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Introdução ao Transtorno do Espectro Autista 
Deborah Kerches 
 
Principais Marcos Históricos Relacionados ao Autismo 
Autismo foi um termo criado em 1908 pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler 
para descrever “a fuga da realidade para um mundo interior” observada em seus 
pacientes com esquizofrenia. A palavra autismo deriva de “autos” que significa 
voltar-se para si mesmo. 
Em 1943, o psiquiatra austríaco radicado nos EUA Leo Kanner publicou a 
obra Distúrbios Autísticos do Contato Afetivo, em que descreveu 11 crianças que 
apresentavam “isolamento extremo desde o início da vida e um desejo obsessivo 
pela preservação da mesmice”. Observou também que essas crianças 
apresentavam maneirismos motores (estereotipias) e aspectos não usuais na 
comunicação, como a inversão de pronomes e ecolalia. Kanner usou o termo 
“autismo infantil precoce”, pois percebeu que os sintomas já eram evidentes na 
primeira infância. 
Leo Kanner foi o primeiro a falar sobre “mães geladeiras”, tendo concedido 
uma entrevista para a revista Times em 1948, citando que pais de crianças 
com autismo, especialmente as mães, eram emocionalmente distantes e pouco 
afetivas, porém não considerou que esta falta de afeto possivelmente era 
consequente a uma falta de reciprocidade por parte destas crianças. As mães 
não conseguiam brincar com seus filhos porque eles não interagiam, eram 
autistas e não porque não desejavam. Também não considerou na época o 
fato de alguns pais terem outros filhos sem autismo e vivendo no mesmo 
contexto familiar. 
Por toda uma geração, pais, em especial as mães, conviveram com o 
peso de uma culpa injusta pelo autismo de seus filhos. Kanner posteriormente 
se disse mal compreendido e tentou se retratar no seu livro Em defesa das mães 
e, mais tarde somente, esta teoria mostrou-se totalmente infundada. 
Em 1944, o psiquiatra e pediatra austríaco Hans Asperger escreveu o 
artigo A psicopatia autística na infância, destacando a ocorrência preferencial em 
meninos que apresentavam falta de empatia, baixa capacidade de fazer 
amizades, conversação unilateral, foco intenso e movimentos descoordenados. 
 
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As crianças eram chamadas de “pequenos professores” devido à grande 
habilidade de discorrer sobre um tema detalhadamente. Como seu trabalho foi 
publicado em alemão na época da guerra, o relato recebeu pouca atenção e, 
somente em 1981, quando foi traduzido por Lorna Wing, foi reconhecido como 
um pioneiro no segmento. 
Em 1952, foi lançada pela Associação Americana de Psiquiatria a primeira 
edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-1): um 
manual de referência mundial para fornecer nomenclaturas e critérios 
diagnósticos dos transtornos mentais para pesquisadores e clínicos. Nesta 
primeira edição, os diversos sintomas de autismo eram classificados como um 
subgrupo da esquizofrenia infantil, não sendo o autismo entendido como uma 
condição específica. 
Entre os anos 60 e 70, foram crescendo evidências científicas que 
sugeriam que o autismo era um transtorno neurobiológico presente desde a 
infância e que se apresentava em todos os países, grupos socioeconômicos e 
étnico-raciais, e tinha forte influência genética. 
Em 1978, Michael Rutter classifica o autismo como um distúrbio do 
desenvolvimento cognitivo, criando um marco na compreensão do transtorno. 
Ele propõe uma definição com base em quatro critérios: 
1. Atrasos e desvios sociais não explicados e não associados somente à 
deficiência intelectual; 
2. Problemas de comunicação não só em função de deficiência intelectual 
associada; 
3. Comportamentos incomuns, tais como movimentos estereotipados 
 e maneirismos; 
4. Início antes dos 30 meses de idade. 
 
