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Deslocamento de plantas industriais e espaço urbano a Azaléia Calçados em Itapetinga, BA - Nelma_Gusmao_de_Oliveira

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XIV CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA 
28 a 31 de julho de 2009, Rio de Janeiro (RJ) 
Grupo de Trabalho: “Questão Urbana” 
Título do Trabalho: Deslocamento de plantas industriais e espaço urbano: a 
Azaléia Calçados em Itapetinga, BA 
Autor: Nelma Gusmão de Oliveira 
Instituição: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) 
nelmaoliveira@hotmail.com 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Resumo 
A partir dos anos 1990, atraídos principalmente pela grande disponibilidade de mão-
de-obra barata e pouco organizada e pela guerra fiscal, um vasto número de 
empreendimentos industriais tem se deslocado para o Nordeste do Brasil, 
especialmente os vinculados àqueles setores que empregam maior contingente de 
trabalhadores, como o têxtil e o calçadista. O trabalho busca analisar as 
transformações em curso na Microrregião de Itapetinga, Bahia, a partir da 
implantação, em 12 de seus municípios, do maior complexo produtivo da atual maior 
produtora de calçados da América Latina. Apesar das dificuldades de se estabelecer 
conclusões para processos ainda em curso, observa-se que, mesmo revelando-se 
incapaz de promover total reestruturação na hierarquia regional, a implantação do 
complexo industrial tem promovido profundas alterações na estrutura das cidades 
envolvidas, bem como na articulação dessas cidades com a região. 
 1 
Deslocamento de plantas industriais e espaço urbano: 
a Azaléia Calçados em Itapetinga, BA 
Nelma Gusmão de Oliveira 
Introdução 
No final do ano de 1996, os habitantes de Itapetinga, cidade de aproximadamente 60 
mil habitantes localizada no Sudoeste da Bahia, começaram a viver momentos de 
expectativa e euforia com a notícia da implantação de um “Distrito Industrial” que 
teria como principal investimento a instalação da Fábrica de Calçados Azaléia 
Nordeste S/A. A euforia não foi exclusiva de Itapetinga; ela foi compartilhada por 
amplos setores da sociedade baiana, a partir da implantação de grandes 
empreendimentos por todo o estado (têxtil, calçados e eletrônicos), naquele período, 
que culminou com a instalação da planta industrial da Ford em Camaçari. 
Esta reorganização espacial do setor produtivo no Brasil tem estado vinculada à 
adoção da agenda neoliberal que, baseada no argumento de inexorabilidade das 
conseqüências da globalização, tem apresentado a meta da eficácia competitiva 
como única possibilidade para o desenvolvimento. O recente deslocamento para o 
Nordeste de unidades produtivas de indústrias instaladas no Sul e Sudeste do país 
resulta da agressiva política de disputa por investimentos, assumida pelos 
governantes de estados e municípios que encarnam uma nova expressão de 
regionalismo nomeada por Vainer (2007) como “neo-localismo competitivo”. 
Vainer (2007) e Cano (2007) apontam dois fatores que concorreram, no Brasil, para 
a assunção dessa via de crescimento que, privilegiando a competitividade em 
detrimento da cooperação e solidariedade, tem adotado a “guerra fiscal” como 
principal estratégia. Em primeiro lugar, a ascendente trajetória de desconstituição – 
política, intelectual e institucional – do planejamento regional nas últimas décadas, 
culminando na completa ausência de uma política para o desenvolvimento territorial 
no país. Em segundo, a redefinição das relações entre as escalas sub-nacionais 
(municipal, estadual, regional), nacional e global, favorecida pela implementação da 
agenda neoliberal, que estabelece novas formas de articulação entre capitais e 
forças políticas. A progressiva transferência de responsabilidades da federação para 
os estados e municípios, sem a correlata transferência dos recursos para o 
atendimento às novas responsabilidades, tem sido a marca dessas novas relações, 
 2 
cuja tônica está determinada pela imposição da “responsabilidade fiscal” – como 
extensão do ajuste fiscal impostos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) ao país 
– que obriga os entes sub-nacionais a comprometer grande parte de suas receitas 
ao renegociar suas dívidas com a União. 
Ao aderirem ao discurso da eficácia competitiva, gestores de estados e municípios, 
assumindo a condição de protagonistas na promoção do desenvolvimento, são 
acionados numa guerra competitiva, da qual só saem vencedoras as empresas 
privadas (Vainer, 2007). É a lógica do crescimento econômico a qualquer custo, que 
conduz governantes de estados e cidades, a se submeterem a verdadeiros “leilões” 
(Vainer, 2007; Cano, 2007) promovidos pelas empresas, onde as mais variadas 
formas de vantagens locacionais – fiscais, creditícias, de infra-estrutura, fundiárias, 
ambientais, etc. – são oferecidas em troca do investimento. 
A pesquisa estuda as transformações em curso na Microrregião de Itapetinga, BA, 
desde a implantação do “Distrito Industrial”, tomando como ponto de partida as 
seguintes questões: seria a região de Itapetinga uma região vencedora nessa guerra 
competitiva entre os lugares? Quais os atrativos que concorreram para uma situação 
“vantajosa” de Itapetinga, dentro do cenário nacional, regional e estadual, na 
acirrada disputa pelo investimento? Como poderia se articular interna e 
externamente essa região a partir do empreendimento? Quais as impactos do 
investimento sobre cidade que polariza a microrregião? O que se pretende mostrar é 
que, a despeito da grande capacidade de geração de emprego formal e da dinämica 
que confere à economia regional, este modelo de desenvolvimento, baseado nas 
metas de “eficássia competitiva”, assume um caráter “espúrio” (Cano, 2007), tendo 
como resultado a intensa exploração da classe trabalhadora e a transferência de 
recursos públicos ao setor privado. 
