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7 A teoria da complexidade e novas perspectivas para os estudos de comunicação organizacional Rudimar Baldissera Com base no “paradigma da complexidade” (Edgar Morin), a partir dos princípios dialógico, recursivo e hologramático, propõe-se compreender/explicar a comunicação organizacional como processo de construção e disputa de sentidos no âmbito das relações organizacionais. As organizações são pensadas como sistemas auto-eco- organizados/organizantes e a comunicação como seu principal processo/lugar dinamizador/possibilitador. Essa perspectiva exige outro(s) olhar(es) sobre as articulações desorganização/organização, entidade/públicos, comunicação formal/informal e identidade/alteridade, de modo que, entre outros aspectos, a ambiguidade, os conflitos e as contradições sejam percebidos como inerentes à complexidade organizacional. Além disso, verifica-se que pela comunicação manifestam-se a diversidade, a crítica, as resistências, a criatividade, o comprometimento e a (reJorganização. Com base na atual configuração da sociedade contemporânea, as organizações assumem cada vez mais importância. Presentificam seus padrões, seus valores e suas crenças nos diferentes elementos constituintes (econômico, filosófico, psíquico, estrutural, ecológico, político, entre outros) tensionados na tessitura das redes socioculturais. Assim, mais do que simples atravessamento, na qualidade de modelares, as organizações procuram fazer com que suas concepções, seus procedimentos e suas ações se instalem, estrategicamente, na teia social cultura/imaginário. Tecidas juntas, pode-se dizer que as organizações são produto e produtoras da sociedade, ou seja, ao mesmo tempo, são resultado da ação sociocultural e suas construtoras. À medida que a sociedade se estrutura, gera organizações que, por sua vez, (retro)agem sobre a/na teia sociocultural, transformando-a. Na base parece estar a noção de relação, isto é, ao entrar em relação os sujeitos transformam o entorno que os transforma - constroem a sociedade que os constrói - em permanentes processos de (des/re)organização. Nessa perspectiva, a sensação de constante mudança é lugar comum. A sociedade, os grupos, as organizações, as instituições experimentam diferentes níveis de transformação, porém permanentes. Não há lugar para o definitivo, por mais que a cultura tenda a exigir que os padrões, as regras, os valores e suas materializações permaneçam os mesmos por muito tempo. Diante da diversidade de ritmos, intensidades e possibilidades, a teia sociocultural é (retecida todo o tempo, independentemente da vontade dos sujeitos envolvidos e da qualidade dos desdobramentos, ou seja, o fato de ocorrerem contínuas transformações não significa que sempre sejam positivas, adequadas ou ecossistemicamente comprometidas. Na mesma direção, pode-se afirmar que são muitos os agentes/elementos de influência tensionados na tessitura da cultura/do imaginário e da sociedade. Isso exige superar a ideia dos simples determinismos, dos absolutos. A sociedade não parece ser determinada por algo específico. Caracterizada como semovente, em sua permanente tessitura, atualiza aspectos/elementos do imaginário, da cultura, do ecossistema, da subjetividade (dado que, como se verá na sequência, em algum grau, os sujeitos são agentes do/no processo), das estruturas e políticas existentes, bem como elementos cognoscitivos (científicos e/ou não) e paradigmáticos, entre outros. Tem-se, então, a atualização de um conjunto de elementos-força que, amalgamados, geram/regeneram a sociedade e a própria cultura. Nesse sentido, parece evidente que, se, por um lado, as organizações se apresentam como resultados provisórios da cultura do grupo social em que se inserem, por outro, tendem a, paulatinamente, influenciar a (re)elaboração da cultura e do imaginário desse mesmo grupo. Assim, é provável que, em um primeiro momento, os indivíduos que se articulam para criar uma organização tendam a fazer com que ela se realize a partir da cultura/do imaginário do(s) grupo(s) ao(s) qual(is) eles pertencem. Porém, à medida que essa nova organização se desenvolve, também passa a influenciar a cultura/imaginário do grupo no qual está inserida. Além disso, é provável que, quanto mais poder simbólico essa organização construir e exercer sobre esse determinado grupo/sociedade, mais fortes tenderão a ser suas influências e mais frágeis as manifestações de resistência a seus padrões, suas ações, seus procedimentos, seus valores e suas crenças, entre outras coisas. Ao se instituírem (comunicarem e fazerem-se reconhecer pelos seus diferentes públicos/pela sociedade), as organizações atualizam uma espécie de aura simbólica inclinada a envolver os públicos e a realizar-se como poder modelar. Isso pode revelar /esclarecer alguns dos motivos que levam pessoas, empresas e instituições a realizar acirradas disputas por visibilidade (cada vez mais), por reconhecimento e por uma qualificada imagem-conceito, aqui compreendida/explicada como um construto simbólico, complexo e sintetizante, de caráter judicativo/caracterizante e provisório, realizada pela alteridade (recepção) mediante permanentes tensões dialógicas, dialéticas e recursivas, intra e entre uma diversidade de elementos-força, tais como as informações e as percepções sobre a entidade (algo/alguém), o repertório individual/social, as competências, a cultura, o imaginário, o paradigma, a psique, a história e o contexto estruturado (BALDISSERA, 2004, p. 278). Visibilidade, reconhecimento e imagem-conceito que, ao fim, devem traduzir-se, entre outras coisas, em mais poder, vendas, apoios, votos, respeito, credibilidade, reputação e/ou mais lucros e acúmulo de capital. Cada entidade (empresa, instituição e/ou pessoa/grupo) tenderá a agir para atingir alguns desses objetivos, ou mesmo todos. Isso dependerá fortemente da sua natureza (se de capital público, privado ou misto, grande ou pequeno porte etc.), seus pressupostos básicos, sua missão e visão, bem como dos princípios que norteiam sua existência. Não se trata, porém, de julgar se é da qualidade do bem ou do mal. Procura-se, sim, ressaltar o que parecem ser os sempre presentes - em diferentes intensidades - objetivos organizacionais /institucionais/pessoais, mesmo que em alguns casos a entidade não tenha tais objetivos claros, bem definidos. À luz dessas questões, como pensar as organizações e, particularmente, a comunicação organizacional? Em que medida uma reflexão que potencialize a tensão existente entre significação e comunicação pode complexificar os olhares que se lançam sobre os processos de comunicação nas/das organizações? É possível compreender e explicar a comunicação organizacional, em suas diferentes dimensões e interdependências, se o estudo a descolar das noções de identidade/alteridade, processos identificatórios, cultura e imaginário? O “paradigma da complexidade” (perspectiva de Edgar Morin), em especial os princípios dialógico, recursivo e hologramático, constitui-se em lugar/olhar qualificado para uma melhor compreensão e explicação das relações de significação e comunicação atualizadas nas/pelas organizações em suas diferentes materializações significativas e/ou comunicativas? Que desdobramentos e perspectivas são possíveis a partir desse paradigma? Entre muitas, essas são algumas questões que se apresentam a partir do prisma de uma reflexão mais complexa e que, de alguma forma, parecem centrais para os estudos de comunicação organizacional. Nesse sentido, mais do que ser conclusivo, este texto propõe-se discorrer sobre comunicação organizacional e complexidade - ou a complexidade da comunicação organizacional. Apresenta algumas das compreensões e explicações que se construíram sobre essa temática, bem como sobreoutras noções a ela articuladas, entre elas as noções de cultura, de imaginário e de identidade/processos identificatórios. Na mesma direção, portanto, com base nessas reflexões, procura dar relevo a lugares/aspectos que se apresentam férteis pelo “paradigma da complexidade” e, a partir disso, assinala alguns desdobramentos/algumas perspectivas possíveis e prováveis. Propõe-se, também, destacar necessidades de revisões/superações do que se acredita serem formas simplistas de analisar e explicar a comunicação organizacional. A partir desse ponto, para que se possa avançar, destacam- se algumas das ideias basilares do “paradigma da complexidade”, particularmente os três princípios básicos, conforme Morin. O PARADIGMA DA COMPLEXIDADE Da qualidade do dinâmico, o conhecimento é (re)construído/transformado o tempo todo. O ser humano é falível e, portanto, não tem garantias de que, em algum momento, chegue a atingir a verdade absoluta, o conhecimento final sobre algo e/ou alguma coisa. Por isso, à luz de novas descobertas, tecnologias, teorias e/ou paradigmas, precisa estar permanentemente revisando/(re)avaliando o conhecimento que construiu. Nesse sentido, assume relevo a capacidade de duvidar, de questionar o conhecimento construído para ver se ainda se apresenta válido. Seriedade, humildade, flexibilidade e perseverança também são fundamentais para que, ao mesmo tempo em que se duvida do conhecimento construído, no sentido de questionar sua validade e atualidade, entre outras coisas, se