Em 1980, a crescente produção de pesquisas científicas sobre o 
autismo influencia a elaboração da terceira edição do DSM, em que o autismo é 
reconhecido pela primeira vez como uma condição específica e colocado em 
uma nova classe, a dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID). 
Em 1981, a psiquiatra Lorna Wing desenvolve o conceito do autismo como um 
 
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espectro e define o termo Síndrome de Asperger, em referência a Hans 
Asperger. Como pesquisadora, clínica e mãe de uma criança com autismo, ela 
lutou por uma melhor compreensão a respeito, bem como por serviços para 
indivíduos autistas e suas famílias. Seu trabalho revolucionou a forma como o 
autismo era encarado – até então com conceitos mais rígidos – e sua 
contribuição foi sentida em todo o mundo. 
Em 1988, o psicólogo Lovaas publica um estudo sobre análise do 
comportamento aplicada (ABA - Applied Behavior Analysis), demonstrando os 
benefícios da terapia comportamental intensiva. Em seu estudo, dezenove 
crianças com autismo entre 4 e 5 anos foram submetidas a 40 horas de 
atendimento e, depois de dois anos, o QI delas havia aumentado 20 pontos em 
média, além de apresentarem ganhos em seu desenvolvimento e 
comportamento. Durante os anos 1980 e 1990, a terapia comportamental e os 
ambientes de aprendizagem controlados emergem como os principais 
tratamentos para o autismo e outras condições do neurodesenvolvimento. 
Em 1994, foi publicada a 4ª revisão do DSM. Os critérios diagnósticos 
para o autismo no DSM4 e a CID10 (Classificação Estatística Internacional de 
Doenças) tornaram-se equivalentes para evitar confusão entre pesquisadores e 
clínicos e também facilitar o diagnóstico. A CID é um documento da OMS 
(Organização Mundial de Saúde) e fornece uma linguagem comum que permite 
aos profissionais compartilhar informações de saúde em nível mundial. 
A Síndrome de Asperger é adicionada ao DSM, ampliando o espectro do 
autismo que passa a incluir casos mais leves e mais funcionais, em que não há 
prejuízos intelectuais ou atrasos na aquisição da fala significativos. 
Em 1998, o médico e cientista Andrew Wakefield publicou na revista 
Lancet um artigo afirmando que algumas vacinas poderiam causar autismo. Este 
estudo se difundiu e causou grandes transtornos para a saúde pública, nas 
comunidades médicas e em toda a sociedade. O estudo foi totalmente 
desacreditado por outros cientistas e, em maio de 2014, o cientista Wakefield 
perdeu seu registro médico. A revista Lancet também se retratou e retirou o 
estudo de seus arquivos. Apesar de inúmeros estudos não comprovando a 
associação de vacina com autismo, ainda há grupos que acreditam haver 
relação. O movimento antivacina, com adeptos no mundo, todo tem sua 
 
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responsabilidade no ressurgimento de doenças antes erradicadas, como o 
sarampo, não só no Brasil como no mundo todo. 
Em 2007, A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o dia 2 de 
abril como o Dia Mundial da Conscientização do Autismo para chamar atençãoda sociedade para a conscientização e a necessidade de informação sobre o 
autismo. Em 2018, o dia 2 de abril passa a fazer parte do calendário brasileiro 
oficial como Dia Nacional de Conscientização sobre o Autismo. 
Em 2012, é sancionada no Brasil a Lei Berenice Piana (12.764/12), que 
instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com 
Transtorno do Espectro Autista. Este foi um grande marco legal no sentido de 
garantia de direitos para as pessoas com autismo. A legislação determina o 
acesso a um diagnóstico precoce, tratamento, terapias e medicamento pelo 
Sistema Único de Saúde; à educação e à proteção social; ao trabalho e aos 
serviços que propiciem a igualdade de oportunidades. 
O nosso Brasil é muito heterogêneo e, infelizmente, muitas pessoas que estão 
no espectro do autismo não têm seus diretos garantidos. Muitas regiões no 
Brasil carecem até de profissionais tanto para acesso ao diagnóstico quanto 
para tratamento. Hoje, porém, percebemos um movimento maior de toda a 
sociedade para garantir estes direitos. 
Em 2013, a 5ª revisão do DSM (DSM5) unificou todos os transtornos que 
estavam dentro do espectro do autismo em um só diagnóstico – Transtorno do 
Espectro Autista sob o código 299.00. Os indivíduos são agora diagnosticados 
em um espectro com diferentes níveis de gravidade. A Síndrome de Asperger 
não é mais considerada uma condição separada e o diagnóstico para autismo 
passa a ser definido por dois critérios: déficits persistentes na comunicação e 
interação social; e a presença de comportamentos, interesses e atividades 
repetitivos, rígidos e estereotipados. 
Em 2015, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência 
(13.145/15) cria o Estatuto da Pessoa com Deficiência e define pessoa com 
deficiência “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, 
mental, intelectual ou sensorial”. O Estatuto é um símbolo importante na defesa 
 