No caso considerado, dois motivos reforçam a relevância da pesquisa. Em primeiro 
lugar, o poder impactante, devido à relação entre a magnitude do empreendimento e 
o volume de empregos – o maior dentre os oferecidos pela indústria privada no 
Nordeste –, por um lado, e a pequena dimensão espacial e populacional da cidade, 
por outro. Em segundo, o porte dos recursos públicos envolvidos. 
Os “modelos” 
A instalação do “distrito industrial” em Itapetinga tem estado associada a temas 
freqüentes nas discussões contemporâneas sobre o espaço e a produção, como os 
 3 
referentes à idéia do “distrito industrial” ou da “especialização flexível”. A simples 
utilização dessas expressões tem suscitado polêmica, principalmente quando 
utilizadas indiscriminadamente em realidades completamente diversas, como é o 
caso dos processos em curso na região de Itapetinga. 
Quando utilizamos expressões como “distrito industrial” ou modelo de “produção 
flexível”, as estamos emprestando de experiências dos países de centro que têm 
sido invocadas como modelos universais de uma terceira via do desenvolvimento 
econômico e social. Esses modelos encontram suas origens nas concepções de 
Alfred Marshall, na virada para o século XX, que apontava o potencial de obtenção 
de vantagens, através da concentração espacial de indústrias. Atualmente, eles têm 
encontrado similaridades nas experiências desenvolvidas nas regiões do Centro e 
Nordeste da Itália (a chamada 3.ª Itália), que acabaram por difundir a expressão. 
Entretanto, como alertam Amim e Robins (1994), são grandes os riscos de se 
amalgamar numa única categoria, processos que acontecem em regiões com 
condições históricas, econômicas, sociais, políticas e culturais tão diferentes. 
A expressão “produção flexível” se refere a formas de produção caracterizadas por 
uma habilidade de rápida mudança no processo produtivo ou no produto final e de 
fácil ajuste nas quantidades, num curto período de tempo, sem grandes prejuízos ao 
funcionamento do sistema. O termo “flexível” é atribuído em contraposição às formarígidas adotadas pelo “fordismo”, tanto no que se refere à organização da produção, 
quanto às relações de trabalho ou à localização espacial. Ela tem sido invocada 
pelas empresas, como meio para viabilizar a permanente assimilação das alterações 
necessárias aos “níveis de competitividade exigidos pela globalização da economia”. 
A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um 
confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na 
flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos 
produtos e padrões de consumo. (HARVEY, 1992. p.140). 
Embora reconhecendo a existência de determinadas características inerentes à 
“flexibilidade” na produção, acredito, em concordância com autores como Harvey 
(1992), Santos (1990), Boddy (1990) de que, longe de representar o nascimento de 
um “novo regime de acumulação” capaz de conter as contradições do capitalismo, 
 4 
como querem alguns autores1
O Distrito Industrial de Itapetinga e a Calçados Azaléia S/A 
, elas representam apenas ajustes temporários desse 
sistema à grande crise nele instalada a partir das três últimas décadas do século XX. 
Localizada numa região de exploração recente, a cidade de Itapetinga, desde a 
formação de seu núcleo urbano inicial, em 1924, até os dias atuais, tem tido a 
economia fortemente atrelada ao desempenho da monocultura da atividade 
pecuária. Apesar de tê-la conduzido, inicialmente, a um período de grande 
prosperidade, e a tornar-se, em menos de três décadas, o principal centro de criação 
bovina do Norte e Nordeste do Brasil, esta atividade foi incapaz de se sustentar 
devido ao modelo de exploração extensiva, esteado na intensa extração dos 
recursos naturais, no latifúndio e na resistência às inovações. Após sucessivos 
períodos de crise na pecuária regional, surgia, ao final da década de 1990, em uma 
área de 50 ha, o “Distrito Industrial” de Itapetinga, cujo principal investimento, a 
fábrica de calçados Azaléia do Nordeste, era apontado pelo poder público como “a 
saída definitiva” para a crise. 
Fundada em 1958 pelas famílias De Paula e Volkart, a Calçados Azaléia já era a 
maior produtora de calçados femininos da América Latina e líder do segmento de 
calçados esportivos do Brasil quando ainda se encontrava sob o comando dessas 
famílias. Em julho de 2007, o controle de suas ações foi adquirido pela Vulcabras 
S/A, que também comprava, no mesmo período, a totalidade das ações da argentina 
Indular Manufacturas S/A, formando, sob o comando de Pedro Grandene – detentor 
do controle acionário da empresa –, o grupo Vulcabras/Azaléia, o maior gigante dos 
calçados fora da Ásia e um dos três maiores grupos do setor calçadista no mundo. 
Responsável por 34.000 empregos diretos, o grupo Vulcabras/Azaléia, que tem sede 
em Jundiaí (São Paulo), teve faturamento bruto de 2 bilhões em 2008 e produz 190 
mil pares de calçados por dia em suas 26 unidades fabris localizadas nos estados 
do Ceará, Sergipe, Bahia e Rio Grande do Sul, no Brasil, e em Coronel Suarez, na 
Argentina; atualmente, exporta cerca de 15% da sua produção de calçados 
femininos e esportivos de nove marcas diferentes para mais de 40 países. 
Em 2000, segundo ano de funcionamento do complexo industrial de Itapetinga, a 
empresa já empregava cerca de 5.000 pessoas na região, aproximadamente 4.000 
 
1 Argumentos nesse sentido podem ser encontrados em Piore e Sabel (1984) e Storper (1990), dentre 
outros. 
 5 
em Itapetinga e as demais em outras cidades próximas. Depois de concluída a 
ampliação da capacidade de produção em 2008, o número total de funcionários na 
região é de 15.000 pessoas – 10.000 na cidade de Itapetinga e 5.000 nas outras 
cidades –, que representam quase metade dos funcionários da empresa e o maior 
contingente de trabalhadores em uma empresa privada do Nordeste do Brasil. Com 
esse efetivo a empresa produz 120.000 pares de calçados/dia (quase dois terços do 
total da produção do grupo), além da matéria prima para as fábricas do Ceará e de 
Sergipe. A produção se dá em um complexo industrial (matriz), integrado por 23 
pavilhões na cidade de Itapetinga, e em um conjunto de 19 galpões, localizados em 
outros bairros da cidade e em mais onze municípios da microrregião. 
