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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA 4ª CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO Meio Ambiente e Patrimônio Cultural NOTA TÉCNICA N.º 39/2007 – 4ª CCR Brasília (DF), 17 de outubro de 2007 Da : Gerência Técnica Para : Dra. Sandra Cureau Subprocuradora–Geral da República Coordenadora da 4ª CCR Trabalho sobre a área de influência nos EIAs. Senhora Coordenadora, A presente Nota Técnica encaminha a conclusão de estudo realizado por Analistas Periciais lotados na PGR e na PR/SP, atendendo à solicitação do GT – Licenciamento de Grandes Empreendimentos. O referido estudo trata da delimitação da área de influência nos EIAs, buscando reconhecer os conceitos envolvidos, identificar tendências gerais no uso dos mesmos e propor uma forma de abordagem que resulte em maior qualidade às avaliações de impacto ambiental executadas no Brasil. A primeira parte apresenta uma revisão da literatura nacional e internacional sobre o tema e a segunda constitui-se de pesquisa realizada nas Informações Técnicas desta 4a CCR referentes às análises de EIAs, elaboradas no período compreendido entre os anos 1997 a 2005. Denise Christina de Rezende Nicolaidis Analista Pericial – Engenharia Florestal A ÁREA DE INFLUÊNCIA NO EIA: ANÁLISE E PROPOSTAS Autores1 “...não há nenhuma possibilidade de se fazer progredir uma ciência sem uma grande parcela de esforço crítico. E não há esforço crítico sem risco.” (Milton Santos, 2004 [1978], p. 25) Resumo A Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), prevista na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n.º 6.938/81) é realizada no Brasil para projetos de desenvolvimento por meio do Licenciamento Ambiental de obras, atividades ou empreendimentos efetiva ou potencialmente causadores de significativa degradação do meio ambiente, para o qual o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) tem sido a principal peça técnica do processo decisório. O presente estudo focaliza a etapa de delimitação da área de influência no EIA, buscando reconhecer os conceitos envolvidos, identificar tendências gerais no uso dos mesmos e propor uma forma de abordagem que resulte em maior qualidade à AIA. O trabalho é subdividido em três partes. A primeira apresenta uma revisão da literatura nacional e internacional sobre o tema, especialmente no que concerne aos conceitos de impacto ambiental e recortes espaciais para gestão ambiental. A segunda constitui-se de pesquisa realizada nas Informações Técnicas (ITs), referentes às análises de EIAs, elaboradas no período compreendido entre os anos 1997 e 2005, no âmbito da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (4ª CCR) e da Procuradoria da República no Estado de São Paulo (PR/SP), nas quais a questão da área de influência foi explicitamente abordada. A terceira parte consolida a discussão dos dados e a conclusão do estudo, cujos subsídios foram fornecidos tanto pela revisão da literatura, quanto pela pesquisa nas ITs. Constatou-se a existência de uma diversidade de termos e de combinações destes para denominar áreas de influência. Quanto aos critérios utilizados para a sua delimitação espacial, verificaram-se as seguintes preferências: a bacia hidrográfica e a divisão geopolítica foram mais freqüentes na delimitação de áreas de influência indireta – AII; a área de influência direta – AID foi delimitada, com mais freqüência, com base no recorte identificado no presente estudo como área do empreendimento e seu entorno. Ficou evidenciado que a Resolução Conama n.º 01/1986 não tem sido suficiente para orientar a adequada delimitação da área de influência, tendo em vista as críticas apresentadas nas análises técnicas de EIAs, realizadas pelo MPF. Propõe-se que o EIA estabeleça, inicialmente, uma área de estudo que, ao final da avaliação, será confirmada ou terá os seus limites alterados em função da identificação do alcance espacial dos impactos previstos, resultando na área de influência do projeto. 1Autoria: 4a CCR/PGR: Dalma Maria Caixeta - Analista Pericial em Engenharia Sanitária; Denise Christina de Rezende Nicolaidis - Analista Pericial em Engenharia Florestal; Ludimila Lamounier - Analista Pericial em Arquitetura; Mauro Seródio S. Araújo - Analista Pericial em Engenharia Florestal (até janeiro de 2007); Mirtes Magalhães Duarte - Analista Pericial em Biologia; Sandra Nami Amenomori - Analista Pericial em Arqueologia; Valdir Carlos da Silva Filho - Analista Pericial em Geografia. PR/SP: Adriana Oliva – Analista Pericial em Engenharia Florestal; Sandra Dias Costa – Analista Pericial em Biologia; Deborah Stucchi - Analista Pericial em Antropologia. Revisores: Carlos Alberto Sousa Correia; Luciana Adele Maria Bucci; Marcos Cipriano Cardoso Garcia; Murilo Lustosa Lopes; Kênia Itacaramby; Joanildo Santiago de Souza; Habib Jorge Fraxe Neto; Humberto Alcântara F. Lima. Estagiários da 4a CCR: Daiana Rocha de Sousa - Engenharia Ambiental; Fabrício Alves Rodrigues - Geografia; Izabelle Luisa Lopes – Biologia; Liliane Silva Doroteu - Engenharia Ambiental; Vivian Diniz Braga - Engenharia Florestal. 2 1 Introdução Concebida há mais de três décadas, a AIA foi proposta segundo uma abordagem interdisciplinar e sistemática na avaliação das ações potencialmente poluidoras. O seu objetivo é assegurar que critérios socioambientais sejam considerados no processo decisório de planejamento, juntamente com os aspectos técnicos e econômicos. O desenvolvimento histórico da AIA tem ocorrido por sucessivos aperfeiçoamentos na busca da compatibilização do desenvolvimento econômico com a proteção do meio ambiente, conforme os avanços no nível de esclarecimento da sociedade; na capacidade de construção de cenários futuros; no progresso da pressão social e no bom uso e evolução dos instrumentos legais de promoção da qualidade ambiental (AB'SABER, 2002). No Brasil, as experiências de AIA são quase exclusivamente voltadas para projetos de desenvolvimento. Isso se deve ao fato de que a Resolução Conama n.º 01/1986 vinculou a AIA ao licenciamento ambiental de atividades/empreendimentos potencialmente poluidores, requerendo a elaboração de um EIA e de seu respectivo relatório (Rima). Por essa razão, o presente estudo contemplará apenas a AIA aplicada no nível decisório do projeto, associado ao procedimento administrativo do Licenciamento Ambiental. Contudo, é importante esclarecer que hoje se procura incorporar no país a função da AIA também como instrumento de planejamento, por meio do que se convencionou chamar de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE). Apesar de a lógica subjacente ao processo de AIA ser relativamente simples – pois encerra a idéia de restringir e condicionar a atividade econômica de modo a compatibilizar proteção ambiental e desenvolvimento econômico por meio da proposição de medidas capazes de prevenir, mitigar ou compensar os impactos identificados, bem como de programas para monitorar as respostas do ambiente – as metodologias de análise são bastante complexas. Isso se deve à necessidade de buscar um equilíbrio entre os diversos interesses e atores envolvidos, incorporando os diferentes aspectos que devem ser examinados como, por exemplo, as possíveis alternativas à proposta apresentada; o escopo de estudo (que deve ser amplo o suficiente para permitir uma visão integradora, e ao mesmo tempo focado nas questões relevantes para a decisão dos órgãos licenciadores) e as técnicas mais adequadas de previsãode impactos diretos e indiretos. Cada um desses aspectos possui dificuldades inerentes que precisam ser superadas para que o processo, como um todo, alcance os seus objetivos. Para que uma AIA se desenvolva adequadamente também é necessário considerar as escalas temporais e espaciais dos eventos gerados em cada etapa do empreendimento. Embora tais escalas sejam indissociáveis, o presente trabalho destaca a escala espacial, ou seja, a definição da área sobre a qual será efetuada a avaliação ambiental, que por sua vez é função das influências geradas pelo projeto. 2 Objetivos 2.1 Rever a literatura pertinente, buscando sistematizar os conceitos relacionados à questão da área de influência de empreendimentos potencialmente poluidores. 2.2 Identificar os critérios adotados nos EIAs para a delimitação das áreas de influência dos empreendimentos, a partir da análise das Informações Técnicas - ITs2 2 Estão também compreendidos no termo “Informação Técnica-IT”, os Pareceres Técnicos elaborados pela 3 produzidas no âmbito da 4ª CCR e da PR/SP. 2.3 Sistematizar as críticas feitas nas referidas ITs quanto a deficiências na delimitação das áreas de influência definidas nos EIAs. 2.4 Propor uma nova visão da sistemática de delimitação das áreas de influência, capaz de superar ou minimizar as deficiências registradas. 