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Texto inicial de Filosofia Geral

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 Curso: Direito 
 Disciplina: Estudos Filosóficos e Lógica Jurídica 
 Prof. Dr. Marcos Antonio Lucci
 
O que é filosofia?� 
	“A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo” (Merleau-Ponty)
1. Introdução
	Lembramos a figura de Sócrates. Viveu em Atenas no século V a.C. Dizem que era um homem feio, mas, quando falava, era dono de um estranho fascínio. Procurado pelos jovens, passava horas discutindo na praça pública. Interpelava os transeuntes, dizendo-se ignorante, e fazia perguntas aos que julgavam entender determinado assunto. Colocava o interlocutor em tal situação, que não havia saída senão reconhecer a própria ignorância. Com isso Sócrates conseguiu rancorosos inimigos. Mas também alguns discípulos. O interessante é que a segunda parte do seu método, que se seguia à destruição da ilusão do conhecimento, nem sempre levava de fato a uma conclusão efetiva. Sabemos disso não pelo próprio Sócrates, que nunca escreveu, mas por seus discípulos, sobretudo Platão e Xenofonte. 
	Afinal, acusado de corromper a mocidade e ser ímpio para com os deuses da cidade, Sócrates foi condenado à morte. A história da sua condenação, defesa e morte é contada no belo diálogo de Platão Apologia de Sócrates. As discussões havidas durante sua prisão são relatadas no Fédon, também de Platão, e versam sobre a imortalidade da alma. 
	A partir do que foi relatado, podemos fazer algumas observações:
Sócrates não está em seu “gabinete” contemplando “o próprio umbigo”, mas está em praça pública.
A relação que ele estabelece com as pessoas não é puramente intelectual, nem alheia às emoções.
O seu conhecimento não é livresco, mas vivo e em processo de se fazer; o conteúdo é a experiência cotidiana.
Guia-se pelo princípio de que nada sabe e, desta perplexidade primeira, inicia a interrogação e o questionamento do que é familiar.
Ao criticar o saber dogmático, não quer dizer que ele próprio é detentor de um saber. Desperta as consciências adormecidas, mas ele não é um “farol” que ilumina; o caminho novo deve ser construído pela discussão, que é intersubjetiva, e pela busca criativa das soluções.
Portanto, ele é “subversivo” porque “desnorteia”, perturba a “ordem” do conhecer e do fazer e, portanto, deve morrer.
Se fizermos um paralelo entre Sócrates e a própria filosofia, chegaremos à idêntica conclusão: o lugar da filosofia é na praça pública, daí a sua vocação política. Por ser alteradora da ordem, é perturbadora, é incômoda e é sempre “expulsa da cidade”: as pessoas se riem do filósofo, consideram-no “inútil”. Por via das dúvidas, o amordaçam. Cortam o “mal” pela raiz: até retiram a filosofia dos cursos secundários... Mas há outras formas de “matar” a filosofia, como quando a tornamos pensamento dogmático e discurso do poder, ou, ainda, quando cinicamente reabilitamos Sócrates morto, já que então se tornou inofensivo.
2. Filosofia: etimologia
Os antigos gregos tinham inicialmente uma consciência mítica, cuja manifestação maior foram os poemas de Homero e Hesíodo.
	Quando se deu a passagem do mundo mítico para a consciência racional, apareceram os primeiros sábios, sophos, como se diz em grego. Um deles, chamado Pitágoras (séc. VI a.C.) – também conhecido como matemático – usou pela primeira vez a palavra filosofia (philos-sophia), que significa “amor à sabedoria”. É bom observar que a própria etimologia mostra que a filosofia não é puro logos, pura razão: ela é a procura amorosa da verdade.
3. A filosofia não é um saber
	Com esta estranha afirmação, não estamos querendo dizer que a filosofia não é um trabalho teórico. Ela o é. Mas queremos enfatizar que ela não é um corpo de doutrina, não é um saber acabado, com um determinado conteúdo, não é um conjunto de conhecimentos estabelecidos de uma vez por todas.
	Para Kant, filósofo alemão do século XVIII, “não há filosofia que se possa aprender; só se pode aprender a filosofar”. Isso significa que a filosofia é sobretudo uma atitude, um pensar permanente. Ela é um conhecimento instituinte, no sentido de questionar o saber instituído. Para Platão, a primeira virtude do filósofo é admirar-se. A admiração é a condição de onde deriva a capacidade de problematizar, o que marca a filosofia não como posse da verdade, mas como sua busca. 