Os atrativos 
Os atrativos fiscais e financeiros, estão entre as principais vantagens oferecidas às 
indústrias instaladas no Nordeste na década de 1990. Dentre eles, destacam-se: o 
fornecimento de infra-estrutura, os incentivos promovidos com recursos provenientes 
do Fundo de Desenvolvimento Sócio-Econômico (FUNDESE)2 e do Programa 
Estadual de Apoio aos Empreendimentos Produtivos que Exportam, parte ou a 
totalidade de sua produção (PROCOMEX)3; e o crédito presumido do Imposto sobre 
Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS)4
Na instalação da Calçados Azaléia em Itapetinga, as condições de infra-estrutura 
negociadas englobaram: a disponibilização de área para construção do complexo 
principal; construção e concessão, em regime de comodato, pelo período de 10 a 15 
anos, renováveis, de edificações para a implantação de galpões que seriam 
destinados a cooperativas
. 
5
 
2 Criado pelo decreto de 25.321/76, passando a funcionar efetivamente a partir da Lei 6.445/92, 
sendo regido pelas Leis n.º 7.5737/99 e 7.599/00 e regulado pelo Decreto no. 7.780/00. 
; áreas para a instalação de novos módulos industriais; 
fornecimento de energia elétrica, água, esgoto e rede telefônica; acesso 
pavimentado às áreas do complexo e infra-estrutura de estradas/portos/aeroportos 
para recebimento de insumos e escoamento de produtos. 
3 Regulamentado pelas Leis 7.024/97 e 7.138/97. Seu objetivo é estimular exportações (exclusive o 
setor automotivo) de produtos fabricados no estado e financiar o imposto incidente sobre a 
importação (somente para as empresas do setor automotivo) de produtos destinados à 
comercialização e industrialização, promovidas por novas indústrias sediadas no Estado. 
4 Regulamentado pelas Leis n.ºs 7. 025/97 e 7.138/97, que concede crédito presumido de ICMS, 
incidente sobre as operações de saída de produtos montados ou fabricados por estabelecimentos 
industriais sediados no Estado, conforme as atividades e limites definidos. 
5 Ver item referente à organização da produção 
 6 
A Azaléia do Nordeste foi a empresa que recebeu o maior volume dos benefícios, 
dentre as empresas calçadistas na Bahia. Segundo a Secretaria de Planejamento e 
Tecnologia do Estado da Bahia (SEPLANTEC) a empresa recebeu R$ 17.411.000 
em infra-estrutura (correspondendo a 65% do total de R$ 26.597.000 investido na 
implantação de industrias do setor no estado) e R$ 10.000.000 em recursos do 
FUNDESE (correspondendo a 28% do total de R$ 36.000.000, investido no setor em 
todo o estado). O crédito presumido de ICMS foi de 90% (Fonte: Bahia, 2001). 
O Governo do Estado comprometeu-se, também, com a formação de mão-de-obra, 
estabelecendo convênios para implantação de cursos de capacitação e treinamento, 
cuja organização e realização ficou a cargo da Secretaria do Trabalho e Ação Social 
(SETRAS) e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Além disso, o 
Estado encarregou-se da remuneração, transporte e alimentação dos profissionais 
treinados, durante o período do curso. 
No elenco dos incentivos promovidos pelo Governo Federal, a Bahia e demais 
estados do Nordeste contaram com o apoio da SUDENE, que no período de 
instalação da empresa administrava o Fundo de Investimentos do Nordeste 
(FINOR), e os Incentivos Especiais de Redução do Imposto de Renda. De acordo 
com informações da empresa (Calçados AzaléiaS/A , 2001, p.3), apenas 50% (R$ 
58.320.000) do investimento total empreendido em Itapetinga, representam recursos 
próprios, os outros 50% vêm do BNDS, FINOR e de financiamento de fornecedores. 
A organização do trabalho 
Um dos principais aspectos que caracterizam a indústria calçadista é a intensidade 
na utilização da mão-de-obra. Esse fato se deve, principalmente, às dificuldades 
técnicas para a mecanização de determinadas etapas da produção. A segmentação 
do processo produtivo em várias operações básicas – corte, preparação, costura, 
montagem e acabamento – obstaculiza a automação; fato agravado, quando o 
calçado é de couro, devido à falta de homogeneidade da matéria prima. Embora 
ultimamente tenham surgido alguns avanços da mecanização sobre o trabalho 
humano, principalmente no corte, tal característica ainda faz da indústria calçadista 
um dos atuais segmentos industriais com maior potencial de geração de empregos. 
Dessa forma, apesar de outros fatores como classe da matéria-prima, design e 
marca serem importantes para um maior valor agregado, o valor da força de trabalho 
tem sido um fator determinante da “competitividade” dessa indústria. Na Bahia, essa 
 7 
condição conduziu a “baixos níveis salariais, alto índice de rotatividade, parcelização 
e simplificação do trabalho e a utilização de trabalhadores não qualificados” (Bahia, 
2000. p.14). 
Além da corrida por melhor qualidade a menores custos, a busca da competitividade 
no setor calçadista implica em constante readequação da estrutura de produção aos 
novos estilos e modas determinados pelo mercado. Assim, a “flexibilidade” do 
projeto industrial tem sido invocada como essencial para a contínua adaptação às 
exigências do consumo em constante mutação. Não sendo possível a utilização 
plena da tecnologia, a solução para atingir essa “flexibilidade” e reduzir os custos 
tem sido a “flexibilização” nas relações de trabalho. Para alcançar essa meta, são 
práticas comuns a terceirização e a subcontratação de partes das operações de 
produção através de ateliês domésticos e cooperativas. Seguindo esta tendência 
organizacional, o projeto inicial para a implantação da Azaléia Calçados em 
Itapetinga determinava a fragmentação do processo de produção, através de uma 
divisão do trabalho que deixava sob a responsabilidade da empresa apenas a 
montagem final do calçado no complexo industrial (matriz), ficando a fabricação do 
cabedal a cargo de cooperativas de trabalho que funcionariam em galpões 
distribuídos em Itapetinga e vários municípios próximos, construídos pelo poder 
público estadual e equipados pela indústria. Contudo, alguns obstáculos 
inviabilizaram a implementação do projeto. 
