.
Nódulos subcutâneos: São raros (2-5%) e estão fortemente associados à cardite grave. São múltiplos, arredondados, de tamanhos variados (0,5-2cm), firmes, móveis, indolores e recobertos por pele normal, sem características inflamatórias. Localizam-se sobre proeminências e tendões extensores (cotovelos, punhos, joelhos, tornozelos, tendão de Aquiles, coluna vertebral). O aparecimento é tardio (1 a 2 semanas após as outras manifestações) e regride rapidamente com o tratamento da cardite.
Artralgia: Presença de artralgia com padrão poliarticular migratório e assimétrico envolvendo grandes articulações é altamente sugestiva de FR e frequentemente associada à cardite.
* A presença de artrite (critério maior) não permite incluir a artralgia como critério menor.
Febre: É frequente no início do quadro agudo e ocorre em quase todos os surtos de artrite. Em geral, cede espontaneamente em poucos dias e responde rapidamente aos AINEs.
Intervalo PR: Pode estar aumentado mesmo na ausência de cardite. O ECG deve ser solicitado em todos os pacientes com suspeita de FR e repetido para registrar o retorno à normalidade. Na criança, considera-se aumento desse intervalo quando apresenta valores acima de 0,18s e, nos adolescentes e adultos, acima de 0,20s.
Reagentes de fase aguda: As provas de atividade inflamatória (VHS e PCR) servem para acompanhamento da atividade da doença. A alfa-1-glicoproteína ácida apresenta títulos elevados na fase aguda da doença, mantendo-se elevada portempo mais prolongado.
* A PCR é mais fidedigna que a VHS.
* Exames complementares para avaliação do comprometimento cardíaco na FR: Radiografia de tórax e ECG são importantes para avaliar se há cardiomegalia e congestão pulmonar (sugere cardite grave), no primeiro, e em relação ao segundo, os achados são inespecíficos, geralmente transitórios e representados por taquicardia sinusal, distúrbios de condução, alterações de ST-T e baixa voltagem do complexo QRS e da onda T no plano frontal. O BAV do 3º grau e o bloqueio do ramo esquerdo são raros na doença reumática ativa. Observa-se que em crianças e adolescentes portadores de cardite, há uma tendência ao alongamento do intervalo QT. O ECO pode mostrar persistência ou agravamento das lesões valvares, mesmo com regressão dos achados clínicos. Assim, a OMS recomenda que nas áreas endêmicas, seja feito esse exame para o diagnóstico de cardite subclínica.
* ECG normal não exclui cardite.
* A função ventricular esquerda é normal no episódio inicial e, mesmo nas recorrências, a maioria dos pacientes mantém função preservada. Derrame pericárdico, em geral pequeno, ocorre com frequência, mas nem sempre há atrito.
* Outros exames, mas não usados de frequência, são a biópsia endomiocárdica e a cintilografia.
- Tratamento:
Medidas gerais: (1) Hospitalização: Diante de pacientes com suspeita de FR, primeiro surto ou recorrência, a necessidade de hospitalização vai depender da gravidade clínica. Indica-se internação hospitalar para os casos de cardite moderada ou grave, artrite incapacitante e coreia grave. A hospitalização também pode ter como objetivo abreviar o tempo entre a suspeita e o diagnóstico, bem como iniciar rapidamente o tratamento. (2) Repouso: Não há mais recomendação de repouso absoluto, mas sim de repouso relativo para aqueles pacientes com FR aguda, por um período de duas semanas. Nos casos de cardite moderada a grave, deve-se estender esse repouso até 4 semanas. (3) Controle de temperatura: Recomenda-se o paracetamol (primeira escolha) ou a dipirona. Não é recomendado o uso de AINE, inclusive AAS, até que se confirme o diagnóstico de FR.
Erradicação do estreptococo: O tratamento da faringoamigdalite e a erradicação do estreptococo devem ser feitos já na vigência da suspeita da FR, independente do resultado da cultura de orofaringe. Objetiva reduzir a exposição antigênica do paciente ao estreptococo e impedir a propagação de cepas reumatogênicas na comunidade.
