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TRAUMA E RESILIÊNCIA NO PROCESSO ANALÍTICO
I- Introdução - Algumas Considerações Sobre o Conceito de Trauma e de Resiliência em Psicanálise
	Resiliência vem de “Resilire”, que em latim significa “voltar a entrar saltando”, ou “saltar por cima”, ou também pode traduzir-se como “afastar-se”, “desviar-se”.
	A Resiliência é parte de um processo evolutivo, promovido desde a infância e dependeria de um entorno favorecedor (Bores Cyrulnik).
	Pensamos a resiliência como uma capacidade humana para fazer frente às adversidades da vida, inclusive à situações de grande impacto psíquico, ou situações traumáticas, superá-las, ou mesmo transformá-las, criando novas alternativas vitais.
	Na resiliência poderemos distinguir 2 fatores: a) a resiliência frente a ameaça de destruição interna ou externa (capacidade de proteger a própria integridade); b) a capacidade para construir uma conduta vital positiva nas circunstâncias mais difíceis. Poderemos pensar nestas 2 características operando em um indivíduo, grupo ou sistema social, e inclusive a capacidade de enfrentar adequadamente as dificuldades de uma forma socialmente aceita.
	Alguns autores estudiosos de crianças resilientes (Milgran e Palti, 1993), as definem como crianças que enfrentam bem a adversidade, apesar do stress ambiental, ou situações traumáticas, desde as mais precoces às mais evoluídas e que estas condições de resiliência nascem em função da interação de processos sociais e intra-psíquicos.
	Segundo os autores deste trabalho, não se “adquire” naturalmente a condição resiliente. Ela dependeria do processo de interação da criança com outros seres humanos, da criação de um vínculo afetivo através do estabelecimento de uma relação primordial, primária e dinâmica, continente-contido, entre a mãe e o bebê, evoluindo para uma abertura rumo a triangulação, pai-mãe-bebê, responsáveis pelos alicerces da construção do sistema psíquico do homem, pelo processo de humanização, ou seja, pelo nascimento da sua identidade e capacidade de sonhar, fantasiar, simbolizar.
	A introjeção e identificação com os objetos primários, núcleo em torno do qual se desenvolve o self, seria a mola propulsora da condição de resiliência.
	Ogden, T. H., em recente artigo, “Uma Nova Leitura da Teoria das Relações Objetais” (2004) apresenta uma releitura do texto de Freud “Luto e Melancolia” (1917), sublinhando a introdução da idéia de Freud da existência de uma forma de ambivalência, que se dá pelo embate entre o desejo de seguir vivendo, e o desejo de se amortecer, num esforço para se encontrar junto ao morto. Freud, neste artigo, segundo Ogden, nos ilumina a idéia de que as relações objetais internas inconscientes tanto podem ter uma característica de vida vivificadora, quanto de morte, amortecedora, ou mesmo combinação de ambas. Este modo de conceber o mundo objetal interno tem sido central no desenvolvimento de teoria psicanalítica de Winnicott (1971) e Green (1983). Ambos os autores ressaltam a importância das experiências do analista e do paciente com relação à vitalização e à desvitalização do mundo objetal interno do paciente. O sentido de vitalização e desvitalização na transferência e contratransferência, nos assinala Ogden, talvez seja a medida mais simples e importante para avaliar o status atual e momentâneo de um fracasso analítico (Ogden - 1995, 1997). Diz ainda o autor que, muito do “som” corrente no pensamento da psicanálise atual, e talvez, do “som” do pensamento psicanalítico do futuro, pode ser ouvido em “Luto e Melancolia”, de Freud, se soubermos ouvi-lo.
	“Este mundo solopsista de um psicanalista teórico, que não está firmemente assentado na realidade de sua experiência viva com seus pacientes, é muito semelhante ao do melancólico, auto-aprisionado, que sobrevive num mundo objetal interno atemporal e imortal, ainda que amortecido e moribundo (Ogden, T. H. 2004).
	A proposta de nosso grupo de trabalho seria investigar as recentes acepções sobre as experiências traumáticas, e suas conseqüências no desenvolvimento do psiquismo e na constituição do ser.
	Nosso interesse, clínico, centra-se no exame das possibilidades de transformações que o processo psicanalítico poderia propiciar, buscando uma re-significação do trauma, e a oportunidade de sua elaboração.
	Abordamos essas questões a partir do conceito de resiliência, nascido da física e aplicado atualmente em inúmeras ciências. Observamos, na clínica psicanalítica, a possibilidade de certos analisandos evoluírem ou não na elaboração de graves experiências traumáticas.
	Destacamos a situação psicanalítica como campo propiciador de desenvolvimento de condições de resiliência, propulsoras de soluções criativas na elaboração da dor mental, e a ampliação do contato com a vida intra e extra psíquica. Proporemos os seguintes itens a serem desenvolvidos:
Trauma, resistência e resiliência (Teresa R. L. Haudenschild)
O processo analítico como propiciador de resiliência (Plínio Luiz K. Montagna)
Catástrofe – mudança catastrófica – resiliência (Therezinha G. S. Dias)
Trauma, resiliência e falsa memória (Josette Czerny)
Resiliência e pré-concepção de humanidade (Ignácio Gerber)
Trauma, crença e capacidade para ter fé (Roberto Kehdy e Heloisa M. Ramos)
Vácuo, vazio e resiliência: processo analítico em pacientes precocemente traumatizados: Material clínico (Maria Cecília Andreucci Pereira Gomes)
Trauma, Resistência e Resiliência
 Teresa Rocha L. Haudenschild
Resistência e Resiliência
“No decorrer do trabalho psicanalítico, dá-se o nome de resistência a tudo o que, nos atos e palavras do analisando, se opõe ao acesso deste ao inconsciente”. (Laplanche e Pontalis, 1967, pg. 596-6).
Resiliência é “um processo, um conjunto de fenômenos harmonizados em que o sujeito se esgueira para dentro de um contexto afetivo, social e cultural. A resiliência é a arte de navegar nas torrentes”... “o resiliente deve apelar aos recursos internos impregnados em sua memória, brigar para não se deixar arrastar pela inclinação natural dos traumatismos que o fazem navegar aos trambolhões de golpe em golpe, até o momento que uma mão estendida lhe ofereça um recurso externo, uma relação afetiva, uma instituição social ou cultural que lhe permita a superação”. (Cyrulnik, 2001, pg. 207).
Resistência se dá no tratamento analítico, resiliência acontece no contexto de uma relação afetiva, podendo portanto ocorrer na relação analítica.
Teríamos que nos perguntar então qual situação analítica seria favorecedora de resiliência e se esta situação seria também propiciadora no vencer as resistências, propiciando melhor acesso ao inconsciente do analisando. Inconsciente entendido num sentido amplo (cf. Junqueira de Mattos, 19--), com representações reprimidas e áreas ainda não representadas, algumas nem vividas.
Trauma: acontecimento e significado
Trauma é um “acontecimento da vida do indivíduo que se define pela sua intensidade, pela incapacidade em que se acha o indivíduo de lhe responder de forma adequada, pelo trantorno e pelos efeitos patogênicos duradouros que provoca na organização psíquica. Em termos econômicos, o traumatismo caracteriza-se por um afluxo de excitações que é excessivo, relativamente à tolerância do indivíduo e à sua capacidade de dominar e de elaborar psiquicamente estas excitações”. (Laplanche e Pontalis, pg. 678).