Tanto a Lei nº 5.764/71 como a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT, 1943), no 
parágrafo único do art. 442, estabelecem que, independente do ramo de atividade 
ou do tipo de sociedade cooperativa, não se estabelecerá vínculo empregatício entre 
a cooperativa e seus associados, bem como entre o tomador dos serviços e os 
respectivos executores (associados cooperados). Entretanto, a mesma lei 5.764/71 
estabelece que, nas sociedades cooperativas de trabalho, são características 
indispensáveis: o caráter democrático na tomada de decisões, a vinculação 
estritamente eventual e variada com as empresas tomadoras de serviços e a 
liberdade de adesão dos associados. No entendimento dessa lei, vários juízes de 
Tribunais Regionais do Trabalho têm considerado que o tipo de relação de trabalho 
– como a pretendida pela Azaléia –, onde o contrato de prestação de serviços com 
as cooperativas é “exclusivo” a uma empresa e acontece ingerência da empresa 
 8 
sobre os cooperados, descaracteriza as sociedades como “autênticas cooperativas” 
e representa uma forma camuflada do verdadeiro contrato de trabalho. 
Esse tipo de posicionamento, cada vez mais freqüente entre juízes, foi o argumento 
que a empresa utilizou para justificar o recuo no projeto inicial. Além desse, outros 
fatores podem ter contribuído na decisão, como o estereótipo do baiano, 
“preguiçoso” e “desmobilizado”, incapaz de se organizar em cooperativas, ou a 
tentativa fracassada, de implementação dessa forma de organização nas indústrias 
do ramo implantadas na cidade de Jequié, devido a questões operacionais. 
Abortado esse projeto, os galpões onde funcionariam as cooperativas (a esta altura 
já construídos com recursos do Estado) passaram a funcionar como filiais da 
empresa e as relações de trabalho foram estabelecidas com base na CLT. 
Atualmente, a produção acontece em células, compostas de 10 a 20 operários, 
supervisionadas por um coordenador, que se subordina a um gerente responsável 
por todo o pavilhão. Cada dois ou três gerentes de pavilhão, por sua vez, são 
dirigidos por um gerente de divisão, que se reporta ao gerente geral de produção do 
complexo. Esta estrutura organizacional viabiliza rígido controle sobre os 
funcionários e pressão para o comprimento de metas de produção que, conforme 
informações do Sindicato dos Trabalhadores de Calçados de Itapetinga e Região, 
são cumpridas com base na permanente ameaça de demissão por justa causa. 
Para a ocupação dos postos de coordenadores ou de envolvidos diretos na 
produção, a empresa procurou inicialmente selecionar pessoas residentes na região 
de Itapetinga, cujo perfil se adequasse aos requisitos da empresa. Para os 
coordenadores, foi exigida escolaridade equivalente ao 2º grau; já para os 
envolvidos diretos na produção a exigência inicial foi de 1º grau completo e idade 
entre 18 a 30 anos. Posteriormente, devido à dificuldade em encontrar mão-de-obra 
que se enquadrasse nesses padrões, a exigência para a produção foi alterada e, 
quanto aos coordenadores, grande parte deles passou a vir de fora. Para os cargos 
de gerência, que exigem qualificação de nível superior, também foram convocados 
profissionais de outras regiões, a maioria do Rio Grande do Sul. Merece destaque a 
constatação das diferenças de remuneração oferecidas aos gaúchos em relação aos 
trabalhadores locais para a realização de tarefas similares. Segundo informações do 
sindicato, estes últimos chegam a receber menos da metade do salário pago aos 
funcionários do Rio Grande do Sul para o desempenho da mesma função. 
 9 
As questões locacionais 
O discurso da “descentralização industrial” tem sido invocado, nas sucessivas 
propostas de desenvolvimento regional no Brasil, como solução para as 
“desigualdades espaciais” causados pela concentração de investimentos no Sul e 
Sudeste do país. Mais recentemente, esse discurso vem legitimar a nova 
organização espacial da produção, definida por uma divisão inter-regional do 
trabalho – onde a “flexibilização” e as condições locacionais desempenham forte 
papel na obtenção de mais valia – que, embora nova, de maneira similar aos 
processos anteriores, reforça a condição periférica do Nordeste. Enquanto no Sul e 
Sudeste se concentram os principais centros decisórios das empresas e 
investimentos na área tecnológica e de serviços, ao Nordeste – cujos principais 
atrativos estão relacionados aos recursos naturais e culturais ou ao baixo custo da 
mão-de-obra – compete a disputa pela atração de empreendimentos turísticos e de 
indústrias que impactam fortemente ao meio ambiente, como é o caso da produção 
de celulose, ou de empresas empregadoras de grande volume de mão-de-obra 
pouco qualificada, como é o caso das indústrias têxtil e calçadista. 
Nesses casos, apesar da dispersão espacial das instalações, as decisões e o 
controle da valorização do capital continuam concentrados socialmente e 
espacialmente no Sul e Sudeste do país, o que vem corroborar com a afirmação de 
Lencioni (1988) deque o fato de algumas indústrias deixarem de se localizar nos 
lugares centrais, em si, não significa um quadro de descentralização industrial, mas 
sim, de dispersão no processo de produção. 