3 Metodologia A metodologia do trabalho apóia-se, inicialmente, na revisão de conceitos pertinentes ao tema Área de Influência, contidos em textos sobre AIA, como também naqueles relativos a unidades espaciais de planejamento ambiental. A pesquisa empírica pauta-se nas Informações Técnicas produzidas pelas 4ª CCR e PR/SP, no período de 1997 a 2005, consistindo em fonte secundária, e não sobre os próprios EIAs, cujo conteúdo esteve sob a análise técnica por ocasião da elaboração das ITs. As ITs consideradas na presente pesquisa referem-se a EIAs de empreendimentos que demandaram a atuação do MPF, representando um subconjunto específico de estudos de impacto ambiental produzidos no país. A revisão das ITs buscou responder às seguintes perguntas: a) quais têm sido as denominações e os critérios de recorte espacial mais freqüentes na delimitação da área de influência? b) é possível perceber uma tendência de padronização na utilização da terminologia e dos recortes espaciais? c) que tipo de críticas foram feitas pelo corpo de analistas do MPF sobre a delimitação da área de influência nos EIAs, no período pesquisado? d) a delimitação da área de influência tem atendido às exigências técnicas e legais pertinentes? PARTE 1 – Revisão de literatura 1.1 Conceitos de área de influência e sua importância O artigo 5° da Resolução Conama n.° 01/1986 fixou, como uma das diretrizes gerais dos EIAs, a delimitação da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto. Não houve, contudo, um esforço de conceituação pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama, deixando margem a interpretações variadas sobre os termos envolvidos. A definição dos limites da área de influência de um empreendimento pode ser considerada uma das tarefas mais difíceis e complexas na elaboração de um EIA, opinião expressa por Phillipi Jr. e Maglio (2005) e também salientada no Manual de Impactos Ambientais – Maia, produzido pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente, Instituto Ambiental do Paraná e GTZ (SEMA/PR, 1999). A despeito dessa dificuldade, na publicação Deficiências em estudos de impacto ambiental (2004), verifica-se que a importância da correta definição dessas áreas se faz sentir desde a elaboração dos diagnósticos ambientais até a fase de aplicação dos programas de monitoramento, mitigação e compensação. Via de PR/SP. Essas ITs foram elaboradas por diferentes equipes técnicas, algumas com a colaboração dos Analistas Periciais lotados nas Procuradorias da República nos demais estados brasileiros. 4 regra, áreas de influência subdimensionadas acarretam lacunas na descrição de determinados componentes socioambientais, causando prejuízos ao processo de avaliação dos impactos e à proposição de medidas de controle dos mesmos. Entretanto, a área de influência de um empreendimento está igualmente relacionada a dois outros aspectos mais gerais que, da mesma forma, repercutem sobre a avaliação prévia dos impactos. São eles: a) a definição da competência dos órgãos de meio ambiente para o respectivo licenciamento. Conforme preceitua a Resolução Conama n.º 237/1997, compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, e não aos órgãos estaduais, o licenciamento dos projetos de significativo impacto ambiental localizados ou desenvolvidos em dois ou mais estados3 – impactos regionais, assim como em terras indígenas e em unidades de conservação de domínio da União, entre outros. Também, deve-se notar que, o licenciamento ambiental não prescinde da autorização dos órgãos responsáveis por unidades de conservação eventualmente afetadas por um dado projeto4, conforme determinam o artigo 36, §3° da Lei nº 9.985/2000 (que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC) e o artigo 2º da Resolução Conama n.º 13/90; b) a participação dos atingidos pelos impactos. A definição da área de influência condiciona, de certa forma, os possíveis locais onde se darão as audiências para a discussão do Rima do empreendimento, assim como o público-alvo de tais eventos (i. e. os atingidos pelos impactos). Tanto os segmentos sociais (p. ex.: comunidades rurais, associações comunitárias, grupos indígenas, quilombolas) quanto as unidades político-administrativas (p. ex.: estados, municípios, distritos) efetivamente sujeitos aos impactos previsíveis, mas não incluídos nas áreas de influência, têm sua participação dificultada ou mesmo não requerida durante o licenciamento ambiental e, por conseqüência, podem não ser beneficiados pelos programas ambientais de mitigação e compensação, ou ser surpreendidos com modificações impostas ao seu modo de vida. Particularmente no que diz respeito ao aspecto social, a intervenção sobre um dado espaço geográfico promove o surgimento de novas territorializações que, por sua vez, implicam novas regionalizações. Essa intervenção pode cessar definitivamente, interromper temporariamente e/ou dificultar o acesso a recursos naturais ou a continuidade de relações sociais, políticas, culturais e/ou econômicas. Ao analisar essa interferência espacial, é perfeitamente possível admitir que os impactos decorrentes do deslocamento (compreendido como a mudança física compulsória e/ou a desarticulação social) ocorrem segundo várias escalas espaciais e temporais nas esferas ecológicas, sociais, culturais, políticas e econômicas. 3 Ilustra essa situação o projeto da UHE Corumbá IV, em cujo EIA/Rima a área de influência não ultrapassava os limites geopolíticos do Estado de Goiás, embora fosse claro que o Distrito Federal também seria impactado. O erro foi reconhecido e reparado posteriormente, pela via judicial, e o Ibama passou a integrar o licenciamento juntamente com o órgão de meio ambiente de Goiás. 4 No caso da UHE Itumirim, cujo licenciamento competia ao Estado de Goiás, o Ibama posicionou-se contrariamente ao projeto em função dos impactos previstos sobre o Parque Nacional das Emas. 5 1.2 Conceitos e caracterização de impacto ambiental O renomado jurista e professor Paulo Affonso Leme Machado (2003, p. 216), ao tratar do EIA, chama a atenção para o vínculo indissociável entre a área de influência e os impactos de um projeto:A definição da área geográfica a ser estudada não fica ao arbítrio do órgão público ambiental, do proponente do projeto ou da equipe multidisciplinar. A possibilidade de se registrarem impactos significativos é que vai delimitar a área chamada de influência do projeto (g.n.). Portanto, é necessário esclarecer os conceitos de impacto ambiental para melhor compreender a problemática que envolve a delimitação da área de influência. A legislação brasileira5 define impacto ambiental como “qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetem: i) a saúde, a segurança e o bem-estar da população; ii) as atividades sociais e econômicas; iii) a biota; iv) as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; e v) a qualidade dos recursos ambientais.” No âmbito da União Européia (EUROPEAN COMMUNITIES, 2001), impacto é qualquer alteração nos ambientes físico, natural ou cultural acarretada por um projeto de desenvolvimento. Wathern (1988) citado por Sánchez (2006) entende que impacto ambiental pode ser definido como a mudança em um parâmetro do meio ambiente num determinado período, numa determinada área, comparada com a situação que ocorreria se essa atividade não tivesse sido iniciada. É possível observar na literatura técnica e científica diferentes definições que, todavia, guardam similaridade em alguns aspectos, tais como: a característica de alteração de uma situação de equilíbrio dinâmico do meio ambiente e a visão antropocêntrica, fundamentada no efeito das ações humanas sobre o meio socioambiental. Philippi Jr. e Maglio (2005) apresentam a seguinte revisão de literatura sobre as definições de impacto ambiental: a) impacto ambiental é qualquer alteração significativa no meio ambiente em um ou mais de seus componentes, provocada por uma ação humana; b) impacto ambiental é qualquer alteração no sistema ambiental físico, químico, biológico, cultural e socioeconômico que possa ser atribuída a atividades humanas relativas às alternativas em estudo, para satisfazer as necessidades de um projeto; c) impacto ambiental pode ser visto como parte de uma relação de causa- efeito, podendo ser considerado como a diferença entre as condições ambientais que existiriam com a implantação de um projeto proposto e as que existiriam sem essa ação; d) uma alteração, que pode ser natural ou induzida pelo homem, sendo que um efeito é uma alteração induzida pelo homem e um impacto inclui um julgamento do valor de significância de um efeito; e) impacto ambiental é a estimativa ou o julgamento do significado e do valor do efeito ambiental para os receptores natural, socioeconômico e humano; e 5 Resolução Conama n.º 01 de 23 de janeiro de 1986. Dispõe sobre critérios básicos e diretrizes gerais para o EIA e o Relatório de Impacto Ambiental – Rima. 6 efeito ambiental é a alteração mensurável da produtividade dos sistemas naturais e da qualidade ambiental, resultante de uma atividade econômica. O artigo 1º da Resolução Conama n.