possa abandonar o que se apresentar inadequado, retrógrado, superado por novos olhares. Em outras palavras, é preciso preservar a capacidade de abandonar as premissas sempre que elas não se apresentarem suficientemente boas para explicar os fenômenos, as realidades, sejam quais forem suas naturezas/materialidades (virtual, mítica, onírica, mental, concreta). Assim, os resultados de pesquisa não podem ser tomados como definitivos, absolutos ou leituras completas que esgotem o real complexo. Antes, os resultados de uma investigação precisam ser pensados como possíveis e prováveis versões sobre o fenômeno estudado que, em grande parte, tendem a ressaltar alguns dos elementos heterogêneos que estão implicados em tal tessitura (fenômeno). Entretanto, importa dizer que grande parte das pesquisas científicas ainda é desenvolvida a partir de um paradigma que se inclina a valorizar as simplificações no sentido de ressaltar positivamente as descrições e as explicações que, de modo geral, parecem apenas dar conta de alguns dos aspectos dos fenômenos, mas que, no entanto, têm sido aceitas pela sociedade por apresentarem respostas rápidas, objetivas e operacionais. Pode-se dizer que os resultados de tais estudos se revelam “aparentemente” bons, ou suficientemente eficazes, para atenderem às necessidades e exigências imediatas da sociedade contemporânea e/ou para o nível de desenvolvimento do conhecimento atual. Vale lembrar que, muitas vezes, a displicência com o conhecimento o transforma em simples e descartável bem de mercado. Morin denomina essa vontade de ordenar logicamente o universo, que, por sua vez, exige a eliminação do desordenado e do dispersivo, de “paradigma da simplicidade”. Segundo o autor, esse paradigma procura ordenar o universo e expulsar dele toda desordem. A ordem reduz-se a uma lei, a um princípio. A simplicidade vê/quer o uno, quer o múltiplo, mas não pode ver que o uno pode ser ao mesmo tempo múltiplo. O princípio da simplicidade quer separar o que está ligado (disjunção), quer unificar o que está disperso (redução) (MORIN, 2001, p. 86). Segundo essa arquitetura, o conhecimento tende a ser fragmentado, separado e abordado de maneira muito especializada, disciplinar; unificado pela redução e universalizado como verdade. A orientação é que as partes sejam isoladas e estudadas assepticamente para, com isso, explicar o todo. Por um lado, existe esse forte desejo de explicar os fenômenos (o mundo) de maneira simplificada (rápida e universal) - e essa condição tem sido potencializada pelas exigências do mercado, que, pelas suas características (particularmente, o imediatismo do tempo, dos resultados, dos lucros, da visibilidade e dos votos), segue indiscriminadamente as “pregações dos marqueteiros” e cobra respostas sempre mais rápidas, pontuais e espetaculares (focadas no consumismo). Por outro, no entanto, é cada vez mais evidente que essas leis e fórmulas simplificadas/simplificantes, esquemáticas/esquematizantes são insuficientes quando confrontadas com a realidade complexa. Por realidade complexa entenda-se aquela que se atualiza, entre outros aspectos, como emaranhado de interações, retroações, inter-relações, tensões, conflitos, resistências, cooperações, desorganizações e desordem. Com vistas ao avanço do conhecimento - portanto, em busca de um paradigma que permitisse conhecer sem eliminar da realidade complexa o heterogêneo, o desordenado, o imprevisto e o não-lógico, ou seja, para que as tensões atualizadas em qualquer fenômeno não fossem (não sejam) postas em suspenso/neutralizadas para atender os desejos de se atingir uma explicação simplista/simplificante -, Morin realiza importante diálogo com outros pensadores e teorias de modo a apresentar/desenvolver o “paradigma da complexidade”. À primeira vista, a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido em conjunto) de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados: coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Na segunda abordagem, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal (MORIN, 2001, p. 20). A complexidade, como princípio regulador, consiste no tecido fenomenal que constitui o mundo. O todo constitui uma realidade complexa em que, de alguma forma e em algum nível, tudo se liga e se relaciona de modo a formar um único e inseparável tecido: o complexus. Morin (1996a, p. 278) observa que o todo apresenta qualidades e propriedades não presentes nas partes separadas, pois emergem no nível do todo, e que, por sua vez, retroagem sobre as partes. “O todo, portanto, é mais que a soma das partes. Mas, ao mesmo tempo, é menos que a soma das partes, porque a organização de um todo impõe constrições e inibições às partes que o formam, que já não têm tal liberdade.” Por exemplo, no caso de uma determinada cultura organizacional, essa cultura consiste no todo, como resultado de relações, interações, inter-relações e retroações entre as partes. Nesse sentido, a cultura organizacional (todo) assume qualidades/propriedades que não existem nas partes, pois resultam das relações que os indivíduos-sujeitos realizam na organização, a partir de um contexto específico. O todo se configura como mais do que as partes, visto que essas qualidades específicas não existem nas partes (aqui, qualificadas como menos). Por sua vez, os indivíduos-sujeitos (partes), antes de serem integrantes constitutivos/construtivos da cultura organizacional (todo), são portadores (construtores e construções) da cultura de seus grupos socioculturais anteriores e atuais (família, comunidade e outros grupos). Assim, como partes, apresentam/portam determinadas qualidades culturais que não são atualizadas pela cultura organizacional (não estão presentes nela). Portanto, as partes apresentam-se como mais do que a cultura organizacional que é o todo. Nessa direção, Morin (1996b, p. 278) afirma a necessidade de se substituir a ideia de objeto pela noção de sistema, pois “todos os objetos que conhecemos são sistemas, ou seja, estão dotados de algum tipo de organização”. Observa que um sistema consiste em um todo em que os diferentes elementos constituintes são articulados e encaixados pela organização,com vantagens e constrições; como organizações vivas, são auto-eco-organizadas. Daí ser possível às sociedades humanas tolerarem certos níveis de desordem que, segundo o autor, em alguns aspectos, é o que se chama de liberdade. A desordem é necessária à criação e à invenção, uma vez que, de alguma forma, é um desvio diante da ordem estabelecida pelo sistema. Na mesma perspectiva, quando Morin (1996b, p. 279) afirma que se devem considerar sistemas, e não objetos, significa que “o próprio sistema pode ser considerado como parte de um polissistema, é como se estivesse rodeado por um ecossistema, oferecendo-nos assim a possibilidade de reconsiderá-lo em seu ambiente. [...] O que nos circunda está em nós”. Dessa forma, o pensamento complexo procura religar o que foi/está separado, contextualizar o dissociado, interligar o fragmentado, reunir o disperso, historicizar o intemporal. Nesse prisma, importa destacar que, de acordo com o autor, a noção de sistemas abertos traz duas importantes consequências: 1) “as leis de organização do sistema vivo não são de equilíbrio, mas de desequilíbrio, recuperado ou compensado, de dinamismo estabilizado”, e 2) “a inteligibilidade do sistema deve ser encontrada não apenas no próprio sistema, mas também na sua relação com o meio, e esta relação não é uma simples dependência, é constitutiva do sistema” (MORIN, 2001, p. 32). Nessa perspectiva, pode-se dizer que a compreensão de um sistema exige que se estude, também, o meio em que ele se insere, ou seja, considerando- se que o meio é, ao mesmo tempo, parte e exterior ao sistema, a compreensão complexa precisa investigar as relações que o sistema estabelece, as inter-relações e interações que realiza, os conflitos, os choques e as resistências que materializa com o/no entorno. O meio é, concomitantemente, íntimo - desempenha um papel coorganizador - e estranho ao sistema - visto que este não é autossuficiente, não pode se autobastar fechando-se em si. Desse ponto de vista, pela complexidade, o sujeito! pensante é concebido como produtor e produto de seu pensamento e de suas construções. Da mesma forma, pelas interações entre indivíduos cria-se uma organização que tem qualidades próprias, em particular a linguagem e a cultura. E essas mesmas qualidades retroatuam sobre os indivíduos desde que vêm ao mundo, dando-lhes linguagem, cultura etc. Isso significa que os indivíduos produzem a sociedade, que produz os indivíduos (MORIN, 1996a, p. 48). Nesse sentido, não mais é possível pensar o sujeito como da qualidade do passivo. Essa compreensão (re)afirma o sujeito como do lugar da agência, da atividade, exigindo um olhar que se afaste dos lugares determinísticos e deslize para os das tensões, das possibilidades, das influências, da dialética e da recursividade. Se, por um lado, o sujeito é resultado do entorno ecossociocultural, por outro, é seu construtor. Ainda no sentido de melhor compreender o “paradigma da complexidade”, importa dizer que o pensamento complexo não é completo - não acredita na onisciência - e exige a auto- observação e a autocrítica do observador-conceituador, pois “sabe que é sempre