Cabe aqui, uma análise mais profunda dos motivos locacionais que conduziram a 
Calçados Azaléia S/A, dentro desse quadro de dispersão da produção, a escolher a 
microrregião de Itapetinga para a instalação de um complexo industrial. Inicialmente, 
observemos a movimentação que envolve a implantação dos grandes 
empreendimentos calçadistas na Bahia a partir dos anos 1990. No total, onze 
empresas ligadas ao setor foram atraídas para o estado durante o biênio 1996/1997: 
Azaléia, Ramarim, Bibi, Piccadilly, Daiby, Fortik, Sisa, Ingenort, Solajit, Kildare e 
Vinilex. A agressiva estratégia de incentivos fiscais e financeiros adotada para 
atração destes investimentos se deve ao seu potencial de geração de empregos. 
Estudos da Secretaria de Planejamento, Ciência e Tecnologia do Estado da Bahia 
(SEPLANTEC) apontam, além do fornecimento de condições de infra-estrutura e dos 
 10 
incentivos fiscais e creditícios, mais três fatores que motivaram a vinda da indústria 
calçadista para o Estado da Bahia: a proximidade dos emergentes centros de 
consumo após o Plano Real; a disponibilidade de mão-de-obra a custos mais baixos 
e a menor pressão exercida pelos sindicatos de trabalhadores, comparados com os 
principais centros produtores do País (Bahia, 2000) . 
Devido à sensibilidade do setor aos custos de mão-de-obra, a pressão por aumentos 
salariais, é apontada pela SEPLANTEC (Bahia, 2000) como tendo sido o principal 
elemento responsável pelas mudanças locacionais das empresas calçadista no 
Brasil e no mundo a partir da década de 1980. Apesar da existência de outros 
fatores – a exemplo dos atrativos fiscais e creditícios – determinantes nas disputas 
locacionais intra-regionais, a escolha do Nordeste como principal destino das 
empresas calçadistas no Brasil se dá, especialmente, devido à baixa organização 
sindical e baixos salários praticados, principalmente nas cidades pequenas e 
médias, que permitem a redução dos custos de mão-de-obra, fator fundamental para 
o melhor posicionamento no mercado interno e inserção no mercado internacional. 
A opção pela Bahia, dentre os Estados do Nordeste, está inserida na política de 
desenvolvimento industrial desse Estado, cuja dimensão, na capacidade de induzir 
novos investimentos e definir sua localização, tem sido determinada, principalmente, 
pela guerra fiscal. Por outro lado, a maior proximidade dos mercados do Sudeste, 
principal destino da produção da empresa, também pode ter influenciado na decisão. 
Também merece ser considerado o motivo pelo qual a maior inversão de recursos 
da industria calçadista na Bahia, a Azaléia do Nordeste S/A, escolheu a cidade de 
Itapetinga, contrariando a lógica da desconcentração concentrada utilizada pela 
maioria dessas empresas, que estão desconcentradas a nível municipal, mas 
encontram-se concentradas regionalmente, principalmente no eixo do Grande 
Recôncavo. Na busca de respostas a essa questão, consideram-se alguns aspectos. 
O principal deles foi o grande esforço despendido pelo grupo no poder no estado da 
Bahia na época6
 
6 Ligado ao Partido da Frente Liberal (PFL) 
, em levar o empreendimento para Itapetinga. O objetivo era mostrar 
força política e dar exemplo dos “benefícios” que podiam ser adquiridos através da 
eleição de forças a ele alinhadas para o comando da administração municipal. Ao 
lado de Itapetinga, outras cidades baianas, também administradas pelo mesmo 
grupo, foram oferecidas à empresa, nas mesmas condições vantajosas. Entretanto, 
 11 
em condições de igualdade, outros fatores interferiram na escolha dessa cidade. O 
primeiro deles, talvez explique não só a localização da Azaléia, como também a da 
Ramarim em Jequié e a da Piccadilly em Juazeiro7
As condições de trabalho e a saúde do trabalhador 
. Contrariando a lógica utilizada 
pela maioria das empresas do setor – a da localização desconcentrada a nível 
municipal, mas concentrada a nível regional, a fim de obter vantagens que 
resultariam da formação de um aglomerado de empresas inter-relacionadas que 
competem, mas que também cooperam entre si – a Azaléia assim como as outras 
duas mencionadas, por empregarem os maiores contingentes de funcionários, 
buscaram a desconcentração, também a nível regional, para evitar a disputa por 
mão-de-obra e a pressão sindical que a concentração de empresas propiciaria. Por 
outro lado, o fato de ter vivido um período de baixo crescimento populacional, 
possibilitou a implementação de uma eficiente infra-estrutura urbana que, 
juntamente com a proximidade do porto de Ihéus podem também ter contribuído 
para a opção da empresa. 
Uma vez que o projeto das cooperativas foi sacrificado, e com ele a grande 
possibilidade de divisão do trabalho entre empresas, alternativas foram buscadas no 
sentido de assegurar a “flexibilidade” no sistema. Com este objetivo, a indústria 
passou a tirar proveito da fraca organização sindical e de sua condição de única 
alternativa para aquele contingente de trabalhadores na região para impor regimes e 
contratos de trabalhos mais flexíveis. Além dos baixos salários praticados8, sistemas 
como jornadas de trabalho que envolviam a compensação do trabalho com folgas9
A mobilidade potencial, acrescida da condição de ser o único grande gerador de 
empregos na região, confere à empresa a capacidade de exercer o que Henri 
; 
trabalho em tempo parcial, temporário ou terceirizado e alta rotatividade da mão-de-
obra passaram a ser comumente aplicados. A permanente ameaça de emigração do 
investimento, em caso de fortalecimento da organização dos trabalhadores ou de 
pressão por melhores salários, tem funcionado como garantia para esta situação. A 
ameaça, por sua vez, só se viabiliza devido à possibilidade de mobilidade locacional 
da empresa a qualquer momento para onde lhe for mais lucrativo. 