º 01/1986, associou o conceito de impacto ambiental à possibilidade de afetar o meio socioambiental de modo direto ou indireto. Além disso, o artigo 5° da mesma Resolução determinou a delimitação da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto. Essas associações e previsões promoveram, na prática brasileira, a noção de que a área de influência deveria ser subdividida em direta e indireta, de acordo com o tipo de impacto potencial ali verificado. Portanto, é necessário o aprofundamento dos conceitos de impactos diretos e indiretos. Figura 1 – Diagrama de definições de impacto ambiental Segundo consta no sítio eletrônico da Agência Canadense de Avaliação Ambiental6, impacto direto é aquele no qual a relação de causa-efeito não tem resultados intermediários (sendo efeito qualquer resposta de um componente ambiental e social ao impacto de uma ação) e impacto indireto é aquele no qual essa relação tem resultados intermediários. Já Phillipi Jr. e Maglio (2005) entendem que, quando o impacto resulta de uma simples relação de causa-efeito, ele pode ser chamado de impacto primário ou de primeira ordem, e quando resulta de uma reação secundária em relação à ação ou parte de uma cadeia de reações, é também chamado de impacto secundário ou de enésima ordem. É importante considerar, todavia, que a cadeia de impactos nem sempre é evidente, pois decorre de como o sistema ambiental é examinado. Com efeito, alguns impactos diretos são confundidos com ações (SÁNCHEZ, 2006), como também a ordem dos impactos dependerá da subdivisão do sistema ambiental e da escala de análise (CHRISTOFOLETTI, 1980). Muitos dos mais prejudiciais impactos ambientais podem não resultar de ações 6 Canadian Environmental Assessment Agency, disponível em:<http://www.ceaa-acee.gc.ca/index_e.htm>, acesso em: 16 fev. 2006. 7 SISTEMA AMBIENTAL físico químico biológico cultural socioeconômico. AÇÃO NATURAL efeito ambiental impacto ambiental AÇÃO HUMANA positivo Valor de Signif icância alteração ambientalalteração ambiental negativo diretas de projetos, mas da combinação de efeitos de um só projeto ou de efeitos menores gerados por diversos, que ao longo do tempo podem causar um impacto indireto significativo (PARR, 1999). Os impactos indiretos podem representar riscos iguais ou maiores que os diretos de um projeto (VAINER, 2003). Apesar disso, os impactos indiretos, não têm sido bem identificados ou compreendidos, quer por insuficiência científica, metodológica ou por omissão intencional. Lenzen et al. (2003) destacam que, na prática, quase todas as AIAs estudam os impactos diretos e localizados na área do projeto (on-site). Mas, para eles, os impactos indiretos, que podem ser de infinitas ordens e que, geralmente, ocorrem fora da área do projeto, e até mesmo em outros países (off-site), podem ter maior magnitude do que os localizados. Os autores ainda observam que muitos processos ecológicos não podem ser explicados por uma relação linear simples, o que revela a complexidade da previsão de impactos ambientais. A Resolução Conama n.° 01/1986, art. 6°- II, exige que todo EIA faça: i) a previsão da magnitude7; e ii) a interpretação da importância8 dos prováveis impactos relevantes. Além disso, determina que se discriminem os impactos diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e permanentes, além de seu grau de reversibilidade, suas propriedades cumulativas e sinérgicas. Dessa forma, é comum que os EIAs façam uma avaliação dos atributos dos impactos, utilizando esses critérios. Entretanto, o Conama, novamente, deixou a cargo do leitor a interpretação dos termos, o que tem gerado controvérsias e disputas judiciais. Uma sugestão para o preenchimento dessa lacuna seria a elaboração de um glossário para os termos empregados na citada Resolução. Com relação ao impacto cumulativo, esse pode ser definido como sendo a resultante do somatório de impactos ao longo do tempo sobre um mesmo sistema ambiental, gerados por um determinado empreendimento ou pelo conjunto deste com outros. O efeito cumulativo pode resultar de impactos individualmente menores que, quando somados, adquirem maior importância, daí a preocupação em reconhecê-los no processo de AIA ( COCKLIN et al., 1992 apud DEFICIÊNCIAS EM ESTUDOS DE IMPACTO AMBIENTAL, 2004). Um bom exemplo desse caso ocorria com a poluição por DDT, onde era possívelverificar baixíssimos níveis de sua concentração em um dado estuário, porque é praticamente insolúvel na água. Porém, como ele é um praguicida com alta solubilidade em lipídeos, acumula-se nos organismos e apresenta consideráveis acréscimos ao longo da cadeia alimentar: mil vezes em zooplânctos; dez mil vezes em peixes pequenos; e em gaivotas, que se alimentam dos peixes contaminados, um milhão de vezes o nível de contaminação das águas do estuário (DREW, 2005; BRAGA, 2005) 9. 7 A magnitude define a grandeza de um impacto em termos absolutos, podendo ser definida como a medida de um fator ou parâmetro ambiental em termos qualitativos ou quantitativos, provocados por uma ação (MOREIRA, 1992 apud PHILLIPI Jr.; MAGLIO, 2005). Assim, a magnitude será definida em função da diferença entre os valores assumidos pelo parâmetro com e sem o projeto (por exemplo: ruído sem o projeto = 40dB e com o projeto = 65dB; a magnitude será de 25dB) (PHILLIPI Jr.; MAGLIO, 2005). Para Bisset (1986 apud ALMEIDA; BASTOS, 2004, p. 92), a magnitude define uma “medida da gravidade de alteração do valor de um parâmetro ambiental”, o que pode ser conhecido pela soma dos valores determinados para os atributos extensão, periodicidade e intensidade. 8 A importância é uma ponderação do grau de significação de um impacto em relação ao fator ambiental afetado e em comparação com os outros impactos gerados pelo mesmo projeto (MOREIRA, 1992 apud PHILLIPI Jr.; MAGLIO, 2005). 9 Alguns autores consideram esse tipo de impacto como sinérgico, outros como efeitos de bioacumulação. Para informações adicionais ver Cunha e Guerra (2004). 8 Outro conceito relevante é o de sinergismo ou sinergia. O sinergismo ocorre quando o efeito total de um conjunto de atividades é diferente (em qualidade) ou maior (em magnitude) que a simples soma dos efeitos tomados independentemente (MACHADO, 2003). Um exemplo clássico é o da poluição química, em que compostos químicos diferentes, liberados a partir da operação de empreendimentos distintos, podem reagir após algum tempo, originando novas substâncias com potencial de impacto próprio. Outro exemplo é a extinção local de aves ou mamíferos, que pode ocorrer em função de atividades ou empreendimentos distintos atuando sinergicamente sobre a paisagem original, por meio de alterações dos ambientes ribeirinhos, da supressão de remanescentes florestais, do uso de defensivos agrícolas, da introdução de espécies exóticas e doenças, do favorecimento da caça ou da exploração seletiva de determinadas plantas consumidas pelas espécies em questão. A despeito dessas definições, segundo Egler (2001), convencionou-se denominar impactos cumulativos uma diversidade de formas, a saber: a) os impactos aditivos de empreendimentos que não requerem a AIA; b) os impactos sinérgicos, segundo o qual o efeito total de diferentes projetos excede a mera soma dos individuais; c) os impactos de limite ou de saturação, onde o ambiente pode ser resiliente10 até um certo limite, a partir do qual se torna rapidamente degradado; d) os impactos induzidos, onde um projeto pode estimular/induzir projetos secundários, sobretudo de infra-estrutura; e) os impactos por estresse de tempo ou de espaço, onde o ambiente não tem nem tempo, nem espaço para se recuperar de um impacto antes que seja submetido a outro; e f) os impactos globais, tais como os que ocorrem na diversidade biológica e no clima do planeta. Parr (1999) destaca as barreiras técnicas e institucionais para a identificação dos impactos indiretos, cumulativos e das interações entre eles, das quais citam-se: a) a determinação dos limites aceitáveis de alteração ambiental [em outras palavras, o estabelecimento dos padrões de emissão e de qualidade ambiental]; b) os limites espaciais da avaliação, com a seleção da área e da escala geográfica mais apropriadas para determinar a significância desses impactos; c) a escala temporal da avaliação, considerando os efeitos futuros dos impactos; d) o diagnóstico ambiental, com os dados existentes sobre o meio ambiente a ser impactado; e) as características de resposta dos sistemas, sociais e ambientais, ou 10 Walker et al. (2004) definem resiliência como a capacidade de um sistema para absorver distúrbios e se reorganizar, enquanto alterações estão em curso, de tal modo que ainda mantenha, essencialmente, a mesma função, estrutura, identidade e respostas. Para Ludwig et al. (1997), resiliência seria a tendência de um sistema natural de manter sua integridade, quando sujeito a um distúrbio, e estabilidade, a tendência de retornar a uma posição de equilíbrio, após um distúrbio. 9 seja, as relações de causa-efeito entre o projeto e o meio ambiente, especialmente ao se levar em conta os impactos indiretos, cumulativos e as interações entre os mesmos, que podem não apresentar uma resposta linear; f) os arranjos institucionais que, devido às diferentes abordagens conceituais, podem ser orientados tanto para o planejamento, visando a tomada de decisão entre as possíveis opções de escolha e levando em conta os diferentes valores sociais, econômicos e ambientais; quanto para a ciência, enfatizando os aspectos analíticos e quantitativos da avaliação de impactos, o que irá requerer diferentes metodologias11 e considerações do ponto de vista administrativo12. Entretanto, o autor observa que os limites espaciais de um projeto não fornecem o escopo requerido para a avaliação de impactos indiretos, cumulativos e a interação dos mesmos e, no sentido de promover essa avaliação, é preciso acessar uma base de dados ambientais correspondentes à escala que permita julgar as possíveis alternativas ao projeto. É o que será abordado a seguir. 