local, situado em um tempo e em um momento. [...] Sabe de antemão que sempre há incerteza” (MORIN, 1996b, p. 285). Além de apenas apontar para a quantidade de unidades (partes) e interações que se atualizam em um sistema (todo), o pensamento complexo procura compreender/explicar as incertezas, as indeterminações e a presença dos fenômenos aleatórios, isto é, trata de dar relevo à ideia de acaso: o pensamento complexo atualiza o permanente contato com o acaso. Este último deve ser reconhecido e integrado como imprevisto e, também, como acontecimento. Da perspectiva do pensamento complexo, Morin (1999, p. 222) afirma que se apresentam tensionados, de modo permanente e complementar, “processos virtualmente antagônicos que tenderiam a se excluir. Assim, todo o pensamento deve [...] duvidar e crer; deve recusar e combater a contradição, mas ao mesmo tempo assumi-la e alimentar-se dela”. Sem que se reduza à incerteza, a complexidade atenta para ela no interior dos sistemas, ricamente organizados, de modo a relacionar os “sistemas aleatórios cuja ordem é inseparável dos acasos que lhes dizem respeito. A complexidade está, portanto, ligada a uma certa mistura de ordem e de desordem, mistura íntima” (MORIN, 2001, p. 52). O autor ressalta que a idéia fundamental da complexidade não é que a essência do mundo é complexa e não simples. É que esta essência é inconcebível. A complexidade é a dialógica ordem/desordem/organização. Mas, por detrás da complexidade, a ordem e a desordem dissolvem-se, as distinções dissipam-se. O mérito da complexidade é denunciar a metafísica da ordem (MORIN, 2001, p. 151). Dito isso, apresenta-se o que Morin define como os três princípios básicos do pensamento complexo e que perpassam essa reflexão: o dialógico, o recursivo e o hologramático. O princípio dialógico funda-se “na associação complexa (complementar, concorrente e antagônica) de instâncias necessárias junto à existência, ao funcionamento e ao desenvolvimento de um fenômeno organizado” (MORIN, 2000b, p. 201) (grifo nosso). Procura compreender a complexa lógica que, para além do lugar da justaposição, associa/une termos do tipo ordem/desordem, sapiens/demens, organização/ desorganização, como noções ao mesmo tempo antagônicas e complementares, atualizadas nos processos organizadores do sistema complexo. É a partir disso que noções “inimigas”, como ordem e desordem, em certos casos, mais do que uma suprimir a outra, produzem organização. Assim, “o princípio dialógico permite-nos manter a dualidade no seio da unidade” (MORIN, 2001, p. 107). Na mesma direção e na perspectiva da comunicação organizacional, pode-se pensar na noção de dialogismo como basilar para que a diversidade se manifeste, ou seja, na medida em que a comunicação se qualifica como dialógica, apresenta-se como lugar e meio para que os sujeitos possam se realizar como diversidade, atualizando suas ideias, seus pensamentos, suas concepções e/ou suas diferenças sem que uns se sobreponham aos outros. Tem-se, então, que a comunicação, no prisma do dialogismo, compreende sujeitos- força em relação de tensão, influenciando e sendo influenciados, isto é, os sujeitos realizam-se como forças em relação - não se trata de sobredeterminação - e, portanto, a significação da/na comunicação se atualiza no acontecer, pela disputa de sentidos que os sujeitos materializam no ato comunicacional. Como segundo princípio temos o recursivo ou da recursão organizacional. Para ilustrar a ideia de recursividade, Morin (2001, p. 108) lembra o processo do redemoinho: cada momento é produto e produtor do redemoinho. “Um processo recursivo é um processo em que os produtos e os efeitos são ao mesmo tempo causas e produtores daquilo que os produziu”. Assim, o efeito pode ser pensado como causador do que o causa, construtor do que o constrói. Pela recursividade, os indivíduos em interação constroem a sociedade que, retroativamente, os constrói/reconstrói. Dessa forma, rompe-se com a perspectiva da linearidade causa/efeito, produto/produtor. Evidencia-se a ideia de que, em algum nível e de alguma forma, tudo o que é produzido volta-se para o seu produtor, pois “os produtos e efeitos gerados por um processo recursivo são, ao mesmo tempo, cocausadores desse processo” (MORIN, 2002a, p. 102). Nesse sentido, tratando-se de sistemas organizacionais, pode-se dizer que, em diferentes momentos e intensidades, as organizações: a) são resultados provisórios (mudam permanentemente) da interação dos diferentes sujeitos-força (cada um dos indivíduos que compõem a organização ou que, de alguma forma, a ela se articulam), mesmo quando da sua concepção/criação;b) ecossistemicamente tensionadas sofrem influências diversas, seja do entorno cultural, social, ecológico e/ou político, entre outros; c) ao mesmo tempo em que são (retecidas, também são agentes na tessitura do entorno ecossistêmico, bem como dos sujeitos-força que nela/com ela interagem. Vale observar que essa compreensão implica reconhecer que as transformações daí decorrentes ocorrem de maneira multidirecional, sem uma necessária ordenação. A tessitura que resulta desse processo não está definida a priori nem se apresenta com o caráter de concluída. Por sua vez, pelo princípio hologramático, que ultrapassa as ideias do holismo (foco único no todo) e do reducionismo (foco único nas partes), Morin (2002, p. 101) pontua a noção de que “a parte não somente está no todo; o próprio todo está, de certa maneira, presente na parte que se encontra nele”. No entanto, quanto à aptidão para regenerar o todo, o autor observa que a parte pode ser mais ou menos apta. Conforme se ressaltou, o todo pode apresentar qualidades e propriedades não presentes nas partes, visto que estas podem emergir na tecedura desse todo, e as partes, por sua vez, características que não são atualizadas pelo todo, donde a afirmação de que as partes são, ao mesmo tempo, mais e menos do que o todo. Do prisma do hologramático, as organizações (todo) atualizam características que podem não estar presentes nas partes, isto é, algumas características da organização, por exemplo, alguns dos significados presentes na cultura organizacional - resultantes dos processos dialógicos, dialéticos e recursivos que tomam lugar na organização - podem não se fazer presentes nas partes. Da mesma forma, nem todas as significações da cultura dos sujeitos (partes) se realizam na cultura organizacional. Então, entre outros aspectos, tem-se que o simbólico organizacional - a cultura - apresenta como: a) excedentes as porções de significação somente presentes aí; b) similar /idêntico o simbólico que está presente tanto nas partes quanto no todo; e c) insuficiente /ausente o simbólico que somente está presente nas partes, por exemplo, memória/vestígios da cultura de um grupo (ou mais grupos) ao qual (aos quais) o sujeito pertenceu anteriormente e/ou ainda pertence. Evidencia-se, assim, o fato de que a (re)construção da organização exige permanentes tensões entre sujeitos. Nessas tensões, os sujeitos atualizam diferentes níveis de interações, resistências, disputas e colaborações que tendem a resultar em uma aparente organização, uma certa sensação de estabilidade organizacional. Saliente-se, novamente, que nesses aparentes e necessários níveis de organização, em uma perspectiva dialógica, a dualidade se realiza permanentemente, isto é, a desorganização está em constante tensão com a organização, a ordem com a desordem, a resistência com a colaboração. Dessa dialógica atualizam- se/materializam-se os possíveis desdobramentos em novas situações de ordem/desordem/organização. Trata-se da efervescência que se realiza no sistema que se auto-exo- organiza; ao mesmo tempo, a organização é autônoma e dependente. Observe-se, ainda, que essas articulações, interações, lutas, inter-relações, disputas e associações se constituem em terreno fértil para o desenvolvimento, a criação, a mudança, a inovação. Essa reflexão parece ter evidenciado o fato de que os princípios da complexidade são concomitantes e complementares, isto é, “a idéia hologramática está ligada à idéia recursiva, que, por sua vez, está em parte ligada à idéia dialógica”, segundo Morin (2001, p. 109). O autor destaca outros princípios para a inteligibilidade complexa, que, no entanto, não serão abordados aqui, e ressalta que os princípios da complexidade são “necessariamente princípios de distinção, de conjunção e de implicação” (MORIN, 2001, p. 112). Conforme se afirmou, nesse paradigma procura-se articular /tensionar/(re)ligar o que está separado, bem como revelar/fazer emergir as implicações existentes entre as partes, entre as partes e o todo, bem como entre as partes, o todo e o entorno ecossistêmico, para, com isso, melhor compreender/explicar a realidade complexa em suas interdependências, seus enredamentos e suas tensões. Ainda na direção de melhor apropriação das ideias do “paradigma da complexidade”, é relevante destacar que Morin (2000, p. 339) afirma, também, que a teoria não é nada sem o método e que este é a “atividade pensante e consciente” do sujeito. Acrescenta que o método é “de “pilotagem”, de articulação. A maneira de pensar complexa prolonga-se em maneira de agir complexa”. Portanto, o método implica/consiste em se trilhar um caminho, de maneira coerente com a noção de