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da igualdade de direitos dos deficientes, do combate à discriminação e da 
regulamentação da acessibilidade e do atendimento prioritário. 
Em 2018, houve a revisão da Classificação Internacional de Doenças 
(CID11) que unificou os subgrupos com quadros relacionados ao autismo na 
nomenclatura TEA (Transtorno do Espectro Autista) sob o código 6A02. As 
subdivisões passam a ser relacionadas apenas a prejuízos na linguagem 
funcional e presença de deficiência intelectual. A intenção foi facilitar o 
diagnóstico e simplificar a codificação para acesso a serviços de saúde. A CID11 
entra em vigor dia 1 janeiro de 2022. A CID10 trazia vários diagnósticos dentro 
dos Transtornos Globais do desenvolvimento (código F84). 
Em 2019 foi sancionada a lei para inclusão de dados do autismo no Censo 
2020, o que possibilitará conhecer melhor o cenário do autismo no Brasil e, com 
isso, possibilitar políticas públicas que garantam o acesso a todos os direitos. 
 
Contextualizando o Transtorno do Espectro Autista 
O Transtorno do Espectro Autista é uma condição do 
neurodesenvolvimento, de início precoce, isto é, os sintomas estão presentes 
desde o início da infância, caracterizado por prejuízos centrais em 2 domínios: 
prejuízos persistentes na comunicação e interação social; e padrões restritos, 
repetitivos e estereotipados de comportamentos, interesses ou atividades. 
Quando falamos em “espectro”, incluímos desde pessoas que não são 
verbais, que apresentam deficiência intelectual, maiores comprometimentos na 
independência e autonomia, até aqueles que são verbais, que conseguem se 
comunicar mesmo que não verbalmente e se desenvolvem de maneira mais 
funcional. 
Quando avaliamos uma criança, adolescente ou adulto com suspeita de 
autismo, tem que estar claro na história clínica que os sintomas estavam 
presentes no início da infância. 
O que pode acontecer é que em alguns casos mais brandos, os sintomas 
eram tão sutis ou mascarados por estratégias sociais aprendidas, que se tornam 
mais claros com o aumento das demandas sociais. Os sintomas precisam trazer 
 