1.3 A questão da escala Espaço e tempo só podem separar-se por um exercício de abstração (HAELEY, 1950 apud SANTOS, 2002). Na avaliação de impacto ambiental não se deve dissociar as escalas espaciais e temporais de análise, porque a concepção de uma escala demanda reflexos na outra (SUERTEGARAY, 2002). A consideração de um espaço geográfico puro, que desconsidere o tempo, é uma concepção mecânica e bastante reducionista da realidade, pois espaço e tempo estão um no outro (SILVA, 2004). 1.3.1 Aspectos temporais Os impactos ambientais considerados significativos são aqueles que promovem substanciais modificações nas estruturas e fluxos dos sistemas ambientais, segundo uma escala temporal que privilegia tempos reduzidos (TROPPMAIR, 1988 apud MIRRA, 2002). Referenciando o tempo para o exercício analítico, a escala temporal é imprescindível ao EIA, com reflexos na delimitação da área de influência do projeto. A Resolução Conama n.º 01/1986 considera objetivamente o aspecto temporal na elaboração dos EIAs quando determina a avaliação de atributos dos impactos e a elaboração de hipóteses para cenários futuros (art. 5º, I e art. 6º, II). Na classificação dos atributos observam-se basicamente duas categorizações. A primeira diz respeito ao desencadeamento do impacto, que considera o lapso entre a ação e a manifestação do efeito, podendo ser: imediato, de médio prazo ou de longo prazo. A segunda refere-se ao vínculo entre ação e efeito ambiental, em função do tempo: permanente, variável ou temporário (ALMEIDA et al., 1994 apud BASTOS; 11 O documento apresenta algumas das metodologias já desenvolvidas para identificar e avaliar os impactos, tais como: listas de verificação (checklists); matrizes de interação; métodos quantitativos (modelagens matemáticas); análise de custo-benefício, incluindo a valoraçãodos recursos naturais; métodos multi-critérios, incluindo a teoria da utilidade multi-atributos e o método Delphi. 12 O documento alerta para a importância das duas abordagens que se completam para uma gestão eficaz, segundo a qual a Avaliação Ambiental Estratégica - AAE seria uma evolução da Avaliação de Impacto Ambiental - AIA, orientada para o planejamento. 10 ALMEIDA, 2004). A área sujeita a um impacto pode ter seus limites alterados ao longo do tempo, evidenciando o caráter temporal dessa delimitação. Nesse sentido, Sánchez (2006) afirma que é o monitoramento ambiental o instrumento mais efetivo para estabelecer a real área de influência, permitindo concluir que, se um impacto não mais existe, a sua respectiva área de abrangência não mais existirá. Quando a Resolução Conama n.º 01/1986 refere-se às hipóteses de realização ou de não realização do empreendimento, concebe a elaboração de prognósticos, pois se trata de um devir. Da mesma forma ocorre em outras etapas do EIA como, por exemplo, na delimitação da área de influência e na identificação de potenciais impactos. 1.3.2 Aspectos espaciais De importância capital para os estudos ambientais, a compreensão e a definição das escalas dos fenômenos podem determinar a qualidade e a quantidade das ocorrências que serão observadas pelas equipes multidisciplinares encarregadas pela elaboração do estudo. Como os fenômenos ecológicos e os sociais não são claramente delimitáveis, trata-se sempre de uma tarefa árdua e complexa, principalmente ao se considerar as sinergias possíveis. Ademais, se as repercussões da escolha de uma ou outra escala forem ignoradas pelos pesquisadores, os resultados da AIA serão mais um artefato dos dados do que uma situação real sendo estudada (ELZA JOÃO, 2002). Aliás, a escala deve ser apreendida como uma estratégia de aproximação do real, compreendendo a sua definição não apenas uma problemática dimensional, mas também referente ao fenômeno (CASTRO, 2006). Segundo Racine et al. (1983), a escala geográfica (espacial) e a escala cartográfica (representação) são mediadoras da ação, dos valores, das intenções e, com efeito, do poder. São sempre resultado de combinatórias complexas para o qual é necessário um processo de “esquecimento coerente”, ou seja, de um empobrecimento da realidade pela impossibilidade de analisá-la em sua totalidade ou de representá-la integralmente. Assim, quem decide as escalas de utilização tem o poder de admitir “o que” ou “quem” pertence ao fenômeno ou processo representado. As escalas devem, portanto, estabelecer uma coerência entre a análise e a representação. Para Elza João (2002), a significância dos impactos pode variar de acordo com a escala adotada na AIA, e com isso a sua escolha poderá ter graves repercussões nos resultados obtidos e na exatidão da avaliação. São considerados, no estudo referenciado, dois significados relevantes para escala: o de extensão espacial e o de detalhe de análise. Os dois significados estão relacionados, pois a extensão espacial da avaliação irá usualmente afetar o grau de detalhe da análise, o que sugere a existência de uma razão entre a extensão e o detalhe, e que restringe o volume de dados razoáveis para a análise [dos impactos] de um projeto13. A autora, citando Gray (1999), ressalta que processos e parâmetros importantes identificados em uma escala (de análise) podem não ser importantes ou 13 Apesar da noção de escala também poder ser aplicada à questão temporal, esse aspecto não foi objeto da pesquisa referenciada. 11 previsíveis em outra14. O potencial efeito que a escala de análise adotada pode ter sobre os resultados da AIA se dá, possivelmente, sobre o tipo de impacto encontrado, sua magnitude e significância; o tipo de medida de mitigação recomendada; e, por último, a decisão final em relação à proposta. A autora concluiu que, de acordo com a escala adotada, diferentes decisões podem ser tomadas, alternativas distintas podem ser escolhidas ou medidas de mitigação diferenciadas podem ser implementadas. Ainda segundo Elza João (2002), pode-se assumir que quando limites espaciais amplos (extensão espacial) são definidos num EIA, privilegia-se uma avaliação superficial (baixo grau de detalhe), aumentando as incertezas quanto aos impactos. Já, quando as fronteiras da área de estudo são pequenas, um exame mais detalhado é factível, mas o entendimento do contexto maior pode sair prejudicado. Deve-se, todavia, observar que alguns impactos só são identificáveis com ampliação da escala geográfica. Tome-se como exemplo o caso de uma termelétrica a carvão que gera grande produção de derivados de enxofre na atmosfera local. Ela pode originar chuvas ácidas a longas distâncias, o que somente poderá ser trazido para o escopo da AIA se a extensão espacial da avaliação for ampliada. Por outro lado, os proponentes do projeto podem considerar uma avaliação espacialmente ampla como sendo onerosa ou impossível, enquanto que as populações a serem afetadas podem pensar que pequenos limites não incluirão todos os efeitos ambientais do projeto. Essa situação de conflito potencial pode ser agravada pelo fato de que muitos relatórios falham em explicitar a escala (grau de detalhe) usada, ou simplesmente a omitem. Nesse sentido, Lenzen et al. (2003, p. 265) observam que a força da AIA tem residido em sua detalhada descrição dos impactos locais dos projetos, e, por essa razão, se torna um processo restrito aos efeitos locais, desconsiderando o fato de que uma ação de desenvolvimento pode, indiretamente, ter conseqüências sobre uma ampla região. Os autores alertam, contudo, que há problemas em especificar a localização dos efeitos indiretos, os quais podem ocorrer perto do local da atividade, mas também em nível nacional e internacional, sendo importante, em alguns casos, incluir impactos internacionais como, por exemplo, as alterações climáticas decorrentes das emissões de gases de efeito estufa. Por outro lado, Sample (1991), citado por Parr (1999), sugere que os limites espaciais da AIA não deveriam ser fixos, permanecendo flexíveis e determinados pelo componente ambiental específico sob consideração. Ou seja, cada um dos componentes que pudessem ser afetados seriam identificados e a área de consideração seria determinada pelo conjunto de componentes possivelmente afetados. Sánchez (2006) entende que somente depois da previsão de impactos é que se pode tirar alguma conclusão sobre a área de influência do projeto. Para ele, se cada impacto é detectável em uma área de influência, o projeto terá distintas áreas de influência e a área de influência total corresponderá à soma das áreas parciais. Na mesma linha de raciocínio, Moreira (1992), citada por Phillipi Jr. e Maglio (2005, p. 239), entende que “a delimitação da área de influência do projeto somente se 14 Corroborando a assertiva, Castro (2006) aduz que não há regra perfeitamente intercambiável em escalas de análise distintas. 12 completa no final dos trabalhos do EIA. Cada impacto, dependendo do fator ambiental que modifica, atinge certa área de incidência. O limite final da área de influência em sua totalidade será então a envoltória de todas essas áreas”. Contudo, é importante acrescentar que há a necessidade de verificar se a sobreposição desses impactos promoverá alguma interação significativa, admitindo uma integração qualitativamente diferenciada da mera sobreposição. 