complexidade (as ideias de verdade aí presentes). Pode-se dizer que o método está na própria forma de caminhar, de proceder, de pensar e de conhecer. Não se trata de um caminho fechado, com passos previamente ordenados, mas de um caminho multidimensional, plural, transversal e indisciplinar que se materializa pela articulação dos princípios tecidos no engrema? da complexidade. O método é um memento, ou seja, um lembrete, segundo Morin. Por fim, é preciso dizer que a opção pelo “paradigma da complexidade” deve-se, fundamentalmente, ao fato de esse paradigma permitir que se reflita sobre os processos de comunicação organizacional em profundidade, mantendo presentes as contradições, as incertezas, as tensões, os desvios, as resistências, a desordem e a desorganização. Sua fertilidade está, também, na possibilidade de se realizarem articulações teóricas, bem como no fato de ele não propor a busca de respostas finais, universais e/ou verdades absolutas, mas a compreensão/explicação do real complexo. Nessa ordem de ideias, ele permitirá que se atualize um estudo multidimensional para que se possam desvelar e compreender as teias que materializam relações, interconexões e interações nos processos de comunicação organizacional e, com base nisso, refletir sobre possíveis e prováveis desdobramentos e perspectivas, uma vez que o pensamento complexo, ao mesmo tempo, reúne, contextualiza, globaliza, mas também reconhece o concreto, o individual, o particular, o singular. A seguir, para que se possa aprofundar o estudo sobre comunicação organizacional, apresenta-se sucintamente a compreensão que se tem das noções de cultura, imaginário, identidade e processos identificatórios. SOBRE CULTURA, IMAGINÁRIO E PROCESSOS IDENTIFICATÓRIOS Na perspectiva assumida neste estudo, pode-se afirmar que as ideias de cultura, imaginário, identidade/alteridade e processos identificatórios se realizam em forte tensão. Como o objetivo deste trabalho não é o de aprofundar a reflexão sobre essas noções, procura-se apenas apresentar a compreensão que se tem sobre elas, pois são fundantes para a comunicação organizacional. Nessa direção, principia-se com a noção de cultura, particularmente com a afirmação de Geertz (1989, p. 15) quando diz: “acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado em teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise”. Assim, o estudo da cultura não deve ser experimental à procura de leis, mas interpretativo “à procura do significado. É justamente uma explicação que eu procuro, ao construir expressões sociais enigmáticas na sua superfície”. Essa perspectiva de investigação cultural procura elucidar os padrões de significação, bem como explicar interpretativamente a significação que é incorporada às formas simbólicas. Nesse sentido, afirma-se que cada sociedade constrói suas representações de mundo, que podem ser diferentes e/ou ter significação diversa para os diferentes grupos socioculturais. Os sujeitos/grupos humanos, ao tecerem as teias de significados (cultura), prendem-se a elas e/oupercebem-se presos nelas. Daí a afirmação de Geertz (1989, p. 22) de que “a cultura é pública porque o significado o é”, pois os significados, como cultura, caracterizam-se por serem construídos por sujeitos em interação. Importa destacar que a noção de sujeito aqui adotada se configura com base no pensamento moriniano. Sucintamente, para o autor, o sujeito auto-exo-referencia-se/organiza-se em processos dialógico-recursivos. Ser sujeito não quer dizer ser consciente; também não quer dizer ter a afetividade, sentimentos, ainda que evidentemente a subjetividade humana se desenvolva com afetividade, com sentimentos. Ser sujeito é colocar-se no centro do seu próprio mundo, é ocupar o lugar do “eu”. [...] Cada um só pode dizer “eu” por si próprio (MORIN, 2001, p. 95). Na mesma direção, o autor observa que “a noção de sujeito só toma sentido num ecossistema (natural, social, familiar etc.) e deve ser integrada num metassistema” (MORIN, 2001, p. 71). Assim, rompe-se com a ideia do sempre-já-sujeito, proposta por Althusser [19--], que configura os sujeitos de modo sempre assujeitados e determinados pelo entorno/contexto. Como superação dessa perspectiva esterilizante, que condena o sujeito à permanente reprodução do sistema, tem-se que os sujeitos são, ao mesmo tempo, construtores e construções da sociedade e da cultura; se, por um lado, os sujeitos são resultados da ação sociocultural, por outro, agem sobre a sociedade e a cultura gerando-a e/ou regenerando-a. Atualiza-se, dessa forma, a ideia de permanente tensão dialética/dialógica entre sujeitos e entre os sujeitos e seus contextos. Quando dessas relações, já não se trata de sobreposição e/ou sobredeterminação de forças, mas, na perspectiva de Bakhtin? (1999), de diálogo entre os sujeitos/contextos em relação. Portanto, os sujeitos não são simplesmente eliminados uns pelos outros e tampouco o são pelas culturas. Eles permanecem ativos, com diferentes níveis de agência (força, influência, resistência, disputa, colaboração etc.) diante de sua alteridade, seja ela uma empresa, uma instituição, uma cultura organizacional, um processo/sistema, outro sujeito e/ou grupo. Tomando-se como exemplo a cultura de um determinado grupo social (uma empresa qualquer), pode-se dizer que sua aparente/visível organização/ordenação cultural (regras, normas, mitos, rituais, crenças, padrões, histórias, entre outras manifestações) é possível pela desorganização/desordem nela tensionada. Em outras palavras, a cultura desse grupo, como organização/ordenação, pressupõe desorganização/desordem em sua permanente efervescência (re)constitutiva/transformativa, de modo que, concomitantemente, organização e desorganização são lugares antagônicos e complementares, amalgamados na teia cultural. Novamente, reafirma-se a ideia de que isso exige que o olhar sobre a noção de conflito deslize de uma compreensão que o caracteriza /estigmatiza como da qualidade do negativo para uma que o qualifique como fundante/catalisador da possibilidade de transformação, criação, inovação. Desses/nesses processos interativos criam- se/desenvolvem-se/transformam-se as culturas, as sociedades, as estruturas, as organizações ou, nas palavras de Morin (1996a, p. 48), cria-se “uma organização que tem qualidades próprias, em particular a linguagem e a cultura. E essas mesmas qualidades retroatuam sobre os indivíduos desde que vêm ao mundo, dando-lhes linguagem cultura etc.”. Presentifica-se, então, o princípio da recursividade, com o qual se rompe com a ideia linear de causa/efeito. Pode-se dizer, também, que é fundamentalmente pelas tensões atualizadas nas relações sujeitos/entorno/contextos que os sujeitos se apropriam de/são maculados por/assumem características do entorno e, por sua vez, O constroem/transformam. Hologramaticamente, os sujeitos são portadores da cultura do seu grupo sociocultural, além de presentificarem-se/ realizarem-se nela, isto é, não são apenas resultado de tal cultura mas também seus construtores. Assim, com Morin (1996a), a noção de sujeito que se assume é aquela que compreende/explica o indivíduo como, ao mesmo tempo, autônomo e dependente do meio. Autônomo, por se auto-organizar; dependente, por necessitar de energia externa para realizar essa organização. Dessa forma, não se configura simplesmente de modo determinado, mas como agente no processo de construção de “si mesmo” e do entorno material e simbólico, ou seja, interage com a sociedade construindo-a e sendo construído por ela. Deslocado de um lugar de passividade, de simples reprodução, o sujeito é pensado como força em diálogo e, por isso, também, propositor e criador. Em relações e interações desorganiza/(re)organiza a si mesmo e o seu entorno sociocultural, evitando sua cristalização. Atualizando diferentes níveis de consciência, influência, autonomia e dependência, constitui-se em agente da/na estruturação da sociedade, da cultura, do imaginário e dos paradigmas. Tende a urdir uma história de si mesmo (HALL, 2000), suturando as descontinuidades, as incoerências, as fraturas, as contradições, para realizar-se como identidade coesa, coerente e organizada diante da alteridade, que, em princípio, é o lugar da desorganização - o “outro” interpela, desestabiliza e desorganiza. Com base na história linear e coerente que construiu sobre/para si mesmo e por algo como suspensões/esquecimentos, o sujeito tende a eliminar a possível desorganização e a experimentar a confortável sensação de autocontrole e/ou de autoconhecer-se, de saber quem é. Procura assumir, mesmo que simbolicamente, as rédeas de sua vida. Com base nessa reflexão, afirma-se que o indivíduo-sujeito é construtor e construção, tece e é tecido nos processos histórico-socioculturais, objetiva-se pela consciência de si mesmo, cria, mas também sofre sujeição, experimenta a incerteza, é egocêntrico e tem autonomia-dependência, sofre constrições e contingências e auto-eco/exo- organiza-se. Trata-se, portanto, de um sujeito agente, com diferentes graus de autonomia, influência e consciência frente à diversidade de situações eco-histórico-sócio-estruturais (BALDISSERA, 2004, p. 86-87). Preso às teias de significação, o sujeito recebe prescrições e proscrições sobre o que deve pensar e como deve agir no grupo e diante dos