Então, o que pode ser traumático para um indivíduo, pode não ser para outro, que tenha capacidade de tolerar o acontecimento e elaborá-lo psiquicamente, acolhê-lo em sua rede simbólica.
Resiliência e aquisição de autocontinência psíquica
Se, (cf. Bion, 1962) é a capacidade de pensar suas experiências emocionais a partir de seu repertório onírico é que revela a capacidade de continência psíquica do sujeito, teríamos que pensar nos vários níveis dessa capacidade, desde uma não-continência psíquica, quando o bebê necessita de uma mãe (ou objeto externo primário) com capacidade de reverie (Bion, 1962), que acolha suas confusas emoções, as metabolize e nomeie, para que seus significadospossam ser explorados, rumo a uma autocontinência (Meltzer, 1975), quando o sujeito, a partir de suas representações (memória onírica) pode se expor ao desconhecido, advindo tanto do mundo externo quanto do mundo interno (pulsões e afetos), expor-se ao não representado, ao irrepresentável até.
Assim, o passo de aquisição de autocontinência psíquica a partir da relação primária com um seio pensante: seria o primeiro passo na constituição de uma mente, com a introjeção de um Objeto Compreensivo (Bion, 1959), compreensão aqui não entendida como saber saturado, mas como abertura para o novo.
Os estudiosos de resiliência afirmam que são as relações precoces pré-verbais adequadas é que explicam a maneira de reagir às agressões da existência, levando o indivíduo a buscar relações com pessoas adequadas do seu entorno para se refazerem dos golpes e continuarem a viver. Mas enfatizam que mesmo a resiliência adquirida no início da vida pode ser perturbada se o meio adequado se transforma de repente num meio lesivo, mantido por muitos anos (ex.: perda dos pais e necessidade de conviver com adultos deprimidos ou abusadores).
Entretanto a qualidade da relação primária e do luto primário (introjeção das capacidades psíquicas do primeiro objeto) vai ser um fator importantíssimo no processo de resiliência, e no meu entender, no vencimento das resistências dentro do processo analítico: se o indivíduo pode “pensar suas experiências emocionais”, vai poder se expor à exploração de seu inconsciente, associar livremente.
Trauma e os vários níveis de estruturação psíquica
Se ocorrem golpes quando o bebê ainda não tem noção da separação do objeto, não tem ainda autocontinência psíquica, ele necessita ainda mais do entorno: das capacidades psíquicas dos objetos (mãe e familiares) para metabolizá-los, dar-lhes significados.
Supõe-se então que para uma criança maior, um adolescente ou um adulto que não dispôs de um entorno inicial favorável, que não tem ainda uma continência emocional introjetada, será mais difícil enfrentar um acontecimento externo ou interno sentido como excessivo para sua capacidade de representá-lo minimamente, e difícil também será buscar ajuda para isso, pois não tem esperança que pessoas do entorno possam cumprir essas funções para ele.
Poder-se-ia dizer então que, quanto menos capacidade de atribuir significados a acontecimentos internos ou externo, quanto mais precária a estruturação psíquica de uma pessoa, mais traumatizante seria o contato com esses eventos.
Trauma e “falsa resiliência”
Se resiliência faz parte de um processo relacional, dependendo da busca de uma relação afetiva adequada no entorno, as pessoas mais traumatizáveis seriam as que menos são capazes de procurá-la em situações excessivas da vida, sentidas como insuportáveis psiquicamente.
Se as primeiras relações resultam em apego inseguro, evitante ou ambivalente com os objetos (Bowlby, 1969), o sujeito reage aos mínimos golpes agressivos, por condutas autocentradas, atuações impulsivas, ao invés de condutas exploratórias: não há nele esperança de encontrar objetos adequados. Adaptam-se a um entorno agressivo, constituindo como uma falsa resiliência, ao invés de encontrarem soluções saudáveis e criativas para suas vidas.
Resiliência, resistência e processo analítico
	Se é processo analítico que são levantadas as resistências aos conteúdos inconscientes traumáticos, poder-se-ia supor que maiores seriam as resistências quanto menos propensos à resiliência sejam os analisandos: menos esperançosos na possibilidade do analista ser capaz de acolher e ajudar a resignificar tais conteúdos. 
	E quando tais conteúdos são “buracos” na teia simbólica: nunca significados, nunca nomeados, às vezes nem ao menos vividos, maior teria que ser a capacidade do analista em “ouvir”, acolher e buscar significados para eles, a partir das comunicações não-verbais de seus analisandos. Estas poderiam ser somatizadas, atuadas, alucinadas. Caberia então ao analista trazer para registro psíquico as somatizações e atuações, e ajudar a resignificar as alucinações, representando o que está não-representado ou representado alucinatoriamente. Caberia também ao analista detectar as comunicações mudas, perceptíveis intuitivamente por ele nos silêncios paralisantes, distanciamento afetivo do analisando, ou em sua extrema necessidade de se confundir tacitamente com o analista, colando-se a este em fantasia, talvez numa tentativa desesperada de refazer a unidade primária regredindo a ela (Winnicott, 1955).
	Suportar tais situações, também revela a capacidade resiliente do analista, ao ter esperança de encontrar soluções criativas para eles.
	E, num outro extremo, junto aos analisandos mais evoluídos, suportar com eles o confronto com o irrepresentável, o incognoscível, sentir sua presença sem a necessidade de formatá-lo a seu repertório onírico, penso que também revela a capacidade resiliente do ser humano na presença de um outro que pode harmonizar nossa existência, dar-lhe um sentido, embora inefável, não representável, jamais verbalizável...
	
	Resiliência e o trabalho do positivo na clínica
	Muito se tem falado sobre o negativo na clínica, na elaboração de experiências negativas do paciente, às vezes muito precoces (Green, 1993).
	Mas um trabalho do positivo, de articulação das vivências e/ou representações traumáticas com as não traumáticas é que pode levar à organização e equilíbrio psíquicos.
	Neste trabalho, é a continência do analista que serve de proteção ante a acumulação traumática de um material patogênico. É o analista que, com seu repertório onírico, vai desintoxicando esse material, propondo novas vias de resignificação, desviando a linearidade traumática de uma meta destrutiva. No meu entender, o analista colaboraria com essa direção se ficasse detido no aprofundamento do negativo, remexendo a ferida infinitamente. Isto poderia levar a impasses resistenciais numa análise (Etchegoyen, 1986), colaborando com acting out, reações terapêuticas negativas e reversão de perspectiva.
	Proponho assim um delicado equilíbrio entre o trabalho do negativo e o trabalho do positivo (Alizade, 2002), numa análise propiciadora de resiliência.