 
7 Juntamente com a Azaléia estas duas empresas, correspondiam, na época da instalação, às três 
maiores do ramo calçadistas no Estado 
8 Os salários dos envolvidos na produção direta se aproximam do mínimo. 
9 O artigo 59 da CLT assegura a possibilidade de acordo para a compensação, com folgas, de até 
duas horas extras trabalhadas por dia. 
 12 
Acserald denomina de “chantagem locacional”, referindo-se à capacidade do capital 
de “aprisionar parcelas importantes das populações locais no interior da ‘alternativa’ 
de aceitar a promessa de emprego e renda a qualquer custo [...] ou não ter 
nenhuma fonte de renda apropriada” (ACSERALD, 2007). Desta forma, lhe são 
asseguradas condições para obter, não apenas as maiores condições de lucro, mas 
também as menores resistências sociais ou políticas. 
Chamo a atenção, especialmente, para as questões referentes às condições de 
segurança no trabalho e proteção à saúde do trabalhador. O Relatório Técnico 
elaborado pelo Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador (CESAT) 10
Em relação às doenças “músculo-esqueléticas” vinculadas com o trabalho, como a 
Lesão do Esforço Repetitivo (LER) ou Doenças Ortomusculares Relacionadas ao 
Trabalho (DORT), o relatório indica uma “certa gravidade” (BAHIA, 2001, p.34) no 
risco de sua ocorrência que as condições do ambiente de trabalho apresentam. Por 
último, ainda de acordo com o relatório, há riscos de acidentes durante o 
desenvolvimento de atividades operacionais e de manutenção nos maquinários. A 
empresa busca explicar parte dos acidentes com base no comportamento individual 
do trabalhador,enquanto o CESAT aponta uma série de fatores “multicausais”, a 
, referente 
às inspeções de 27 e 28/07/1999 e 19 e 20/10/2000 na fábrica Calçados Azaléia S/A 
(BAHIA, 2001), apontava uma série de riscos aos quais os trabalhadores da 
empresa estariam expostos durante o desempenho de suas funções. Em relação ao 
ruído, a maioria das medições nos setores de produção apresentou pressão sonora 
acima do determinado pela norma regulamentadora do Ministério do Trabalho para 8 
horas de exposição. O relatório aponta, também, a exposição a produtos químicos 
de toxidade elevada em parte “significativa” dos postos de trabalho, chamando a 
atenção para os efeitos toxicológicos das substâncias utilizadas. Dentre os efeitos, 
destacam-se os associados ao n-hexano que, além de agir sobre o sistema 
imunológico, pode causar problemas crônicos ao sistema nervoso periférico e até 
evoluir para a paralisia e perda de sensibilidade nos membros inferiores. Associado 
a esses e outros problemas de saúde, os trabalhadores estariam também sujeitos a 
desconforto térmico em certas etapas do processo produtivo, onde são utilizadas 
máquinas que funcionam à temperatura de 160oC emitindo calor para o ambiente. 
 
10 Órgão vinculado à Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB) 
 13 
exemplo da pressão sofrida pelo trabalhador para atender um ritmo acelerado e 
constante de trabalho. 
O documento sugeria condições de adequação para que estes riscos fossem 
minimizados. Após o relatório, algumas providências foram tomadas, como os 
intervalos para alongamentos durante a jornada, mas, graças à chantagem 
locacional, a empresa conseguiu obter, por algum tempo, a suspensão de visitas do 
CESAT para avaliação da satisfatoriedade das respostas dadas às recomendações. 
Foi a pressão, devida à grande recorrência de acidentes de trabalho, que concorreu 
para o retorno da ação fiscalizadora do órgão público junto à empresa. Desta vez, 
numa articulação conjunta do Fórum de Proteção ao Meio Ambiente do Trabalho do 
Estado da Bahia (FORUMAT)11
Se a guerra dos lugares por investimentos parece impor uma condição de 
resignação e impotência em troca da sobrevivência, as condições de exacerbada 
exploração, que propicia, criam também as oportunidades para o surgimento de 
algumas formas de resistência. No caso da Calçados Azaléia em Itapetinga, a 
despeito de uma inicial subsunção da classe trabalhadora a todas as imposições da 
empresa, a organização dos trabalhadores em torno do sindicato tem produzido 
. Segundo o Sindicato de Trabalhadores de 
Calçados de Itapetinga e Região, desde implantação da Azaléia na região, 82 
funcionários já foram vítimas de acidentes que provocaram mutilações como a 
perda falanges, dedos, mãos e antebraços, além do grande número de doenças 
ocupacionais. Ainda segundo o sindicato, a mensuração do número dos atingidos se 
torna difícil devido às dificuldades em se conseguir laudo médico que comprovem a 
relação da doença às atividades desenvolvidas na empresa. Em relação aos 
acidentes, em concordância com o CESAT, o sindicato chama a atenção para os 
riscos produzidos pela pressão para o atendimento das metas e a falta de 
treinamento para a segurança na realização do serviço. Em contrapartida, a 
empresa tem seguido na tentativa de atribuir responsabilidade a descuidos pessoais 
das vítimas e nega a ineficiência do sistema de segurança dos equipamentos. Vale 
ressaltar que, a Portaria n° 84/09, de 04 de março de 2009, do Ministério do 
Trabalho e Emprego retira a expressão "ato inseguro" das Normas 
Regulamentadoras (NR), relativas à segurança e medicina do trabalho, assim como 
os demais subitens que atribuíam ao trabalhador a culpa pelo acidente de trabalho. 
 
11 Rede de proteção e melhoria ao meio ambiente do trabalho, instalada em junho de 2002, 
envolvendo entidades públicas e privadas comprometidas com o tema 
 14 
algumas vitórias da categoria. Em 2008 foi barrado o acordo de compensação de 
horas trabalhadas com folgas. Também foi considerado como conquista para a 
categoria, o fim dos contratos temporários, realizados, durante os três primeiros 
meses de serviço na empresa, através da AST Serviços Terceirizados12
O novo cenário e a cidade de Itapetinga 
 que 
liberavam a Azaléia de vínculo com os trabalhadores durante a vigência do contrato, 
além de negar ao trabalhador alguns direitos trabalhistas, como a licença 
maternidade e o auxílio por doença ou acidente de trabalho. 