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prejuízos significativos no funcionamento social, profissional ou em outras áreas 
importantes da vida. 
A habilidade de se comunicar e interagir socialmente leva em consideração 
várias competências que estão comprometidas no espectro do autismo como: 
• Teoria da Mente – se refere à capacidade em considerar os próprios 
estados mentais e o das outras pessoas, com a finalidade de compreender e 
predizer comportamentos do outro. 
 Essa capacidade possibilita considerar o que as pessoas estariam 
pensando e fazendo em determinado contexto, ter compreensão do ponto de 
vista do outro, predizer o comportamento e pensamento do outro. Esta 
habilidade é extremamente necessária nas mais diversas situações sociais. É 
pré- requisito para padrões de interação social, desenvolvimento de jogo 
simbólico, entre outros. 
• Linguagem receptiva - está relacionada com o quanto se é capaz de 
compreender o que ouve e lê, para, então, conseguir se comunicar em 
resposta, quer seja de maneira verbal ou não. 
• Linguagem expressiva - habilidade de se expressar, verbalmente ou 
não, após adquirir a capacidade de compreender não só o que ouve, mas 
também sobre conceitos sociais e como adquirir experiências significativas. 
No autismo, a compreensão e a linguagem pragmática (uso concreto da 
linguagem nos mais diferentes contextos sociais) estão sempre comprometidas, 
em maior ou menor grau. 
Os déficits na comunicação verbal envolvem: 
• Atrasos na aquisição da fala que costumam ser em grande parte 
dos casos o primeiro sinal de alerta; porém, nem todos apresentam atrasos na 
aquisição da fala. 
• Fala adquirida nos marcos do DNPM com particularidades como 
repertório extenso sobre assuntos de interesse, vocabulário rebuscado, 
alteração de prosódia, vocabulário repetitivo e monótono; e outros adquirem a 
fala, porém perdem essa habilidade. 
• inversão pronominal, uso de palavras ou frases pouco usuais e/ou 
 
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fora do contexto, ecolalias (repetição de palavras ou frases que pode ocorrer de 
maneira imediata ou tardia), inabilidade em iniciar ou manter um diálogo mesmo 
naquelas com fala estruturada. A dificuldade em contextualizar a fala dificulta também a 
compreensão do sentido figurado da fala, compreender piadas, por exemplo; 
habilidades importantes principalmente em contextos sociais. 
Os déficits nos comportamentos não verbais envolvem: 
• Prejuízos na qualidade do contato visual; 
• Prejuízos em compreender e usar gestos e expressões com 
função comunicativa; 
• Responder menos quando chamado; 
• Ausência de expressões faciais e dificuldade em compreendê-las no 
outro. 
Com relação ao contato visual é importante contextualizar que é uma 
relevante via para a comunicação, relações sociais e interpessoais, experiências 
e aprendizado. 
Para pessoas com autismo, o contato visual pode ser desconfortável pois 
fornece muitas informações e hiperestimula um cérebro já hiperexcitado. 
Já nos primeiros meses de vida é possível avaliar a qualidade do 
contato visual. Trabalhar a qualidade do contato visual em pessoas com 
autismo favorece seu desenvolvimento, mas é importante ressaltar que olhar 
nos olhos, principalmente quando associado a experiências emocionais, pode 
fazer com que pessoas com autismo, sobrecarregadas, desviem o olhar 
buscando um ponto com menos a processar do que os olhos. Forçar o contato 
visual pode deixá-los nervosos, ansiosos, dispersos, podendo trazer resultados 
opostos ao desejado.Dessa forma, devemos trabalhar o contato visual sem 
sermos invasivos e de maneira prazerosa e confortável. 
Aprendemos de acordo com as experiências que vivenciamos e os olhos 
são uma via importante de entrada. O melhor caminho é sempre estimular a 
interação visual, respeitando suas individualidades e necessidades. 
 
 
 
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Os déficits na reciprocidade socioemocional envolvem: 
• Dificuldades em compartilhar interesses, emoções e afeto; 
• Dificuldade em compartilhar brincadeiras; 
• Dificuldade em iniciar, compreender ou responder a interações 
sociais, quer sejam fazer amigos ou se relacionar amorosamente; 
• Ausência ou pouco interesse pelos pares. 
 