 III- O Processo Analítico como Propiciador de Resiliência e a Resiliência como balizadora do processo analítico
							 	Plínio Luiz K. Montagna
Como consenso grupal formatado de nossa experiência como analistas, corroborada pelas pesquisas que já entram em sua “terceira geração“, assumimos o engendramento da resiliência no ser humano como um processo, iniciado no primeiro encontro do bebê com o seio nutridor, ou mesmo, talvez, anteriormente. Descreve-se como um processo que nunca termina, é um infindável caminho cujos contornos, precisos ou imprecisos ao sabor da situação, se metamorfoseiam dependendo das relações estabelecidas no contato com as tendências individuais. A rigor, uma incompletude tal qual a da existência, um devir que escreve e inscreve na dinâmica de nossos câmbios cotidianos.
Todos concordamos que existem graus diversos de resiliência diversos, dependendo de inúmeros fatores. De todo modo, ela pode se expressar a partir de intensidades, de aspectos quantitativos, as quais, tal qual as intensidades de uma situação potencialmente traumatizante, configuram a partir de um determinado ponto, uma qualidade resiliente, servindo às necessidades da vida. Sob essa ótica podemos estudar as qualidades resilientes de uma pessoa, isto é, aquelas características mais favoráveis a uma solução resiliente, mais freqüentemente encontradas em pessoas que sobreviveram e ultrapassaram condições de vida extremamente desfavoráveis. 
 Também no processo analítico ela pode ser considerada. Já que dinâmica e móvel, adquirida processualmente, a resiliência pode ser objeto vivo de observação, e, creio, até mesmo um balizador deste – um elemento q	eu sinaliza o caminho e que pode nortear o trajeto. Pode ser um balizador que resgata, no processo analítico, a harmonia entre metasvoltadas para o interior e metas voltadas para o exterior. Trata-se de elemento em que subjetividade e objetividade se integram. Elementos internos e externos se colocam necessariamente em movimento nas questões referentes às qualidades resilientes. São qualidades que requerem atualização a cada momento, no aqui e agora da sessão e das situações de vida.
Uma das singularidades da situação psicanalítica reside na consideração contínua de elementos transferenciais e contratransferenciais associados à relação estabelecida, com uma metodologia determinada, ancorada num construto teórico coerente. O vértice psicanalítico é tal que permite com que a aparente contradição entre conhecimento e terapêutica se desfaça na mesma proporção em que a terapêutica psicanalítica se perfaz através do mesmo instrumento que amplia o campo de conhecimento comum, que é o insight. Uma complexa relação se estabelece na vigência deste, de modo que o olhar para o mundo não será mais como o antes, uma mudança catastrófica ocorreu, e podemos dizer que uma incorporação mutativa transformou o ego em seus elementos nucleares, a partir da incorporação nuclear daquela vivência – experiência - conhecimento-objeto. Se essas alterações, supõe-se, agem na direção de um fortalecimento das qualidades resilientes, podemos então também supor que a utilidade do uso do conceito de resiliência para a Psicanálise se deve ao seu papel de balizador do processo, e das alterações mesmas do indivíduo envolvido nisso. Devemos lembrar também, que o conceito inicial de resiliência , na física, se refere a uma reação do material a um trauma que já ocorreu. É a resposta do material ao trauma, retornando ao estado anterior, que é considerada como uma resposta resiliente- ou não. No ser vivo, no ser humano, não há retorno possível ao estado anterior ( a rigor, não sei se no material inanimado h[á), mas a resposta de retorno a uma higidez, o que se denomina na ótica fenomenológica de um “restitutio ad integrum”, mas acrescido de um fortalecimento a partir da possibilidade de se vencer uma adversidade.
 Voltando ao processo psicanalítico. Já foi discutida anteriormente no trabalho, por outra colega, uma franja conceitual útil para se abarcar o conceito de resiliência dentro dele. Neste capítulo pretendemos privilegiar elementos não verbais relevantes no processo e suas vinculações com qualidades componentes do processo de resiliência, e com a resiliência como um todo. Nele, outro elemento crucial para avanço são elementos não verbais. Buscamos relacionar alguns aspectos do encontro analítico com as tentativas de superação das experiências traumáticas, vinculando a vivência da relação com o encontro e a relação como moduladores das conexões mnésicas anteriores, responsáveis também pela repetição, ao invés da elaboração, de situações traumáticas. Apontamos questões e fatores que favorecem a construção de resiliência.
Uma das características do elemento traumático é a solidão. O sentir-se com, o sentimento oriundo da reverberação do eu do paciente dentro do analista ajuda a sentir-se com, sair da solidão. Às vezes pode prevalecer na experiência do paciente o próprio fato de se sentir compreendido, em si mesma, mais do que o conteúdo da interpretação. Isto se dá particularmente em pacientes com funcionamento border, ou, para Steiner, em situação prévia à posição depressiva. É o caso do paciente traumatizado. Semelhante a isso é a vivência de e se sentir “interiorizado” pelo analista, de ver reverberado dentro dele a própria fala do paciente ou aspectos dele. Isto é freqüentemente mencionado por Isaias Mehlson, para a psicanálise em geral, e cremos que vale para pacientes traumatizados.
Da situação depressiva pode surgir, como Fênix, a criatividade. É agüentar a angústia ( Storolow, Wooster). Exemplo é a vivência de Bethoven que, após sentir-se tomado pela infinita angústia de saber sua cegueira definitiva, a ponto de acabar com sua vida, tal como relata em carta que escreveu quando tomou conhecimento disso e sentiu sua surdez como total – após isso, como se renascendo das cinzas, compõe a 9a. Sinfonia.
Os elementos lúdicos e a satisfação de se chegar a simbolização, por vezes, são subestimados em Psicanálise. Se a análise é uma experiência ponde a tolerância à frustração faz parte de seu dia a dia, se a angústia é algo sempre presente, o prazer que advém da própria experiência de liberdade da livre associação de idéias, a satisfação de se conseguir simbolizar ou representar algo antes não simbolizável, é algo muito importante. Nas situações traumáticas, remetem também a uma experiência mnésica, da memória declarativa, que ajuda a modular as memórias traumáticas – procedurais. Sabemos que vivências positivas, que mobilizam memórias positivas, passíveis de serem verbalizadas, ou seja, componentes da memória declarativa, favorecem a alteração das memórias não verbalizáveis também, da memória procedural que é, a rigor, aquela que deveria ser mobilizada positivamente para a possibilidade de melhor manejo da situação traumática- ou do trauma, de modo geral. Também aqui podemos observar os sonhos traumáticos e as experiências de repetição podem se relacionar a tentativas do indivíduo no sentido de matizar suas reações emocionais diante de situações traumáticas.
A estabilidade do setting, da situação e do par analítico confere uma re-experiência diversa da base instável, se este foi o caso, ou, independente da base, confere uma experiência positiva. Cyrulnik, em “Os patinhos feios”, insiste na base de attachment, dentro da concepção de Bowlby, como insegura, para indivíduos com menor capacidade resiliente do que para os indivíduos mais resilientes.
Agenda do positivo – alguns traços do indivíduo em sua relação com a vida, e a rigor com a análise, vão de encontro com aqueles que usualmente são observados em pessoas com resultados resilientes. Alguns deles tem a ver com parâmetros que falam a favor de um prognóstico melhor, numa análise, há muito tempo, ou podemos dizer que podem ter a ver com a polaridade nurture na contraposição nature versus nurture, embora esta seja uma questão de difícil afirmação. Os parâmetros que adaptaremos são encontrados nos estudos na Bósnia, de Jay Berk.
