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Curso de Ética - Profº Marco Antônio

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CURSO
DE
ÉTICA
Prof. Marco Antônio
“Por si só, um texto não é nada, tal como uma viagem por si só tampouco é nada. Uma alma se faz necessária para concatenar entre si os méritos desta e as frases daquele, fazendo jorrar do contato essa luz misteriosa que se chama verdade ou que tem por nome beleza” 
 A.-D. Sertillanges
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................................3
CAPÍTULO I – ÉTICA E CIVILIZAÇÃO 
1. O LOGOS GREGO E O ESTUDO DO ETHOS.............................................11
1.1 A ÉTICA ENQUANTO CIÊNCIA DO ETHOS..............................................11
1.2 O “CONHECE-TE A TI MESMO” COMO FUNDAMENTO DO SABER ETICO................................................................................................................18
1.3 A ETICIDADE COMO DIMENSÃO ONTOLÓGICA DO SER DO ENTE HOMEM.............................................................................................................26
1.4 A FORMAÇÃO DO ETHOS PELO HÁBITO................................................37
1.4.1 A RESPONSABILIDADE..........................................................................39
1.4.2 O CARÁTER.............................................................................................42
1.4.3 O HÁBITO E O SEU VALOR MORAL......................................................50
 
CAPÍTULO II – O ETHOS CRISTÃO-MEDIEVO
2. O ETHOS CRISTÃO E O HOMEM (PESSOA) COMO REALIZADOR DO BEM E DO MAL MORAL...................................................................................54
2.1 A DIMENSÃO ÉTICA DO EVANGELHO.....................................................54
2.2 A IGREJA E A MORAL NO OCIDENTE......................................................62
CAPÍTULO III – O ETHOS MODERNO E SUA PERSPECTIVA REVOLUCIONÁRIA..........................................................................................72
3.1 O ETHOS MODERNO ENQUANTO RUPTURA E VONTADE DE PODER76
3.1.1 A DISSOCIAÇÃO ENTRE POLÍTICA E ÉTICA NO FAZER HUMANO E A SUBMISSÃO DO ÉTICO AO POLÍTICO...........................................................78
3.1.2 VONTADE DE PODER, COISIFICAÇÃO E NEGAÇÃO DO OUTRO......84
3.1.2.1 A TRANSVALORAÇÃO DE TODOS OS VALORES.............................84
3.1.2.2 MORAL E PRÁXIS REVOLUCIONÁRIA: a moral enquanto reengenharia social............................................................................................89
CAPÍTULO IV – A CULTURA DENTRO DO ETHOS GLOBALISTA..................................................................................................115
4.1 MASSIFICAÇÃO, DESCONSTRUÇÃO E REDUCIONISMO....................121
4.2 A ÉTICA COMO DIMENSÃO PRECÍPUA PARA A RECONSTITUIÇÃO DO SER DO ENTE HOMEM .................................................................................129
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................135
REFERÊNCIAS...............................................................................................140
INTRODUÇÃO
“Para se compreender uma civilização. É preciso amá-la, e isto só se consegue graças aos valores permanentes, de validez universal, que ela implique. Tais valores costumam coincidir fundamentalmente em todas aquelas culturas que não servem só para o bem-estar físico, mas se preocupam com o homem total, ancorado no eterno. Sem tais valores, a vida não tem sentido.” Titus Burckhardt
A perplexidade inerente ao homem moderno, pode-se dizer que tem se manifestado na angustiante realidade que perfaz a sua existência, a qual é a da permanente convivência com a crise. Fenômeno este que assola todos os campos, áreas onde o ser humano atua.
Dentre as várias crises que acometem a vida humana, não se pode deixar de mencionar a crise moral. Crise esta que não diz respeito apenas às relações do homem para consigo mesmo, do homem para com seus semelhantes, do homem para com as coisas que o cercam, como também do homem para com o Ser do qual participa. 
A crise moral então se instala, também, nos estudos que se realizam sobre as disciplinas tão importantes na busca de compreensão, pelo homem, da realidade que o circunda e perfaz. Daí se poder falar que reina no âmbito da vida humana a maior confusão.
Segundo o filósofo brasileiro, Mário Ferreira dos Santos (1964, p. 158)
A nossa época é uma época de confusão de idéias. E é confusa, porque as idéias, que foram separadas para a análise, que o trabalho crítico realizou para estudá-las em separado, não foram devolvidas de modo hábil à concreção, mas reunidas confusamente, isto é, fundidas com outras, obedecendo a novas hierarquias de valores, que não correspondem ao que melhor devera ser, embora revelem o que se dá na presente fase do processo histórico.
Segundo o filósofo, estamos numa época de crise porque vivemos como em nenhum outro momento da história da Civilização Ocidental a crise. E como esta se instala em todos os setores, não poderia deixar de afetar a Ética. E como não haver crise em época onde nós seres humanos nos separamos cada vez mais? Há a ciência, há o crescimento econômico, há a difusão das informações, etc. mas a crise do/no humano é cada vez mais crescente.
Este novo milênio, sem dúvida, pode e deve ser caracterizado por um lado, pelo fenômeno da globalização, entendido este em seu sentido mais amplo. Então o conhecimento, as informações estão viajando em milésimos de segundos, por meios de cabos de fibras óticas e chegando a locais inimagináveis, pondo os indivíduos em contato com mundos diferentes, que os inquietam e produzem no mesmo, anseios, desejos, repulsas, enfim, um mundo de sensações, imagens, representações. [1: O termo globalização não deve ser compreendido no sentido habitual, o qual lhe é dado frequentemente, enquanto produto de um sistema econômico em particular, o capitalismo. Mas sim, como um processo de dominação pela cultura, gerência administrativa e reengenharia social que é parte de um projeto meta-capitalista, onde se aliam grandes conglomerados financeiros, organizações supra-estatais, ONGs, partidos políticos. (CARVALHO, 2007 )]
Por outro, e de certa forma, ligada à anterior a terceira revolução científico-tecnológica, que traz mudanças nas sociedades, por motivo de suas novas descobertas (biotecnologia, nanotecnologia, etc.). E aqui se pode falar no desenvolvimento da informática e suas influências diretas noutras áreas do conhecimento e intimamente na vida dos seres humanos, estejam eles nas grandes metrópoles ou nos recantos do mundo habitado pelo ser humano.
Não por acaso, uma das características marcantes da sociedade hodierna que se diz pós-moderna é a desrealização, desestruturação; ou seja, este é o tempo das transformações profundas que afetam diretamente toda a cultura do humano. Como diz Castells (1999, p. 41) em sua obra: A sociedade em rede: “Nossas sociedades estão cada vez mais estruturadas em oposição bipolar entre a Rede e o ser”. 
Constata-se então, em meio aos burburinhos do tempo que urge e vigora, que o homem “pós-moderno” está no meio de uma esquizofrenia estrutural entre a função e o significado; o ter e o ser. Diante de tal realidade é lícito também perceber que as noções de tempo e espaço são literalmente transformadas e passam a adquirir novos significados. 
Enquanto o lugar tem como característica própria o ser fixo, ou seja, é específico, delimitado, concreto, conhecido, familiar em que as raízes do homem são aí fixadas. 
O espaço ganha uma nova dimensionalidade que de nada necessita do concreto para fixar-se, até porque sua marca distintiva é a flexibilidade, a fluidez, ou numa linguagem mais atual, ele se virtualiza adquirindo assim uma onipotência e onipresença impensável e impossível para o lugar. Porque com muita rapidez apenas com um piscar de olhos, um comando de mãos ou voz, rompem-se espaços siderais. 
O que sepode inferir desta assertiva é a destruição do espaço através do tempo. Então, por trás de todo o processo globalizante (mentalidade revolucionária/globalista) tem-se nada mais que o enfraquecimento e a destruição de valores ético-morais e das identidades culturais. 
No meio deste turbilhão de informações, modificações, revoluções que é o mundo “pós-moderno”, o homem é como que conduzido a pensar e viver dentro de uma proposta que o remete à interdependência cada vez maior, entre os meios e processos de inter-relação e produção social. 
Assim, passa a ser um imperativo para a vida das sociedades e dos indivíduos que nela habitam um modo de pensar, de ser e de agir. O homem está preso numa teia de símbolos que nega toda e qualquer possibilidade de uma individualidade autêntica, pois esta só é possível dentro dos parâmetros: ou desse homem consumidor (capitalismo vigente), ou do homem politicamente correto (socialismo/comunismo/fascismo). 
Deste modo, o mesmo se encontra imerso numa descaracterização, portanto, desumanização do ser de seu ente (homem) em prol de projetos que vislumbram criar entidades abstratas que possibilitem a constituição do melhor dos mundos possíveis.[2: Cf. a obra: O futuro do pensamento brasileiro, do filósofo e jornalista Olavo de Carvalho, onde na segunda parte, que trata das conferências que o mesmo deu em Paris e Bucareste no tópico III – A globalização da ignorância. O filósofo tratará de forma direta, concisa e elucidatória o projeto da nova ordem cultural do mundo. ]
São inúmeros os pontos críticos da realidade hodierna que podem ser investigados, não obstante, nosso enfoque neste curso priorizará os aspectos éticos dentro da constituição deste ente chamado Homem. Porque, sem as exigências éticas, as quais estão na base do agir humano, a cultura, qualquer que seja a época em que ela se manifeste no caminhar da história, o que se obterá como conseqüência, será a violência, a barbárie. 
A este respeito, o filósofo Mário Ferreira dos Santos procurou-nos alertar em meados do século passado acerca da tragédia em que a condição humana estava vivendo sob a bota da superficialidade e a invasão cultural da barbárie com a sua obra/manifesto Invasão vertical dos bárbaros.