Os padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades, 
se apresentam como: 
• Movimentos motores, uso de objeto e/ou da fala de maneira 
repetitiva ou estereotipada. Estereotipias são ações repetitivas, frequentemente 
ritmadas e podem ser vocais ou motoras. As estereotipias não são exclusivas 
do TEA. No autismo costumam se apresentar em situações de ociosidade, de 
excesso de estímulos sensoriais, em situações de extrema excitação assim 
como em situações de frustração, mudanças de rotina, como uma forma de 
autorregulação ou autoestimulação. 
• Insistência na mesmice, adesão inflexível a rotinas, padrões rígidos 
de comportamentos e pensamentos. Por exemplo, necessidade de fazer 
sempre o mesmo caminho, ingerir os mesmos alimentos, dificuldade em 
alternar brincadeiras, em aceitar demandas que não são do interesse, em aceitar 
o “não”, em lidar com o novo. 
• Interesses fixos e restritos que são anormais em intensidade ou foco. 
Por exemplo, apego ou preocupação excessivos, hiperfoco. O hiperfoco é uma 
forma intensa de concentração em algo que seja um interesse restrito e não é 
exclusiva do autismo. No autismo, o hiperfoco pode ser um refúgio durante 
estresse, situações desconfortáveis ou momentos de ociosidade, ou 
simplesmente se comporta como um interesse restrito tão prazeroso 
que dificulta o aumento de repertório de novos aprendizados. 
 
Há aspectos positivos em um hiperfoco, desde que seja explorado 
adequadamente, podendo ser a profissão da pessoa, um meio de aumentar a 
autoestima, e pode ser usado como ponto de partida para aumentar o 
 
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repertório de habilidades e aprendizados. O hiperfoco, se não trabalhado, pode 
trazer prejuízos, pois distancia de contextos e interações sociais. 
• Alterações no processamento sensorial que envolvem hiper ou 
hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesses incomuns por aspectos 
sensoriais do ambiente. Pessoas com autismo apresentam de maneira mais ou 
menos intensa alterações na forma como respondem aos estímulos do 
ambiente em uma ou mais portas sensoriais (audição, olfato, tato, paladar, 
propriocepção e sistema vestibular). As alterações sensoriais foram incluídas 
nos critérios diagnósticos após a última revisão do DSM, em sua quinta edição. 
Exemplos: indiferença à dor; aversão ao toque enquanto outros procuram por 
toques mais intensos; seletividade alimentar que pode ser consequente à 
aversão a determinadas texturas dos alimentos, odores, paladar, percepção 
visual (como comer alimentos de uma única cor); alteração de equilíbrio, 
marcha na ponta dos pés. 
Há um universo de possibilidades sintomatológicas dentro do espectro 
que irão impactar na gravidade, nos planos individuais de tratamento e ao longo 
da vida deste indivíduo. 
 
Níveis de Gravidade 
Os níveis de gravidade estão relacionados com a capacidade de 
comunicação social e o comportamento rígido e repetitivo, o que vai impactar 
diretamente em quanto esta pessoa será funcional e o apoio necessário para 
isto. 
• Nível 1 – bom funcionamento com apoio. Na ausência de apoio, 
déficits na comunicação e interação social, assim como padrões 
comportamentais que causam prejuízos notáveis. 
 
As pessoas que se encontram no espectro do autismo nível 1 não apresentam 
atrasos cognitivos/intelectuais e de aquisição de fala significativos. O Quociente 
Intelectual (QI) deve estar acima de 70. 
• Nível 2 – exige apoio substancial, porém há prejuízos sociais 
aparentes mesmo na presença de apoio (funcionamento mediano). 
 
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• Nível 3 – exige apoio muito substancial, pois há graves prejuízos em 
seu funcionamento. Apresenta déficits graves nas habilidades de comunicação 
social verbal e não verbal. As pessoas que se encontram no espectro do autismo 
nível 3 ou severo estão associadas geralmente à deficiência intelectual e 
incapacidades nas habilidades/atividades de vida diária. 
 