* Nos casos de primeiro surto, o tratamento instituído corresponde ao início da profilaxia secundária.
Tratamento da artrite: De modo geral, o uso de AINEs apresenta bons resultados. O AAS se mantém como a primeira opção crianças: 80-100mg/kg/dia de 6/6h, após 2 semanas reduz a dose para 60mg/kg/dia, caso tenha ocorrido melhora dos sintomas, deve ser mantido por 4 semanas; adultos: 6-8g/dia. Na presença de algum processo viral agudo, sugere-se que o AAS seja suspenso pelo risco de síndrome de Reye. O naproxeno é considerado umaboa alternativa ao AAS, com a mesma eficácia; a dose usada é de 10-20mg/kg/dia de 12/12h. As artrites reativas pós-estreptocócicas podem não apresentar boa resposta clínica ao tratamento com AAS e naproxeno, sendo indicada a indometacina. Na vigência de quadros articulares agudos sem diagnóstico definido, analgésicos deverão ser utilizados como primeira opção, tais como o acetaminofeno ou a codeína. Os corticoides não estão indicados habitualmente para a artrite isolada, mas quando houver indicação para o uso de corticoisteroide, como no caso da cardite associada, não há necessidade de se manter ou introduzir o AINE.
* A síndrome de Reye é uma doença aguda não inflamatória, de etiologia ainda desconhecida, que se caracteriza por apresentar sinais e sintomas de encefalopatia e degeneração gordurosa do fígado. Essa síndrome ocorre quase que exclusivamente em crianças e tem alto grau de letalidade (10% a 40%). No início do quadro, o indivíduo, geralmente uma criança ou adolescente previamente saudável, apresenta vômitos intensos e graus variáveis de comprometimento neurológico, que podem progredir desde a irritabilidade até o coma. Caracteristicamente, os primeiros sinais da SR surgem após infecções de etiologia viral. Diversos vírus podem estar associados à SR (adenovírus, coxsackie A e B, Epstein-Barr, ecovírus, influenza A e B, poliovírus, parainfluenza, rubéola, sarampo, varicela-zoster e herpes simplex), mas a maioria dos casos tem sido comprovada em crianças com infecções pelos vírus influenza e varicela-zoster.
Tratamento da cardite: Apesar de não haver evidência de melhora da lesão valvar que justifique o uso de corticoide na cardite com perspectiva de melhora do prognóstico da lesão cardíaca, seu uso na cardite moderada e grave, assim como naqueles que cursam com pericardite, tem por objetivo a redução do tempo de evolução do quadro de cardite, bem como uma melhora do quadro inflamatório. No caso da cardite leve, considerando que o paciente é assintomático, a evidência em favor do tratamento anti-inflamatório é insuficiente e o uso dos salicilatos não estaria recomendado. Na prática clínica, não há consenso. Quando usado, o esquema de corticoterapia é com prednisona 1-2mg/kg/dia (máx 80mg/dia), via oral, fazendo dose plena durante 2-3 semanas, dependendo do controle clínico e laboratorial, e reduzindo a dose gradativamente a cada semana (20-25% da dose), sendo indicado um tempo total de tratamento em torno de 12 semanas na cardite moderada e grave e de 4-8 semanas na leve. A pulsoterapia com metilprednisolona endovenosa (30mg/kg/dia) em ciclos semanais intercalados pode ser utilizada nos casos de cardite grave, refratária ao tratamento inicial, ou naqueles pacientes que necessitam de cirurgia cardíaca emergencial. Nos casos de IC leve ou moderada, o tratamento deve ser feito com uso de diuréticos e restrição hídrica. Indica-se furosemida na dose de 1-6mg/kg/dia e espironolactona na dose de 1-3mg/kg/dia. Os IECA estão indicados principalmente nas situações de insuficiência aórtica importante, podendo-se utilizar captopril 1-2mg/kg/dia ou enalapril 0,5-1mg/kg/dia. A digoxina (crianças 7,5-10mcg/kg/dia, adultos 0,125-0,25mg/dia) também pode ser usada, principalmente nos casos onde há disfunção ventricular confirmada pelo ECO ou de fibrilação atrial. Nos casos de FA, a anticoagulação deve ser considerada.