Não se considerando as exigências éticas fundamentais do agir humano, as quais são co-extensivas ao trabalho da cultura humana. Toda e qualquer transformação da vida social, por mais que pareça ser promissora, a exemplo dos inúmeros avanços científicos e tecnológicos ocorridos no século passado e início deste, os direitos elaborados em prol de uma sociedade e humanidade abstrata, não terá objetivamente nenhuma condição de promover e garantir o bem estar da comunidade humana.
Observando-se a quantidade de violência, perpetrada pelo mundo inteiro, nas diversas categorias de seres humanos, constata-se que vem se tornando trivial e como tal, ameaça fazer esse mundo inabitável. Estamos imersos em uma crise moral sem precedentes na história da humanidade.
Não por acaso então um enorme fluxo de estudos (artigos, livros) acerca da reflexão ética. E dentro das mais vastas atividades laborais humanas, crescentes são as preocupações em torno das questões éticas.
E as razões que podem explicar esse interesse extraordinário pelos temas éticos são múltiplas e complexas. No entanto, acredita-se que se está diante de uma das mais inequívocas e significativas reações a uma crise moral sem precedentes, que atinge a Civilização Ocidental. E particularmente a sociedade brasileira, a qual é amplamente divulgada e reconhecida como possuindo um jeito todo peculiar de ser: o jeitinho brasileiro. 
Na atualidade a evolução científica e tecnológica que revoluciona o conhecimento estabelece novos paradigmas para as relações humanas e sociais e produz impacto em toda a atividade humana. O tema da ética inquieta cientistas, pesquisadores e profissionais das diferentes áreas do saber.
Se os princípios éticos devem conduzir a ciência, a consciência ética, porém, não resulta do debate científico, mas da vontade e coragem das pessoas que agem movidas por princípios éticos, na construção da ciência, nas relações de trabalho, na vida afetiva, etc. Embora, por vezes, não haja clareza de quais caminhos seguir, em vista de um mundo cada vez mais cético e relativista. Onde a derruição das morais leva a maioria das pessoas a confundir a Ética com a Moral. 
É preciso ter bem clara a compreensão de que a Ética estuda o dever ser humano, enquanto que a Moral descreve e prescreve como se deve agir para realizar este dever-ser. Ou seja, a Moral é variante, mas a Ética é invariante. 
E exatamente por este motivo é que os homens geralmente mal assistidos pela intelectualidade erram quanto à eticidade de um ato e estabelecem um costume que ou não é conveniente ou é exagerado. Como nos diz Mário Ferreira na esteira dos filósofos clássicos, a Ética deve ser consagrada ao universal.
Assim, da moral que surge na vida prática do homem, a mente especulando sobre a mesma chega à Ética, que por sua vez é mais especulativa que prática, pois nela há princípios que são eternos, enquanto na moral há regras de valores históricos, logo, mutáveis. 
Como medida de esclarecimento do que fora mencionado é possível dizer que: dar a cada um o que é de seu direito é uma norma ética, todavia, o modo como venha a se proceder, segundo a conveniência humana obediente a esta norma, será uma regra moral.
Nessa compreensão acerca do emaranhado que compõe a realidade social, a responsabilidade pessoal – ou o que Schweitzer apud Ripolo (2009) denomina moral da personalidade ética, ao entender que a pessoa deve fazer o que pode para elevar a moral social – contribui para aprimorar a moral da sociedade ética. E o descaso pela moral da personalidade ética rebaixa a dignidade da pessoa humana e repercute nas relações interpessoais e na ética da sociedade. 
A deficiência ética degrada o ser humano. A Ética, ao invés, resulta da disposição lúcida e coerente da razão que ilumina o discernimento e norteia a conduta. E como os demais valores que orientam a conduta humana e social, ela permeia e perfaz as relações humanas. 
Uma dimensão de vida mais justa, ordenada e equânime, tanto em sentido pessoal quanto coletivo exige uma Ética no sentido integral. Em que o homem esteja ciente do seu propósito na teia da vida e de que ele é parte indissolúvel do meio em que vive (natural, social, etc.); mantém relações dialogais com os seus semelhantes; é sensível e atento para com a natureza, com os outros seres vivos e com o mundo. 
Esta Ética, baseada em valores que se fundam numa estrutura ontológica da realidade existente e que se constitui existencialmente da cooperação, da qualidade de ser e das ações deste, de participação e de integração, considera a vida em todas as suas dimensões.
A Ética em seu sentido integral deve ser reguladora, no qual os significados tenham a ver com a unidade dos propósitos entre a vida singular dos indivíduos e da sociedade: a demanda se aproxime da necessidade; o custo considere a destruição ecológica e os danos sociais (BUARQUE, 1993).
Os princípios éticos podem se manifestar em relações de poder. E dentro de paradigmas gestados enquanto entes de razão, tais princípios tendem a se transformar em máquinas abstratas de pressão, desumanização e até supressão de vidas humanas. Um exemplo claro acerca disto são os diversos matizes de socialismo (comunismo, nazismo e fascismo) que vigoraram no século passado na Europa e ainda faz eco em presente século, principalmente, nas “periferias” do mundo.
Só que a racionalidade integral exige não o poder traduzido como domínio exclusivo sobre os outros, mas o poder concedido a outros com o objetivo de fortalecer o processo decisório, de uma forma dinâmica, democrática, participativa, descentralizada e que almeje a constituição da vida humana em sua plenitude e, não a tome como meio para outros fins. 
Como fazem os modelos perpetrados pela economia de mercado e a mentalidade política revolucionária, que a tudoe todos almejam seduzir, formatar, enquadrar, resignificar como se coisas fossem e não seres humanos. Quando não aniquilam por completo das formas mais cruéis e abjetas como nos relatam sobreviventes, dissidentes, pesquisadores, etc.. 
Esta nova visão de mundo, a qual exige um retorno a uma contemplação da dimensão ética do ser do ente homem, baseada em princípios que respeitem a vida em sua integralidade deve ser balizadora de todas as instâncias do fazer humano; deve ser um modus operandi dos grupos de cientistas, pensadores e professores; dos empresários, funcionários e trabalhadores. Deve ser estendida às comunidades, instituições e organizações. 
Destarte a constituição do homem, da sociedade, das novas gerações, perpassa e exige a colaboração consciente de cada indivíduo, tomado este a partir da sua condição de cidadão, não meramente observado em um determinado tempo e espaço circunscrito, mas sendo capaz de romper com certas fronteiras que negam a possibilidade do diálogo entre o novo e o velho; entre o progresso e a tradição; entre o presente e o passado; entre o material e o espiritual. 
Enfim, que não renegue no homem a sua condição metafísica em prol da arbitrariedade dos modismos ditados por cada época e cultura em particular, como se a escala medidora da verdade fosse aquele do tempo presente.
A idéia que se procura fazer ressaltar aqui é a de uma necessária retomada do paradigma clássico da razão prática, enquanto idéia diretriz da Ética filosófica, ou seja, a razão enquanto ordenação à ação (práxis) e não simplesmente ao conhecimento. A fim de possibilitar uma reflexão mais abrangente acerca da formação e atuação do ser humano enquanto indivíduo, pessoa, cidadão. 
O presente curso encontra-se estruturado da seguinte forma: 
- O primeiro capítulo: Ética e civilização: o logos grego e o estudo do ethos. Irá tratar acerca da Ética segundo o pensamento clássico grego (Sócrates, Platão e Aristóteles) e o ethos cristão-medievo (Agostinho, Tomás de Aquino, escolástica/pessoa e dignidade da vida humana);
- O segundo capítulo: O ethos moderno e sua perspectiva revolucionária. Desenvolverá acerca do ethos moderno tomando como parâmetro os pensadores: Nicolau Maquiavel, Friedrich Nietzsche e Karl Marx; 
- O terceiro capítulo: A cultura dentro do ethos globalizado e a Ética. Onde serão tomados como suportes para pensar a cultura e a globalização, os seguintes pensadores: Hannah Arendt, Manuel Castells, Stuart Hall e Evilázio Teixeira; e para pensar a Ética dentro de tal contexto o pensamento do filósofo contemporâneo Mário Ferreira os Santos.
Na urgência de uma reflexão ética mais sólida, o capítulo a seguir busca-se amparar nos conceitos e sistematização da Ética filosófica clássica, mais especificamente encontra alicerce em seus formadores: Sócrates, Platão e Aristóteles. 
Bem como, no helenista Werner Jaeger, através de sua obra clássica Paidéia: a formação do homem grego, estudo amplo e aprofundado acerca da formação cultural do homem grego e, no terceiro volume da obra Ordem e História: Platão e Aristóteles, de Eric Voegelin, onde o filósofo completa o seu vasto e riquíssimo estudo sobre a cultura grega indo desde suas remotas origens pré-helênicas, até sua plena maturidade com o império de Atenas e com os pensadores e filósofos que representam o ponto mais elevado da investigação filosófica entre os gregos. 
Para tratar da parte referente ao ethos cristão-medievo serão observados aspectos do pensamento de Santo Agostinho, Tomás de Aquino, a escolástica; a renomada obra Nova moral fundamental: o lar teológico da Ética, do catedrático espanhol Marciano Vidal (importante nome ligado à renovação da Ética Teológica depois do Concílio Vaticano II), assim como, da importante, reveladora, esclarecedora e excelente obra Como a Igreja Católica construiu a civilização Ocidental, do historiador Thomas E. Woods Jr.. 
CAPÍTULO I – ÉTICA E CIVILIZAÇÃO 
1. A ÉTICA ENQUANTO CIÊNCIA DO ETHOS
“Cada homem em particular deve ter portanto, em potência, a aptidão de, atendidos os requisitos pertinentes e guardadas as devidas proporções, compreender seus semelhantes [...], na medida em que se conduzam como seres humanos. E conduzir-se como um ser humano é em última instância, agir segundo um propósito que não se reduza por completo à mera resposta empírica a uma dada situação particular, mas que aponte, de algum modo e em alguma medida, para um sentido universalmente válido.” Olavo de Carvalho
Falar da Ética é tratar de um aspecto preponderante na história e formação do ente humano. Onde quer que tenha existido uma comunidade de pessoas que deliberadamente ou não tiveram que conviver, ali houve a prática de certas atividades, a introjeção de certos costumes e hábitos, a constituição de um conjunto de normas e leis, etc. A História tem demonstrado ao longo dos tempos que as civilizações mais remotas tiveram códigos normativos que buscavam coerir a existência dos indivíduos numa vida coletiva. 