Tendo em vista o caráter “flexível” do empreendimento instalado em Itapetinga, seus 
reflexos tornam-se difíceis de serem analisados com largos horizontes de duração. 
Graças ao emprego da “flexibilidade”, o projeto tem estado em constante mutação. 
Mesmo com tais dificuldades, pode-se observar uma tendência a reorganização 
espacial dos fluxos econômicos na Região Sudoeste da Bahia e, mais 
especificamente, nos municípios envolvidos. Mesmo considerando que esse 
movimento apenas se inicia e que seus verdadeiros resultados só o tempo exporá 
com clareza, sabe-se que as transformações têm afetado de maneira irreversível as 
cidades que sediam o empreendimento. 
Com base no número de 3.309 empregos oferecidos na cidade de Itapetinga até 
maio de 200113
Ao gerar empregos formais diretos, a empresa está também influenciando no 
volume de postos de trabalho gerados em outros setores que, indiretamente, se 
beneficiam dos recursos injetados na economia graças ao poder de compra de seus 
trabalhadores. A dificuldade de precisar o nível de comprometimento existente entre 
 e na população economicamente ativa nessa cidade de 36.991 
pessoas, por ocasião do senso do IBGE de 2000, observa-se que apenas os 
empregos diretos oferecidos pela Azaléia já ocupavam em torno de 9% dessa 
população. A falta de dados recentes sobre a população economicamente ativa 
inviabiliza a atualização desse cálculo, entretanto, considerando a população total de 
63.243 habitantes na cidade (IBGE, 2007) e o número de 10.000 funcionários que aí 
trabalham deduz-se que 15,81 % destes habitantes estariam vinculados à empresa. 
Considerando só a parte dessa população em condições de atividade econômica, o 
percentual de pessoas comprometidas com a empresa seria bem superior a esse. 
 
12 Empresa especializada na disponibilização e administração de pessoas. 
13 Fonte: CALÇADOS AZALÉIA S/A, 2001 
 15 
o incremento de novos postos nesses setores e os empregos formais gerados pela 
empresa, não só na cidade de Itapetinga, como também de outras da região, cujos 
habitantes também se utilizam do seu comércio e serviços para a satisfação de parte 
de suas necessidades, não impede de reconhecer a existência dessa relação. 
Se a oferta de empregos diretos e indiretos se eleva, há que se considerar o 
decorrente processo migratório inevitável e imprevisível nas duas direções, que 
promove alterações, não apenas no crescimento populacional, mas também no perfil 
da população e na organização social – costumes, cultura e comportamentos – das 
cidades envolvidas. Em Itapetinga, a implantação da Azaléia implicou na 
consolidação de uma classe trabalhadora de baixa renda, até então pouco 
expressiva, uma vez que o emprego de mão-de-obra assalariada era reduzido 
quando a economia da cidade girava em torno da atividade pecuária extensiva. 
As alterações na demografia têm se refletido na forma como se estrutura a região. 
Novas demandas são produzidas no comércio e nos serviços, implicando em 
progressivo adensamento dos fluxos dentro da microrregião, com uma maior 
convergência em direçãoa Itapetinga e crescente independência em relação aos 
dois grandes pólos regionais mais próximos, Vitória da Conquista e Itabuna. 
Entretanto, isto não significa uma redefinição hierárquica em relação a estes pólos, 
visto que seu porte é por demais elevado frente a Itapetinga. 
Se por um lado, o reforço na economia local impulsiona a reestruturação regional, 
principalmente a descentralização das atividades econômicas, por outro, revela 
novas questões tipicamente urbanas, como as demandas por habitação, infra-
estrutura e serviços públicos, o que implica em novo organização no território e em 
novas prioridades no investimento dos recursos públicos. As prioridades 
estabelecidas, entretanto, nem sempre são determinadas conformes as demandas 
da população. A capacidade de “chantagem locacional” da empresa lhe possibilita, 
não só o controle sobre as relações de trabalho e formas de organização dos 
trabalhadores, mas também a determinação das prioridade nos investimentos 
públicos conforme seus interesses. Cita-se, a exemplo, o investimento de 7 milhões 
de reais na reforma e equipamento do aeroporto para a aterrissagem e decolagem 
de jatos, que atende apenas às eventuais vindas de diretores da empresa à cidade. 
Outro exemplo dessa capacidade da empresa em determinar as prioridades no 
investimento público pode ser observado no primeiro contrato de recuperação da 
 16 
Rodovia da BA 262, por ocasião da instalação da empresa. Esta obra viria atender a 
antiga reivindicação dos usuários, se contemplasse todo o percurso ou ao menos 
priorizasse os trechos mais precários do trajeto que liga a microrregião a Vitória da 
Conquista e a Itabuna, cidades que, além de polarizarem economicamente a região, 
fazem o entroncamento com os dois principais eixos rodoviários responsáveis pela 
articulação com Salvador e com o Sudeste do País, a BR 116 e 101, 
respectivamente. Entretanto, por exigência da empresa, a prioridade do contrato 
foram os trechos que ligam Itapetinga a suas filiais, ficando os trechos críticos para 
serem recuperados quase 10 anos depois, quando o nível de precariedade chegava 
perto de inviabilizar o tráfego de veículos. 
Por outro lado, graças aos incentivos fiscais e creditícios concedidos à empresa, o 
incremento nas demandas para os serviços públicos não vem acompanhado de 
crescimento na arrecadação, o que acentua as dificuldades de atendimento à 
população. Esta situação pode ser percebida no que se refere à saúde pública. Além 
do aumento da população local, reforçando as demandas para o setor14
Colapso similar ocorre na área de habitação. A baixa oferta de moradia para atender 
às demandas da nova classe operária, tem convertido imóveis e terrenos populares 
em elemento de especulação, produzindo incrementos nos valores de aluguel e de 
compra que variaram na ordem de 200 a 300%, nos últimos 10 anos. Essa situação 
tem conduzido ao adensamento e ampliação das áreas de ocupação informal e de 
habitação precária, que quase inexistiam antes da implantação da indústria. 