* Em situações de cardite refratária ao tratamento padrão, com lesão valvar grave (lesões de valva mitral com ruptura de cordas tendíneas ou perfuração das cúspides valvares), pode ser necessária a realização de um tratamento cirúrgico na fase aguda.
Tratamento da coreia: Na coreia leve a moderada estão indicados repouso e permanência do paciente em ambiente calmo, evitando estímulos externos. O tratamento específico está indicado apenas nas formas graves, quando os movimentos interferem nas atividades habituais. Nesses casos, a hospitalização pode ser necessária. Os fármacos mais utilizados são: a) haloperidol 1mg/dia em 2 tomadas, aumentando 0,5mg a cada 3 dias, até atingir a dose máxima de 5 mg ao dia; b) ácido valproico 10mg/kg/dia, aumentando 10mg/kg a cada semana até dose máxima de 30mg/kg/dia; e c) carbamazepina 7-20mg/kg/dia.
* Monitorização do tratamento: Deve-se estar atento à normalização das provas inflamatórias, que devem ser repetidas a cada 15 dias, observar se houve desaparecimento da febre e das principais manifestações e, nos pacientes com cardite, recomenda-se realização de ECO, raio-x de tórax e ECG após 4 semanas do início do quadro.
- Profilaxia:
Sabe-se que o tratamento precoce e adequado das faringoamigdalites estreptocócicas do grupo A com penicilina até o nono dia de sua instalação pode erradicar a infecção e evitar um primeiro surto de FR em um indivíduo suscetível – profilaxia primária – ou um novo surto em quem já teve a doença anteriormente – profilaxia secundária.
* É possível que o controle da doença em países desenvolvidos esteja mais relacionado à melhoria das condições socioeconômicas do que tão somente à introdução de esquemas terapêuticos profiláticos.
A profilaxia primária é baseada na redução do contato com o estreptococo e no tratamento das faringoamigdalites. A eficácia dessa intervenção preventiva é obtida ainda que se inicie o antibiótico até 9 dias após o início do quadro infeccioso. A penicilina benzatina continua sendo a droga de escolha para o tratamento desses pacientes. A penicilina V é a droga de escolha para uso oral. A amoxicilina e a ampicilina também podem ser opções de tratamento. Embora a profilaxia primária seja, teoricamente, a melhor maneira de prevenir o aparecimento da doença, a FR pode ocorrer independente dos esforços despendidos na prevenção primária. Uma importante dificuldade encontrada na execução dessas medidas são as formas assintomáticas ou oligossintomáticas das infecções estreptocócicas e os casos de tratamento inadequado, seja pelo uso de antibióticos bacteriostáticos, seja pela administração da medicação adequada por período inferior a 10 dias. Por fim, salienta-se que a amigdalectomia não é medida recomendada para profilaxia primária da FR.
* A taxa de transmissão do EBGA em pacientes não tratados é de aproximadamente 35% nos contatos próximos. Contudo, 24 horas após o início do tratamento com penicilina, o indivíduo torna-se minimamente contagiante.
* Tetraciclina, sulfas e cloranfenicol não devem ser usados para tratamento da faringoamigdalite estreptocócica, em virtude da alta prevalência de resistência do estreptococo a essas drogas e/ou por não erradicarem o EBGA da orofaringe.
* A dose da penicilina benzatina recomendada é de 600.000 UI IM em pacientes com peso até 27 kg e de 1.200.000UI IM em pacientes com peso acima de 27 kg.
A profilaxia secundária regular previne recorrências da doença e reduz a severidade da cardiopatia residual, de modo a prevenir, consequentemente, mortes decorrentes de valvopatias severas.
* Medidas para diminuir a dor durante aplicação da penicilina benzatina devem ser observadas, objetivando uma melhor aderência à profilaxia: usar agulha 30x8 mm ou 25x8 mm para aplicar a medicação, injetar o líquido lenta e progressivamente (2-3 min) e evitar friccionar o local. O uso de 0,5 ml de lidocaína 2% sem vasoconstrictor reduz a dor durante a aplicação e nas primeiras 24 horas, além de não interferir significativamente nos níveis séricos da penicilina.