Por uma questão singular, o que nos interessa aqui é retratar a peculiaridade na história da civilização do fenômeno chamado Helenismo, pois, a Grécia se apresenta com relação às culturas do Oriente – diga-se de passagem, culturas riquíssimas quanto aos aspectos das realizações artísticas, religiosas, políticas – com um avanço fundamental quanto ao quesito vida humana em comunidade. 
Os gregos são sem soma de dúvidas um referencial na história daquilo a que se pode chamar conscientemente de cultura. Quanto a isso corrobora a famosa obra de Werner Jaeger, Paidéia: a formação do Homem grego (1995, p. 5), 
A investigação moderna no século passado abriu imensamente o horizonte da História. A oikoumene dos gregos e romanos “Clássicos”, que durante dois mil anos coincidiu com os limites do mundo, foi rasgada em todos os sentidos do espaço e perante nosso olhar surgiram mundos espirituais até então insuspeitados. Reconhecemos hoje, todavia, com maior clareza, que tal ampliação do nosso campo visual em nada mudou este fato: a nossa história [...] “começa” com a aparição dos Gregos [...] “Começo” não quer dizer aqui início temporal apenas, mas [...], origem ou fonte espiritual, a que sempre, seja qual for o grau de desenvolvimento, se tem de regressar para encontrar orientação. É este o motivo por que, no decurso da nossa história, voltamos constantemente à Grécia. Ora, este retorno à Grécia [...], não significa que lhe tenhamos conferido, pela sua grandeza espiritual, uma autoridade imutável, fixa, independente do nosso destino. O fundamento do nosso regresso reside nas nossas próprias necessidades vitais, por mais variadas que elas sejam através da História. 
Nesta obra Werner Jaeger faz um estudo profundo sobre os ideais de educação da Grécia antiga, onde se observa a interação entre o processo histórico da formação do homem grego e o processo espiritual através do qual os gregos chegaram a elaborar seu ideal de humanidade. Não por acaso, esta representa um dos marcos da cultura contemporânea. 
Faz-se importante aqui salientar o aspecto do retorno à Grécia que o autor menciona no trecho acima citado, pois, é justamente este retorno que se almeja fazer neste primeiro capítulo, onde será tratado filosoficamente o tema da Ética, ou ciência do ethos como os “gregos” assim a definiram. O retorno se dá face a mais uma crise que a cultura da Civilização Ocidental cientificizada está inserida, a qual denota proporções nunca antes vivenciadas.
No entanto, fora gestada no seio da cultura ocidental por uma série de pensadores (Maquiavel, Marx, Nietzsche, Heidegger, etc.) que se entregaram a um minucioso e pertinaz afã de destruir o monumento intelectual erguido pela civilização do Ocidente. Mais especificamente, destruir os alicerces ontoteológicos desse monumento (Metafísica e Ética), porque sobre estes se edificaram as estruturas da razão teórica e da razão prática. 
A título de exemplos destas tendências e investidas pode-se citar o positivismo lógico esua crítica ferrenha aos fundamentos da Metafísica e aos fundamentos da Ética, como também o niilismo – o espectro que rondava a Europa, conforme o discurso nietzscheano – mordaz que tem paralisado mentes e viceja por entre as entranhas da cultura ocidental ocupando espaços nunca antes imaginados. Sem contar com a ênfase dada pelo marxismo/socialismos à “dialética negativa”, onde se parte do pressuposto que, da destruição da sociedade, cultura Ocidental é que se pode vir a construir o mundo melhor possível.
A multiplicação das razões de toda ordem, seja as de caráter científico-técnico até as de cunho ideológico-político têm sido acompanhadas por uma atitude generalizada de ceticismo (dialética do negativo) que vem atingindo as razões últimas do ser e da vida – Estas razões iniciaram a civilização do logos e começaram a estabelecer o centro do nosso universo simbólico, como também, a delinear as possíveis direções de nosso caminhar histórico.
Tais tendências nos impelem a um retorno às nossas origens, uma vez que se corre o sério risco de atrofiamento da inteligência e, por conseguinte, a perda da consciência que pode devorar por completo a sanidade do universo simbólico e com ele esvai-se a capacidade de compreensão do real. 
 Não por acaso, viveu-se o ápice das ideologias (comunista, nazista, fascista, progressista) em século passado, onde mentes desconectadas do real criaram geometricamente: sociedade, homem e tentaram impor a “ferro e fogo” o utópico “mundo melhor possível”. Todavia, no encontro com a realidade o que se pode observar foi a maior carnificina jamais pensada por qualquer dos piores tiranos de épocas remotas da história da civilização. 
Somente o regime comunista, de acordo com pesquisas feitas pelo cientista social e historiador R. J. Rummel da Universidade do Havaí e O livro negro do comunismo ceifou mais de 140 milhões de vidas em um século – e ainda continua seduzindo mentes e corações juvenis, assim como, governos e movimentos que procuram em sua essência destruir o ethos ocidental – utilizando-se de aparatos tecnológicos modernos, dos serviços conscientes de homens de ciência, das letras, imprensa, etc.. 
Enfim, os meios empregados para tais atos bárbaros em nenhum momento se refrearam diante do “ethos tradicional”, da consciência ética, mas ao contrário, vicejavam a constituição de um novo e super-homem, uma nova sociedade destituída dos valores burgueses e judaico-cristãos, um mundo sem Deus e todos os mitos e ignorâncias que até então vigorara. 
Reveladora desta mentalidade “progressista” e revolucionária é uma das diretivas encaminhada a seus comandados, feita por Latzis, um dos primeiros chefes da Tcheka (a polícia política soviética):
“Nós não fazemos uma guerra específica contra pessoas. Nós exterminamos a burguesia enquanto classe. Não procurem, na investigação, documentos e provas do que o acusado fez, em atos ou palavras, contra a autoridade soviética. A primeira questão que vocês devem colocar-lhe é a que classe ele pertence, qual é a sua origem, sua educação, sua instrução, sua profissão.” (LATZIS, citado por COURTOIS em o Livro negro do comunismo. p. 20-21, 1999.)
Daí se poder perceber que para esta empreitada dentro da “práxis revolucionária” todos os meios se faziam justos e necessários:
“Os comunistas recusam-se a ocultar suas opiniões e suas intenções. Declaram abertamente que seus objetivos só podem ser alcançados com a derrubada violenta de toda a ordem social até aqui existente...” (MARX, Manifesto do partido comunista. p. 99, 1993.)
“Nós não entraremos no reinado do socialismo com luvas brancas e sobre um chão polido” (TROTSKY citado por JONHSON, p. 53, 1994)
“O atributo do governo popular na revolução é ao mesmo tempo virtude e terror, virtude sem a qual o terror é fatal, terror sem o qual a virtude é impotente. O terror nada mais é do que justiça imediata, severa, inflexível; esta é, assim, uma emanação da virtude” (LÊNIN citado por JONHSON, p. 52, 1994)
“Em princípio nós nunca renunciamos ao terror e não podemos a ele renunciar” [...] “Perguntaremos ao homem: que posição você toma na revolução? Você é a favor ou é contra? Se ele é contra, nós o colocaremos no paredão” (LÊNIN citado por JONHSON p. 53, 1994)
“nós temos que destruir os Kulaks, eliminá-los enquanto classe. Nós temos que quebrar a resistência dessa classe em batalha aberta” (STALIN, citado por JONHSON, p. 227, 1994)
“O objetivo de qualquer propaganda séria é o de exercer uma intromissão na liberdade de querer do homem” (HITLER citado por JONHSON p.107, 1994)
“Cada comunista precisa entender: o poder político nasce do cano de um revolver!” (Mao Dez Dong).
Tais pensamentos e ações denotam uma singularidade da práxis revolucionária e delineiam de forma bastante clara um novo modelo de homem, política, moral, enfim, a construção de um ethos que viceja tornar-se o paradigma de constituição da nova sociedade e que encontra o seu fundamento “epistêmico” em teorias pseudo-filosóficas e pseudo-científicas. Estes são apenas ínfimos pensamentos dentre um quadro mais amplo (pensadores e pensamentos) onde se enquadra a chamada perspectiva revolucionária. 
É mais que latente no que acima fora citado que, a mentalidade revolucionária, como nos fala o filósofo brasileiro Olavo de Carvalho (2007), se crê habilitada a remodelar a estrutura do homem e da sociedade por meio da ação política e como “sabedora” do destino da humanidade não hesitará em um só milímetro da sua “vontade de potência de transformação”. 
Para isso é claro, os velhos conceitos, valores, modelos devem ser alterados e vidas “inevitavelmente extirpadas”, na medida em que inviabilizam um projeto de desenvolvimento da humanidade e, numa política de cálculo geométrico, onde fins justificam meios pior será para certos valores, símbolos e vidas humanas. Já que os mesmos não são encarados como tais, mas sim, como preconceitos, alienação, subespécies, empecilhos à marcha da história e inexorável por vir da autêntica raça, classe e progresso da espécie humana. 
