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A ABORDAGEM ESTRUTURAL das REPRESENTAÇÕES SOCIAIS Profa.Renata Vetere Status teórico e metodológico no campo das representações sociais Considerando as formulações de S. Moscovici (1961) como a teoria geral das representações sociais ... ... a abordagem estrutural ou teoria do núcleo central, proposta por J-C. Abric (1976), se caracteriza como uma complementação cujo propósito é contribuir “para que a teoria das representações sociais se torne mais heurística para a prática social e para a pesquisa”. (Flament, 1989) Heurística – conjunto de regras e métodos que levam à descoberta, à invenção ou à solução de problemas. Histórico – I 1976 – Formulação da teoria do núcleo central Jean-Claude Abric (tese de doutorado) 1976-1992 – Constituição gradativa do Grupo do Midi, em Aix-en-Provence e em Montpellier Claude Flament Pierre Vergès Michel-Louis Rouquette Christian Guimelli Pascal Moliner, … iniciando uma segunda geração 1992 – Reconhecimento inicial no campo das RS I Conferência Internacional sobre as RS - Ravello, Itália Histórico – II 1994 – Reconhecimento definitivo no campo das RS Duas coletâneas de trabalhos teóricos e empíricos II Conferência Internacional sobre as RS - Rio de Janeiro Abric como Pesquisador Visitante no PPGPS / UERJ 1996 – Aumento do intercâmbio e divulgação no Brasil Livro Núcleo central das representações sociais, de C. Sá Primeiros Pós-doutorado e Doutorado em Aix-en-Provence III Conferência Internacional sobre RS - Aix-en-Provence 1998 - Abordagem estrutural das representações sociais Primeiro “rebatismo oficial” da teoria no Brasil Os principais elementos da teoria do núcleo central – I A proposição básica da teoria Toda representação é organizada em torno de um núcleo central, que determina, ao mesmo tempo, sua significação básica e sua organização interna. A definição de núcleo central Um subconjunto da representação, composto de um ou alguns elementos, cuja ausência desestruturaria a representação ou lhe daria uma significação diferente. Os principais elementos da teoria do núcleo central – II O núcleo central é determinado por: natureza do objeto representado, tipo de relações que o grupo mantém com o objeto, sistema de valores e normas sociais em que vive o grupo. As funções do núcleo central Geradora do significado dos demais elementos da RS; Organizadora das relações entre os elementos da RS. Sua propriedade de estabilidade assegura a perenidade da representação em contextos mutáveis e evolutivos. A abordagem estrutural das representações sociais O que muda, com a abordagem estrutural? Passagem de uma ênfase exclusiva sobre o núcleo central para uma consideração da representação como um todo, reconhecendo a importância dos elementos periféricos. Dado que as representações sociais, em seu todo, são: ao mesmo tempo, estáveis e móveis, rígidas e flexíveis; consensuais, mas também individualmente diferenciadas. A abordagem estrutural é uma solução teórica … … para essas três aparentes contradições, a partir da consideração conjunta do central e do periférico. A abordagem estrutural: novas proposições teóricas A proposição teórica básica A representação social, conquanto uma entidade unitária, é regida por dois sistemas internos, cada um com um papel específico mas complementar ao do outro. Uma representação social se estrutura em: Um sistema central (o núcleo central), que responde pelas estabilidade, rigidez e consensualidade da representação; Um sistema periférico, constituído pelos demais elementos representacionais, que responde pelas mutabilidade, flexibilidade e modulação individual da representação. A abordagem estrutural: características dos dois sistemas Sistema Central Ligado à memória coletiva e à história do grupo Consensual (define a ho- mogeneidade do grupo) Estável, coerente, rígido Resistente a mudanças Pouco sensível ao contex- to imediato Sistema Periférico Permite a integração de experiências individuais Tolera a heterogeneidade do grupo Flexível, até