1.4 A bacia hidrográfica como referência espacial na AIA Botelho (1999) destaca que a bacia hidrográfica foi pioneiramente utilizadacomo unidade formal de planejamento ambiental nos Estados Unidos, com a criação do Tennessee Valley Authority (TVA) em 1933. Para Egler (2006), o caso TVA transcendeu a visão estritamente ecológica, focando também o planejamento econômico da região. Segundo Lencioni (2003) e Gomes (2006), pode-se afirmar que já no século XVIII as bacias hidrográficas foram apresentadas como demarcadores naturais para gestão do território, antecipando a polêmica na escolha entre critérios naturais e políticos. A Resolução Conama n.º 01/1986, ao estabelecer as diretrizes gerais para o EIA, preconiza que a bacia hidrográfica na qual se localizará o empreendimento deverá ser considerada na definição dos limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos. A literatura traz outros termos para bacia hidrográfica, tais como: bacia de contribuição, bacia de drenagem e bacia fluvial, que são utilizados conjuntamente ou como sinônimos. Tal diversidade de termos — muitas vezes resultado das visões compartimentadas de cada disciplina ou área de atuação — gera uma imprecisão sobre o conceito, dificultando sua operacionalização nos estudos ambientais. A partir das definições apresentadas por Tucci (1993) e Faustino (1996) citado por Bentes-Gama (2006), chega-se ao conceito clássico de bacia hidrográfica, que seria uma área definida em função da topografia, formada por um conjunto de superfícies inclinadas, chamadas vertentes, por um curso d’água principal, de maior tamanho, e pelos cursos secundários — formando uma rede de drenagem15. Seus limites seriam os chamados divisores de água ou linhas de cumeada, que são as cristas das elevações do terreno separando drenagens contíguas e direcionando o escoamento das águas das chuvas numa ou noutra direção, isto é, para bacias diferentes. Na bacia hidrográfica as águas pluviais são geralmente coletadas pelos cursos d'água menores e concentradas num rio principal, e em seguida descarregadas através de uma simples e única saída ou exutório, que pode ser uma ligação com o mar, com um lago ou com um rio maior. Por se tratar de um sistema aberto em equilíbrio dinâmico, a bacia hidrográfica está em contínuo processo de mudança, independentemente da ação humana. Tendo em vista as dificuldades na apreensão dos fenômenos biogeofísicos em áreas muito extensas, as bacias hidrográficas costumam ser subdivididas em sub- bacias e microbacias, e classificadas conforme a magnitude relativa dos respectivos rios, tomando por referência a área drenada ou o número total de nascentes. Nesse sentido, Santos (2004) utiliza o termo bacia de drenagem como sendo uma área da 15 A rede de drenagem de uma bacia hidrográfica é formada pelo rio principal e pelos seus tributários. Também denominada rede hidrográfica e rede fluvial: composta por todos os rios de uma bacia hidrográfica. 13 superfície continental que drena água, sedimentos e elementos dissolvidos em direção a um ponto comum do canal fluvial principal, que funciona como integrador dos fluxos das sub-bacias. Partindo dos conceitos enunciados por Faustino (1996), citado por Bentes- Gama (2006), tem-se as seguintes definições: • Sub-bacia: toda área maior que 100 km2 e menor que 700 km2 cuja drenagem descarrega a vazão diretamente no curso principal da bacia hidrográfica. Assim, uma bacia hidrográfica seria o somatório de várias sub- bacias. • Microbacia: toda área menor que 100 km2 cuja drenagem descarrega a vazão diretamente no curso principal de uma sub-bacia. Assim, uma sub- bacia seria o somatório de duas ou mais microbacias. Christofoletti (1980), por sua vez, apresenta hierarquizações de rios em bacias hidrográficas segundo ordens. Esses ordenamentos dos cursos d'água em uma rede de drenagem podem ser utilizados para classificar bacias hidrográficas conforme a intenção dos estudos. Um exemplo disso é apresentado na Figura 2. Figura 2 – Hierarquização de bacias hidrográficas16 16 Recorte de imagem RGB (composição colorida falsa cor) das bandas 5, 4 e 3 do sensor ETM+, do satélite LANDSAT 7, imageada em julho de 2001. O local é a bacia hidrográfica do rio Crixás, entre as cidades de 14 Todos esses termos são eventualmente encontrados em EIAs, o que dificulta a comparação de resultados das análises dos impactos, e revela a falta de padronização nos procedimentos. Rodrigues e Adami (2005) oferecem uma visão mais ampla e integradora do conceito de bacia hidrográfica, com a intenção de mostrar os processos relevantes que se desenvolvem no sistema. Segundo esses autores, a bacia hidrográfica é entendida como um sistema que compreende um volume de materiais, predominantemente sólidos e líquidos, em que os processos são considerados a partir do fornecimento de água pela atmosfera e interferem no fluxo de matéria e de energia de um rio ou de uma rede de canais fluviais. Com isso, uma bacia hidrográfica deve ser compreendida como espaços de circulação, armazenamento e saídas de água, assim como do material por ela transportado. Segundo essa evolução conceitual, que transcende mas não desqualifica as definições precedentes, há uma ampliação do conceito de bacia de drenagem, superando uma visão disjuntiva presente na hidrologia17. Os conceitos enunciados anteriormente, permitem entender com facilidade por que uma ação humana localizada, feita em um ponto da bacia, pode ser sentida a quilômetros de distância. Isso implica dizer que a bacia hidrográfica deve ser vista sob uma ótica sistêmica, onde uma alteração em um dos seus elementos constituintes produz, ou pode produzir, reflexos sobre todo o sistema. Todos os componentes de uma bacia hidrográfica encontram-se interligados e os rios são os veículos dessa integração. Segundo Botelho (1999), Milaré (2002) e Cunha e Guerra (2004), justamente por isso, as bacias hidrográficas são unidades ideais de análise da superfície terrestre e excelentes unidades de planejamento e gerenciamento nas quais é possível reconhecer e analisar as inter-relações existentes entre os diversos elementos da paisagem e os processos naturais que atuam na sua esculturação. Mas essa integração não se limita ao recurso hídrico (LANNA, 1995), apesar de a água ser imprescindível às atividades de qualquer ser vivo. Assim, no exame prévio dos impactos de um projeto sobre a bacia hidrográfica em que será instalado, não interessam apenas as alterações sobre os rios e demais corpos d'água, a exemplo dos lançamentos diretos de resíduos domésticos e industriais. Usos do solo afetam os processos de erosão, sedimentação, infiltração, percolação e lixiviação, que são fatores interferentes nos ciclos hidrogeológicos e processos de formação dos solos, geomorfológicos e botânicos (PIRES; SANTOS, 1995). Da mesma forma, pressões exercidas sobre a paisagem, sobre a vegetação e sobre a fauna aquática, presentes na área geográfica de uma bacia hidrográfica, influenciam os processos interativos nas suas interfaces física, biótica e antrópica, devendo ser investigados no âmbito da AIA. Para Pires Neto (1998), citado por Guimarães (1999), as bacias hidrográficas são as melhores unidades de gestão ambiental, porque, sendo delimitadas em função de características naturais, não estão restritas à territorialização político- Brejinho de Nazaré (TO) e Crixás (TO), afluente da margem leste do rio Tocantins. A delimitação da rede de drenagem e da bacia hidrográfica foi executada manualmente pelo software ArcView 9.2. A imagem foi obtida do acervo do Serviço Geológico do Brasil. 17 O input principal é a precipitação atmosférica. O output mais importante é o exutório final do curso d'agua principal, que coincidecom a sua foz. Portanto, para fins de planejamento ambiental, a bacia hidrográfica não pode ser definida exclusivamente em função de um ponto que segmenta a superfície da bacia em áreas a montante e a jusante desse referencial. 15 administrativa. Contudo, essa vantagem apresenta, paradoxalmente, o óbice de integrar diferentes forças e atores políticos, ou mesmo, distintos valores socioculturais (LANNA, 1995). Ainda assim, a dificuldade de integração político- administrativa pode ser atenuada pela percepção dos problemas ambientais em nível de bacia hidrográfica e pelo reforço da articulação política com entidades representativas das bacias, como os seus comitês (ANDREOZZI, 2005). Além disso, o caminho ideal da gestão ambiental do território constitui-se na valorização dos comitês de bacia hidrográfica, seja em etapa de planejamento, seja na elaboração de projetos de desenvolvimento. Tundisi et al. (1988), citados por Guimarães (1999), informam que um dos maiores benefícios no uso da bacia hidrográfica como uma unidade de gestão ambiental e, conseqüentemente, de análise ambiental, refere-se ao estímulo do desenvolvimento de interfaces científicas que aumentam progressivamente a compreensão dos processos e fenômenos a partir de uma visão globalizada, reduzindo a percepção fragmentada dos eventos. Entretanto, ao considerar a bacia hidrográfica como unidade geográfica ideal para se caracterizar, diagnosticar, avaliar e planejar o uso dos recursos naturais, é fundamental que sejam incluídos no processo o conhecimento de fatores socioculturais e o envolvimento das comunidades. Essa consideração implica tratar a bacia hidrográfica a partir de um enfoque geossistêmico, onde geossistema é entendido como uma combinação de um potencial ecológico, uma exploração biológica e uma ação antrópica, sendo um complexo essencialmente dinâmico (CHRISTOFOLETTI, 1999). Nesse sentido, para Botelho (1999), a utilização de microbacias como unidades de estudo em EIA seria mais vantajosa devido às dimensões geográficas relativamente reduzidas, permitindo que se conheçam adequadamente as populações residentes e usuárias diretamente envolvidas com as intervenções projetadas. Além disso, conforme Saldanha Machado (2003), a base empírica do conhecimento local sobre os rios deve ser valorizada, visto que possui grande valor socioambiental e está integrada à história do indivíduo, da família e da sociedade, revelando sentidos simbólicos que ultrapassam a materialidade estrita e configuram parte importante do seu patrimônio cultural. Mesmo assim, é importante verificar que, segundo Botelho (1999), a microbacia deve conjugar uma abrangência grande o bastante para que sejam identificadas as inter-relações existentes entre os diversos elementos do quadro socioambiental, e pequena o suficiente para estar compatível com os recursos disponíveis para o estudo. Conforme Santos (2004), a bacia hidrográfica pode não ser suficiente para a delimitação da área de influência de um projeto. Caberá aos EIAs considerar outras variáveis, como as de caráter socioeconômico, que condicionem a ampliação da área. Dependendo da magnitude e significância das alterações impostas pelo projeto, é possível que os estudos devam ser desenvolvidos além da bacia do curso d’água sob intervenção, avançando para outras bacias, ou ainda, outras unidades de planejamento, conforme o caso, como, por exemplo, divisões político- administrativas. Dito isso, pode-se afirmar que apenas um estudo que correlacione as peculiaridades ecológicas e socioespaciais com as especificidades do projeto, poderá definir a suficiência da bacia hidrográfica como recorte para a área 16 geográfica a ser afetada direta ou indiretamente por um dado projeto, tanto no que diz respeito aos meios físico e biótico, quanto ao socioeconômico18. PARTE 2 - Revisão das Informações Técnicas do MPF Os exames dos EIAs realizados pelos analistas do MPF têm considerado a orientação das atividades mínimas previstas a serem desenvolvidas, conforme determina a Resolução Conama n.º 01/1986. Entre elas está a delimitação da área de influência do projeto (artigo 5º, III). Nesse sentido, as Informações Técnicas não tiveram como foco exclusivo o tema área de influência, sendo esse tópico apenas uma parte integrante da análise dos Estudos. De um total de 1.451 ITs produzidas pela 4ª CCR no período de 1997 a 2005, 157 versam sobre análises de EIAs e/ou de seus respectivos Rimas. A esse total foram somadas 12 ITs elaboradas pelos analistas lotados na Procuradoria da República em São Paulo, no mesmo período, resultando num total de 169 ITs. Desse subconjunto, 89 tratam do tema área de influência com pertinência e relevância, representando o universo de análise. Importa esclarecer que a opção metodológica adotada no presente trabalho não contemplou a separação da área de influência por meios físico, biótico e socioeconômico, normalmente verificadas nos EIAs. 2.1 Tipos de empreendimentos analisados Com base em uma avaliação preliminar das 89 ITs, os empreendimentos contemplados nos respectivos EIAs foram classificados por modalidade, onde observou-se a predominância dos seguintes setores: geração e transmissão de energia (31,46%); sistemas viários (28,09%); saneamento (10,11%); empreendimentos turísticos (7,87%) e recursos minerais (7,87%), conforme demonstra o Gráfico 1. Vale destacar que as hidrelétricas são responsáveis por 68% dos casos analisados no setor de geração e transmissão de energia e as rodovias são responsáveis por 60% dos casos do setor denominado sistemas viários. Esses foram os segmentos da economia que demandaram situações de análise de EIA ao MPF e que, na temática de áreas de influência, apresentaram elementos de conflito19. 18 O meio socioeconômico, quando não empregado em citação, deverá ser entendido, para efeito deste estudo, como o conjunto das esferas sociais, culturais, políticas e econômicas presentes em um dado agrupamento humano. 19 O presente estudo considerou os seguintes tipos de empreendimento por setor: i) Geração e Transmissão de Energia: hidrelétricas, termelétricas (gás, carvão e nuclear), linhas de transmissão de energia e gasodutos; ii) Sistemas Viários: rodovias, hidrovias, portos e aeroportos; iii) Saneamento: aterros sanitários, centros de reciclagem de resíduos, barragens para abastecimento de água, recuperação ambiental de corpos hídricos; iv) Empreendimentos Turísticos: resorts, museu e centros de convenção; v) Recursos Minerais: explotação de minérios metálicos e não metálicos e de água mineral; vi) Demais Projetos de Infra-estrutura: base de lançamento de veículos espaciais, ampliação de molhes, transposição do rio São Francisco; vii) Plantas Industriais: indústrias de transformação; viii) Ordenamento Territorial: condomínios residenciais; ix) Agricultura/Silvicultura: projetos de irrigação, florestamento/reflorestamento. 17 2.2 Delimitação da área de influência nos EIAs A partir da análise das 89 ITs que investigaram o panorama das áreas de influência, foi possível verificar: i) as denominações atribuídas à área de influência; ii) a combinação das diversas denominações; e iii) os diferentes recortes espaciais adotados. 2.3 Denominações para área de influência No universo dos documentos examinados, registrou-se o uso das seguintes denominações para a área de influência dos empreendimentos avaliados por meio dos EIAs: a) AI – área de influência b) AID – áreade influência direta c) AII – área de influência indireta d) ADA – área diretamente afetada e) AI – área de intervenção f) AE – área de entorno g) AD – área de domínio h) ACA – área de complexa abrangência i) Área de influência difusa j) Área de influência econômica Verificou-se que, de modo geral, a definição nos EIAs dos termos “Área de Influência Direta” e “Área de Influência Indireta” estaria associada ao tipo de impacto ali verificado. As outras denominações foram assim apresentadas: a) Área Diretamente Afetada: que pode ser sinônimo de área de influência direta20 ou ter outros significados como i) área necessária à desapropriação ou onde incidirão as restrições de uso do solo em decorrência do 20 Exemplo dessa denominação está no EIA do Complexo Mineiro do Projeto Bujuru/RS. 18 3,37% 3,37% 3,37% 4,49% 7,87% 7,87% 10,11% 28,09% 31,46% Gráfico 1 - Distribuição de ITs por setor de empreendimento Agricultura/Silvicultura Ordenamento Territo- rial Plantas Industriais Demais projetos de in- fra-estrutura Recursos Minerais Empreendimento turís- tico Saneamento Sistema viário Geração e transmisão de energia empreendimento21; ii) área dos empreendimentos lineares, acrescida de faixa marginal de largura variável22; iii) área do reservatório de uma usina hidrelétrica, acrescida de áreas delimitadas de diversas maneiras, de modo a incluir obras, canteiros, vias de acesso, área de vila, acampamentos, jazidas, etc.23; b) Área de Intervenção: que pode ser sinônimo de área de influência direta24, ou pode ser descrita como a área onde haverá a implantação das unidades físicas do empreendimento ou como a área do reservatório de uma hidrelétrica, estruturas de contenção e acessos25; c) Área de Entorno: descrita como o espaço ao redor do empreendimento/ reservatório de hidrelétrica com extensões e limites variados, sendo que, em alguns casos, a área de entorno corresponde à AID26; d) Área de Domínio: descrita como a área ocupada e modificada pelo empreendimento, acrescida de zona-tampão27; e) Área de Complexa Abrangência: definida para o meio socioeconômico como a extensão territorial de alguns municípios28; f) Área de Influência Difusa: definida como o conjunto dos municípios da região metropolitana29 a ser afetada pelo projeto, ou sem limites espaciais definidos30; e g) Área de Influência Econômica: definida como o conjunto de estados ou parte de estados inseridos no Eixo de Integração e Desenvolvimento do Programa Brasil em Ação31. 2.4 Combinação de denominações A análise das ITs revelou que os EIAs, além de empregarem diferentes denominações relacionadas à área de influência, como comentado no item anterior, também utilizaram diferentes combinações. O Quadro 2 (Anexo 1) identifica as diferentes combinações verificadas no universo, por IT analisada. O Gráfico 2 apresenta os percentuais das combinações de termos encontrados, onde é possível verificar que a combinação mais comum foi a que 21 São exemplos, os EIAs referentes aos empreendimentos: Aeroporto de Florianópolis/SC; Aeroporto de Guarulhos/SP; Terminal Portuário Embraport/SP; Complexo Industrial do Projeto Bujuru/RS; Sapiens Parque/SC; Condomínio Residencial Costão Golf/SC; Hotel Lanai/SC; Linha de Transmissão - Circuito III Itaberá – Tijuco Preto/SP. 22 São exemplos, os EIAs referentes aos empreendimentos: Rodoanel Mário Covas/SP; Projeto de Transposição de águas do rio São Francisco para o Nordeste Setentrional e Projeto de Integração do rio São Francisco/PISF; Rodovia Raposo Tavares/SP. 23 Exemplos de Estudos que utilizaram essa denominação são os referentes aos seguintes empreendimentos: UHE Campos Novos/SC; UHE Salto Grande/PR; UHE Corumbá IV/GO; PCH Aiuruoca/MG; UHE Tijuco Alto/SP; UHE Serra do Facão/GO/MG. 24 Exemplos de Estudos que utilizaram essa denominação são os referentes aos seguintes empreendimentos: PCHs de Cachoeira da Usina e Cachoeira da Ilha/MA; Gasoduto Bolívia-Mato-Grosso/MT; PCH Paranatinga II/MT; Meliá Angra Resort/RJ. 25 Exemplos de Estudos que utilizaram essa denominação são os referentes aos seguintes empreendimentos: PCH Paranatinga II/MT; Aterro Sanitário no Município de Nossa Senhora do Socorro/SE. 26 Exemplos de Estudos que utilizaram essa denominação são os referentes aos seguintes empreendimentos: UHE Corumbá IV/GO; PCH Aiuruoca/MG; UHE Serra do Facão/GO/MG. 27 O Estudo relativo ao Aeroporto de Palmas/TO é exemplo de adoção dessa denominação. 