Diante de tal fenômeno não é difícil perceber que entram em conflito: realidade e visão ideológica de mundo, onde para surpresa de qualquer mentalidade normal: realidade torna-se um fenômeno a ser modificado, construído segundo os moldes de uma racionalidade puramente lógico-formal. [3: Que é tal como deve ser. Um sinônimo atenuado de bom e justo. Assim sendo, significa em instâncias pragmáticas, que: uma ordem normal de coisas subordinaria o supérfluo ao necessário. ]
Para o filósofo brasileiro, Mário Ferreira dos Santos (1964), e pensadores como Vaz (1993, 2002), Oliveira (1993) dentro do atual momento em que vivemos pode-se dizer que vigora na cultura do Ocidente um clima intelectual em que, os problemas de forma adquirem uma primazia bastante ampla com relação aos problemas de conteúdo. O que quer dizer que um dos aspectos que preponderam e marcam o mundo hodierno é o da desrealização, ou seja, a perda progressiva da referência ao mundo real. 
Isso implica diretamente em conseqüências aos paradigmas éticos transmitidos pela tradição já que por um lado, a desrealização se mostra em nossa cultura com um fenômeno bastante marcante, que é a instrumentalização. Então, o predomínio da Metaética pode vir a significar uma instrumentalização da lógica e da linguagem éticas, que se indiferentes à realidade (conteúdo objetivo) passam automaticamente a servir à expressão de um universal relativismo dos valores (necessidades e fins subjetivos, interesses ideológicos). 
Por outro lado, exprime-se ainda na renúncia à tradição da busca de uma conceituação filosófica na explicação da conduta ética, o que nada mais é que derivar a Ética para a área das ciências humanas e assim querer explicar o fenômeno ético apenas em termos de padrões culturais ou de categorias psicológicas e sociológicas.
Para a língua filosófica grega, ethike procede do substantivo ethos, o qual receberá por sua vez duas grafias distintas que designam perspectivas diferentes da mesmarealidade. Assim, ethos (quando escrito com eta inicial) quer designar o conjunto de costumes normativos da vida de um determinado grupo social; já ethos (quando escrito com épsilon) procura referir-se à constância do comportamento.
A Ética enquanto ciência real tem como objeto de investigação o ethos, que se apresenta como um fenômeno histórico e cultural dotado de evidência imediata – daí para Aristóteles ser insensato e até ridículo querer demonstrar a existência do ethos, assim como é ridículo querer demonstrar a existência da physis. Porque physis e ethos são duas formas primeiras de manifestação do Ser e o ethos não é senão a transcrição da physis na peculiaridade da práxis e das estruturas histórico-sociais que dela advém. [4: Ética a Nicômaco VII, 9, 1152 a 31]
Esta evidência se impõe à experiência do indivíduo assim que este alcance a idade da razão. A experiência do ethos revela uma estrutura dual característica e constitutiva, a qual é a de ser uma realidade sócio-histórica, mas que só existe concretamente, na práxis dos indivíduos. 
Destarte é na observância dessa práxis que se faz possível acessar a realidade própria de um determinado ethos histórico. Sabe-se que originalmente ethos significa morada do animal, no entanto, humana e moralmente falando (cultura) o ethos enquanto transposição metafórica passa de morada do animal para casa/oikos do ser humano. 
Há aqui um salto imensurável que translada o mundo da matéria, da física para o mundo simbólico que acolhe o ser humano não mais “puramente” de forma material. Enquanto morada física que proporciona abrigo e segurança, mas sim a casa simbólica, a qual, o acolhe espiritualmente e lhe dá uma nova dimensão para a constituição de sua casa material, pois, agora, repleta de significados (relações afetivas, éticas, estéticas...) que ultrapassam as finalidades meramente utilitárias integrando-as no mundo humano da cultura.
Como nos evidencia os escritos helênicos desde Homero, Hesíodo passando pelas tragédias, Sócrates, Platão até Aristóteles, no que diz respeito à realização do ser humano, ou melhor, sua plena auto-realização. Antes de habitar no oikos da natureza, deve o ente humano morar no seu oikos espiritual (mundo da cultura), o qual é por assim dizer, constitutivamente ético. 
O mundo enquanto espaço habitável que se constitui de comunidades e sociedades humanas tem no ethos sua condição fundante. Da mesma forma que a casa material precisa ser construída sobre bases sólidas para ter permanência e durabilidade, assim o ethos dos mais diversos grupos humanos revela uma extraordinária capacidade de resistir à usura do tempo e às mudanças advindas das tradições estranhas.
Como ser humano algum é dotado da capacidade de reconstruir a sua morada espiritual a cada dia, o ethos enquanto constituição se revela como tradicional, pois, trata-se de um legado que é transmitido de gerações a gerações – o fenômeno do niilismo contemporâneo com sua conseqüente destruição das tradições éticas na sociedade é uma contraprova da tradicionalidade intrínseca do ethos. 
No entanto, não se deve pensar que por ser tradicional o ethos não esteja aberto a mudanças. Pensar assim é negar a dimensão histórica do ethos e do ente homem; é não perceber que o ethos revela um surpreendente dinamismo de crescimento, adaptação e recriação de valores. 
Ao longo dos tempos o ethos tem demonstrado não só uma enorme capacidade de adaptação a novas situações como também assimilação de novos valores. Esta é a historicidade própria do ethos, a qual se exprime como necessidade constituída e que Aristóteles comparou à necessidade dada da Natureza. 
Esta dialética permanência e historicidade que é intrínseca ao ethos e que aparece como forma constitutiva do fenômeno ético, é responsável pela maneira como o ethos se apresenta socialmente, enquanto costume. Ou seja, é a forma com que a vida humana é vivida dentro de certa tradição ética. 
Desta maneira pode-se ver a evolução do ethos na codificação do costume a partir da constituição de leis assim como, de instituições – como exemplo pode-se citar a passagem do ethos grego arcaico para o ethos clássico: honrar os deuses, honrar pai e mãe, respeitar os estrangeiros, educar os jovens a partir da concepção ideal de arete, tendo como elemento intrínseco a noção de beleza no sentido normativo da imagem desejada do Ideal, onde tal passagem já anuncia a futura criação da Ética. [5: Conforme exposto por Jaeger: “Os gregos entendiam por Arete, sobretudo força, uma capacidade. Às vezes definem-na diretamente. Vigor e saúde são a Arete do corpo; sagacidade e penetração, a Arete do espírito. É difícil conciliar estas concepções com a explicação subjetiva agora usual, que faz derivar a palavra de “agradar” [...] É verdade que arete tem com freqüência o sentido de aceitação social, significando então “respeito”, “prestígio”. Mas isto é secundário e deve-se à grande influência social de todas as valorações do homem nos primeiros tempos. Originariamente a palavra designava um valor objetivo naquele qualificava, uma força que lhe era própria, que constituía a sua perfeição.]
O ethos introjetado no indivíduo enquanto hábito/costume torna-se para o mesmo um bem cultural e enquanto tal confere significado humano a todos os outros bens da cultura. É importante destacar aqui que o hábito é uma propriedade fundamental da práxis humana e que, a sua formação provém de repetitivas ações dotadas de qualidade que acabam se transformando em sua segunda natureza.
Sendo o hábito uma aquisição do indivíduo enquanto sujeito agente que a utiliza de forma deliberada e consciente (virtude), esta ação é por assim dizer, completamente oposta ao comportamento instintivo ou puramente repetitivo, que é próprio do animal (natureza). 
Assim, dentro das sociedades tradicionais, a prática de ações virtuosas enquanto ações exemplares, torna-se uma das maneiras mais eficazes de transmissão do ethos (modelos). Desta forma pode-se perceber que, do mesmo modo que o ethos enquanto costume tem a sua existência (histórica) garantida pela tradição, o ethos enquanto hábito é introjetado no indivíduo de forma eficaz e permanente pela educação. 
Para as culturas Judaica, Grega e Cristã – culturas basilares na constituição do Ocidente – é fato notório que, na tradição se inscreve a historicidade do costume, na educação a historicidade do hábito. Destarte, entre os dois pólos do ethos e da práxis ética traçam-se as fronteiras do campo ético.
1.2 O “CONHECE-TE A TI MESMO” ENQUANTO FUNDAMENTO DO SABER ETICO.
“Uma vida sem exame não vale a pena ser vivida” Sócrates
Com Sócrates a reflexão ou o voltar-se para o sujeito adquire uma nuance de conhecimento direcionado para o recesso interior, singular e intransferível do agente ético. O que implica em dizer que este sujeito (portador do hábito e também agente) agora está inserido numa forma de relação de responsabilidade para com a realização do ethos.
Nessa relação especificada pela responsabilidade, se faz necessário então o agir sob a “justa medida”, o “justo meio” a fim de não incorrer nos excessos tão naturais quando se age por força dos impulsos ou por ignorância. Talvez não seja um equívoco dizer que é justamente aí que se tem origem a noção de consciência moral.
Entretanto, diante dessa consciência moral vem a pergunta: o que convém? O que devo fazer? Pergunta esta que em Sócrates passa por uma compreensão primeira da essência do ser Homem, uma vez que todas as coisas que existem tendem a um fim, uma finalidade e no ser do ente homem isto se faz mais complexo, pois, o mesmo não está dado, feito é um ente por se fazer. Para tal, tem o mesmo o privilégio de possuir o logos e através deste, o dever constitutivo de des-velar a realidade, compreender os seus aspectos e por meio da luz da razão guiar a sua vida tanto em esfera particular como pública.[6: Cf. os diálogos platônicos em especial, a obra: República.]
Para Sócrates o homem é a sua alma, na medida em que é a sua alma que o distingue especificamentede qualquer outra coisa. A este respeito nos fala Giovanni Reale em sua História da Filosofia - Vol. I (1990, p. 88), acerca de um dos raciocínios fundamentais feitos por Sócrates para dizer o que é o homem, [7: Para Sócrates a alma é a nossa razão e a sede de nossa atividade pensante e eticamente operante.]