Isolamento versus espírito de corpo. Sabe-se que as pessoas resilientes estão mais freqüentemente envolvidas em atividades comuns, com uma inserção grupal solidária. O engajamento na análise, parte de uma capacidade de se engajar mais aprofundadamente em algo significativo para si é um fator a ser trabalhando, sistematicamente interpretado quando se fizer presente na transferência. 
Habilidade para atrair assistência. Há pacientes que atraem nossa vontade de ajudá-los. Nossa contratransferência não só é positiva, mas esforçamo-nos, por algum fator que vai além da empatia, pára encontrar um modo de ajudá-lo. Esta é uma qualidade inegavelmente, resiliente- de fato encontradiça em indivíduos resilientes. 
Possibilidade de usufruir de uma interpretação. 
Agirmos resilientemente como analistas – analistas resilientes.
Aprendendo com o erro, nas interpretações – aprender com a experiência. Como usualmente nas análises, de modo geral, a questão da tolerância ou intolerância a frustrações é importante, a rigor um dos aspectos centrais do desenvolvimento do processo, e uma das preocupações centrais a serem trabalhadas. 
Manutenção do senso de humor
Encontrar algum sentido em situações de caos. 
Senso de controle.
 	Fatores de resiliência – iniciativa x passividade, autonomia x dependência, humor x, criatividade, capacidade de se relacionar, auto-estima.
	
IV- Catástrofe – Mudança Catastrófica – Resiliência
						 	 Therezinha Gomes Souza Dias
Catástrofe no grego significa: revolução, fim lastimoso, desgraça. No latim significa: mudança de fortuna (boa ou má), desenlace, desfecho (no término de um poema ou de uma composição teatral).
Constatamos a existência de duas diretrizes opostas nos significados da palavra: na primeira, desesperança e hermetismo;na segunda, esperança e movimento de busca. 
Segundo Ferenczi e posteriormente Freud, o início da era glacial do planeta teria desencadeado a primeira vivência catastrófica do hominídeo e exercido influência decisiva na conquista do seu futuro desenvolvimento cultural. A partir dessas idéias, Freud, em “Neuroses de transferência”, acrescenta que o psiquismo humano tornou-se psicopatológico devido ao fato de a angústia real, inicialmente importantíssima para a sobrevivência, ter passado a ser indiscriminadamente repetida, e não mais se relacionado apenas com as necessidades reais. Sugere-se que as psiconeuroses representem regressões psíquicas a fases pelas quais toda a humanidade teve que passar, do começo ao fim dos tempos glaciais. Na filogênese encontra-se impressa toda a história evolutiva do ser humano.
Winnicott e Bion definem a vivência catastrófica como uma situação emocional carregada de intensa angústia devido a sensações de morte iminente que posteriormente a pessoa não consegue descrever com palavras. Winnicott chamou de “angústia inimaginável” e Bion de “terror sem nome”.
Freud define catástrofe como “uma experiência que traz à mente, num período curto de tempo, um aumento de estímulo grande demais para ser absorvido”.
Tentarei conceituar 3 itens: catástrofe sem mudança; mudança catastrófica e resiliência.
a) Catástrofe sem mudança
As principais características da catástrofe sem mudanças são:
As cenas traumatizantes mantêm-se fixadas na memória. A vivência pode ser exacerbada por marcas minêmicas da mesma ordem;
Tendência ao fechamento narcísico com vivências de solidão, vazio e ameaça, devido à profunda desconfiança frente ao mundo externo e seus objetos. Como conseqüência desses fatores, além do bloqueio do uso da palavra, surge a impossibilidade de encontrar a compreensão e a elaboração do acontecimento traumático;
Diferentes níveis de paranóia, em que o medo indiscriminado e a emoção básica, podem chegar a sensações alucinatórias: de desintegração; de se estar caindo num abismo e de partes do seu corpo estarem desconectando-se umas das outras; 
Comportamentos obsessivos compulsivos;
Sadismo, num processo identificatório com o inimigo;
Permanecem na ordem do irrepresentável;
Podem ser inconscientemente transmitido.
Vejamos, sob a luz do holocausto, a forma de genocídio mais radical da história:
Muitas das vítimas que sobreviveram ao holocausto têm a sombra da catástrofe interferindo profundamente na qualidade dos seus vínculos, principalmente com os familiares. O trauma é inconscientemente transmitido ao grupo, que passa a compartilhar silenciosamente como terreno minado que não deve ser tocado e, com isso, o fato doloroso permanece impensável, inominável e inconfessável.
Paul Celan, o maior porta da língua alemã do pós-guerra, viveu experiências terríveis na época do nazismo, inclusive a perda dos seus pais que ali foram assassinados. Consegue transmitir, através das suas poesias, o drama da sua vida. Numa das suas frases diz: “A experiência do holocausto não se deixa lembrar por quem a viveu, nem se deixa esquecer por que não a viveu”. Alguns anos depois, suicida-se.
Fernando Pessoa – Autopsicografia, 1931, escreve o poema:
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve
Na dor lida sentem bem
Não as duas que ele teve
Mas só a que eles não têm.
A intensidade das vivências catastróficas vividas pelos judeus tornou-as impossíveis de serem absorvidas e elaboradas. A dimensão traumática alcançou a ordem do irrepresentável, o que gerou a não elaboração do trauma e a não permissão da sua transformação em experiência emocional propiciadora de desenvolvimento.
b) Mudança catastrófica
Diz respeito à possibilidade de elaboração de vivências traumáticas ou definitivas, como o ato do nascimento, sem deixar-se sucumbir no pavor e na dor, e poder encontrar recursos internos capazes de fazer a transformação.
A mudança catastrófica é uma experiência emocional que traz rompimento com os conhecimentos prévios: “Heróis são as pessoas que se afastam da senda traçada pela tradição (...) São capazes de trazer um novo conjunto de possibilidades para o campo da experiência”. Joseph Campbell, “O poder do Mito”, 1988.
Na história da humanidade, constatamos a presença de pessoas capazes de buscar o conhecimento, substituindo, com isso, paradigmas das ciências e a quebra da crença nos mitos: Galileu, Darwin, Freud, Lavoisier, Einstein, etc. A possibilidade de ver, de entender e de descobrir traz, em si mesma, uma mudança sentida como catastrófica devido à força do mito, revelada no Gênesis, pois não mais poderá voltar ao “paraíso perdido, pelo fato de ter comido o fruto proibido da árvore do saber”.
As referidas conquistas estão calcadas na capacidade de sair em busca da discriminação entre mentira e verdade, entre sonho e realidade; vivências estas que revelam funcionamento sob a vigência do processo secundário em que há vínculo com objetos, possibilidades de colaborações e tolerância a frustrações que, inevitavelmente, fazem parte das mudanças.