contraditório Mutável, evolutivo Bastante sensível ao con- texto imediato A abordagem estrutural: funções do sistema periférico Regulação Provê a adaptação da RS a novas informações ou mudanças da situação, integrando novos elementos ou alterando outros. Defesa Evita ou posterga mudancas no sistema central, através do acolhimento de elementos contraditórios. Implicações da abordagem estrutural para o estudo das representações sociais Um critério comparativo (Abric) Duas representações são diferentes se e apenas se os seus respectivos núcleos centrais forem diferentes; Se não, trata-se da mesma representação, cujas periferias refletem diferentes situações vividas pelos dois grupos. A transformação das representações, a partir das práticas sociais (Flament) - I Um esquema descritivo, seqüencial 1. Modificação das circunstâncias externas à representação 2. Modificação das práticas sociais envolvendo o objeto 3. Modificação dos prescritores condicionais, periféricos 4. Modificação dos prescritores incondicionais, centrais A PESQUISA e DESENVOLVIMENTOS na ABORDAGEM ESTRUTURAL A pesquisa típica da abordagem estrutural A técnica de análise de evocações livres A técnica de questionamento ou “mise en cause” A diferenciação de elementos no núcleo central A zona muda de uma representação social A pesquisa do conteúdo e da estrutura de uma representação social A abordagem estrutural exige que, além da descrição dos conteúdos de uma representação, seja evidenciada também a distribuição destes pelos sistemas central e periférico. Para isso, serve-se de diferentes métodos e técnicas Métodos de levantamento – dos prováveis elementos do núcleo central, bem como dos periféricos Uma técnica associada: a análise de evocações (Vergès) Métodos de identificação – dos elementos efetivamente centrais (a verificação da centralidade). Uma técnica associada: a “mise en cause” (Moliner) A análise de evocações Coleta dos dados solicitação de emissão das palavras que vêm à mente dos sujeitos quando ouvem um termo indutor (o objeto da RS); registro da ordem em que as palavras foram evocadas ou da ordem de importância que lhes foi atribuída pelos sujeitos. Análise dos dados combinação da freqüência com a ordem de evocação das palavras, através do programa EVOC (Vergès, 1992/2000). Interpretação através da distribuição das palavras em um quadro de quatro casas, que retrata a estrutura da representação. A estrutura de uma representação, pela análise de evocações Pronta evocação Evocação tardia Freqüência elevada Núcleo Central 1 a Periferia Freqüência baixa Zona de Contraste 2a Periferia Um recheio estrutural ilustrativo: a representação social do “viver com câncer” O.M.I <2,9 >=2,9 Freq. Méd. Termo Evocado Freq. O.M.I Termo Evocado Freq. O.M.I >= 25 Esperança Fé / Fé em Deus Tratamento/ Bom-trat. Aceitação Tristeza 41 37 34 26 26 2,366 1,676 2,500 2,269 2,692 Dor/Sofrimento 27 3,222 < 25 Coragem/Força Ruim Apoio 24 17 15 2,792 2,824 2,600 Angústia/Ansiedade Cura/Recuperação Medo Desânimo/Difícil Efeitos-colaterais 24 23 20 1817 2,958 2,913 2,950 3,500 3,529 Núcleo Central RS “Viver com câncer” Pacientes até 11 meses de tratamento Pacientes mais de 24 meses de tratamento Tratamento/Bom-trat Esperança Aceitação Fé/Fé em Deus Cura-recuperação Fé/Fé em Deus Esperança Medo Coragem/Força Dor/Sofrimento Ruim A “mise en cause” ou questionamento: os elementos centrais são mesmo centrais? Uma demonstração experimental (Moliner/Flament) Um grupo de amigos é visto como um grupo ideal; Um grupo ideal implica: ausência de hierarquia e convergência de opiniões; Ante a pergunta de se um grupo de amigos hierarquizado é um grupo ideal, a resposta é maciçamente Não! Mas, em relação a um grupo de amigos com divergência de opiniões, a resposta é maciçamente Sim! Conclusão: ausência de hierarquia é um elemento central; convergência de opiniões é um elemento periférico. O funcionamento da “mise en cause” Informações que contradizem as cognições centrais – absolutas, incondicionais, inegociáveis – de uma RS são ativamente