Uma coisa é o “instrumento“ que se usa e outra é o “sujeito” que usa o instrumento. Ora, o homem usa o seu próprio corpo como um instrumento, o que significa que o sujeito, que é o homem, e o instrumento, que é o corpo, são coisas distintas. Assim, à pergunta “o que é o homem?”, não se pode responder que é o seu corpo, mas sim que é “aquilo que se serve do corpo”. Mas “o que se serve do corpo é a psyché, a alma (= inteligência)”, de modo que a conclusão é inevitável: ”A alma nos ordena conhecer aquele que nos adverte: conhece-te a ti mesmo.” 
O modo de atuar de Sócrates era bastante peculiar e por si só revelador. Isto se faz evidenciar na seguinte passagem da obra platônica, Apologia de Sócrates (PLATÃO, 1979, p. 26-27): 
Enquanto viver, não deixarei jamais de filosofar, de vos exortar a vós e de instruir quem quer que eu encontre, dizendo-lhe à minha maneira habitual: querido amigo, és um ateniense, um cidadão da maior e mais famosa cidade do mundo, pela sua sabedoria e pelo seu poder; e não te envergonhas de velar pela tua fortuna e pelo seu aumento constante, pelo teu prestígio e pela tua honra, sem em contrapartida te preocupares em nada com conheceres o bem e a verdade e com tornares a tua alma o melhor possível? E, se algum de vós duvidar disto e asseverar que com tal se preocupa, não o deixarei em paz nem seguirei tranquilamente o meu caminho, mas interrogá-lo-ei, examiná-lo-ei e refutá-lo-ei; e se me parecer que não tem qualquer Arete, mas que apenas a aparenta, invectivá-lo-ei, dizendo-lhe que sente o menor respeito pelo que há de mais respeitável e o respeito mais profundo pelo que menos respeito merece. E farei isto com os jovens e com os anciãos, com todos os que encontrar, com os de fora e com os de dentro; mas sobretudo com os homens desta cidade, pois são por origem os mais próximos de mim. Pois ficai sabendo que deus assim mo ordenou, e julgo que até agora não houve na nossa cidade nenhum bem maior para vós do que este serviço que presto a Deus. É que todos os meus passos se reduzem a andar por aí, persuadindo novos e velhos a não se preocuparem nem tanto nem em primeiro lugar com o seu corpo e com a sua fortuna, mas com a perfeição da sua alma. 
Aqui se está diante de um momento singular e original da forma como Sócrates filosofa, como o mesmo entende o papel da filosofia e do filósofo, como o mesmo analisa dialeticamente o homem, sua existência e a constituição do seu ser, ou, vir a ser do humano no ente homem (essência). 
De pronto o que se evidencia é que não estamos diante de um teórico, de um acadêmico, nem tampouco de um homem de retórica, mas de um homem maduro (spoudaios) que tem a plena consciência do que seja o conhecimento na vida dos indivíduos, da sociedade e, do seu papel frente aos concidadãos e demais homens. Assim como, perante a pólis e acima de tudo ao deus que o exortou para tal atividade. 
Torna-se perceptível que o homem não é visto apenas como entidade material, física, como um ser histórico e culturalmente datado, por isso mesmo, há a repreensão/exortação com relação à preocupação indevida com os bens materiais deixando de lado e até esquecendo-se de preocupação mais nobre e necessária, a qual é a sua alma. 
Como um médico da civilização, o filósofo exorta os seus concidadãos à necessidade de cuidar da alma, daquilo que ele entende como mais precioso no humano e que não é o seu corpo, mas sim o seu interior. [8: Segundo Jaeger, a expressão “cuidar da alma” tem para nós um sentido especificamente cristão, porque se converteu em parte integrante desta religião. Isto se explica pelo fato de a concepção cristã coincidir com a socrática na idéia da Paidéia como o verdadeiro serviço de Deus e do cuidado da alma como verdadeira Paidéia.]
Segundo Jaeger (1995), Sócrates define de forma mais concreta o cuidar da alma como um cuidado através do conhecimento do valor e da verdade (phronesis e aletheia). O mundo interior, a arete de que nos fala Sócrates é um valor espiritual. Destarte, servir a alma é servir a deus, porque ela é espírito pensante e razão moral, e estes são os bens supremos do mundo.
Destarte, torna-se importante saber que,
Em Sócrates, aquelas expressões de aparência religiosa brotam da analogia entre a sua atuação e a do médico. É isto que dá ao seu conceito de alma o cunho especificamente grego. Dois fatores confluem na representação socrática do mundo interior como parte da “natureza” do Homem: o hábito multissecular do pensamento e os dotes mais íntimos do espírito helênico. [...] A alma de que Sócrates fala só pode ser compreendida com o acerto se é concebida em conjunto com o corpo, mas ambos como dois aspectos distintos da natureza humana. (JAEGER, p. 534, 1995)
 
O pensamento Socrático não separa, nem tampouco opõe o psíquico ao físico, pois, ambos, corpo e alma fazem parte do cosmo. Elucidativa, portanto, é a frase mens sana in corpore sano (mente sã em corpo são) para designar de forma correta o sentido do que fora acima exposto, uma vez que o próprio Sócrates não descuidava do corpo e ensinava aos amigos a manterem o corpo são por meio do endurecimento e alimentação apropriada.
Se faz mister informar que para a cultura helênica a arete deve ser analisada através de uma analogia entre o corpo e a alma. Isto se evidencia por meio dos escritos, quando se observa que quase sempre as virtudes (aretai) da pólis grega estão associadas à bravura, ponderação, força interior, justiça, etc. (virtudes da alma). 
Os gregos falavam de virtude dos vários instrumentos, por exemplo: a “virtude” da faca, a qual seria cortar, a da cítara, que seria tocar, a do cão que seria ser um bom guardião, etc. Assim a virtude do homem deve ser pensada a partir daquilo que venha a fazer a sua alma ser de acordo com o que a sua natureza determina. Ou seja, boa e perfeita. Daí Sócrates dizer que é a ciência (conhecimento) este elemento e o seu contrário, o vício (ignorância) seria a privação de ciência.
Deste modo é que vê Sócrates operar uma reviravolta no quadro dos valores até então em voga na cultura helênica. Uma vez que os “valores” se tornam valores (virtudes) na medida em que são usados como o conhecimento exige (em função da alma e da virtude). 
Daí então se poder falar que: status, riqueza, poder, beleza entre outros, não são valores em si, pois, valores ligados a coisas externas e, se utilizados de forma ignorante podem levar o indivíduo ou a sociedade a grandes males. 
Ao passo que os valores da alma governados pelo juízo e pela ciência, podem trazer benefícios para a vida humana. Conclui-se assim que para Sócrates, em si mesmos, nem uns nem outros (dos valores citados) têm valor.
E conforme nos diz Werner Jaeger em sua Paidéia (1995, p. 535):
A virtude física e a virtude espiritual não são, pela sua essência cósmica, mais do que a “simetria das partes” em cuja cooperação corpo e alma assentam. É a partir daqui que o conceito socrático do “bom”, o mais intraduzível e o mais exposto a equívocos de todos os seus conceitos, se diferencia do conceito análogo na ética moderna. Será mais inteligível para nós o seu sentido grego se em vez de dizermos “o bom” dissermos “o bem”, acepção que engloba simultaneamente a sua relação com quem o possui e com aquele para quem é bom. Para Sócrates, “o bom” é, sem dúvida, também aquilo que se faz ou quer fazer por causa de si próprio, mas ao mesmo tempo Sócrates reconhece nele o verdadeiramente útil, o salutar, e também, portanto, o que dá prazer e felicidade, uma vez que é ele que leva a natureza do Homem à realização do seu ser. 
Desta passagem se faz salutar extrair o elemento ético como caracterizador da natureza humana. Ou seja, ser dotado de razão é implicitamente ser convocadoa contemplar o seu ser como uma simetria entre corpo e alma, uma ordem, um cosmion (um todo ordenado). Esta existência dotada de razão e assumida responsivamente enquanto tal é que torna possível o ethos. 
Para Sócrates, a formação da alma neste ethos é precisamente o caminho natural do homem, o caminho possibilitador da sua eudaimonia. Segundo o pensamento do filósofo grego, para o homem encontrar a harmonia com o seu ser, é necessário que o mesmo siga a lei por ele des-velada através do exame da sua alma. Pois, a verdade uma vez des-coberta não pode voltar a ser velada ou pelo menos, não deveria. 
Tem-se aqui um princípio que se mostra de importância fundamental para a constituição da vida humana: verdade des-coberta é verdade que deve ser seguida. E no que tange ao ethos tem uma implicação de instância moral, visto que, não se pode brincar com experimentos, excentricidades, etc. quando a matéria “em jogo”, a ser “utilizada” é a vida humana. Infelizmente, tal princípio é encoberto e destituído de valor para o ethos contemporâneo (revolucionário).
Em Sócrates, nos diz Jaeger, a experiência enquanto fonte dos valores humanos mais supremos deu existência àquele jeito de interioridade, característico dos últimos tempos da Antiguidade. E presenciamos assim o fenômeno, o qual é o de, a virtude e a felicidade deslocarem-se para a interioridade do homem. 
Através deste apelo do filósofo para o cuidado da alma, têm-se uma nova guinada com relação à forma do homem compreender e viver a vida. Porque a partir de agora a vida não é meramente um existir temporal, uma presa dos destinos, uma lástima dos sobreviventes e capricho dos deuses! 
Isso se torna evidente na vida e morte do próprio Sócrates, enquanto ente que paga cônscia e deliberadamente o preço por buscar viver uma existência que almeja a autenticidade e singularidade. Mesmo que o seu entorno não tenha esta compreensão; que a coletividade não tenha ainda alcançado este patamar de consciência. Pois diferente do que propagam os socialista, a realidade não é apreendida pela coletividade, mas sim, por individualidades concretas que compõem a vida social.