	
*Apesar da amigdalectomia diminuir a incidência de infecção por Streptococcus β hemolítico, a criança pode continuar tendo infecções pelo Streptococcus β hemolítico nas paredes da garganta, mesmo na ausência das amígdalas. Assim, não se indica amigdalectomia como profilaxia da FR, pois os benefícios são poucos comparados com o custo e o risco cirúrgico.
Artrite Idiopática Juvenil (AIJ)
- Definição:
A AIJ é a denominação mais recentemente utilizada para definir um grupo de doenças cuja característica principal é a artrite crônica (>6 semanas) antes dos 16 anos.
* A literatura adotava as nomenclaturas artrite crônicajuvenil (ACJ), nos países europeus, e artrite reumatoide juvenil (ARJ) nos EUA.
- Epidemiologia:
Apresenta uma distribuição bimodal, com um pico de incidência abaixo dos 5 anos (forma oligoarticular) e outro entre 10-16 anos (forma poliarticular com FR positivo). Geralmente, o sexo feminino é mais acometido que o masculino.
- Classificação e Diagnóstico:
Na tentativa de uma melhor padronização da doença e dos subtipos existentes, criou-se, em 1993, o Comitê Pediátrico da Liga Internacional de Associações de Reumatologia que propôs o termo AIJ. Essa classificação foi revisada em 1997 (Durban/ África do Sul) e em 2001 (Edmonton) e consta de 6 categorias diagnósticas. Adicionalmente, foi incluso um sétimo subtipo “indiferenciado” para os pacientes que não se enquadram em nenhuma categoria ou apresentam características de mais de uma delas.
AIJS (10-20%): O comprometimento articular pode ser oligo ou poliarticular, podendo ocorrer em qualquer articulação, especialmente nas grandes (joelhos, punhos, tornozelos e cotovelos). O envolvimento do quadril costuma ser tardio, acometendo geralmente pacientes com poliartrite. Pacientes com comprometimento poliarticular apresentam, com frequência, alterações erosivas e mal prognóstico funcional. A febre as manifestações sistêmicas podem preceder o quadro articular em até anos, o que pode dificultar o diagnóstico. Febre na AIJS é uma condição necessária para o seu diagnóstico. Geralmente vespertina, 1 ou 2 picos diários > 39°C, com retorno rápido à temperatura normal. Deve apresentar uma duração de, no mínimo, 2 semanas e documentada por pelo menos 3 dias. O exantema típico está presente em 95% dos casos e pode surgir ou exacerbar com a febre, além da pressão de roupas, banhos quentes, estresse e exposição solar. Consiste em lesões maculares e maculopapulares, de 2 a 6mm, distribuídas principalmente em tronco e áreas proximais de membros, podendo confluir. Geralmente apresenta caráter evanescente e é raro o prurido. Os sintomas clínicos de pericardite (taquicardia, dor torácica e atrito pericárdico) ocorrem em apenas 10% dos pacientes, enquanto o ECO é capaz de identificar em até 36% dos casos. A miocardite pode ocorrer (10%), constituindo um fator de mau prognóstico. Serosite não é raro e caracteriza-se principalmente pela presença clínica ou radiológica de pleurite, com ou sem derrame, às vezes associada à pericardite. Adenomegalias costumam ser simétricas e acometer linfonodos cervicais, axilares, inguinais, epitrocleares e mesentéricos. Hepatoesplenomegalia (mais comum a esplenomegalia), quando presente, é geralmente discreta. As provas de função hepática podem estar alteradas (disfunção da própria doença ou por hepatotoxicidade da medicação utilizada no tratamento da artrite).
* Insuficiência hepática aguda grave SAM (Síndrome de Ativação Macrofágica): complicação que pode ocorrer em fases iniciais ou tardias da doença, caracterizada por disfunção hepática, coagulopatia, pancitopenia e manifestações neurológicas. A presença de numerosos macrófagos na medula óssea fagocitando células sanguíneas (hemofagocitose), sem evidência de malignidade, é característica da SAM.