O quadro se modifica ao longo da vida de acordo com diagnóstico e 
intervenção precoces, processos maturativos decorrentes de experiências e 
intervenções vividas, resposta individual às intervenções, deficiência intelectual 
associada (30-40%), aquisição de linguagem verbal que está diretamente 
associada com melhores respostas sociais, aquisição de comunicação não 
verbal que possibilite interações sociais e a presença de comorbidades que são 
outras condições associadas que podem somar prejuízos e interferir 
negativamente em planos de intervenção. 
O espectro traz uma gama infinita de possibilidades sintomatológicas, e 
cada indivíduo dentro do espectro terá suas particularidades relacionadas às 
necessidades e potencialidades, o que deve ser norteador para os planos 
individuais de tratamento. 
 
Causas e Prevalência do Transtorno do Espectro Autista 
 
• Prevalência 
Segundo a OMS, estima-se que 1 a 2% da população mundial encontra- se no 
Espectro do Autismo. Isto significa que aproximadamente 76 milhões de 
pessoas e famílias são afetadas pelo autismo. 
No Brasil isso seria aproximadamente 2 milhões de pessoas e famílias 
que convivem com o autismo. 
O que temos de dados de prevalência mais atual é um estudo divulgado 
em março de 2020 pelo CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), 
órgão ligado ao governo dos Estados Unidos, em que se observou uma 
prevalência de 1:54, segundo análise de dados de 2016. 
 
 
 
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Estes dados são superiores à estimativa anterior de 2014 (publicado pelo 
CDC em 2018), que encontrou uma prevalência de 1:59 entre as crianças de 8 
anos, revelando um aumento de aproximadamente 10%. Os dados foram obtidos 
de 11 comunidades dos EUA na Rede de Monitoramento de Autismo e 
Deficiências (ADDM) do CDC. Dados de 2016 também mostram que mais 
crianças estão sendo avaliadas e identificadas com autismo em idades mais 
jovens. As últimas descobertas se baseiam em dados de dois relatórios 
separados em crianças de oito e quatro anos. 
Este é o primeiro relatório da Rede ADDM que identificou crianças negras de 8 
anos com Transtorno do Espectro Autista como tendo as mesmas taxas que 
crianças brancas. 
Segundo este estudo, o TEA continua mais prevalente em meninos, na 
mesma proporção de 4:1. As meninas identificadas com autismo foram mais 
propensas a ter deficiência intelectual do que os meninos (39% das meninas em 
comparação a 32% dos meninos). 
Há uma reflexão na comunidade científica, especialmente dos EUA e 
Reino Unido, a respeito do autismo leve em meninas. Meninas com autismo em 
um espectro mais leve podem estar sendo subdiagnosticadas por não se 
encaixarem no quadro estereotipado do autismo, com tantos comportamentos 
externalizantes. 
Oaumento da prevalência reflete certamente: a expansão e melhoria dos 
critérios diagnósticos após a quinta revisão do DSM (DSM5); maior 
conscientização da sociedade a respeito dos sintomas do autismo, fazendo com 
que mais famílias estejam atentas aos sintomas em seus filhos e procurem por 
especialistas e profissionais mais capacitados; reconhecimento do TEA em 
crianças previamente diagnosticadas com deficiência intelectual ou outra 
condição do neurodesenvolvimento; possíveis diferenças na metodologia dos 
estudos, não ficando ainda claro um aumento real do autismo, porém, sendo 
possível um verdadeiro aumento na prevalência de TEA associado a outros 
fatores de risco. 
Apesar dos avanços no entendimento da neurobiologia e genética do 
TEA, o diagnóstico é clínico e isto impacta em estudos de prevalência, uma vez 
que está relacionado à consistência de um diagnóstico baseado na identificação, 
 