Não é por menos que em Apologia de Sócrates (1979), o filósofo declara que “uma vida sem exame não vale a pena ser vivida”. Está aqui mais uma singularidade apontada pela sua filosofia, a qual é a do pensar-agir. Ou seja, em Sócrates a vida é sempre existência em meio aos fenômenos, aos conflitos, à escolha diante dos opostos.
Enfim, entre se ganhar ou se perder no meio de um emaranhado de símbolos e modelos sedutores, os quais podem levar os homens de um lado para o outro ao sabor dos modismos culturais de cada época e que são marca registrada e elemento denotador destes tempos hodiernos. 
A existência enquanto busca de vida singular e autêntica exige de cada ente humano uma escolha que inevitavelmente deve passar pelo conhecimento, portanto, uma escolha deliberada por se apropriar literalmente do ser do ente homem. O que implica uma vivência ética. Desta maneira, a vida humana é por essência uma vida ética.
Não obstante ser o ente homem dotado de razão, esta não lhe é tão natural como os frutos numa arvore, ou como a defesa de uma galinha aos seus filhotes, frente ao perigo iminente do ataque de uma águia. No homem, este logos precisa ser trabalhado, desenvolvido. 
Então, mais uma vez se é levado a encontrar com esta figura paradigmática chamada Sócrates, pois o foco central agora paira sobre a Paidéia e o filósofo se vê dialeticamente em meio a discussões travadas com os sofistas, não por menos, o ético retorna enquanto elemento preponderante, uma vez que os Sofistas, por meio de seus ensinamentos o deslocam. Já que os mesmos acirram a dúvida quanto à possibilidade da educação triunfar.
Inevitavelmente se há de deparar com os seguintes questionamentos: por que se deve estudar? Até onde se deve estudar? Para que serve o estudo? Qual o objetivo da vida humana? Com estas perguntas, não se busca denotar aqui um aspecto contingencial de uma época, aquela vivida pelo indivíduo/cidadão Sócrates, mas sim, fazer vir à nossa reflexão a singularidade constitutiva do fenômeno da educação na formação do ser deste ente contemplador chamado homem. Assunto este bastante atual e ainda problemático dentro de nossa cultura.
Todavia, educação aqui não deve ser pensada como mera instrumentalização para alcance do poder político, ou como é corrente em nossa cultura, a formação de especialistas para o mercado de trabalho – criando assim uma nova classe que muitas vezes se torna subutilizada e obsoleta, não ocupando os cargos para que fora “treinada”, pois o mercado não necessita da quantidade de mão de obra oferecida. Sem falar é claro, da qualidade questionada de boa parte desta mão-de-obra, fruto de interesses escusos, mesquinhos e, muitas vezes hipócritas (econômicos, políticos, ideológicos).
Nem tampouco, se identifica com as atividades que exigem menos da capacidade intelectiva, e, diga-se de passagem, é justamente do seio desta nova classe de “intelectuais” que se tem gestado muitos dos pensamentos niilistas, revolucionários, progressistas, etc.. São de extrema importância a este respeito, obras como: A traição dos intelectuais, de Julien Benda; A vida intelectual: seu espírito, suas condições, seus métodos, de Antonin-Dalmace Sertillanges, A rebelião das massas, Ortega y Gasset.
Em Sócrates, é claro que o ideal político tão evidenciado nos sofistas, também está presente, não obstante, é com ele que a educação terá um sentido mais profundo, na medida em que procura reestruturar a conexão da cultura espiritual com a cultura moral (Paidéia). 
É desta forma que Sócrates inaugura um novo modo de pensar e agir do ser humano ao buscar na personalidade, no caráter moral a essência fundante tanto da existência humana como da vida em sociedade. A este respeito nos diz Jaeger (1995, p. 546-547):
[...] toda educação deve ser política. Tem necessariamente de educar para uma de duas coisas: para governar ou para ser governado. [...] O homem que é educado para governar tem de aprender a antepor o cumprimento dos deveres mais prementes à satisfação das necessidades físicas. Tem de se sobrepor à fome e à sede. Tem de se acostumar a dormir pouco, a deitar-se tarde e a levantar cedo. Nenhum trabalho deve assustar, por árduo que seja. Não se deve deixar extrair pelo engodo dos prazeres dos sentidos. Tem de se endurecer para o frio e para o calor. Não deve preocupar-se, se tiver de acampar a céu aberto. Quem não é capaz de tudo isto fica condenado a figurar entre as massas governadas. 
Dentro do ideal de educação socrático, rico em símbolos e dado a muitas interpretações, o que nos interessa especificamente é extrair um conceito de enorme importância para a cultura ética Ocidental, o qual é o de autodomínio (enkratéia). Fazendo-se assim perceber que a conduta moral deve brotar do mais íntimo de cada indivíduo, ou seja, o autodomínio enquanto virtude basilar para a formação ética do indivíduo representa a emancipação racional para com as seduções e os desregramentos da sua natureza animal.
O autodomínio representa na vida de Sócrates a virtude humana de dominar a tirania dos instintos pelo poder do espírito. E aqui se deve notar que o Filósofo toca em um problema central, porque, uma vez que o homem se torna vulnerável aos seus desejos e presa dos seus instintos, não se pode falar em um indivíduo livre nem tampouco em um cidadão ético (ações eticamente livres). O que denotará, por conseguinte, no plano das suas ações em atitudes moralmente imaturas. 
 Portanto, educar para Sócrates é muito mais que simplesmente domesticar, forjar habilidades e competências, “formar para a cidadania”, seguir alienadamente a cultura do entorno sem ter uma real dimensão do que seja o ente homem. 
Visto que, o homem nunca deverá ser tomado como meio, mesmo se compreendermos que a sua formação está intimamente ligada com o ethos preponderante; que a formação do homem enquanto cidadão é sempre voltada para o exercício de servir a pólis,do engrandecimento da cidade, de suas leis e de seus cidadãos. 
No entanto, este cidadão é antes e inalienavelmente um sujeito ético e como tal, não deve se conduzir com relação às leis, normas, tradição enquanto um indivíduo submisso. Mas sim, de acordo com uma conduta moral que brota do seu interior, que denota a maturidade (autodomínio) de um sujeito ético, a qual se expressa como uma ação consciente e deliberada, portanto, livre. 
A essência da verdadeira Educação humana deve estar num conjunto de saberes (virtudes) que ao longo da existência viabilize ao ser humano as condições necessárias para alcançar o fim autêntico de sua vida. – Segundo Jaeger (1995), em Sócrates é identificada com a aspiração ao conhecimento do bem, com a phronesis. – Em outras palavras, a Paidéia deve converter-se na aspiração a uma ordenança filosófica consciente da vida, a qual se propõe cumprir o destino espiritual e moral do homem. 
A continuação desta Paidéia, ou melhor, a sua explicitação por meio de símbolos clarificantes estará mais bem denotada nos diálogos de Platão e mais especificamente a sua alegoria da caverna.
1.3 A ETICIDADE COMO DIMENSÃO ONTOLÓGICA DO SER DO ENTE HOMEM.
“O homem pode converter-se no mais divino dos animais, sempre que se o eduque corretamente; converte-se na criatura mais selvagem de todas as criaturas que habitam a terra, em caso de ser mal-educado.” Platão
Em Platão, aquele que representa memorável e magistralmente os ensinamentos de Sócrates ver-se-á o prolongamento do ensino e estudo ético-socrático. Isto, sobretudo, pode ser observado nos primeiros Diálogos de Platão (Diálogos Socráticos), onde duas características importantes nos são apresentadas: uma de ordem metodológica aonde Sócrates por meio da inquisição (zetesis) vai avançando entre perguntas e respostas, tendo por objetivo chegar a uma definição. No entanto, sempre atento às aporias, conflitos e armadilhas do discurso que toda discussão faz surgir.
A outra de ordem temática, que revela a originalidade do ensinamento de Sócrates, onde se verá o Filósofo transitar por entre os temas do homem interior (psychê), da verdadeira sabedoria (sophrosyne) e a virtude (arete). Tais temas representam uma mudança e uma revolução no campo do saber filosófico e do conhecimento acerca do ser do homem, em um primeiro momento, na cultura grega e posteriormente, em toda a cultura da Civilização Ocidental.
Com Sócrates então será dada a mudança de paradigma quanto ao objeto de conhecimento: da natureza (physis) para o homem (antropos) e o necessário aprofundamento no estudo de tal objeto, onde por meio das interpelações aos cidadãos atenienses se pode perceber um itinerário que visa mostrar aos mesmos o verdadeiro valor do ser deste ente homem.
Segundo Sócrates este valor reside no único bem inatingível pela instabilidade e inconstância da fortuna, incerteza do futuro, precariedade do sucesso e todas as vicissitudes da existência, o qual é o bem da alma. Isto nos é revelado em diálogos como: Apologia de Sócrates, Críton, Primeiro Alcebíades, etc. 
O início do pensamento filosófico de Platão está marcado pela morte de seu mestre, por tal motivo, estas reflexões têm um forte teor ético-político. Com Platão tem-se o desdobrar do ensinamento ético de Sócrates. Em primeiro ponto há a retransmissão dos ensinamentos do sábio ateniense e, só por isso já é possível dizer que nós nos encontramos frente à sua filosofia como grandes devedores. No entanto, há ainda o gênio de Platão que eleva a herança dos ensinamentos socráticos a uma altitude especulativa não imaginada pelo seu mestre. 
É sabido que Platão não escreveu nenhum Diálogo específico sobre a temática ética, assim como, esta só ganhou contornos de disciplina “sistematizada” com Aristóteles. Todavia, não se pode deixar de observar que os temas éticos são uma constante nos Diálogos (socráticos e da maturidade) escritos por Platão.
Até porque Sócrates (a questão socrática) é sempre retomado em sua filosofia. Isto se faz evidente no prólogo à sua obra magna A República, onde Sócrates em diálogo com Trasímaco explicita que a vida autêntica do homem (como deve o homem viver) perpassa pela investigação do logos. 