28 Exemplo: Aeroporto das Hortênsias em Canela/RS. 29 Exemplo: Sapiens Parque/SC (somente para o meio socioeconômico). 30 Exemplo: Rodoanel Mário Covas/SP. 31 Exemplo: Terminal Portuário Embraport/SP. 19 apresentou uma Área de Influência Direta - AID e uma Área de Influência Indireta - AII, correspondendo a 47,19% do total. 2.5 Recortes espaciais Além da diversidade de denominações e de combinações entre os termos utilizados, interessa também observar que as ITs revelaram o uso de vários recortes espaciais para a delimitação das áreas de influência nos EIAs. A partir de um esforço de agrupamento dos dados, foi possível construir o Quadro 3 (Anexo 2), que apresenta a síntese dos diferentes recortes espaciais, bem como os EIAs que não delimitaram a área de Influência, conforme informado nas ITs examinadas. O Gráfico 3 apresenta o percentual de freqüência de cada recorte no total de ITs examinadas, onde é possível perceber a recorrência de três deles como preferenciais para a delimitação da área. São eles: i) a bacia hidrográfica, considerada em sua totalidade, ou parcialmente32; ii) a divisão geopolítica33; e iii) a área do empreendimento e seu entorno34. Note-se que a soma dos percentuais ultrapassa 100%, porque um mesmo EIA pode adotar mais de um recorte para 32 Para efeito do presente estudo, o recorte denominado bacia hidrográfica compreende, de acordo com o contido nas ITs: a totalidade de bacias hidrográficas ou de sub-bacias; a bacia de contribuição intermediária entre dois barramentos; área de interflúvio; ou a fração da bacia com limites definidos em distâncias pré- estabelecidas em metros ou quilômetros, ou utilizando-se marcos na paisagem; localidades urbanas ou rurais próximas, ou ainda, rodovias. 33 Para efeito do presente estudo, o recorte denominado divisão geopolítica compreende, de acordo com o contido nas ITs: municípios; estados; regiões metropolitanas; macro ou meso regiões; porção Sul, Norte, Leste ou Oeste de determinado estado; municípios pertencentes a associações turísticas ou de desenvolvimento econômico de municípios; ilhas (tendo em vista a conotação apresentada no EIA). 34 Para efeito do presente estudo, o recorte denominado área do empreendimento e seu entorno compreende, de acordo com o contido nas ITs: a área das instalações físicas do empreendimento; área do reservatório (quando for o caso); das obras; das jazidas e bota-fora; das vias de acessos; vilas; acampamentos; áreas de raio pré-estabelecido no entorno do empreendimento, em metros ou quilômetros; bairros; áreas definidas por faixa marginal contígua ao eixo de empreendimentos lineares; por trechos de rio a jusante de barragens, cuja distância é definida em metros ou quilômetros ou até a confluência com rio ou localidades urbanas; ou áreas próximas compostas por Unidades de Conservação (considerada integral ou parcialmente); propriedades rurais; remanescentes florestais; aldeias e vilas circunvizinhas ao empreendimento. 20 2,25%2,25% 3,37% 4,49% 6,74% 7,87% 7,87% 17,98% 47,19% Gráfico 2 - Distribuição das combinações de termos AI, ADA, AE (área de en- torno) AII, AID, Área de In- tervenção AII, AID, ADA, AI Difusa AI Nãodelimitada no EIA AI, ADA Outras combinações AII, AID, ADA AII, AID delimitar as diferentes áreas de influência apresentadas no Estudo, como também para delimitar uma mesma área de influência. A análise do Gráfico 3 permite concluir que a bacia hidrográfica, que deveria ser o critério preferencial para a delimitação da área de influência do projeto, de modo a atender à legislação existente (Resolução Conama 001/86), não é expressivo (37%). Os EIAs têm utilizado outros critérios (aqui agrupados em divisão geopolítica e área do empreendimento e seu entorno) não previstos como diretriz normativa (60% e 76%, respectivamente). O Gráfico 3 permite constatar, ainda, um panorama preocupante no universo de ITs examinadas: a porcentagem de EIAs que não delimitaram a área de influência dos impactos (em torno de 10%). A natureza dos empreendimentos que contribuem para esse perfil é apresentada no Gráfico 4, onde se constata que uma terça parte refere-se a projetos do setor, aqui denominado, sistemas viários e outra terça parte ao setor de recursos minerais. Quanto aos critérios de delimitação das áreas de influência, a bacia hidrográfica e a divisão geopolítica, quando adotadas como critério de recorte espacial (37% e 60%, respectivamente, das ITs examinadas), são utilizadas preferencialmente na delimitação da área de influência indireta – AII com, respectivamente, 58,33% e 57,35% de ocorrências, como se pode verificar nos 21 Nenhum Bacia hidrográfica Divisão geopolítica Empreendimento e seu entorno 0% 20% 40% 60% 80% 10% 37% 60% 76% Gráfico 3 - Distribuição de recortes espaciais para área de influência Categoria Fr eq üê nc ia 11,11% 22,22% 33,33% 33,33% Gráfico 4 - Distribuição dos tipos de empreendimentos para os quais não houve delimitação da área de influência Agricultura Saneamento Recursos Minerais Sistema Viário Gráficos 5 e 635. Ainda de acordo com o Gráfico 5, a bacia hidrográfica foi utilizada como critério para delimitar a AID em, apenas, 19,44% do total de ocorrências do uso desse recorte. O critério área do empreendimento e seu entorno, quando adotado (76% das ITs examinadas), foi utilizado, preferencialmente, para a delimitação da área de influência direta – AID , com freqüência de 52,13%, conforme Gráfico 736. Apesar de constar no Quadro 3 (Anexo 2), em alguns casos, a separação das áreas de influência em meios biótico, físico e antrópico, seguindo o que foi apresentado nas ITs, a análise do uso de recortes espaciais por meios não foi realizada no presente trabalho em virtude do fato de que nem todos os EIAs fazem essa segmentação, o que traria uma distorção aos resultados obtidos, em relação ao universo analisado. Quando se analisa a distribuição dos recortes por setor da economia, independentemente do seu uso na delimitação de AII, AID ou outra denominação, verifica-se que os empreendimentos de geração e transmissão de energia foram os maiores usuários do recorte bacia hidrográfica (48,48%), considerando o total de ITs que relataram esse critério como o adotado no EIA (37% das ITs examinadas), conforme demonstrado no Gráfico 8. 35 Outros = área de influência difusa; área de complexa abrangência e área de influência econômica. 36 Outros = área de intervenção; área de entorno e área de domínio. 22 2,78% 19,44% 19,44% 58,33% Gráfico 5 - Distribuição do recorte espacial "bacia hidrográfica" AE AI AID AII 4,41%2,94% 14,71% 20,59% 57,35% Gráfico 6 - Distribuição do recorte espacial "divisão geopolítica" Outros ADA AI AID AII 7,45% 4,26% 8,51% 27,66% 52,13% Gráfico 7 - Distribuição do recorte espacial "área do empreendimento e seu entorno " Outros AI AII ADA AID Os Gráficos 9 e 10 permitem verificar que os recortes divisão geopolítica e área do empreendimento e seu entorno, quando adotados (60% e 76%, respectivamente, das ITs examinadas), foram, preferencialmente, utilizados pelos setores geração e transmissão de energia e sistemas viários. Todavia, deve-se considerar, para uma análise dos Gráficos 8, 9 e 10, que a representatividade de cada uma das categorias de empreendimentos sofre influência da sua distribuição no universo de ITs examinadas, conforme apresentado no Gráfico 1. Isso quer dizer que haverá uma probabilidade maior de encontrar elevadas freqüências, nos Gráficos 8, 9 e 10, do setor de geração e transmissão de energia, seguido do setor sistema viário. Com o objetivo de demonstrar a participação de cada setor da economia, representado no universo de ITs examinadas, por recorte espacial e evitar interpretações distorcidas, construíram-se a Tabela 1 e o Gráfico 11, ao que foi possível tecer as considerações presentes no Quadro 1. 