demais grupos socioculturais para ser positivamente sancionado. Em outras palavras, a cultura, o imaginário e os paradigmas procuram orientar/determinar o lugar que o sujeito pode/deve assumir na estrutura sociocultural. No entanto, o sujeito tende a dialogar, disputar, usurpar, apropriar-se de e (recriar esses lugares. Não se trata, aqui, de apenas resistir à ordem posta, ou de simples forma de enfrentamento, mas também da possibilidade de o sujeito atualizar (consciente e/ou inconscientemente) o seu saber-fazer, o exercício de criação. O sujeito pode apropriar- se da ordem posta e inventar novas formas de consumi-la e/ou de subvertê-la. Segundo esse prisma, o sujeito apresenta-se como elemento perturbador da cultura e do imaginário, socialmente organizados. É a necessária desorganização à organização dos sistemas abertos, isto é, o sujeito, na medida em que se exerce como força em diálogo, provoca desordem, pois, entre outros aspectos, conscientemente ou não, procura converter a cultura e o imaginário em domínios próprios, assimilando-os. Nessa perspectiva, quer parecer que, ao tentar apreendê-los, acaba por desorganizá-los, pois, provavelmente, não os apreende por completo; internaliza/apropria-se de partes, (rejorganizando-as em um todo que, a partir do seu repertório e de competências eco-psico-fisio-socioculturais, consegue construir; interage como autônomo-dependente. Nesse sentido, mesmo que rapidamente, é preciso recuperar a noção de imaginário! , que, de acordocom Maffesoli (1995, p. 75), consiste no “cimento social”; “uma força social de ordem espiritual, uma construção mental, que se mantém ambígua, perceptível, mas não quantificável”. Superando a ideia simplista de que o real se opõe ao imaginário, Silva (2003, p. 7) afirma que “todo imaginário é real. Todo real é imaginário. O homem só existe na realidade imaginal, Não há vida simbólica fora do imaginário. [...] O concreto é empurrado, impulsionado e catalisado por forças imaginais”. Tem-se, então, que o ser humano constrói o entorno, sua alteridade, imaginando-o. De acordo com Ruiz (2003), a imaginação é anterior à racionalidade consciente. Esse imaginar foi/é articulado pela sociedade como forma de conhecer; constitui-se no conjunto de imagens/representações que ele tem do mundo sensível. Pela/na interação de sujeitos (que imaginam), o imaginário é atualizado. Assim, se, por um lado, o imaginário é da qualidade do social, consistindo, portanto, em uma força que mantém os grupos sociais coesos e com uma certa estabilidade, pois orienta suas percepções e apreciações, por outro, tem o sujeito como agente imaginal que continuamente se apropria do imaginário social, desorganiza- o, emprega-o e, também, age sobre ele. O indivíduo-sujeito estabelece diálogo com o imaginário e, recursivamente, imprime marcas nele e o transforma. Nessa direção, pode-se dizer que o imaginário atualiza, pelo menos, dois movimentos aparentemente contraditórios, mas que são complementares e fundamentais para a manutenção e o revigoramento do sistema. Um deles, a partir do imaginário como matriz, repertório, memória e patrimônio social, convoca o sujeito a seguir suas prescrições e proscrições; o outro, catalisado no “sem-fundo”? humano (RUIZ, 2003), portanto, pelo sujeito-indivíduo, manifesta-se como efervescência criativa que extravasa pelas fissuras do imaginário social, causando desordem, corrosões, transformações e novas organizações. Presentifica-se, assim, a tensão cultura/imaginário, uma vez que a fertilidade/ação criativa trazida à luz pelo/no imaginário, além de revitalizar o próprio sistema, tende a desaguar na cultura, regenerando-a. Essa afirmação exige que se pense a relação cultura/imaginário como uma articulação que conecta e, em parte, sobrepõe e mistura os sistemas. Imaginário e cultura realizam uma tensão em que cada sistema é mais e menos do que o outro. Nesse contexto, tende-se a afirmar que a cultura, como rede simbólica, articula dois lugares: o simbólico abstrato e as manifestações simbólicas. No nível do simbólico abstrato, quer parecer que a cultura está dialógica e recursivamente amalgamada com o imaginário: misturam-se, revigoram-se, catalisam-se, desorganizam-se e (re)organizam-se. Desse lugar, a cultura sai em direção ao nível das manifestações para, além de apenas reproduzir a organização, mate-rializar- se como ato criativo, desorganizando/(re)organizando a ordem posta. Por sua vez, o imaginário, que, recursivamente, se enredou nos padrões e nas regras socioculturais, lança-se em um novo mergulho ao “sem-fundo” humano, procura libertar-se das amarras e irrompe em novas possibilidades e fertilidade de criação e inovação. A cultura parece precisar do imaginário para não se cristalizar em ato circular, isto é, tornar-se pura reprodução. Por seu turno, o imaginário precisa da cultura para não se converter em pura criação dispersiva, para não se dissipar em possibilidades. Trata-se da necessária interdependência dialética, dialógica, recursiva e hologramática, que, em algum nível e forma, evita o excesso de organização que tenderia a cristalizar a cultura e a tornar o imaginário pura dispersão. Cultura, imaginário, sujeito e sociedade, na qualidade de sistemas, não apenas se autorregulam, mas se apresentam como reguladores de suas alteridades ou auto-eco-exo-regulados/reguladores. Da mesma forma, pode-se refletir sobre a relação identidade-alteridade. O sujeito tende a perceber-se como sujeito identitário construído em relação à sua alteridade, especialmente sobre as diferenças. A consciência de “si” exige que perceba o mundo como distante. Nesse sentido, concomitantemente, o sujeito constitui a “si” como identidade e o “outro” como alteridade. Porém, com base nas teorizações de Landowski (2002), é possível pensar que o “outro” está presente no “eu” e vice-versa. Essa questão suspende a ideia de a identidade ser pura, asséptica, una, coesa, reta e, principalmente, “sempre” diferente da alteridade. Em vez disso, propõe-se que a identidade e a alteridade - dialógica, recursiva e hologramaticamente - se fazem presentes uma na outra, e não apenas uma para a outra. Tem-se, então, que o “outro” não é somente diferença mas também semelhança. Essa compreensão é fértil para pensar os processos identificatórios. Conforme Maffesoli (1996) e Hall (2000), entre outros, mediante deslizamentos, a noção de identidade deu lugar à de identificações. Assim, e com base na compreensão de sujeito que se destacou, o sujeito identitário constitui-se como possibilidade identificatória, que, em diferentes relações com a alteridade, pode atualizar processos de identificação diversos. Quer parecer, então, que a identidade se apresenta como uma força que reúne e “gere” as possibilidades de identificação, ou seja, como complexus de identificações, a identidade é a tessitura e, ao mesmo tempo, a força que mantém juntas (justapostas, tensas e/ou amalgamadas) as várias identificações possíveis de um indivíduo-sujeito e, portanto, também de uma organização, cultura e/ou sociedade. Entre outros aspectos, essa força age para que, quando dos processos identificatórios, os sujeitos realizem as identificações possíveis ou, caso contrário, para que percebam a impossibilidade de identificação, a existência da antipatia, da repulsa. É também essa força que tende a fazer com que o sujeito, mesmo fragmentado, se perceba como coeso, único, coerente, visto que se realiza como tessitura. Nesse sentido, a elaboração das consistênciasé identificatórias tenderá a definir as “possibilidades”, as “temporalidades” e as “intensidades” de identificação”. Assim, uma vez que as identificações sejam possíveis, no prisma da temporalidade, estas podem materializar-se, tendendo ao “momentâneo”, ao “temporal” e ao “permanente”. Quanto às intensidades da identificação, é provável que se realizem com uma diversidade de graus, porém, operacionalmente, parece produtivo restringi-las a três categorias: de “alta”, “média” e “baixa” intensidade de aderência. Cabe observar que, quando dos processos identificatórios, é possível que se atualizem diferentes combinações dessas tendências, pois são interdependentes das entidades inter-relacionadas e das suas especificidades contextuais. Assim, evidencia-se, novamente, a ideia de relação como basilar para a cultura, para o imaginário e para a construção da identidade/alteridade. Por fim, com base no que se disse, importa destacar que, como afirma Ruiz (2003, p. 59), conhecer o “mundo implica uma construção de sentido”. Desse ponto de vista, a apropriação que o ser humano faz do mundo consiste em uma construção simbólica, um sentido de mundo. Além disso, esse mundo que o sujeito constrói como sentido tende a ser mediado, filtrado e influenciado pela cultura e pelo imaginário, isto é, em algum nível, a cultura e o imaginário prescrevem as lentes que o sujeito “deve/deveria” empregar para perceber o mundo sensível e organizá-lo como conhecimento; para a identidade construir a alteridade e a si mesma. Dessa maneira, o sujeito não conhece o mundo em si (imediato); precisa interpretá-lo, precisa da hermeneusis. Essa mediação é constituída pelo sentido que a pessoa cria para tudo o que a rodeia” (RUIZ, 2003, p. 59). Na medida em que o sujeito atribui sentidoao mundo, tece o imaginário e a