A idéia central do pensamento ético platônico é a de ordem (taxis). Para Platão é ela que permite a unificação, da Ética, da Política e da Cosmologia, assegurando a mediania da arete entre o indivíduo e a pólis e guiando, desta forma, o Demiurgo na construção de um Kosmos harmonioso. Tudo isso é claro, sob o domínio da Teoria das Idéias, a qual faz interagir a significância de natureza ética com a de matiz metafísica. 
Com a idéia de ordem enquanto proporção Platão procura exprimir uma analogia, que é capaz de unir elementos e seres diversos, como, entre a alma humana e a pólis, entre a alma e o mundo. Deste modo ver-se-á surgir com Platão o primeiro grande modelo ético da história. A questão do ethos e da práxis transposta ao plano do logos (filosófico), apresenta-se como solidária a uma concepção da realidade total, solidariedade esta que poderíamos denominar como sendo entre o Bem e o Ser.
Todas as categorias éticas: do saber ético grego (sabedoria, virtude, lei, justiça) e socráticas (alma, virtude-ciência) serão retrabalhadas na filosofia platônica dentro da perspectiva metafísica da ordem. 
O que se intenciona fazer a seguir é tomar a Alegoria da caverna como um momento significativo deste pensamento ético-metafísico, onde se pode observar o pressuposto socrático da unidade entre arete e logos, assim como, a questão da conciliação entre liberdade e necessidade.
Talvez não seja um absurdo enunciar que a alegoria ou mito da caverna, a qual se encontra no centro (livro VII) da obra magna A República, de Platão, seja uma das mais famosas passagens da literatura filosófica; assim como, uma das mais lidas, citadas e discutidas. 
Esta é uma das muitas alegorias utilizadas por Platão para expor acerca da condição humana, diga-se de passagem, com uma amplitude e riqueza interpretativa extraordinária. 
Esta alegoria será exposta aqui de forma esquemática e sintética, para isso, a mesma será dividida em quatro momentos, os quais são:
 
1º - A caverna 
É sabido que esta alegoria conta acerca de um homem, que estava preso numa caverna com outros iguais. Eles estavam acorrentados desde a infância (corpo e cabeça imobilizados) e tudo que viam, ouviam e “sabiam” lhes era mostrado por meio das sombras dos objetos projetadas na parede e iluminadas pela fogueira e dos ecos das vozes que advinham de fora da caverna... 
Por mais estranhos que esses homens possam nos parecer é de nós, do nosso mundo e da nossa condição de seres humanos que a alegoria está a tratar. Um mundo artificial, aparente, verossímil feito de realidades efêmeras que desconhecemos, mas que, no entanto nos são caras, pois vive-mo-la de forma aprazível desde a mais tenra idade (a nossa ilusão é total) como se esta fosse a nossa mais pura realidade. 
E habituados estamos de receber tudo do exterior a ponto de vivermos dos simulacros das imagens e dos discursos a mercê das opiniões reinantes. Porque não temos condições de fazer os devidos julgamentos e assim nos contentamos com os boatos, com o ouvir dizer, com os pré-conceitos e todos os lugares comuns que preponderam numa sociedade que fabrica pessoas, funcionários, artistas, políticos, heróis, belezas, etc.; que produzem realidades como se produzem objetos nas linhas de produção das modernas e eficientes indústrias. 
Então, presas do condicionamento, da intoxicação mental, das ideologias, estes homens se encontram duplamente acorrentados: em um primeiro plano, pois são vítimas! Em segundo, por que ignoram a condição de vítimas a qual estão condicionadas as suas existências. Sendo assim, se encontram em situação pior do que os incapacitados de visão uma vez que têm olhos, mas, não enxergam.
2º - A conversão
E “Se alguém soltasse um desses prisioneiros”? A continuação da alegoria irá transcorrer sobre a égide deste novo momento, etapa e mistério na vidado ser humano! Não obstante há de se perguntar: que força, que ser empreende tal ato? É um deus? Um homem? Uma força interior? Não se sabe bem ao certo, no entanto, “esse ...” seguirá de perto o homem cativo até o fim, convidando o mesmo a transcender a sua condição de prisioneiro.
Mas como é possível sair da caverna? Como negar todo um conjunto de fatos, símbolos, costumes, etc.? A saída da prisão significa uma conversão (periagogê), ou seja, uma mudança radical de rumo, uma renúncia ao mundo anteriormente tomado como real e vivenciado diuturnamente. 
Portanto, sair da caverna, converter-se significa passar por um processo árduo e doloroso de modificação e ascese! Isto implica esforço, incompreensão, ofuscamento, sofrimento, abandono, críticas, revolta, nostalgia, fraquezas, etc.; reaprender a ver, escutar, sentir; esforçar-se para aprender, elaborar os próprios pensamentos, refletir, julgar. 
Enfim, todo o processo de educação (reeducação) se faz imensamente doloroso, pois uma ruptura com um mundo anteriormente vivido e o iniciar de uma nova etapa desconhecida e imensamente amedrontadora!
3º - A ascensão (anabasis)
Ultrapassando o mundo dos objetos sensíveis – agora devidamente reconhecidos e identificados – deve o antigo prisioneiro seguir o caminho íngreme (encosta abrupta e árdua) que leva em direção ao Sol. Mas não se deve deixar enganar que esta etapa é mais fácil e prazerosa, porque iluminada!
Mesmo que o indivíduo já demonstre nesta altura da empreitada ter vontade de mudar, de conhecer verdadeiramente a realidade das coisas existentes, tudo leva a crer que o caminho ainda é duro, difícil uma vez que não basta se desvencilhar das antigas impressões, opiniões, se faz necessário neste momento ir a busca da verdade, aquela que é capaz de livrar o homem do caminho enganoso e sedutor que é o das ideologias. 
Mas para isto é necessário aprender, se faz preciso o rigor da disciplina, a preparação da alma (caráter/personalidade) a fim de que possa receber e conduzir devidamente os conhecimentos da realidade. 
É necessário então aprender as ciências, as ciências abstratas que segundo Platão têm a virtude formadora (propedêuticas) de habituar os espíritos a manejarem com as abstrações e preparam-no para a abstração suprema, a qual é a da capacitação para apreender as essências (Idéias), o mundo das verdades.
4º - O retorno 
Até onde pode levar o caminho íngreme? O que significa o topo, este lugar mais alto? Quais as implicações deste novo saber? Neste ponto a filosofia e a existência humana se equivalem na medida em que assim como o filósofo sabe que não é possuidor da sabedoria, mas que necessita dela para se guiar; assim também é o homem na sua condição de ente que não está feito, acabado, mas que precisa se fazer durante a sua existência e o mais importante, não é qualquer espécie de vida que leva o homem ao caminho de sua humanidade integral. 
E Platão de forma magistral nos mostra que aquele que era afeiçoado à opinião (o filodoxo) na caverna, se tornou um amante da sabedoria (o filósofo). Mas não nos deixemos enganar achando que o amor é uma zona de segurança e conforto, porque este é tensão, vontade e busca. 
Assim, a filosofia é a busca incessante pela verdade, nunca descanso ou repouso nela, mesmo que nos pareça merecido este descanso depois de tamanha atividade, trabalho árduo de ascensão. 
E assim é a vida humana em seu processo ininterrupto de auto-constituição seja na ordem privada ou na vida pública. E é exatamente nesta dimensão da práxis humana que o elemento ético-político se faz necessário na constituição do ser da realidade do mundo humano (equivalência e harmonia entre o Bem e o Ser).
Sendo assim, uma vez o antigo prisioneiro tendo chegado “lá no alto”; no cume de seu esforço e no mais sublime do conhecimento da realidade, não lhe é permitido se deter no momento, uma vez que o seu ser é um constante devir, um vir a ser, um dever-ser! Ele não deve se instalar na quietude dos conhecimentos adquiridos ou das verdades encontradas. 
A vida humana não é um fim em si mesmo, tanto no sentido biológico, como no sentido histórico-cultural de sua existência. Existir para o homem também implica em estar com outros, estar no mundo; se fazer com outros, se fazer no mundo. 
E acima de tudo isso, nos diz Platão ter a capacidade de dar o salto no Ser e compreender a realidade em sua totalidade e no retorno inevitável agir de acordo com os princípios eternos, pois, verdade conhecida é verdade que deve ser vivida. Eis aí toda a solidariedade entre Ser e Bem; entre a totalidade da realidade e a singularidade da realidade do ente homem dentro da totalidade do Ser!
Ao filósofo cabe agora o retorno ao mundo e aos prisioneiros da caverna. Pois, são muitos os homens que vivem rebaixados na condição da ignorância, da ilusão, da mentira e das ideologias. O seu esforço e o seu árduo trabalho de subida e des-coberta da realidade não lhe serão tomados, até porque não é possível retirar daquele que sabe o seu saber. 
Todavia, o seu conhecimento não lhe pertence como um objeto, ele é condição essencial para a constituição da humanidade no homem e, aquele que consegue alcançá-lo tem por dever repassá-lo aos demais. 
Esta é a dimensão ético-política do conhecimento, uma vez detentor do conhecimento não lhe é permitido o direito de conservar tal bem como propriedade única e exclusivamente sua. Este saber constitui um bem e uma dimensão ontológica do ser do ente homem. 
Portanto, precisa ser partilhada e difundida por entre os demais entes humanos (antigos companheiros da caverna), para que os mesmos possam ser libertos e quiçá alcancem por meio da práxis o devido nível de autarquia necessário para constituir uma autêntica comunidade dos homens livres. 
A vida humana necessita desta forma da compreensão da verdade para se constituir plenamente, no entanto, o homem não é um ser puramente animal, o qual já está de antemão dado e circunscrito na esfera de suas leis causais. Ele é o ente privilegiado para quem a existência autêntica é uma conquista e a possibilidade de se derruir é de sua total responsabilidade, uma vez que o mesmo é um ser racional dotado de inteligência, vontade, da capacidade de agir e de fazer história. 