23 1,89%3,77% 3,77% 3,77% 5,66% 5,66% 11,32% 32,08% 32,08% Gráfico 9 - Distribuição do recorte "divisão geopolítica" por categoria de empreendimento Plantas indus- triais Agricultura/silvicu ltura Ord. territorial Saneamento Rec. minerais Proj. infra-estru- tura Emp. turisticos Sistema viário Ger. e transm. de energia 3,03% 6,06% 9,09% 9,09% 9,09% 15,15% 48,48% Gráfico 8 - Distribuição do recorte "bacia hidrográfica" por categoria de empreendimento Agricultura Demais projetos Turismo Ord. territorial Saneamento Sistema viário Geração e trans- missão de energia 1,47%2,94% 4,41% 5,88% 7,35% 10,29% 29,41% 36,76% Gráfico 10 - Distribuição do recorte "área do empreendimento e seu entorno" por categoria de empreendimento Agricultura/silvic ultura Plantas indus- triais Ord. territorial Proj. infra-estru- tura Rec. minerais Saneamento Emp. turisticos Sistema viário Ger. e transm. de energia Tabela 1 – Distribuição dos recortes por categoria de empreendimento37 Categoria BaciaHidrográfica Divisão Geopolítica Área do empreendimento e seu entorno Coeficiente de variação38 Ordenamento territorial 100% 67% 67% 20% Ger./transm. de energia 57% 61% 89% 21% Demais proj. de infra-estrutura 50% 75% 75% 18% Empr. turísticos 43% 86% 100% 32% Saneamento 33% 22% 56% 37% Agricultura/silvicultura 33% 67% 33% 35% Sistema viário 20% 68% 80% 46% Recursos minerais 0% 43% 57% 73% Plantas industriais 0% 67% 33% 82% Quadro 1 – Análise conjunta dos Gráficos 8 a 11 Categoria de empreendimento Considerações Ordenamento territorial Apesar da reduzida participação desta categoria no universo de ITs, verifica-se que o ordenamento territorial é expressivo no Gráfico 8, que trata do recorte temático da bacia hidrográfica. Uma possível explicação para essa importância é revelada no Gráfico 11, onde se constata que a bacia hidrográfica é o recorte preferencial da categoria, estando presente 37 A soma dos três tipos de recortes categorizados neste trabalho somam mais de 100% porque um empreendimento pode apresentar mais de um recorte na classificação de suas áreas de influência. 38 O coeficiente de variação foi elaborado a partir da divisão do desvio padrão pela média aritmética, expresso em percentagem. Esse coeficiente estatístico permite caracterizar a dispersão ou variabilidade dos dados relativos a um valor médio. Quanto menor o desvio padrão, menor é a razão e, conseqüentemente, menor será a variabilidade dos dados. 24 Ordena- mento terri- torial Ger./Trans m. de energia Proj. de in- fra-estrutu- ra Empr. turís- ticos Saneamen- to Agricultura/ Silvicultura Sistema viário Recursos minerais Plantas industriais 0% 10% 20%30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% Gráfico 11 - Distribuição dos recortes em cada categoria de empreendimento Bacia Hidrográfica Divisão Geopolítica Área do emp. e seu entorno Categorias Fr eq üê nc ia Categoria de empreendimento Considerações em 100% dos casos investigados. Geração e transmissão de energia Há uma certa homogeneidade nos recortes temáticos e sua participação é expressiva nos Gráficos 8, 9 e 10, como reflexo dos valores observados no Gráfico 1. Ao observar o Gráfico 8, dentre os usuários do recorte bacia hidrográfica, a geração e transmissão de energia é a categoria mais expressiva. Contudo, o Gráfico 11 demonstra que, naquele setor, o recorte preferencial é o de área do empreendimento e seu entorno, sendo o de bacia hidrográfica o de menor participação na categoria. Projetos de infra- estrutura Os projetos de infra-estrutura estão distribuídos nos Gráficos 8, 9 e 10 com proporções muito aproximadas. A observação do Gráfico 11 ajuda a entender o motivo, pois se trata da categoria com mais homogênea distribuição por recorte temático. Empreendimentos turísticos Nos Gráficos 8, 9 e 10 os empreendimentos turísticos possuem importância relativa como o terceiro maior usuário dos três recortes temáticos. Mas o Gráfico 11 demonstra um uso bastante heterogêneo desses recortes, constatando-se que 100% destes foram usuários do recorte área do empreendimento e seu entorno. Saneamento Esta categoria é a terceira maior usuária do recorte bacia hidrográfica, e a quarta do recorte área do empreendimento e seu entorno, conforme os Gráficos 8 e 10. Seu recorte preferencial, segundo o Gráfico 11, é o da área do empreendimento e seu entorno, embora haja uma boa homogeneidade na distribuição dos recortes. Agricultura/silvicultura Apesar da reduzida participação no universo de ITs examinadas, este é o setor que apresenta uma das maiores preferências relativas pelo recorte divisão geopolítica. Sistemas viários De acordo com os Gráficos 8, 9 e 10, esta categoria é a segunda maior usuária em cada recorte temático, reflexo da segunda maior distribuição observada no Gráfico 1. A maior proporção é observada no Gráfico 9, relativo ao recorte divisão geopolítica. Entretanto, o recorte preferencial da categoria, conforme o Gráfico 11, é o da área do empreendimento e seu entorno. Outra observação feita a partir do Gráfico 11 é a de que, entre todas as categorias que apresentaram o recorte bacia hidrográfica, esta é a que apresentou a menor freqüência para tal recorte. Recursos minerais Esta categoria também não observou o recorte bacia hidrográfica, como verificado na sua ausência nos Gráficos 8 e 11. O recorte preferencial foi o da área do empreendimento e seu entorno. Plantas industriais Esta categoria apresentou a maior heterogeneidade no uso dos recortes temáticos. Possui pequena participação nos subconjuntos apresentados nos Gráficos 9 e 10, não aparecendo no Gráfico 8. É importante destacar a preferência pelo recorte divisão geográfica, com freqüência de 67% dos casos investigados, além da inobservância do recorte bacia hidrográfica, com freqüência nula. 2.6 Análise crítica da delimitação das áreas de influência A crítica mais comum, presente em 35% das ITs analisadas, foi a relativa à insuficiência dos limites da área de influência, tida como inadequada por não ter considerado a possibilidade de ocorrência de impactos sobre os meios físico, biótico e socioeconômico como, por exemplo, os potenciais impactos sobre recursos hídricos; fauna; flora; corredores ecológicos; comunidades humanas; localidades urbanas e rurais; unidades geopolíticas; unidades de conservação; terras indígenas 25 e quilombos, entre outros, que claramente deveriam fazer parte da área de influência39. Também ficou claro, em algumas ITs, o prejuízo ao diagnóstico ambiental, bem como ao prognóstico dos impactos em decorrência da reduzida área de influência40, havendo casos de sugestão para a revisão da área de influência41. As demais críticas observadas nas ITs produzidas no período de 1997 a 2005 foram sintetizadas conforme se segue: a) ausência de delimitação da área de influência42; b) não atendimento aos dispositivos da Resolução Conama n° 01/198643 e, em alguns casos, o não-atendimento ao Termo de Referência (TR) oferecido pelo órgão ambiental para orientar a elaboração do EIA44 ; c) descrição pouco clara da área de influência ou com critérios não definidos45. Em alguns casos não houve a justificativa técnica para a delimitação da área de influência ou foram apresentadas justificativas insuficientes46; 39 São exemplos os EIAs referentes aos seguintes empreendimentos: Rodovia GO - 239/GO; Mineração Novo Horizonte/SC; Ampliação do molhes da barra do Rio Grande/RS; UHE Corumbá IV/GO; UHE Barra Grande/RS e SC; Aterro Sanitário de Palmas/TO; UHE Itaocara/RJ e MG, UHE Estreito/MA e TO; UHE Mauá/PR; Rodovia BR 163/MT e PA; Rodoanel Mário Covas/SP; Complexo Industrial Bujuru/RS; Pólo de Fruticultura São João/TO; Base de lançamento de veículos espaciais de Alcântara/MA; Barragem de Truvisco/BA; Gasoduto Urucu-Porto Velho/AM e RO; Mineração Novo Horizonte/SC; Aeroporto das Hortênsias em Canela/RS; Rodovia BR – 242/TO; Rodovia BR-010/TO; UHE Itumirim/GO; PCH Aiuruoca/MG; Projeto de Integração do rio São Francisco/PISF; Ampliação dos molhes da barra do Rio Grande/RS, Aterro Sanitário de Palmas/TO; Centro Multifuncional de Eventos e Feiras do Ceará/CE; Canal de Navegação do Ondazul Resort/AL; Rodovia BA-001/Porto Seguro à Caraíva/BA; Museu do Mar/CE; UHE Tijuco Alto/SP; Terminal Portuário Embraport/SP. 40 Exemplos de ITs que apresentaram essa crítica são as referentes aos seguintes empreendimentos: Aeroporto de Florianópolis/SC; UHE Mauá/PR; PCH Paranatinga II/MT; Projeto de Tranposição de águas do rio São Francisco para o Nordeste Setentrional; Barragem no rio São Bento para abastecimento público/SC; Condomínio Residencial Costão Golf/SC. 41 Exemplos de ITs que apresentaram essa crítica são as referentes aos seguintes empreendimentos: Terminal Portuário da Aracruz Celulose/BA; UHE Estreito/MA e TO; Base de lançamento de veículos espaciais de Alcântara/MA; Aterro Sanitário de Palmas/TO; Sapiens Parque/SC; Condomínio Residencial Costão Golf/SC; Mineração de carvão Esplanada/SC. 42 Exemplos de EIAs que se enquadram nessa crítica são os referentes aos seguintes empreendimentos: Mineração de carvão Esplanada/SC; Mineração de Carvão – Mina do Trevo/SC; Aterro Sanitário em Araguaçu/TO; Canal de navegação entre Xambioá/TO e Santa Isabel/PA; Abertura de canal na Lagoa de Saquarema – Projeto Barra Franca/RJ; Agricultura Irrigada Jaburu/TO; Avenida Rio Vermelho/GO; Água Mineral/Refrigerantes XUK/RS; Rodovia Cândido Portinari/SP. 43 Exemplos de ITs que apresentaram essa crítica são as referentes aos seguintes empreendimentos: Rodoanel Mário Covas/SP; UHE Estreito/MA e TO; PCH Paranatinga II/MT; Base de lançamento de veículos espaciais de Alcântara/MA; Projeto de Transposição de águas do rio São Francisco para o Nordeste Setentrional. 44 Exemplos de ITs que apresentaram essa crítica são as referentes aos seguintes empreendimentos: Projeto de Tranposição de águas do rio São Francisco para o Nordeste Setentrional e Projeto de Integração do rio São Francisco/PISF. 45 Exemplos de ITs que apresentaram essa crítica são as referentes aos seguintes empreendimentos: Rodovia TO-255/TO; Aterro Sanitário em Araguaçu/TO; Agricultura Irrigada Jaburu/TO; Mineração de Carvão – Mina do Trevo/SC; Rodovia GO - 239/GO; Complexo Mineiro Bujuru/RS; Aeroporto das Hortênsias em Canela/RS; PCH Aiuruoca/MG; UHE Salto
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