As mudanças catastróficas modificam o modo de perceber e representar e são as molas propulsoras do desenvolvimento. As principais características da mudança catastrófica são:
Confiança nas relações interpessoais e a aceitação das suas colaborações;
Possibilidade de elaboração das vivências traumáticas;
Transforma o sofrimento em experiência emocional propiciadora de desenvolvimento;
Experiência emocional que traz rompimento com os conhecimentos prévios, na medida em que modifica o modo de perceber e representar.
c) Resiliência
O que leva uma pessoa a não permanecer mergulhada em angústias traumáticas e conseguir, portanto, transformar uma catástrofe sem mudanças numa mudança catastrófica?
Se não houvessem ocorrido as catástrofes de uma forma geral, a capacidade humana de representação e o conseqüente desenvolvimento da capacidade simbólica e de comunicação por meio da fala não teriam sido adquiridos. Estas aquisições só podem ser desenvolvidas por intermédio da relação interpessoal: um aparelho de linguagem só pode ser desenvolvido a partir de outro aparelho de linguagem.
Devido a catástrofe ou a mudanças catastróficas, há os que se defendem através de fechamento narcísico, aprisionador e perdem a possibilidade de encontrar soluções libertadoras; há uma escolha pela doença física ou psíquica. Em contrapartida, há os que buscam, fora de si, a condição de sobrevivência, o que promove o encontro com o objeto que poderá libertá-lo do sofrimento e ajudá-lo no desenvolvimento. A condição genética e ambiental, somadas à qualidade emocional da relação objetal, podem ser fatores decisivos na escolha dos rumos.
Frente a acontecimentos catastróficos, é possível pensar que aqueles que puderam ter e desenvolver a confiança no objeto e na sua aceitação amorosa desde o princípio de suas vidas, talvez desde a sua gestação, possam ter alicerces emocionais sólidos capazes de resistir e ultrapassar satisfatoriamente as vivências traumáticas.
Seriam os resilientes aqueles que além de ter as condições acima descritas, seriam capazes também de usar a experiência sofrida como impulso para a criatividade de qualquer natureza?
V- Trauma Resiliência e falsa Memória
						 Josette Czerny
Síntese: O autor parte da observação clínica dos analisandos que sofreram um trauma qualificado como morte parcial no seu existir – seja por morte real dos objetos relacionais primários em idade precoce ou seja por destruição parcial sofrido no seu delf, como acidente ou doença com cegueira, paralisia, etc. Esses analisandos, ao invés de ficarem submissos ao trauma, “colocados” à perda sofrida, e apenas resistindo a ela, puderam reagir com seu potencial de resiliência, se distanciando do trauma para “viver de outro modo”, ou seja criando uma nova e mais ampla forma de existir. Essa criatividade usa intensamente da força vital (Pulsão de vida) que se dá em benefício dosdois: do self e do objeto.
1º em relação ao próprio self, a intensificação da força vital leva o sujeito a se expandir na sua existência de forma original, diferente do modo anterior ao trauma. 
2º em relação ao objeto; observamos a criação de uma falsa memória diretamente ligada ao(s) objeto(s) participantes do trauma ocorrido. Essa falsa memória tem como fonte a mesma intensificação da força vital atuante no self, que se estende também ao objeto, para atribuir qualidades de vida, por idealização – ao objeto originalmente carregado de aspectos mortíferos ou danificado. Agora com a falsa memória o objeto se torna revitalizado e pode ser mantido e preservado como um bom objeto.
Levantamos a seguinte conjectura: Seria a falsa memória um corrolário do processo de resiliência pós-trauma?
VI- Resiliência e pré-concepção de humanidade
						 Ignácio Gerber
A pré-concepção é um dos conceitos fundamentais na obra de Bion. O exemplo que ele mais utiliza para ilustrá-lo é a pré-concepção do seio materno: o bebê já nasceria com a expectativa inata do futuro encontro com o seio materno e a vivência afetiva desse encontro é denominada por Bion como realização (tornar-se real). A partir do encontro da pré-concepção com a realização surgiriam criativamente as concepções, conceitos e toda a gênese do pensamento emocional. Propomos que a conjectura de pré-concepções inatas, comuns a todos as seres humanos, implicaria na conjectura de uma herança arcaica (Freud) ou inconsciente coletivo (Jung) ou grande Outro (Lacan) ou até mesmo o O (Bion), comum a toda a humanidade.
Levantamos a conjectura de que a pré-concepção fundante do ser humano seria exatamente a pré-concepção de humanidade pensada tanto no sentido daquilo que caracteriza cada ser humano individual, como no sentido do conjunto de todos os seres humanos. Ou seja, nossa pré-concepção fundante é a expectativa de acolhimento no seio da humanidade; o seio materno muito além do órgão físico ou mesmo representação psíquica do corpo da mãe, símbolo da pertinência à espécie, símbolo da própria vida. Da mesma maneira, o reverie materno simbolizaria o reverie da humanidade, realização da pré-concepção do reverie cósmico e, como disse Bion,... quando a mãe ama o seu filho o que ela faz com isto?... minha impressão é que seu amor é expresso pelo reverie...”, o que nos leva a pensar que o reverie é a realização de uma pré-concepção de amor. (Bion – Learning from exp... pg 35).
Indo mais adiante poderíamos definir o trauma psicanalítico como produto da frustração na realização dessa pré-concepção de amor, dessa pertinência vital. 
Como também poderíamos definir o conceito de resiliência em psicanálise como a capacidade de nos fortalecermos na vivência de frustrações suportáveis, a condição básica indispensável para o desenvolvimento seria a realização dessa pré-concepção inaugural de humanidade, pré-concepção de pertinência à colméia humana. Em outros termos, a pré-concepção seria uma esperança e a resiliência se constitui pela esperança de amor.
O que seria mais aterrorizante na idéia da morte seria ser excluído da humanidade enquanto a “festa” continua. Se um meteoro colidisse com a terra, nosso seio-gaia, destruindo toda a humanidade, a festa acabaria para todos e não haveria mais o que temer nem o que esperar.
VII- Trauma, crença e capacidade para ter fé.
						Roberto Kehdy e Heloísa Moraes Ramos
O ponto que escolhemos de onde partir para levantar algumas questões a respeito das relações entre trauma, fé e resiliência foi o conceito de Winnicott sobre a “emergência da crença”, no ser humano.
Aquilo que chamou de “crença em...” ou “capacidade de acreditar”.
Capacidade não foi um termo escolhido aleatoriamente. Na língua inglesa deriva do latim “capere” e significa segurar, conter; estado relacionado ao adjetivo capaz e competente.
“Crença em...” sugere um tipo de potencialidade de algo a caminho de acontecer, de ser completado.
De um lado a capacidade inata da criança de “criar” e ir em busca de objetos significativos que possam ser usados. De outro lado os cuidados suficientemente bons oferecidos pelo ambiente.
“O bebê alucina um seio e o seio está ali onde o bebê alucinou”.
Sugerimos que não existe crença a não ser através de uma série de experiências ao longo de um tempo que irá proporcionar ao bebê a possibilidade de reconhecer que existem objetos em que vale a pena acreditar. Está aí lançada a raiz da fé.
Acreditamos como Winnicott num espaço interno para abrigar “crenças”. O pensamento religioso para este autor é a necessidade do homem de criar e recriar Deus; é a expressão de sua necessidade de colocar o bom a salvo de seu ódio e de sua destrutividade.