	Portanto, não se trata de um saber abstrato, à margem da vida. O próprio tecido de o seu pensar é a trama dos acontecimentos, é o cotidiano; por isso a filosofia se encontra no seio mesmo da história. No entanto, está mergulhada no mundo e fora dele, eis o paradoxo enfrentado pelo filósofo. “Pois é impossível negar que a filosofia coxeia. Habita a história e a vida, mas quereria instalar-se no seu centro, naquele ponto em que são advento, sentido nascente. Sente-se mal no já feito. Sendo expressão, só se realiza renunciando a coincidir com aquilo que exprime e afastando-se dele para lhe captar o sentido. É a utopia de uma posse à distância”.�
4. A filosofia não se confunde com a ciência
	Nos seus primórdios, a ciência se achava ligada à filosofia, sendo o filósofo aquele sábio que refletia sobre todos os setores da indagação humana. Por isso, é possível falar na geometria de Tales e Pitágoras e na física e astronomia aristotélicas.
	A partir do século XVII, a revolução científica iniciada por Galileu determinou a ruptura dessas duas formas de abordagem do real. Lentamente apareceram as chamadas ciências particulares – física, astronomia, química, biologia, psicologia, sociologia etc. –, delimitando um campo específico de pesquisa. Na verdade, o que estava ocorrendo era o nascimento mesmo da ciência, pois ela não existia propriamente antes disso. À física cabe investigar o movimento dos corpos; à biologia, a natureza dos seres vivos; à química, as transformações substanciais, e assim por diante. Ocorre a fragmentação do saber, cada ciência se ocupando de um objeto específico. À delimitação do objeto se acrescenta o aperfeiçoamento do método científico, fundado sobretudo na experimentação e matematização. O confronto dos resultados e a sua verificabilidade permitem uniformidade de conclusões e, portanto, certa objetividade. As afirmações da ciência são chamadas juízos de realidade, já que de uma forma ou de outra pretendem mostrar como os fenômenos ocorrem, quais as suas relações e, consequentemente, como prevê-los.
	A primeira questão que nos ocorre é imaginar o que resta à filosofia, se ela, ao longo do tempo, foi “esvaziada” do seu conteúdo pelo aparecimento das ciências particulares, tornadas independentes. E, neste século, até as questões referentes ao homem reivindicam o estatuto de cientificidade representado pela procura do método das ciências humanas.
	Na verdade, a filosofia continua tratando dessa mesma realidade apropriada pelas ciências. Apenas que as ciências se especializam e observam “recortes” do real, enquanto a filosofia jamais renuncia a considerar o seu objeto do ponto de vista da totalidade. A visão da filosofia é uma visão de conjunto, ou seja, o problema tratado nunca é examinado de modo parcial, mas sempre sob a perspectiva de conjunto, relacionando cada aspecto com os outros do contexto em que está inserido. Se a ciência tende cada vez mais para a especialização, a filosofia, no sentido inverso, quer superar essa fragmentação do real, para que o homem seja resgatado na sua integridade e não sucumba à alienação do saber parcelado.
	Com isso, não estamos negando o papel do especialista, nem o valor da técnica que deriva deste saber, mas queremos dizer que o saber especializado, sem a devida visão de conjunto, leva à exaltação do “discurso competente” e às consequentes formas de dominação.
	Em todos os setores do conhecimento e da ação, a filosofia deve estar presente como reflexão crítica a respeito dos fundamentos deste conhecimento e
deste agir.