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avaliação clínica e relato de sintomas clínicos definidos pelo comportamento. 
No Brasil, não temos ainda um estudo consistente sobre a prevalência do 
autismo. O que temos é um estudo piloto de 2011 realizado em um bairro com 
20 mil habitantes em Atibaia, interior do estado de São Paulo. Os dados foram 
de 1 para 367 habitantes, o que claramente não reflete a realidade do autismo 
no país. 
Com a inclusão de dados do autismo no Censo de 2020, espera-se 
compreender melhor o cenário do autismo no Brasil, possibilitando políticas 
públicas mais efetivas que garantam acesso ao diagnóstico e intervenção 
precoces, às medicações fornecidas pelo SUS, à adaptação curricular, aos 
mediadores escolares especializados, à educação especial quando necessário, 
ao mercado de trabalho, à acessibilidade, entre outros. 
• Causas do Transtorno do Espectro Autista 
 O Transtorno do Espectro Autista é clinicamente e etiologicamente 
heterogêneo, sendo multigênico e multifatorial. 
 O que já conhecemos a respeito do Transtorno do Espectro Autista é a 
forte influência genética (68-94%), com alta herdabilidade (70-90% em que o 
gene já está na família) e associação com alguns fatores de risco ambientais que 
ainda necessitam de estudos mais consistentes. 
 Estudos em gêmeos indicam risco em gêmeos idênticos de 80%-90% e, 
em gêmeos fraternos, 40%. 
 Pais que têm um filho no espectro do autismo apresentam um risco de 10 
a 20% do segundo filho estar no espectro, sendo este risco maior quando o 
primeiro filho é uma menina. Quando se tem 2 filhos no espectro, o risco para o 
terceiro filho aumenta para 33%. Irmãos podem apresentar alguns sintomas do 
TEA sem atingir critérios para diagnóstico e sem apresentar prejuízos que os 
limitem, sendo descritos como fenótipo ampliado do autismo. 
 Os avanços tecnológicos têm sido importantes para o conhecimento e 
identificação de genes relacionados ao autismo. Temos o papel das variantes 
comuns, variantes raras e epigenética (modificações na expressão gênica que 
podem ser influenciadas por fatores ambientais). 
 
 
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As variantes raras patogênicas podem surgir de novo (onde não consegue 
se identificar pessoas na família com autismo) ou serem herdadas como 
mutações autossômicas dominantes, autossômicas recessivas ou ligadas ao X. 
Embora uma única alteração genética seja suficiente para causar o TEA, na 
maioria dos casos o que ocorre são alterações envolvendo distúrbios 
moleculares complexos em múltiplos genes importantes para os processos 
biológicos, e também em genes que controlam e interferem na expressão gênica 
durante o neurodesenvolvimento. Várias variantes genéticas associadas ao TEA 
estão ainda relacionadas a outras condições do neurodesenvolvimento, como 
Deficiência Intelectual (DI), Transtorno de Déficit da Atenção e Hiperatividade 
(TDAH), e outras condições psiquiátricas como esquizofrenia ou depressão. 
Ainda é um grande desafio definir genes e suas respectivas variantes genéticas 
que sejam de relevância clínica para associação com o autismo. 
Com relação aos fatores ambientais, os 2 fatores de risco mais 
importantes e já bem estudados na literatura são a idade paterna acima de 40 
anos (que estaria relacionada a maiores riscos de mutações germinativas) e o 
uso de ácido valproico na gestação, um fármaco antiepiléptico que também é 
utilizado para tratamento de transtornos de humor, entre outros. Outros fatores 
ambientais pré e perinatais como idade materna avançada, infecções neonatais 
(em particular, rubéola, citomegalovírus, toxoplasmose), anóxia neonatal, 
prematuridade, baixo peso ao nascimento, retardo de crescimento intrauterino 
(RCIU), obesidade materna, diabetes gestacional, gestações múltiplas, são 
fatores relacionados a risco aumentado de TEA, mas ainda carecem de estudos 
com conclusões mais firmes. Estes fatores podem apresentar risco para o 
desenvolvimento cerebral pré-natal ou afetar a função e expressão gênica em 
indivíduos com predisposição genética ao autismo. 
Tem sido estudada também a relação entre exposição de gestantes a 
organofosforados, outros pesticidas e compostos neurotóxicos e de risco para 
autismo. 
É claro para a ciência que para que um ambiente possa afetar uma 
criança, deve haver uma predisposição genética. 
Vale reforçar que, em relação a vacinas, a literatura científica não apoia 
sua associação como fator ambiental que aumentaria o risco de TEA. Crianças 
 