A constituição deste espaço interno para a fé, só pode ser conseguida se foi permitido ao bebê a experiência da ilusão onipotente de ter criado o mundo. Esta condição só pode ser conseguida se o bebê foi sustentado no tempo, pelo ambiente suficientemente bom.
Pensamos que a ilusão é um caminho de acesso para o conhecimento e a vivência de uma realidade mais intangível. É através da ilusão que o homem se insere na diversidade da cultura (pensamento religioso, artístico e a capacidade para vínculos de amizade).
A forma traumática precoce é o resultado da incapacidade do ambiente de atender as necessidades do bebê. Sucessivas invasões criam disrupturas e vivências de colapso no “continuar a ser” do bebê. Estas invasões repetitivas interrompendo o continuar a ser do bebê organizam defesas que toma o lugar da crença e da ilusão.
O trauma para Ferenzi provoca o colapso do sentimento de existência. Junto com a perda do sentimento de existência constituir-se-a um trauma, caso o adulto não seja capaz de reconhecer e validar a dor provocada pelo trauma. O desastre destes eventos psíquicos é a perda pela criança da confiança e da fé e a perda da possibilidade do uso da ilusão.
Freud em Moises e o Monoteísmo (1939) retomando a questão do trauma aponta para um fator qualitativo no desenvolvimento da neurose; aponta para um duplo sentido do traumatismo. Um traumatismo que fica incrustado no psiquismo, não pode ser repetido, rememorado e portanto representado. Por outro lado um traumatismo que se organiza em sucessivas repetições tem possibilidade de ser elaborado.
Talvez, nesta segunda possibilidade, o fator qualitativo a que Freud se refere aponta para uma constelação dentro da qual a resiliência pode emergir.
VIII- Vácuo, Vazio e Resiliência: processo analítico em pacientes precocemente traumatizados: Material Clínico.
						 Maria Cecília Andreucci Pereira Gomes 
As questões relativas à vivências traumáticas primitivas e suas conseqüências na evolução do ser, tem sido objeto de minha investigação psicanalítica durante esses anos, a partir da análise de pacientes limítrofes e psicóticos. Como também meu interesse clínico centra-se nas possibilidades transformadoras que o processo analítico pode propiciar na re-significação e elaboração dessas vivências, através da constituição de um campo emocional na dupla, criador ou não de condições de resiliência no paciente.
Destaco, em minhas considerações, que a função metabolizadora da mente da mãe para a ansiedade de aniquilamento do bebê, devolvendo-a com um significado (Bion), vai podendo ser usada à medida que este paulatinamente vai conseguindo introjetar o objeto unificador primário (Bick), estruturando um espaço psíquico interno. Isto porque, ao nascer, o primeiro movimento inato do bebê seria a busca de um continente ou de uma nidação extracorporal no corpo e na mente da mãe em uma tentativa de negar a “caesura” do nascimento através do acasalamento da pré-concepção do seio com a sua realização, evoluindo para a concepção do mesmo. Se o objeto externo não opuser barreiras a este tipo de contato, se estiver aberto e disponível a esta comunicação, haverá uma evolução e um aprofundamento para uma relação característica da identificação projetiva. Ocorrerá então a possibilidade de introjeção do objeto unificador primário no espaçomental ou continente mental do bebê, possibilitando a identificação com o mesmo. Será o vínculo continente-conteúdo e todas as vicissitudes que este passa: ataque ao vinculo, explosão e fragmentação do conteúdo, aparecimento dos objetos bizarros na personalidade psicótica onde predominam estados afetivos de inveja e voracidade excessivos, aliados à incapacidade de tolerar a dor psíquica.
Em toda esta movimentação de projeção e introjeção, pressupomos a possibilidade de o bebê já ter experimentado a vivência de existir um espaço mental no objeto real, mesmo que nesta movimentação de projeção-introjeção entre as duas mentes não ocorram uma evolução para o pensamento mais integrado do bebê.
Poderia ocorrer, porém, a possibilidade de não se ter constituído o vínculo característico da identificação projetiva que leva ao crescimento, pois a estrutura mental da mãe teria atuado como uma barreira “dura” a este tipo de comunicação, quer seja por uma incapacidade de contato emocional da mesma, quer seja por ela estar psiquicamente ausente, devido a algum estado depressivo intenso, fazendo com que o ego rudimentar do bebê se sinta exposto a sucessivas experiências traumáticas primitivas. Este, como defesa, em uma tentativa de lidar com a ansiedade aniquilamento, agarrar-se-ia à superfície do objeto ou aderiria a ela. Estruturaria assim o vínculo característico da identificação adesiva (Meltzer), sendo que o ego rudimentar do bebê sentir-se-ia atado às qualidades sensoriais do objeto, vivendo sempre ameaçado, caso perdesse essa aderência, de poder cair no vácuo abismal da vivência de aniquilamento ou de morte.
Tomo, portanto, como tema de investigação neste trabalho, certas vivências depressivas singulares, observadas na experiência analítica, que estariam relacionadas a estas experiências traumáticas primitivas, a estes vácuos de experiências afetivas de contato, constituindo “as fendas” no ego, as quais denominei de “Núcleo de Mágoa Crítica”1.
Possuindo a força de atração de um imã, a expressão afetiva dessas “fendas”2 teria
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1 Balint usa o termo “falha básica” e certos analistas junguianos, o “sitio da mágoa crítica”. A nomeação destas vivências, depressivas de NÚCLEO DE MÁGOA CRÍTICA seria no sentido de: a) a palavra NÚCLEO tentar significar estes vácuos de experiências afetivas de contato, que permaneceram como um conglomerado de afetos não digeridos, subterraneamente em ativação; b) MÁGOA, como uma palavra significando que estes estados afetivos seriam altamente dolorosos, capazes de ultrapassar o limiar ao estímulo doloroso daquela mente; c) CRÍTICA, para significar que estes estados afetivos ocorreram em uma fase crítica, crucialmente importante no desenvolvimento do ser.
2 Gostaria de enfatizar que o uso de termos como “fenda” e “onde” não significa a concretização ou localização dos afetos, os quais bloqueariam a captação do dinamismo dos estados psíquicos, mas seria uma tentativa de nomear experiências afetivas ou estados mentais. Outro aspecto que gostaria de enfatizar, seria a discriminação destas vivências depressivas singulares, as quais estariam mais vinculadas ao sentimento de desvalimento total, diante da sensação de aniquilamento e perda de vida, diferenciando-as das vivências depressivas ligadas aos sentimentos persecutórios, advindos de ataques ao objeto e ao ego, característicos da posição esquizoparanóide de Melanie Klein. 
um cunho doloroso e desestruturante, proporcionando estados mentais de despersonalização, devido a constantes ameaças de pânico, morte e sensações de vazio interior, sem a mínima esperança de amparo.
Tomo ainda como tema de investigação, a possibilidade destas vivências traumáticas primitivas tenderem a se repetir, quando estimuladas por certas experiências atuais dolorosas ou frustradoras, sendo que esta repetição se efetuaria como uma situação de susto e catástrofe iminentes, tendo a mente, nestes momentos, de se aferrar às defesas psicóticas. Entre elas estaria a repetição destas lacunas, através de momentos de fragmentação e dispersão das experiências atuais dolorosas ou frustradoras indiscriminadas das arcáicas, e a sua conseqüente evacuação. A fragmentação e dispersão atingiria não só o ego como também o objeto, na totalidade do complexo perceptivo, núcleo e atributos (Freud – 1825).