O homem é o ser para quem o conhecimento é um valor, e mais! Como nos diz Louis Lavelle: “O ato pelo qual o eu assume o seu ser próprio é que funda o valor de si mesmo. E, concomitantemente, de todos os objetos a que se aplica, de todos os fins que se propõe” (LAVELLE, apud REALE, 2007, p. 205).
O retorno enquanto uma etapa na constituição do ser deste ente (antigo prisioneiro) é um dever, mas é também uma árdua e perigosa tarefa, pois, o mundo da caverna está constituído sob a égide da aparência e da ignorância onde prepondera de um lado cegueira, inabilidade, etc. de outro sarcasmo, ódio, desejos e ameaças de morte ao outro! 
Não devemos nos esquecer da morte de Sócrates pelos seus concidadãos, aqueles para quem o discurso pautado fora da realidade circundante (cultural/politicamente correto) deveria ser execrado e punido com a pena de morte. Sócrates representava para tais “concidadãos” um perigo e um peso, pois trazia para a consciência dos mesmos tudo aquilo que era farsa, burla, representação; execrável na constituição do homem.
Assim como o caso Sócrates, outros foram perpetrados na história tendo homens sendo perseguidos, torturados e aniquilados pela ignorância, prepotência, arrogância e presunção insolente daqueles que nada querem saber, mas desejam ardentemente o poder em suas mais variadas formas e escalas. 
E inequivocamente, por meio desta desmesura, ignorância e desvio do ser é que a humanidade do homem pode vir a ser rebaixada à mais vil das esferas, a qual é a da bestialidade não perceptível em qualquer outro ente, no entanto, vastamente vislumbrada na espécie humana, quando resolve agir pura e simplesmente por uma das esferas do seu ser [9: Conferir a razão instrumental e o desejo de potência inerente ao tecnicismo, à tecnocracia, aos regimes socialistas:nazismo e comunismo. E toda a sua vasta conseqüência nas diversas áreas da vida e cultura humana.]
Na alegoria Platão trabalha de forma sintética e densa a simbolização metafísica, gnosiológica, dialética e ética da realidade, uma vez que traduz os diversos graus em que ontologicamente se divide a realidade (objetos sensíveis: as sombras da caverna... e supra-sensíveis: o Sol a idéia do Bem); os graus do conhecimento (as sombras e estátuas representam imaginação e crenças, os objetos verdadeiros e o sol que representam a dialética em seus vários graus e a intelecção pura); e o necessário retorno à caverna, onde a luz do Sol, conhecimento supremo, supremo Bem precisa ser posto em evidência para os demais companheiros antigos da caverna a fim de que os mesmos possam sair da condição indigna e desumana, a qual é a de escravos da aparência e ignorância e assim, utilizem de forma autárquica a liberdade que lhes é inerente e necessária para a constituição do seu ser.
Nesta alegoria, Platão como um autêntico filósofo e discípulo de Sócrates procura levar o leitor não somente ao drama da história, à participação do diálogo; muito mais, ele nos obriga a responder. É o nosso próprio drama existencial que está em jogo, por isso ele nos convida a compreender como funciona a razão e como a consciência liberta. 
De suas descobertas do reino do Ser ele nos convida a “experiênciá-las”, a tentar vivenciá-las e juntamente com outros homens que des-cobrem por meio de uma autêntica Paidéia chegar à iluminada libertação. 
Faz-se mister aqui salientar para melhor entender, que a filosofia em suas origens tem uma amplitude e dimensão que é ignorada e negligenciada a partir do ethos moderno, o qual a toma com muita freqüência, como se fosse um jogo intelectual destituído de entusiasmo, energia, onde o logos se reduz à mera especulação de ordem lógica. 
E daí ver-se surgir sistemas ideológicos gnósticos que são manipulados por vidas esquizofrênicas que são incapazes de compreender e aceitar a realidade, não obstante, e por este motivo, se mostram capazes de perpetrar assassinatos e mortandades à grande parcela da humanidade.
Falta a muitos modernos a compreensão de que em sua filosofia, Platão tenta de forma magistral dar consistência e vida àquilo que ocorre na existência concreta humana. E como nos diz Eric Voegelin (2009, p. 13),
a tensão no pensamento de Platão refletia a tensão de sua participação na metaxy, ou na mistura, da vida humana. [...] como a revelação, a filosofia “é mais do que um aumento de conhecimento da ordem do ser; é uma mudança na própria ordem”.
A filosofia para Platão é muito mais que uma verdade sobre o Ser; ela é a verdade do Ser proclamada pelo homem que sabe. No meio da especulação o filósofo reproduz o próprio ser. Assim como Parmênides anteriormente havia demonstrado que a filosofia é uma encarnação da verdade do Ser. 
E Platão enquanto discípulo de Sócrates (que vivencia o assassinato judicial de seu mestre), procura denotar a filosofia como uma atividade e conhecimento que está em oposição e, porque não dizer, resistência contra a desordem que abarca a sociedade ateniense. Daí a sua filosofia enquanto um esforço para restaurar a ordem da civilização helênica por meio do amor à sabedoria.
Em A república a filosofia ou o amor à sabedoria, não é representada como uma doutrina da ordem reta (abstração/sistema), mas sim, como a luz da sabedoria que incide sobre a luta da alma com as forças existenciais que a puxariam para baixo, na direção do pólo da morte espiritual. 
Sendo assim, deve-se compreender que a filosofia não é uma “informação” sobre a verdade, mas o esforço árduo para localizar as forças do mal e identificar a sua natureza. 
Como o filósofo não existe em um vazio social, mas sim, em oposição ao filódoxo (sofista). A filosofia deve ser percebida não como uma abstração, mas enquanto algo concreto vivência e experiência que não se deixa arrastar pela multidão de sentidos, das aparências. 
Então para o Filósofo a justiça não é definida no abstrato, mas em oposição às formas concretas que a injustiça assume. A ordem reta da pólis não é apresentada como um “estado ideal”, mas os elementos da ordem reta são desenvolvidos em oposição concreta aos elementos da desordem na sociedade circundante.
A filosofia de Platão não pode ser devidamente entendida se não tivermos a compreensão de que a linguagem utilizada pelo filósofo era explicitadora da realidade enquanto sua dimensão dialética (conflito de opostos). Daí então se ver o sentido real da filosofia em contraposição à filodoxia. O filósofo é chamado à existência, pois são abundantes os filódoxos, os amantes de opinião. 
É assim que o cientista político é o filósofo em forma existencial porque é o homem que resiste ao sofista e que, portanto, pode evocar um paradigma de ordem social reta à imagem de sua alma bem ordenada, em oposição à desordem da sociedade que reflete a desordem da alma do sofista.
Com isso se pode compreender o sentido mais estrito em que o teórico (filósofo-cientista político) apresenta proposições (provisórias) referentes à ordem reta na alma e na sociedade. Afirmando para elas a objetividade da episteme (ciência), afirmação esta que é duramente contestada pelo sofista cuja alma está sintonizada com a opinião da sociedade.
Deste modo ao avaliar o papel do paradigma da teoria política de Platão, deve-se ter em mente que o bem da pólis tem a sua fonte não no paradigma das instituições, mas na psique do fundador ou governante que imprimirá o padrão de sua alma nas instituições. 
Daí se compreender Sócrates, assim como, em Platão a idéia de que não é a excelência do corpo que torna a alma boa, mas a alma boa é que fará com que o corpo se torne o melhor possível. O caráter essencial de uma polítéia não deriva de seu paradigma, mas da polítéia na alma de seus governantes.
Como nos diz Eric Voegelin em Ordem e História, vol. III: Platão e Aristóteles (2009, p. 147), 
Platão concebeu a sua autoridade espiritual como a autoridade de um estadista para restaurar a ordem da pólis. A existência humana significava [para ele] existência política; e a restauração da ordem na alma envolvia a criação de uma ordem política em que a alma restaurada pudesse existir como um cidadão ativo. Como conseqüência, ele teve de acrescentar à sua investigação sobre o paradigma da boa ordem o problema de sua realização na pólis. 
São inúmeros os aspectos que podem ser desenvolvidos nesta rica passagem acerca da filosofia de Platão. Todavia, o que se faz importante aqui ressaltar é o caminho e não o fim, pois, por meio do caminho na descoberta e aprimoramento das virtudes o homem vai aprofundando, introjetando o que há de melhor em si. 
No entanto, o homem não se faz só, nem tampouco fora da comunidade; ele não é uma presa do destino, dos instintos, etc., mas, precisa se fazer a partir da relação com o seu entorno sem estar aprisionado ao mesmo e, exatamente aí conseguir diante da multiplicidade dos fenômenos que arrastam e buscam impregnar a alma dos homens, dar o salto no Ser e compreender a realidade, a qual denota os princípios, normas pelos quais a existência humana precisa estar alicerçada a fim de que possa alcançar a plenitude do seu existir. Sem a qual, a vida é um festival de erros, pois, aprisionamento, desproporção e desvio da ordem.
O próximo tópico, A formação do ethos pelo hábito será destinado a uma análise mais especifica acerca do olhar eminentemente filosófico sobre o ethos enquanto objeto da Ética e estará pautada na filosofia do mais célebre dos discípulos de Platão, Aristóteles. 
É com o estagirita que se pode vislumbrar a maturação das questões de matiz ética, pois, mais precisamente com ele a Ética enquanto ciência adquire forma e delineia o seu conteúdo.
1.4 A FORMAÇÃO DO ETHOS PELO HÁBITO.
 “Sê senhor da tua vontade e escravo da tua consciência.” Aristóteles 
Aristóteles é dentre os filósofos, aquele que primeiro

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