	Então, por exemplo, se a física, a química etc. se denominam ciências e usam um determinado método, saber o que é ciência, o que distingue este conhecimento de outros, o que é método, qual a sua validade, não é da alçada do próprio físico ou do químico. Eles até podem dedicar-se a essas questões, mas nesse momento deixam de ser cientistas e passam a ser filósofos. A mesma coisa ocorre com o psicólogo ao lidar com o conceito de homem livre. Indagar sobre a liberdade é fazer filosofia. Mudando o enfoque: E se a questão for o comércio, ou a fábrica? A partir da análise das relações sociais resultantes da divisão do trabalho, podemos questionar sobre o que é o homem, o que o trabalho significa para ele e em que medida essa divisão interfere na concepção que ele tem de si mesmo e do mundo.
	Portanto, a filosofia não faz juízos de realidade, como a ciência, mas juízo de valor. O filósofo parte da experiência vivida do homem trabalhando numa linha de montagem repetindo sempre o mesmo gesto. Mas vai além desta constatação. Não só vê como é, mas como deveria ser. Julga o valor da ação, sai em busca do significado dela. Filosofar é dar sentido à experiência. 
5. O processo do filosofar 
	Mas como seria este caminhar do filósofo? Sabemos que, na medida em que somos seres racionais e sensíveis, estamos sempre dando sentido às coisas. Ao “filosofar” espontâneo do homem comum, costumamos chamar filosofia de vida. 
	Trata-se de um pensar ainda não tematizado, ou seja, ainda não posto em discussão, pelo qual o homem, no seu cotidiano, escolhe seus caminhos. Por exemplo: quando preferimos morar em casa e não em apartamento, quando deixamos um emprego bem pago por outro não tão bem remunerado, porém mais atraente, ou quando escolhemos o colégio onde estudar. Há valores que entram em jogo aí. Se escolho um “colégio fraco para passar de ano” e ter tempo para passear, ou se, ao contrário, prefiro um “colégio forte para me preparar para o vestibular”, ou, ainda dentro dessa última opção, “um bom colégio para ter um contato melhor com o mundo da cultura e abrir as possibilidade de autoconhecimento”, podemos ver que estamos diante de diferentes filosofias de vida.
	A filosofia propriamente dita tem condições de surgir no momento em que esse pensar é posto em causa, tornando-se objeto de uma reflexão.
	Examinemos a palavra reflexão: quando vemos nossa imagem refletida no espelho, há um “desdobramento” da nossa figura, pois estamos aqui e estamos lá; no reflexo da luz, ela vai até o espelho e retorna; reflectere em latim significa fazer retroceder, voltar atrás. 
	Aproveitando esses diversos significados, refletir é retomar o próprio pensamento, pensar o já pensado, voltar para si mesmo e colocar em questão o que já se conhece.
	Portanto, a filosofia não é um pensar qualquer, mas é uma reflexão. Mas também não é qualquer reflexão. O homem comum, no cotidiano da vida, é levado a momentos de parada, a fim de retomar o significado dos seus atos e pensamentos, e nessa hora é solicitado a refletir. Ainda não é filosofia o que faz.
	A reflexão é filosófica quando é radical, rigorosa e de conjunto. Assim explica o professor Demerval Saviani:
	“Radical: em primeiro lugar, exige-se que o problema seja colocado em termos radicais, entendida esta palavra no seu sentido mais próprio e imediato. Quer dizer, é preciso que se vá até as raízes da questão, até seus fundamentos. Em outras palavras, exige-se que se opere uma reflexão em profundidade. 
	Rigorosa: em segundo lugar e como que para garantir a primeira exigência, deve-se proceder com rigor, ou seja, criticamente, segundo métodos determinados, colocando-se em questão as conclusões da sabedoria popular e as generalizações que a ciência pode ensejar.
	De conjunto: em terceiro lugar, o problema não pode ser examinado de modo parcial, mas numa perspectiva de conjunto, relacionando-se o aspecto em questão com os demais aspectos do contexto em que está inserido. É neste ponto que a filosofia se distingue da ciência de um modo mais marcante.”� 
	A maneira pela qual se faz rigorosamente essa reflexão varia conforme a orientação do filósofo e as tendências históricas decorrentes da situação vivida pelos homens na sua ação sobre o mundo. 
	 
 
 
	
	
	
 
 
 
� ARANHA, M.L.de A. & MARTINS, M.H.P. Filosofando: introdução à filosofia. SP: Moderna, 1986. 
� Merleau-Ponty, Elogio da filosofia, p. 78.
� Demerval Saviani, Educação brasileira: estrutura e sistema, p. 68.

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