Neste sentido, a realidade externa configurar-se-ia catastrófica; não haveria nenhum movimento em busca de uma realização, e a vivência depressiva seria a morte de interna e externa, sem a mínima esperança de amparo.
Analisandos que carregariam em seu âmago experiências depressivas tão dolorosas, estariam sempre aterrorizados diante da possibilidade de uma introjeção, criando defesas à mesma, impossibilitando uma transformação, como se o passado arcáico traumático fosse perpetuar-se em todo novo vínculo. Sentir-se-iam sempre ameaçados de que seu desejo se precipitasse no nada, que suas angústias jamais encontrassem continência ou o outro, sempre ameaçados de serem tragados para este sorvedouro depressivo. 
Green (2000), assinala que, em tais analisandos, o apagar-se constante de qualquer possibilidade de representação do objeto psíquico humano, a violência deste ato psíquico, reproduz ou reedita situações arcáicas onde a mente infantil foi violentada. A percepção da existência do objeto desvendaria também a percepção dolorosa dessas vivencias traumáticas primitivas, que levaram a personalidade a sentir uma depressão singular, ameaçadora da sua existência como ser, como “se um ego ferido do passado retornasse para perseguir o ego precário do sujeito no presente”.
Diante de tais vivências no momento analítico, além da disponibilidade interna do analista, a função da interpretação seria muito mais a de um fonema que tenta delinear o objeto ou partes do “self” no intuito de contê-lo para evitar a dispersão, semelhante à voz da mãe que delineia o estado afetivo do bebê, do que propriamente a função que teria relativa ao entendimento captado pelo analisando sobre o conteúdo da interpretação. O objeto e o “self” assim delineados pelo fonema, aos poucos poderiam ir se transformando em um objeto ou um “self” mais integrado, através de sucessivas experiências emocionais na relação dinâmica continente-conteúdo. A compreensão mais intelectual viria mais tarde, quando o analisando pudesse usar funções mentais mais evoluídas, ou em estados de angústias menos intensos, pois penso ser significativo investigar como nossos analisandos ouvem uma interpretação, de que maneira eles a assimilam, que função esta teria em um dado momento na experiência analítica. 
	Penso que a possibilidade de conter tais angústias, na transferência analítica, criaria um campo emocional, propiciador de uma transformação e, “onde” teria havido a não-introjeção de um objeto ou “onde” existiriam essas lacunas, haveria a esperança da possibilidade de ocorrer a introjeção ou o esboço da introjeção desse campo emocional, gerador de um bom objeto psíquico primário, mola propulsora da condição de resiliência nestas pacientes. 
Condições de personalidades do analista, como capacidade de poder sentir, sofrer, compartilhar e transformar a dor, alegria e fé na busca de realizações e na busca de significados seriam aspectos fundamentais a serem considerados no processo psicanalítico de pacientes severamente traumatizados.
Material clínico
Este é um fragmento da análise de L., uma menina, uma adolescente, uma mulher, nos seus 50 anos, experiência de análise que se inicia, e que não é a primeira em sua vida, permeada de sofrimento mental. L., frágil e forte, construtiva e destrutiva, oscilando entre o caos e a forma, em busca de um sentido, um significado, aos estilhaços de suas vivências traumáticas infantis.
Criada em uma grande fazenda, mãe deprimida, ausente emocionalmente, pai inconstante, violento e sedutor, três irmãos homens, sendo um psicótico, ela vivia entre os familiares, correndo pelos pomares e jardins, cercada de seus terrores, suas angústias, e uma inquietante ansiedade infantil,a qual procurava anestesiar através do excesso de excitação e movimento.
Conheci-a cerca de um ano e meio atrás, emergindo de sua terceira crise psicótica, sendo que a primeira ocorreu, segundo ela, quando tinha 25 anos. Tem sido acompanhada psiquiatricamente. Na ocasião em que me procurou, vivia um divorcio tumultuado, 2 lutos consecutivos (pai e mãe) e uma recente operação de um carcinoma na tireóide.
 L., tem 2 filhos adolescentes que, assustados pela doença da mãe, ficaram com o pai, o que lhe trazia intenso sofrimento.
	 A situação de desamparo, desalento e fragmentação mental de L., eram pungentes. Queixava-se confusamente que tinha perdido tudo: seus filhos, sua casa, seus pensamentos, sua capacidade de locomoção e orientação, suas posses, seus amigos e sua criatividade. “Tenho um vazio na cabeça, sou louca, como me dizia meu pai: esta menina é diferente, é louca”.
 Lenta, muito lentamente, vivendo uma experiência emocional intensa na análise, de angústia, desespero, ódio, desamparo e necessidade vital, foi organizado seus conteúdos psíquicos, sua memória, sua história. A sensação de vacuidade interior diminuiu. Captei na ocasião que aquela mulher que vivia alucinatoriamente sua vida, permanecia psiquicamente uma menina, dentro da fazenda dos pais, não discriminando os jardins infantis dos de sua casa de adulta, ou da outra parte de sua vida. “Casei-me com um homem parecido com meu pai”. “Escolhi tanto e acabei me casando com um homem violento e sedutor, como minha mãe”. Ou ainda, vivia alucinatoriamente um bebê desesperado, ameaçado de ser tragado por um vácuo aterrador, defendendo-se na tentativa desesperada de reconstruir o objeto primário, constantemente destruído, na sua aflitiva tarefa de fazer arranjos de flores intermináveis, quando menina, “para acordar a mãe” ou “para deixar a mãe alegre”,como me dizia, ressuscitá-la de uma permanente depressão.
	 Paradoxalmente tinha duas formações universitárias, uma cultura refinada, havia viajado muito, e era uma talentosa florista. Ao lado das auto-acusações de que era louca, feia, burra e gorda, como lhe dizia seu pai, violentando-se internamente, as suas mãos, fascinantemente criativas, montava arranjos de flores em eventos, vitrines, festas, casamentos.
	 Retomou contato com os filhos, atemorizados pela psicose da mãe e pelo divorcio litigioso com o pai (questões financeiras), com os amigos, com os clientes, que a procuravam. Um esboço de integração, uma semente de auto-estima, uma trégua momentânea em relação ao auto-ataque e destruição.
	 Porém, seu equilíbrio emocional era tênue, paradoxalmente estimulado por um forte impulso vital, buscando saídas do sofrimento de seu desastre mental. Para ela qualquer dor que se esboçasse no horizonte, era uma forte ameaça para seu equilíbrio mal alinhavado, sua imagem corporal tão tenuamente esboçada.
	 Nessa época descobre que seu filho de 14 anos está se drogando e alcoolizando; entra em profundo sofrimento psíquico. Toma ainda conhecimento de uma doença maligna no irmão, o mais saudável deles, que a acolheu. Sinto-a estremecer em seus alicerces.