refutadas pelo grupo, que se recusa a aceitá-las. A refutação, além de ser um agente da estabilidade das RS, é um indicador da centralidade dos seus elementos, pois quando se observa um efeito maciço de refutação é que uma cognição central terá sido atacada. Uma forma de evidenciar a centralidade de um elemento consiste assim em perguntar aos sujeitos se, na ausência desse elemento, o objeto de representação mantém sua identidade. Uma ilustração: a representação das condições de eficácia das práticas de cura da Umbanda (Sá et al.) Elementos levantados como Encosto de espíritos perversos Problema material e espiritual Mau olhado ou quebranto Energia posit. e negat. (causa) Espiritualidade não desenvolv. Carma ou destino Fé espiritual Merecimento possivelmente centrais Cuidados Anjo da guarda Troca de energia (na cura) Fortalecer/enfraquecer energias Exu, em amor /sexo / dinheiro Preto Velho, na desorientação Passes, ervas, banhos, defumaç Velas, orações, mentalização Trabalho, oferenda, despacho A ilustração sobre as práticas de cura da Umbanda: instruções iniciais do questionário p/ praticantes Pedimos para você colaborar nesta pesquisa como alguém que está familiarizado com as práticas da Umbanda. O que queremos submeter ao seu julgamento não é um caso real. Pedimos que você apenas “faça de conta”. Faz de conta que uma pessoa conhecida nossa estava com um problema, que não sabemos se era de doença, física ou men- tal, se era um problema familiar, se era uma questão de amor ou de sexo, se era uma dificuldade financeira ou de trabalho. Faz de conta que essa pessoa foi a um “lugar” onde conseguiu resolver o seu problema, mas não disse que lugar era esse. A ilustração sobre as práticas de cura da Umbanda: instruções para as respostas e algumas perguntas Esse lugar pode ter sido um terreiro de Umbanda? Não, não pode [ ] Sim, até pode [ ] Não sei [ ] Faz de conta que a pessoa não tinha nenhuma fé espiritual nem acreditava no que acontecia nesse “lugar”, mas o seu problema foi resolvido. Faz de conta que a pessoa tinha feito coisas ruins na vida, não tinha merecimento, e mesmo assim seu problema foi resolvido nesse “lugar”. Faz de conta que nesse “lugar” nunca se aconselhou a pessoa a cuidar melhor do seu anjo da guarda. Faz de conta que o que foi feito nesse “lugar” não teve nenhuma troca de energia entre a pessoa e aquela que a atendeu nem com alguma entidade. Faz de conta que o que foi feito nesse “lugar” não procurou fortalecer energias positivas nem enfraquecer energias negativas. A ilustração sobre as práticas de cura da Umbanda: resultados – I Questões Não Sim N.s. 01 Encosto de espíritos perversos 0 42 3 02 Problema material e espiritual 3 40 2 03 Mau olhado ou quebranto 4 39 2 04 Energia positiva e negativa (causa) 16 26 3 05 Espiritualidade não desenvolvida 16 26 3 06 Carma ou destino 13 31 1 07 Fé espiritual 1 44 0 08 Merecimento 4 40 1 09 Cuidados com o Anjo da guarda 26 19 0 10 Troca de energia (na cura) 31 10 4 11 Fortalecer / enfraquecer energias 32 11 2 A ilustração sobre as práticas de cura da Umbanda: resultados – II Questões Não Sim N.s. 12 Exu, em amor / sexo / dinheiro 5 37 3 13 Preto Velho, na desorientação 5 40 0 14 Passes, ervas, banhos, defumações 20 25 0 15 Velas, orações, mentalização 22 22 1 16 Trabalho, oferenda, despacho 3 40 2 Os elementos centrais significância estatística Troca de energia (na cura) p < 0,02 Fortalecer / enfraquecer energias p < 0,01 Cuidados com o Anjo da guarda p < 0,3 Outra técnica de verificação da centralidade: sobre a representação de menino de rua (Campos, 1996) Frente às seguintes caracterizações: Uma criança que é abandonada Uma criança que veio de uma família miserável Uma criança que rouba carteiras (36%) Uma criança que freqüentemente passa fome Uma criança que sofre discriminação social (39%) Uma criança que veio de uma família desestruturada Uma criança que não tem moradia fixa (46%) Uma criança que usa cola de sapateiro para se drogar (41%) Uma criança que perdeu os laços com a sua família (70%) Alternativas de respostas: ... é um menino de rua ... é possível que seja um menino de rua ... não é um menino de rua E dentro do núcleo central, alguns elementos são mais centrais do que outros? A “mise en cause” tem sido usada também para distinguir, no interior do núcleo central, entre: elementos principais, mais absolutos, menos negociáveis elementos adjuntos, menos indispensáveis à representação A zona muda de uma representação social Introdução Quando uma pessoa responde a um questionário ou entrevista, ela diz realmente o que pensa? Quando uma população responde a uma pesquisa sobre RS, fornece, de forma verdadeira e completa, a sua representação? E as defasagens freqüentes entre os discursos e as práticas? Há situações em que se distinguem na representação uma representação parcial explícita, verbalizada; uma segunda parte da representação não verbalizada, não expressa, que chamamos de zona muda. A zona muda: natureza e determinação – I A zona muda não é a parte inconsciente da representação; ela faz parte da consciência dos indivíduos, é conhecida por eles, mas não é expressada, porque eles não querem. Pela ativação, pode-se distinguir entre elementos ativados, que são expressos, e adormecidos, que não são expressos, ... ... mas os elementos da zona muda se encontram em uma terceira condição: eles estão escondidos. A face inconsciente de uma representação é determinada por processos psicológicos, a face escondida é determinada pela situação social em que a RS deve se expressar. A zona muda: natureza e determinação – II Uma zona muda surge porque, considerando os valores e as normas sociais predominantes em uma dada situação, os seus elementos têm um caráter contranormativo. A zona muda pode ser definida como um subconjunto de cognições e crenças que, embora disponíveis na RS, não são expressadas pelos sujeitos (pelo menos, em certas situações), pois iriam contra os valores morais ou as normas do grupo. Se uma zona muda é constituída por elementos do núcleo central, é então todo o significado da representação que se encontra escondido, mascarado, falsificado. A zona muda: natureza e determinação – III Uma ilustração: a crença no contágio da doença mental, não verbalizada pelos sujeitos na pesquisa de D. Jodelet, que só foi descoberta pela observação das práticas. A zona muda: técnicasde identificação Princípio metodológico Se a zona muda é formada de elementos contranormativos, ela resulta portanto da existência de pressões normativas. Para favorecer a sua expressão, é preciso reduzir a pressão normativa, dar certa legitimidade a posições ilegítimas. Duas técnicas possíveis Substituição – para reduzir o nível de implicação do sujeito e/ou do seu grupo de referência; Descontextualização normativa – para reduzir o peso normativo da situação, pela mudança de contexto. A identificação da zona muda: a técnica de substituição Formulação das perguntas em duas etapas 1a etapa: responder em seu próprio nome, como habitual; 2a etapa: responder (a perguntas semelhantes) no lugar de outros, devendo o sujeito imaginar como os membros dos seus grupos de pertença (próximo ou amplo) responderiam. Uma ilustração – a representação social dos ciganos: no próprio nome – nômade, trailer (53); músico (28); em nome dos franceses – nômade, trailer (51); roubo (46); músico (20). A identificação da zona muda: a técnica de descontextualização normativa Fornecimento de respostas em duas modalidades 1a modalidade – os sujeitos pensam responder a alguém que faz parte do seu grupo de referência, que compartilha os mesmos valores em relação ao objeto estudado; 2a modalidade – idem, a alguém que não faz parte do seu grupo de referência, que não compartilha os valores. Uma ilustração – a representação social dos magrebinos: Estudantes de Letras para de Letras – geografia, racismo, cultura, caloroso; não se quer integrá-los; Estudantes de Letras para de Direito – geografia, racismo, delinqüência, imigração; não querem se integrar.
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