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com autismo ou não devem ser vacinadas de acordo com o esquema 
recomendado. 
O Transtorno do Espectro Autista demonstra claramente a complexidade 
genética do neurodesenvolvimento, pois apresenta um espectro amplo, com 
fatores genéticos variados e complexos, podendo ser herdados ou não. 
O “modelo de copo”, modelo genético que explica o autismo, é um modelo 
de herança e limiar multifatorial que apresenta os impactos das variantes 
genéticas e ambientais com maior ou menor risco associado ao TEA. O limite 
para se ter o autismo ou não é a “borda do copo”. Existem variantes comuns, 
variantes raras e fatores ambientais que somados podem levar ao autismo. 
 
Neste modelo temos o círculo roxo correspondendo à variante comum, o 
círculo azul correspondendo à variante rara e o círculo rosa correspondendo a 
fatores ambientais. 
Neste modelo temos pais sem autismo. O pai possui uma variante comum 
associada a fatores de risco ambientais, e a mãe uma outra variante comum 
associada a uma variante rara e 1 fator de risco ambiental. 
A criança 1 com TEA herdou a variante comum do pai e da mãe, uma 
outra variante (que está descrita com a letra “D”) que seria uma variante nova 
(de novo) associada a fatores de risco ambientais, tendo herdado também a 
variante rara da mãe, atingindo assim, o limiar do copo. 
 
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A criança 2 sem TEA herdou a variante comum da mãe, foi exposta a 
algum fator de risco ambiental e não atingiu o limiar. A criança 3 sem TEA herdou 
a variante rara da mãe, uma variante comum e foi exposta a fatores 
ambientais, mas mesmo assim não atingiu o limiar para o diagnóstico de 
autismo. 
A criança 4 com TEA apresenta uma variante rara representada por um 
círculo maior com a letra “E” (altamente patogênica), uma variante comum e 2 
fatores ambientais, atingindo e ultrapassando o limiar do copo. 
Nesta outra figura abaixo ainda no “modelo do copo”, as pessoas do sexo 
masculino são representadas por copos menores em relaçãoao sexo feminino, 
mostrando a diferença para atingir o limiar de diagnóstico. 
 
Os estudos científicos mostram que mulheres com TEA têm um número 
muito maior de variantes genéticas associadas ao transtorno quando 
comparadas a homens com TEA (ou seja, o sexo feminino precisa apresentar 
mais variantes para atingir o limiar), sugerindo que indivíduos do sexo feminino 
são mais resistentes a tais mutações, o que seria uma explicação para o 
aumento da prevalência no sexo masculino. Também relaciona o risco 
aumentado de se ter um segundo filho com autismo quando o primeiro é menina. 
Embora a comunidade científica esteja cada vez mais produzindo estudos 
e artigos de relevância, ainda há muito o que conhecer a respeito dos 
 
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mecanismos biológicos do autismo. 
Tem-se investido particularmente em estudos chamados de “modelagem”, 
em que se reprogramam células especializadas e diferenciadas para voltarem 
a ser células pluripotentes (células capazes de se diferenciar em qualquer 
célula do corpo) e então as diferenciam em células do sistema nervoso como 
neurônios, astrócitos e mini cérebros que têm sido utilizados para estudar os 
mecanismos biológicos do autismo, ao mesmo tempo em que se cria uma 
plataforma para testar medicamentos in vitro objetivando encontrar fármacos que 
possam ser uma ferramenta para melhorar os sintomas clínicos presentes no 
autismo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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