cultura, prende-se a eles e é, recursivamente, tecido. Dessa forma, a ideia de tecer a rede de significados atualiza a de que a cultura está imbricada na história, na estrutura e nas relações de poder, ou seja, a significação não acontece descolada do seu processo histórico e pressupõe relações de poder, uma vez que os sentidos exigem sujeitos em relação e essas relações, em algum nível, são de força. Disso pode-se inferir que a tessitura da rede simbólica, que ocorre em uma estrutura específica (o que não significa dizer que a estrutura seja fixa; pelo contrário, pensa-se em uma estrutura flexível e eco-exo-auto-organizante), pressupõe tensões. Importa ressaltar, ainda, que a importância dessa reflexão sobre as questões de cultura, imaginário, identidade/alteridade e processos identificatórios está em permitir que se mergulhe em profundidade para melhor compreender e explicar a comunicação organizacional. A seguir, apresenta-se a compreensão que se tem a respeito de comunicação. SOBRE COMUNICAÇÃO Nesse ponto, após discorrer sobre algumas das noções que se acredita serem fundantes para pensar a ideia de comunicação, é possível dizer que, se a cultura, conforme Geertz (1989), é a teia de significados tecida pelos sujeitos, a comunicação é, então, o processo como possibilidade de existência desse tecer, dessa tessitura. Assim, compreende-se por comunicação o “processo de construção e disputa de sentidos” (BALDISSERA, 2004, p. 128)8. A noção de construção, nesse caso, atualiza a ideia de que os signos” e, portanto, a significação estão em permanente construção/transformação, pois não são entidades acabadas. A cada novo emprego, novas porções de significação podem ser associadas ao mesmo signo. Da mesma forma, significação semelhante pode ser associada a vários signos. Isso compreende a noção de que, ao (reltecer o complexus sociedade-cultura, os sujeitos, em sua cotidianidade, (re)jconstroem/transformam de modo permanente a significação do mundo, independentemente da qualidade dessa construção. Nesse contexto, novas situações tendem a resultar em novas significações, pois estas não podem ser separadas das situações concretas dos lugares em que se realizam. Dessa maneira, se o signo não consegue apreender o mundo (independentemente da configuração de sua realidade: material, abstrata, sonho, imaginário e/ou de qualquer outra forma de existência), e a significação experimenta o permanente “vir a ser”, então a interpretação é da condição do possível. Nesse sentido, mediada pelas linguagens, a compreensão de mundo, dos fenômenos, da existência, também tenderá a ser apenas parcial, uma aproximação. Tomando-se por base os processos comunicacionais, portanto articulações de signos - sentidos/significação e semiose -, é possível afirmar que, por mais que se empreguem códigos estreitos na construção das mensagens, a interpretação tenderá a ser um exercício de aproximação (negociação e disputa) entre os sentidos que são propostos (postos em circulação) pelos sujeitos em comunicação e a significação que é por eles individualizada, internalizada. Na mesma direção, importa esclarecer que a ideia de disputa não se refere às disputas físicas, hierárquicas e/ou econômicas, mas, sim, àquelas que dão conta das tensões que se estabelecem entre os sujeitos (forças) em relação comunicacional (dialógica, dialética e recursivamente) para que os sentidos/significados em circulação na cadeia de comunicação sejam internalizados pelos diferentes sujeitos. Isso significa admitir que a comunicação se caracteriza por exigir/ser relação. A partir da compreensão de que a possibilidade de a comunicação se realizar está na possibilidade de as relações se estabelecerem, a noção de relação apresenta-se como fundante das materializações comunicacionais, ou seja, comunicação pressupõe relação (requer ligações/encontros/tensões, mesmo que possam ser em níveis mínimos, entre, pelo menos, dois: relação “eu”-”outro”). Se a ideia de relação é fundante da noção de comunicação e, de acordo com Foucault (1996b, p. 75), as relações são de força, pode-se dizer que comunicação é disputa. A disputa que se quer destacar é a de sentidos, isto é, aquela que se estabelece entre os sujeitos, quando das relações comunicacionais, tensionando oferta-circulação- internalização de sentidos/significados pelos sujeitos em relação dialógico-recursiva. Não se trata, também, de descolar a comunicação do contex to e pensá-la como ocorrência em uma espécie de limbo, em condições perfeitamente lógicas de realização. Antes - e principalmente -, é por se considerarem os múltiplos fatores de influência inter-relacionados no processo que se pensa em relações dialógicas e disputas, uma vez que para a atualização comunicacional concorrem influências diversas e multidirecionais. Daí que os contextos orientam a significação dos enunciados. A comunicação é, então, lugar de sujeitos (forças) em relações dialógico-recursivas e hologramáticas. Participantes do processo comunicacional, propõem, disputam e internalizam sentidos. Pela/na comunicação, os sujeitos, como forças ativas, reativas, organizadoras, desorganizadoras, complementares e antagônicas, são tensionados e, em diferentes graus e formas, exercem-se para direcionar, de algum modo, os sentidos que desejam (consciente e/ou inconscientemente) ver internalizados e digeridos pelo outro em relação. Nessa perspectiva, as disputas de sentido nos processos comunicacionais não são de sobredeterminação de uma força à outra força em relação, mas de diálogo que torna presentes os sujeitos (identidade/alteridade) e, em diferentes graus, os tensiona. Assim, ao construir a comunicação, eles são por ela construídos. Talvez esse seja um motivo fundante para a necessidade de o ser humano comunicar, para experimentar, entre outras coisas, o prazer de sentir-se transformador e transformado, o gozo do dominar e ser dominado, a sensação de, pela relação/pelo encontro, ser igual e diferente - o “mesmo” e o “outro”, ou seja, estar no “outro” e perceber/reconhecer o “outro” em “si mesmo”, porém, não em estado de equivalência. Desse ponto de vista, a comunicação assenta-se como ambiente e fluxo privilegiados para as inter-relações e interações culturais/identitárias. “Nos” e “pelos” processos comunicacionais, as diferentes culturas/identidades, entre outros aspectos, flertam, desestabilizam-se, sorvem-se, constroem-se, violentam-se, resistem umas às outras, movimentam-se e, dessa “orgia” de sentidos, geram a fertilidade para a regeneração mútua. Nesses processos, (re)liga-se toda a sorte de influências e memórias (cultural e biológica), isto é, a comunicação atualiza-se articulando sistemas, subsistemas e processos de várias naturezas e vários níveis: socioculturais (especialmente os simbólicos), psíquicos, cognitivos, fisiológicos, estratégicos, perceptivos, ecossistêmicos, históricos, estruturais, entre outros. Assim, parece evidenciar-se a centralidade que a significação assume para a comunicação, que, como construção e disputa de sentidos, dá ares de estar condenada a habitar o território das versões. Posto isso, importa destacar que o fato de a comunicação ser definida como disputa dialógico-recursiva de sentidos, diferentemente do que possa parecer, não significa que seja/deva ser entendida como desordem pura, libertinagem em que tudo é permitido. Trata-se, sim, de pontuar a fertilidade e a ebulição do/no processo que aproxima e tensiona forças para o diálogo. Assim, pela comunicação, o desorganizado/desordenado, de algum modo, é apreendido e organizado/ordenado. Até porque, conforme se disse, o fato de a comunicação exigir o encontro e, em algum grau, o entendimento, implica a existência de regras restritivas e prescritivas,socioculturalmente 'convencionadas, que possibilitam materializar estratégias que intentam direcionar a significação que se quer ver internalizada pela outra força em relação. Com base nessa orientação, no nível pragmático, especialmente quando se trata de processos de comunicação organizacional, têm-se organizações/instituições elaborando cuidadosos planos de comunicação estratégica. Nesses casos, está-se diante da permanente tensão entre o “eu” que busca instituir-se como referência e o “outro” que é concomitantemente egoísta (voltado para si mesmo) e sociocêntrico (voltado para o social e, portanto, em busca de identificações). Como pensar de modo complexo esses processos? Particularmente, como pensar a comunicação organizacional em uma perspectiva de complexidade? COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL, COMPLEXIDADE E PERSPECTIVAS Muitos são os olhares lançados sobre a noção de comunicação organizacional; várias as concepções e explicações!