, outras 
cidades, cuja população também cresceu devido à implantação de galpões da 
empresa, não estão habilitadas a oferecer determinados serviços médico-
hospitalares a seus habitantes que, por sua vez, vão recorrer aos serviços prestados 
em Itapetinga. Esta situação tem provocado grande sobrecarga no sistema de saúde 
do município que, impossibilitado de atender às constantes solicitações, entrou em 
colapso, tornando-se o principal objeto de desgaste dos sucessivos gestores que 
assumem a administração municipal desde a implantação do empreendimento. 
A alimentação dos processos migratórios para a região tem sido reforçada pela alta 
rotatividade dos empregados na Azaléia, com renovação mensal estimada entre 120 
e 150 operários, que acontece devido às demissões por iniciativa da empresa ou 
dos próprios funcionários, na maioria das vezes por não suportarem os sintomas 
 
14 A Azaléia não subsidia nenhum tipo de plano privado de assistência à saúde de seus trabalhadores 
e familiares. 
 17 
decorrentes das doenças relacionadas ao trabalho ou à intensa pressão imposta 
pelas rigorosas metas estabelecidas por seus superiores. Ribeiro (1996) chama a 
atenção para os perigos da alta rotatividade no emprego, lembrando que estas 
características, que fazem da exclusão um elemento estruturante da modernizarão 
brasileira, atingem “a identidade do trabalhador, a sua crença na real garantia de 
direitos sociais e nos processos de organização e reivindicação da classe 
trabalhadora e cria a impossibilidade de projetos individuais e familiares” (RIBEIRO, 
1996, p.21). Em Itapetinga, a situação tem sido ainda mais complexa devido à 
incapacidade do mercado de absorver, não só aos funcionários afastados da 
Azaléia, como também à população que aí chega na esperança de encontrar uma 
colocação na indústria e não consegue uma vaga. Estas pessoas, quando não 
retornam para o lugar de origem, acabam ficando na cidade, muitas vezes na 
condição de desempregados ou participantes do mercado informal. 
Os problemas urbanos podem se intensificar, caso a empresa decida, no futuro, 
migrar para outros centros que venham a oferecer maiores vantagem, deixando 
grande massa de desempregados e inúmeros problemas sociais a serem 
enfrentados pelo poder público e a sociedade local. Ao estudar a indústria calçadista 
na Bahia a SEPLANTEC (Bahia, 2000), já alertava para os riscos de prejuízos que 
essa possibilidade acarretaria para as cidades envolvidas. Devido ao alto nível de 
comprometimento da mão-de-obra de Itapetinga com a empresa, uma possibilidade 
como essa, que se tornará mais concreta quando vencidas as vantagens fiscais, 
provocaria danos sem precedentes, não só para a cidade, mas para toda a região. 
Breves conclusões 
Grandes foram as expectativas estabelecidas em relação a possíveis benefícios 
decorrentes da implantação da Calçados Azaléia na região de Itapetinga. O 
observador cuidadoso, entretanto, ainda que ofuscado pela euforia graças aos 
empregos gerados e ao elevado volume de recursos estaduais investidos na região, 
não pode deixar de estar atento a outras questões relacionadas ao empreendimento. 
A principal delas é que a cidade possui agora novos agentes sociais: uma elite de 
quadros da empresa, oriunda do Sul do país e detentora de hábitos e cultura que se 
diferenciam das tradições locais, e uma classe proletária pouco qualificada e 
remunerada a baixos salários, que, se por um lado, cria as condições necessárias 
para uma mobilização social, por outro, traz para o espaço urbano novas demandas 
 18 
até então desconhecidas. Se o grande contingente de trabalhadores empregados e 
a alta rotatividade da mão de obra têm provocado intensos fluxos migratórios, que 
causam problemas urbanos de nova ordem e intensidade – como carência de 
moradia, infra-estrutura e serviços básicos, além de desemprego e violência –, as 
facilidades fiscais e creditícias vieram impedir que a arrecadação crescesse na 
mesma intensidade das demandas, o que coloca o poder público na condição de 
incapacidade para atendê-las. 
Por outro lado, a constante ameaça de que o investimento migre para outras 
localidades tem colocado os habitantes da região na condição de reféns da empresa 
que, devido a tal situação, consegue legitimar sua capacidade de definir, não só as 
condições de trabalho oferecidas aos seus empregados, mas também grande parte 
das políticas públicas que envolvem a área onde se localiza. Esta capacidade de 
transferência dos recursos públicos para atender às necessidades da empresa 
privada cria, por sua vez, novos obstáculos ao atendimento das demandasgeradas. 
Os fatos descritos comprovam que crescimento econômico e justiça social podem 
seguir caminhos antagônicos. A constatação de que o crescimento acelerado, 
desordenado e mal regulado, aumenta os riscos de desigualdade e exclusão social, 
impõe cautela. Chama-se atenção para as questões aqui colocadas em relação às 
transformações que o espaço urbano de Itapetinga vem sofrendo. Elas não 
apresentam respostas fáceis e apontam a necessidade de investigação contínua. 
No momento, o grande desafio que se impõe àqueles que se preocupam com os 
destinos da região é a investigação de alternativas que possam, se não anular, ao 
menos reduzir esse nível de comprometimento de sua economia com a empresa. 
Diante das infinitas possibilidades de pesquisa ainda inexploradas, este trabalho se 
coloca apenas como uma das possíveis contribuições para o entendimento do 
cenário, ainda opaco, onde se encontram inseridas algumas cidades da microrregião 
de Itapetinga e outras do Nordeste, que têm passado por processos semelhantes 
dentro da dinâmica urbano-industrial estabelecida no Brasil na contemporaneidade. 
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