* Principais indicadores de mau prognóstico: idade < 6 anos, duração da doença > 5 anos, sintomas sistêmicos persistentes e trombocitose > 600.000/mm³.
Oligoartrite (50-60%): Presença de artrite em 4 ou menos articulações. Predomina no sexo feminino, com pico de incidência entre 1 a 3 anos. A artrite pode afetar grandes (joelhos e tornozelos) e pequenas (interfalangeanas) articulações. Uveíte ou iridociclite é a manifestação extra-articular mais comum, presente em até 20% dos casos, podendo ser até mais grave que a própria artrite. Costuma ser bilateral e assintomática, por isso é necessário exame periódico com lâmpada de fenda. Em fases avançadas gera um aspecto irregular da pupila, ceratopatia em faixa (depósitos de cálcio), catarata e glaucoma. Está associada ao anticorpo antinuclear.
Poliartrite com FR negativo (20-30%): Artrite em 5 ou mais articulações nos 6 primeiros meses, também predominando no sexo feminino e com idade abaixo de 6 anos. Caracteriza-se por poliartrite progressiva, simétrica e cumulativa. Pode afetar grandes e pequenas articulações, articulação temporomandibular, coluna cervical e quadril, mais tardiamente. Cistos sinoviais são comuns em região poplítea, punho e dorso dos pés. Manifestações extra-articulares são incomuns.
Poliartrite com FR positivo (5-10%): Artrite em 5 ou mais articulações nos primeiros 6 meses de doença com FR positivo. Também predominando no sexo feminino, mas com idade entre 12 e 16 anos. A artrite é agressiva, muitas vezes, levando a alterações erosivas já nos primeiros meses de doença. Manifestações extra-articulares: mal-estar, fadiga e perda de peso em 50% dos pacientes.
Artrite relacionada a entesite (1-7%): Artrite + entesite (tendões, ligamentos, cápsulas e fáscias) ou apenas artrite ou entesite associada a pelo menos 2 dos seguintes: (1) dor à digitopressão das articulações sacroilíacas ou dor da coluna lombossacra, (2) artrite em paciente masculino após os 6 anos, (3) presença de HLA-B27, (4) uveíte anterior sintomática, (5) história familiar de espondilite anquilosante, artrite relacionada à entesite, sacroileíte, DII.
Artrite psoriásica (2-15%): Artrite + psoríase. Entretanto, como a psoríase pode aparecer anos após o início da artrite, admite-se o diagnóstico deste subtipo sempre que a artrite estiver associada a dois ou mais dos seguintes: dactilite, pequenas depressões ungueais puntiformes ou onicólise e história familiar de psoríase em parente de 1º grau.
* Uveíte anterior é uma das manifestações extra-articulares da AIJ e pode ser crônica ou aguda. Os subtipos que costumam cursar com uveíte anterior crônica (UAC) são: oligoarticular, poliarticular FR negativo e artrite psoriásica. O subtipo artrite relacionada à entesite pode cursar com uveíte anterior aguda. A uveíte anterior (iridociclite) crônica não granulomatosa consiste em uma inflamação da íris e do corpo ciliar, com duração superior a 3 meses. A positividade do anticorpo antinuclear (FAN) é considerada um fator de risco para o desenvolvimento da uveíte crônica. Uveíte anterior aguda (UAA) ocorre na artrite relacionada à entesite, costuma ser sintomática, com dor, hiperemia, fotofobia e responder bem ao tratamento com colírios de corticosteroide local. Os pacientes com diagnóstico de AIJS, poliarticular soropositiva (FR+) e artrite relacionada à entesite, apresentam baixo risco para uveíte, sendo recomendada uma consulta oftalmológica anualmente. Nos demais subtipos, as avaliações devem ser feitas a cada 3 ou 6 meses.
- Diagnóstico:
Os exames laboratoriais são úteis na classificação dos subtipos de AIJ e na avaliação da atividade inflamatória.