º. algumas, mais férteis, procuram compreender e explicar a comunicação organizacional como processo que se realiza no acontecer - que foge ao controle da organização, apesar de, mediante ações estratégicas, ser possível atualizar certos níveis de previsibilidade. Outras, já senis, procuram explicar a comunicação organizacional como algo linear, absolutamente lógico e previsível. Essas concepções tendem a superestimar o poder da comunicação (informação, persuasão, sedução etc.), valorando excessivamente o lugar da emissão ao mesmo tempo em que, entre outras coisas, subestimam as estratégias cognitivas do lugar da recepção. Como pensar essas configurações a partir do “paradigma da complexidade”? Vale observar, antes de tudo, que não se acredita na existência de “uma” única forma de explicar a comunicação organizacional, visto que se trataria de “uma fórmula”, e, em comunicação, as fórmulas são demasiadamente frágeis. A partir do que se disse sobre cultura, imaginário, identidade/alteridade e comunicação, já não se pode pensar em absolutos. Olhares procedentes das diferentes áreas de conhecimento tendem a atualizar distintas compreensões sobre o que é comunicação organizacional, enfatizando alguns de seus aspectos, que pode ser o psicológico (persuasivo), o informativo, o de relação/integração, o educativo e/ou o de permanência/transformação da cultura organizacional, entre outros. E, muitas vezes, mesmo sendo simplistas/simplificadoras, essas percepções apresentam-se aparentemente boas o suficiente para atender demandas específicas, necessidades localizadas. Procuram atender a uma sociedade que exige respostas rápidas, mesmo que superficiais e frágeis em médio e longo prazos. Simplifica-se a compreensão/explicação de comunicação para dar conta das necessidades de mercado, ou seja, o mercado, contrariamente ao que se pensa em uma perspectiva de complexidade, passa a ser o único elemento de definição dos processos comunicacionais. Em outros termos, o mercado procura instituir-se como determinante de toda comunicação organizacional. Nesse sentido, não são poucas as “receitas” de comunicação apresentadas por profissionais de comunicação e de marketing. Como desdobramento disso, potencializam-se os casos em que a comunicação é considerada um dos principais problemas das organizações, pois, nas relações de mercado, para responder às demandas imediatas, inclinam-se a simplificar os processos comunicacionais, superficializando-os - qualificando-os como do tipo causa/efeito, o famoso “toma-lá-dá-cá”. Nessa arquitetura, os resultados tendem a aparecer rapidamente, porém, de modo geral, não são sustentáveis e, portanto, em pouco tempo exigem novas ações, novas estratégias e, até, novos engodos. O que se apresenta como um investimento “bom e barato” logo se transforma em gasto elevado, exigindo, por exemplo, mais (re)trabalho (novos esforços e investimentos) e/ou a eliminação da ação de comunicação que foi implementada. É possível romper com essa lógica? Pode-se afirmar que sim. Não se trata de pensar em fórmulas mágicas (isso implicaria recuperar as explicações de comunicação que se julgam superadas, inconsistentes, simplistas e autoritárias), mas de principiar pela reflexão sobre a postura que se tem diante da noção de comunicação. Em outras palavras, a comunicação organizacional, antes de tudo, é comunicação e, nesse sentido, é a compreensão que se tem desta que, fundamentalmente, tenderá a definir a percepção do que sejam a comunicação organizacional, seus processos, suas relações de força, seus lugares etc. Assim, caso a compreensão seja do tipo causa/efeito, é provável que esse comunicador tenda a perceber o “outro” (sua alteridade) não como sujeito- força, mas como alguém pouco ativo ou, até, passivo no processo comunicacional. Consequentemente, inclina-se a acreditar que basta a organização propor algo para sempre ser entendida e para que este seja aceito e realizado pelos outros sujeitos envolvidos. No entanto, se a “alteridade” for pensada como força em relação, provavelmente a postura do profissional de comunicação será diferente. Entre outros aspectos, tenderá a perceber a relação como de tensão dialógico-recursiva, e não de sobredeterminação autoritária. É provável que esse comunicador assuma uma postura de humildade e reconheça o “outro” como agente no processo de comunicação. Nesse ponto, importa (re)afirmar que a compreensão de comunicação que se assume pela perspectiva da complexidade é a de que é o processo de construção e disputa de sentidos no âmbito das relações organizacionais. Ressalta- se, assim, a centralidade da noção de relação, seja para a comunicação, seja para a organização. Da mesma forma, essa compreensão dá conta da ideia de que a comunicação organizacional não respeita espaços físicos delimitados (planejados), bem como não se reduz à fala autorizada pela organização. Como fluxos relacionais e multidirecionais de sentidos, a comunicação organizacional, nos diferentes contextos e nas diferentes condições, assume qualidades diversas, não se prendendo a planos, formalismos, hierarquias, campanhas (publicitárias, institucionais) e/ou a desejos de visibilidade e imagem-conceito!!, Isso exige reconhecer que a comunicação não é da qualidade do pressuposto, visto que, à medida que se atualiza, por um lado, possibilita que os sujeitos-força envolvidos, se necessário, revejam e ajustem suas estratégias; por outro, tende a permitir que conheçam - particularmente a partir das marcas de linguagem - as estratégias cognitivas do outro sujeito (força em relação), suas artimanhas, suas inconsistências, seus desejos de cooperação - ou não - seus valores, suas crenças e seu imaginário etc. Da mesma forma, tratando-se de disputas de sentidos, o poder não está localizado; atualiza-se e exerce-se no acontecer. Isso pode significar que, em diferentes momentos, diferentes sujeitos materializam mais poder. Na mesma direção, a cultura e o imaginário organizacional não são da qualidade do cristalizado ou simplesmente preestabelecidos pelas lideranças organizacionais, posto que são permanentemente (re)tecidos pelos sujeitos em tensões interativas, isto é, em relações de comunicação. Por mais que o poder hierárquico, econômico e ideológico se exerça com muita violência sobre os sujeitos, não se pode pensar que eles possam ser apenas resultantes do processo organizacional. Se é possível dizer que os sujeitos são fortemente influenciados pela cultura e pelo imaginário da organização, também se pode afirmar que, conscientemente ou não, eles realizam algum tipo de influência sobre a cultura e o imaginário. Em relação comunicacional, eles constroem as teias de significação da organização ao mesmo tempo em que se prendem a elas/nelas. Assumir o sujeito como agente desorganizador/(re)organizador dacomunicação organizacional pressupõe respeitá-lo em sua complexidade, como indivíduo que, ao mesmo tempo, é igual e diverso e, portanto, único. Assim, é preciso superar a ideia de que “pensar semelhantemente é o melhor para a organização” (“vestir a camisa” da empresa significa ser igual, pensar da mesma forma, ser idêntico), dando relevo ao fato de que o respeito e a realização da diversidade se constitui em lugar natural para a materialização da qualidade, da criatividade e da inovação. Pensar igual pode ser traduzido como tendência ao idêntico, ao único e, portanto, à cristalização dos sistemas/processos. É na tensão entre diferentes percepções que se realiza a crítica consistente. Criar /fomentar espaços para que a crítica seja manifestada abertamente revela não apenas a qualidade de uma gestão democrática mas também níveis elevados de maturidade e responsabilidade em gestão. Nesse sentido, afirma-se a necessidade de políticas de comunicação organizacional que se proponham dar fluxo aos processos comunicacionais, inclusive qualificando a comunicação informal mediante comunicação formal ampla e verdadeira. Até porque, no princípio dialógico, o formal e o informal podem ser pensados como a dualidade no seio da unidade, ou seja, a tensão entre o formal (organizado) e o informal (o desorganizado), gerando/regenerando o sistema comunicacional, a rede de significação e a própria organização. Isso significa dizer, também, que a organização precisa dar espaço para gestões mais flexíveis, abertas e participativas. É necessário pensar em gestão auto-eco-organizada, em que os sujeitos, em seus diferentes lugares, a partir de ações descentralizadas, se percebam participantes (e de fato sejam) do tecer a organização. Trata-se do sujeito como parte, construindo o todo e sofrendo suas influências; o indivíduo construindo o coletivo, colaborando com suas particularidades e sendo construído por ele. Nesse sentido, o complexus organização compreende o esforço conjunto, o respeito às diferenças e o reconhecimento de que existem variados níveis de habilidades/competências individuais, bem como anseios pessoais. Essa questão já tem encontrado algum respaldo na linha administrativa, como se pode comprovar em matéria da revista Exame, quando Vassalo (2000) afirma que o desenvolvimento das organizações passa pela pluralidade, pelo reconhecimento da diversidade de interesses e características individuais e/ou grupais. Na mesma matéria, ela afirma que as organizações ampliam o nível de acerto na medida em que diferentes pontos de vista/ideias são tensionados - pode-se falar em processos dialógicos, dialéticos e recursivos - para qualificar a análise de cenários, estratégias, produtos/serviços, entre outros processos. Essa direção apresenta-se como tendência particularmente naquelas organizações que têm a questão da responsabilidade social como pressuposto básico, isto é, como valor central e inquestionável para todo fazer organizacional. Na perspectiva da complexidade, a ideia de conflito, antes considerada sempre negativa, é pensada como produtiva, como fundante da