	 Trás-me então, nessa ocasião, quadros de sua primeira crise psicótica, aos 25 anos. Pressinto o bordejar de uma crise depressiva, que se forma como uma tormenta no horizonte. O que mais me chamou a atenção eram os seguintes quadros: a) “O ovo que explode”, os fragmentos de flores, olhos, pedaços de boca, nariz, objetos bizarros se espalham pela tela. “É como se fica louca”, disse-me ela; b) “A menina sem olhos” “não pode ver as coisas, dizia minha mãe – a coruja fura os olhos de quem vê”; c) Uma imagem, como um feto, azulada, contida em um envoltório, semelhante a um útero, mas com os pezinhos na base do útero: “É o impulso para se erguer, melhorar, quando a gente afunda na loucura, se encolhe, se deprime” disse-me a paciente. Esta associação tocou-me profundamente. Vislumbrei o embrião de uma vitalidade nascente da minha analisanda, tendendo a emergir na experiência analítica.
	 Na semana seguinte, vai visitar o filho e entra em choque, pois o marido havia-lhe feito uma armadilha: em lugar de filho, havia um oficial de justiça, com uma ordem judicial. L., entra em crise. Na sessão seguinte a este fato, já apareceu em um estado de intensa agitação, perseguição e fragmentação.
	 O ponto que gostaria de abordar é como viveu a catástrofe, e como tenta emergir da mesma. O terror à fragmentação mental e a queda no vácuo aterrador, o que a leva a uma vivência de uma dolorosa depressão, a faz “trabalhar” maniacamente nos intervalos de sessões, durante a noite, juntando pedaços de objetos fortemente amarrados, representativos de sua fragmentação mental. Guarda-os em 3 sacolas grandes, como que buscando desesperadamente um continente para seus conteúdos.
	 Nas sessões analíticas, as quais não falta, seu desespero é pungente; segura-se na cadeira, em minhas mãos, buscando algo a que se aderir, se colar, ou que a circunscreva, e contenha sua angústia de dispersão. Ela mobiliza todos os seus recursos psíquicos para me tentar comunicar o que ocorre com ela internamente. Um crédito de confiança é dado a analista. Apesar de quase não dormir, e semelhante ao que fazia na primeira crise, procura escrever, escritas desconexas, em pedaços de papel, paredes, espelhos. Junta objetos, ou conglomerados de objetos, não deixando ninguém entrar em seu quarto, mas todos amarrados e ordenados, em uma lógica organizada no inconsciente, na sua não logicidade consciente.
	 Trás-me aos poucos, quando sua angústia começa a abrandar-se, três sacolas com estes objetos. Foi quando me disse: “Comecei a limpar o meu quarto”. Trago a loucura para a sala de análise”. A seguir diz-me “não tenha medo! Você entende a minha linguagem”? São símbolos, eu falo por símbolos, porque tenho medo”. A angústia, a violência, a excitação chegam ao ponto máximo e a vivência catastrófica é intensa.
	 Penso, porém que não são símbolos, mas primórdios de pensamento, estados afetivos brutos (elementos β) nos quais se fundem imagens, sensações, percepções que se esparramam no mundo infantil com infinito horror. Sensações de catástrofe servindo de vínculo, entre diversos aspectos da sua personalidade, e parecendo vir precedido de uma história, como quando um recém-nascido, ela mesma, grita no vazio, pela primeira vez (Bion).
	 Vi-me não diante de símbolos, mas signos, abrindo aquelas sacolas, com minha paciente, observando fragmentos, conteúdos psíquicos, soletrando, nomeando, juntas organizando o caos, buscando significados em uma sofrida experiência emocional. Foram emergindo destroços de histórias traumáticas familiares, soterradas, anestesiadas, a história de uma menina violentada pela depressão materna, pelo alheiamento materno, pela desproteção, pela sedução e violação paterna, pelo abandono emocional e pelo sofrimento do terror sem nome. “Objetos como uma calcinha de menina amarrada com um galho que se assemelhava a um pênis”, “um objeto semelhante a um grande pênis moldado com um vaso de cristal e uma maçã, com forte odor de cravo da índia”; “um bebê-boneco mutilado, amarrado a uma espécie de berço de trapos”; “pedaços de fotografias antigas rasgadas do pai impregnadas com um forte odor de alho que ela associa ao cheiro do corpo paterno”; “frases desconexas escritas em fragmentos de papel”; um doloroso cartão postal, onde existia um casal de leões marinhos, o macho comendo plantas, a fêmea olhando desamparada”, e L., associando: “minha mãe não me protegeu, a planta sou eu”. 
	 A menina sem olhos, auxiliada pela condição de “reverie” da analista, vislumbra a possibilidade de adquirir uma visão interior, acesso à ela mesma, à reorganização da sua explosão mental, acesso à sua vida psíquica, à sua estória. A angústia, a esperança e a força vital de L., buscando alguma integração, aliados à confiança que depositou no campo emocional criado pela dupla analítica, objetiva a nossa hipótese: das possibilidades transformadoras que o processo analítico pode propiciar, nare-significação e elaboração das vivências traumáticas, desde as mais precoces, desenvolvendo uma possível cicatrização das mesmas, através da constituição e introjeção de um campo emocional na dupla, criador de condições de resiliência no paciente. Capazes de conter e tolerar as dolorosas emanações das traumáticas fendas originais.
	 Esta paciente tem evoluído em seu processo analítico, adquirindo condições de resiliência, capazes de transformarem certas contingências de sua realidade externa que lhe causa dor mental, tolerando melhor suas limitações e descobrindo possibilidades de um viver mais criativo.
	Bores Cyrulnik se refere a este processo de uma forma poética em o “Patinho Feio”: “para curar o primeiro golpe é preciso que o meu corpo e minha memória consiga fazer um certo trabalho de cicatrização. E, para atenuar o sofrimento do segundo golpe, é preciso mudar minha idéia do que me aconteceu, é preciso que eu consiga reelaborar a representação de minha desgraça e sua encenação, sob o olhar de vocês... A cicatrização do ferimento real se acrescentará a metamorfose da representação do ferimento. Mas o que o “Patinho Feio” levará muito tempo para compreender é que a cicatriz nunca é segura. É uma fenda no desenvolvimento de sua personalidade, um ponto fraco que pode sempre se declarar sob os golpes do destino. Esta rachadura obriga o “Patinho” a trabalhar incessantemente sua metamorfose interminável. Então poderá levar uma vida de cisne, bela, porém frágil, porque nunca poderá esquecer seu passado de patinho feio. Mas ao se tornar cisne, poderá pensar nele de maneira suportável.
	Isso significa que a resiliência, o fato de se estabelecer e se tornar bonito apesar de tudo, nada tem a ver com a invulnerabilidade nem com o êxito social”.
	
	Esboço do trabalho para o 44º Congresso da IPA (Rio de Janeiro, julho de 2005)
	
	Autores: 
Teresa R. L. Haudenschild, Plínio Luiz K. Montagna, Therezinha Gomes S. Dias, Josette Czerny, Ignácio Gerber, Roberto Kehdy, Heloísa M. Ramos, Eva T. Ocougne, Milton Delanina e Maria Cecília Andreucci Pereira Gomes.
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