Hemograma e provas de fase aguda - o hemograma pode revelar anemia de doença crônica, leucocitose e trombocitose, de acordo com a magnitude do envolvimento inflamatório. As alterações nas provas de fase aguda, como aumento de velocidade de hemossedimentação e proteína C reativa, podem ser descritas em qualquer subtipo, mas são mais evidentes no subtipo sistêmico, seguido do poliarticular.
Fator reumatoide (FR): a positividade do fator reumatoide (FR) não atinge 10% dos casos de AIJ. Por ser um exame inespecífico, é necessário que seja positivo em 2 testes repetidos, com intervalo de 3 meses, para classificar pacientes com artrite em mais de 5 articulações, nos 6 primeiros meses de doença, como AIJ poliarticular FR positivo.
HLA B27: a pesquisa do HLA-B27, antígeno de superfície celular produto dos genes do complexo maior de histocompatibilidade (MHC), encontra-se presente em 85% dos pacientes portadores da artrite relacionada à entesite, sendo, portanto, sua positividade considerada um dos critérios de exclusão dos outros subtipos de AIJ.
Anticorpo antinuclear: a positividade do FAN apoia o diagnóstico de AIJ e indica maior risco de desenvolvimento de UAC, complicação ocular frequente nos subtipos de AIJoligoarticular, poliarticular FR negativo e artrite psori- ásica, todas com predomínio no sexo feminino.
Anti-CCP: o anti-CCP (anticorpo contra peptídeos cíclicos citrulinados) é um importante marcador sorológico para o diagnóstico de artrite reumatoide e um possível marcador prognóstico para a progressão desfavorável da doença. Apesar de razoavelmente bem explorados em pacientes adultos, a frequência do anti-CCP e sua importância no diagnóstico de AIJ permanece controverso. A maioria dos estudos descreve positividade menor que 10% nos pacientes com AIJ, principalmente no subtipo poliarticular FR positivo, que cursa com manifestações articulares mais graves, com mais erosões e deformidades.
Exames de imagem As principais alterações radiológicas de ocorrência na ARJ são: edema de partes moles, osteopenia, diminuição de espaço articular, erosão, anquilose, hipertrofia óssea e encurtamento ósseo. Dentre essas alterações, o edema de partes moles apresenta-se como achado inicial, porém não específico de atividade inflamatória. A ultrassonografia possibilita a detecção de parâmetros de elevada sensibilidade para a AIJ, como espessamento da membrana sinovial e derrame articular. Ainda que seja método diagnóstico acurado na avaliação da cartilagem sinovial, dada a ampla heterogeneidade encontrada nos artigos que avaliam o uso da ressonância magnética na AIJ, não se indica a realização desse método de imagem de maneira rotineira na avaliação articular de pacientes portadores de AIJ. Suas indicações práticas são: suspeita de outro diagnóstico que não a AIJ (em especial, infecções e tumores ósseos); monoartrite não-responsiva à terapêutica convencional e suspeita de comprometimento da articulação sacroilíaca e/ou do quadril, com radiografia simples negativa.
* A desmineralização óssea pode ser detectada radiologicamente, porém somente quando ocorre perda em torno de 30% do conteúdo mineral ósseo. A osteopenia pode ser justa-articular (secundária à inflamação das articulações) ou generalizada (diminuição da atividade física e/ou pela terapia com esteroides).
- Tratamento:
AINEs: naproxeno, ibuprofeno, indometacina e diclofenaco.
Corticoides: sob a forma de colírios, triancinolona intra-articular e corticoides sistêmicos.
Drogas modificadoras da doença: metotrexato e sulfassalazina.
Agentes biológicos: anti-TNF alfa (etanercepte, infliximabe e adalimumabe).
Fontes:
http://publicacoes.cardiol.br/consenso/2009/diretriz_febrereumatica_93supl04.pdf
http://www.projetodiretrizes.org.br/ans/diretrizes/febre_reumatica-tratamento_e_prevencao.pdf
http://www.projetodiretrizes.org.br/diretrizes11/artrite_idiopatica_juvenil_diagn%C3%B3stico.pdf

Continue navegando