possibilidade de criação e inovação. Como desdobramento disso, o modelo de gestão, na direção do que se afirmou anteriormente, precisa caracterizar-se pela dialógica-dialética da negociação; o valor não mais está na dominação, na simples persuasão, mas na negociação. Com isso, procura-se afirmar que a comunicação possibilita a qualificação dos processos organizacionais toda vez que se realiza como espaço democrático para a manifestação livre dos pensares, das ideias, dos desejos e dos temores. Com a manifestação também se ampliam as possibilidades de se desfazerem os mal-entendidos, as confusões e as resistências, bem como de tomar decisões sustentáveis, em suas diferentes dimensões (ambiental, social, cultural, econômica, política). Nessa direção, a tomada de decisão apresenta-se legítima por se fundamentar no diálogo!2, Recursivamente, esse processo transforma os envolvidos, tornando-os participantes do processo decisório, de modo a, também, comprometê-los com a decisão e a atualizar o sentimento da pertença. Com isso, pode-se dizer que se está fortalecendo a organização como identidade ao mesmo tempo em que se materializam as manifestações da heterogeneidade cultural. É pertinente ressaltar que, de acordo com Lipovetsky (2004, p. 27), “nossa cultura cotidiana, desde os anos 1950 e 1960, não é mais dominada pelos grandes imperativos do dever sacrificial e difícil, mas pela felicidade, pelo sucesso pessoal, pelos direitos do indivíduo, não mais pelos seus deveres”. Ainda, pensar a comunicação organizacional pelo prisma da complexidade exige superar a ideia de linearidade e unidade, isto é, faz-se necessário que a organização seja percebida como lugar de fluxos multidirecionais e dispersivos em tensão, que podem ser colaborativos ou não. Tem-se, então, que a comunicação organizacional se configura como o lugar e o meio para que a dispersão e a desordem simbólica se realizem como força que gera/regenera a organização. Trata- se da arena para a manifestação das resistências, dos embates, dos confrontos que, no momento seguinte, em transações, negociações e disputas, se misturam, se associam para se constituírem em nova força, que, agora, pode ser (reJorganiza-dora. A dispersão de efeitos de sentidos é dialógica e recursivamente organizada em nova comunicação. Tem-se, assim, a ideia das partes agindo sobre o todo, o qual, por sua vez, age sobre as partes; o dual na unidade. Essa postura implica o abandono da zona de conforto instaurada por teorias como a científica (Taylor e Fayol) [...] ou a dos sistemas fechados e [de] todas aquelas que trabalhavam com componentes estáveis/fixos. Ao se perceber a organização como lugar que tensiona indivíduos com interesses, desejos, condições e competências diversos, bem como ecossistemicamente articulados/articulantes, desvela-se o complexus, constantemente tecido (construído/transformado), o que exige aceitar que a própria cultura, um dos motores da gestão, se modifica permanentemente. [...] A cultura organizacional não existe na forma cristalina como foi/é normalmente apregoada, mais fértil seria pensá-la como hibridização simbólica (BALDISSERA; SÓLIO, 2004, p. 5). Nesse contexto, é necessário ressaltar o quanto é equivocado conceber os públicos como passivos, mesmo que, em alguns casos, pareçam. Importa não esquecer que, na qualidade de sujeitos-força, os públicos (re)tecem/são tecidos na teia simbólica que é a cultura organizacional. Constroem o imaginário e a organização que os constrói. Em algum grau, ao entrarem em relações de comunicação, esses sujeitos perturbam os (e são perturbados pelos) sistemas organização, 13 cultura e sociedade, que, como sistemas vivos”, ao mesmo tempo, são auto-organizados e dependentes do entorno. Então, a comunicação organizacional não se qualifica como simples estratégia de controle e/ou sistema de transferência de informações. Por mais que a ordem posta invista em complexos processos/sistemas de controle, tentando sufocar e/ou expurgar os processos de comunicação informais, não conseguirá eliminá-los. Fluxo de sentidos, a comunicação organizacional, em sua informalidade, encontra/(re)recria seus próprios lugares, infiltrando-se, resistindo, desafiando, subvertendo os possíveis mecanismos de controle. A cada acontecer renovam-se as estratégias, de modo que o pensar a comunicação organizacional exige compreender a presença da incerteza. Nessa mesma direção, vale atentar para o fato de que, independentemente da vontade de uma organização comunicar, quando em relação, basta que sua alteridade atribua sentido a “algo” para que isso seja entendido como comunicação. Essa perspectiva é apontada por Eco (1997) e,também, por Watzlawick et al. (1993) quando afirmam que em situações relacionais “é impossível não comunicar”. Tem-se, pois, que a comunicação organizacional, em sentido complexo, compreende os mais diversos fluxos de sentidos que se atualizam quando das relações organizacionais, ultrapassando os lugares do planejado, do oficial, do formalizado. Em outras palavras, se é verdade que as ações de relações públicas, as campanhas promocionais, a comunicação administrativa, a jornalística, o conteúdo do site oficial e a comunicação de marketing etc. são considerados formas/processos de comunicação organizacional, também é verdade que a fala oficial representa apenas uma parcela do fluxo de sentidos no âmbito das relações organizacionais, que, entre outras formas, também se atualizam em conversas nos corredores, nos bares, nos clubes sociais, nos encontros para jogos, na web (blogs, páginas não-oficiais e comunidades virtuais, entre outros ambientes) e, ainda, como especulação, boato, fofoca e/ou como manifestação em favor de ou contra a organização. Assim, qualquer fluxo de sentidos que, de alguma forma, disser respeito/se referir à organização pode ser considerado parte da comunicação organizacional (todo), uma vez que nesses fluxos circula capital simbólico da organização. Isso não significa afirmar que, no âmbito das práticas, o profissional de comunicação deva tentar organizar essa complexidade de fluxos de sentidos. Antes, trata-se de conferir visibilidade a tal complexidade, (re)introduzir a ideia da incerteza e ressaltar o lugar de atividade da alteridade (públicos, organizações, cultura, sociedade). Da mesma forma, consiste em atentar para o fato de que o profissional de comunicação, gestor da comunicação organizacional, se qualifica na medida em que for estratégico, desenvolvendo competências para a investigação (particularmente, observação e ausculta), a interpretação de sentidos e cenários, a definição, seleção e circulação de sentidos entre a organização e seus públicos, bem como para o acompanhamento dos processos, sempre atentando para o comprometimento ecossistêmico da organização e visando ao algo sempre melhor. Por fim, ressalte-se que, da qualidade do dialógico, a comunicação organizacional ultrapassa a lineari-dade dos sistemas de informação, apresentando-se como motor dos processos organizacionais, sejam eles administrativos, produtivos, políticos ou ideológicos. Organizações que assim percebem a comunicação tendem a afastar-se dos lugares de rigidez administrativa e produtiva (regras fixas, hierarquia e uma única voz) para serem inoculadas pelas idéias das relações participativas (negociação/representação/força política). [...] O dialogismo busca a discussão/confronto de idéias/negociação (BALDISSERA; SÓLIO, 2004, p. 7). Isso vem evidenciar a necessidade de a organização, pelo prisma da complexidade, qualificar os processos de comunicação para: escutar a alteridade, reconhecendo-a como valor; criar e/ou potencializar os espaços de fala/interação, manifestação livre; dar fluxo amplo e verdadeiro à comunicação; refletir sobre a própria identidade e realizar a autocrítica; possibilitar e estimular a participação da diversidade e dialogar, particularmente, com as manifestações de crítica; compreender os comportamentos como informações que precisam ser interpretadas simbolicamente; e interpretar as demais informações para retroalimentar o sistema organizacional, entre outros aspectos. Importa dizer, ainda, que este texto se propôs realizar uma reflexão sobre a questão da complexidade na/da comunicação organizacional e, no seu tecido, apontar alguns pontos que podem ser pensados como lugares de pesquisa, de reflexão e/ou tendências. Assim, evidenciou-se a comunicação como lugar para a/da possibilidade de qualificação organizacional. REFERÊNCIAS ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. 3. ed. Lisboa: Presença, [19--]. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 9. ed. São Paulo: Hucitec, 1999. BALDISSERA, Rudimar. Comunicação organizacional: o treinamento de recursos humanos como rito de passagem: São Leopoldo: Unisinos, 2000. . Imagem-conceito: anterior à comunicação, um lugar de significação. 2004. 295 f. Tese (Doutorado em Comunicação Social) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004. BALDISSERA, Rudimar; SÓLIO, Marlene Branca. O complexus comunicação-culturaadministração. In: CONGRESO LATINOAMERICANO DE CIENCIAS DE LA COMUNICACIÓN, VII, La Plata (Argentina), 2004. Anais... São Paulo: Alaic, 2004. CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. 2. ed. 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