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SUMÁRIO MÓDULO 1 - HISTÓRIA E CONTEXTO SOCIAL DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES .................................................................................... 5 AULA 1 - CONTEXTO HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA, AGRESSIVIDADE E CONFLITO ................ 6 1.1.1. Apresentação ..................................................................................................................... 7 1.1.2. Conviver para sobreviver ................................................................................................... 7 1.1.2.1. Conceituando: conflito, agressividade e violência e agressão ........................... 9 1.1.2.1.2. Agressividade .................................................................................................... 10 1.1.2.1.3. Violência e Agressão ......................................................................................... 10 1.1.3. A violência em contexto doméstico e familiar .................................................................... 12 1.1.3.1. Teorias explicativas ................................................................................................. 12 1.1.3.2. Teoria do ciclo da violência .................................................................................... 12 1.1.3.3. A violência não precisa fazer parte da nossa vida! .............................................. 13 1.1.4. Violência, Crime e Controle Social ..................................................................................... 13 1.1.4.1. Controle social ......................................................................................................... 14 1.1.4.2. Controle social informal .......................................................................................... 15 1.1.4.3. Vítima, Vitimologia e Vitimização ........................................................................... 15 1.1.4.4. Atendimento Policial x Revitimização ................................................................... 16 1.1.4.4.1. Atendimento Revitimizador ................................................................................ 17 1.1.4.5. O agente público é um garantidor da assistência e proteção às pessoas vítimas de violências ......................................................................................................................... 17 1.1.5. Prevenção da violência doméstica e familiar ..................................................................... 18 1.1.6. Identificação de fatores de risco e proteção em violência doméstica ................................ 18 1.1.6.1. Fatores de Risco ...................................................................................................... 19 1.1.6.2. Fatores de Proteção ................................................................................................ 19 1.1.7. Considerações finais .......................................................................................................... 20 1.1.8. Referências Bibliográficas .................................................................................................. 21 AULA 2 - ASPECTOS SOCIOCULTURAIS DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO ................................... 22 1.2.1. Apresentação ..................................................................................................................... 23 1.2.2. Primeiras reflexões sobre a violência contra a mulher ...................................................... 23 1.2.3. Porque falar sobre a violência contra a mulher? ................................................................ 23 1.2.4. Dados da violência contra a mulher ................................................................................... 24 1.2.5. A violência na vida das mulheres e seus impactos ............................................................ 25 1.2.6. Aspectos gerais do fenômeno da violência doméstica ...................................................... 26 1.2.6.1. Violência baseada no gênero ................................................................................. 27 1.2.6.2. Conceitos relacionados ao debate da violência de gênero ................................. 28 1.2.6.2.1. Gênero ............................................................................................................... 29 1.2.6.2.3. Machismo .......................................................................................................... 31 1.2.6.2.2. Patriarcado ........................................................................................................ 33 1.2.6.2.4. Misoginia ............................................................................................................ 34 1.2.7. Entendendo como se perpetua a violência de gênero ....................................................... 35 1.2.7.1. Crenças e mitos que perpetuam a violência contra a mulher ............................. 35 1.2.7.1.1. Crenças ............................................................................................................. 36 1.2.7.1.2. Mitos ....................................................................................................................... 37 1.2.8.2. Cultura, tecnologias de gênero e subjetividades ................................................. 38 1.2.8. O que esperar dos agentes públicos quanto à temática abordada? .................................. 41 1.2.9. Considerações finais .......................................................................................................... 42 1.2.10. Referências Bibliográfica ................................................................................................. 42 AULA 3 - A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES COMO FENÔMENO COMPLEXO E MULTICAUSAL ................................................................................................................................ 45 1.3.1. Apresentação ..................................................................................................................... 46 1.3.2. Dualidades na separação das esferas do público e do privado ......................................... 46 1.3.2.1. Papéis de gênero ..................................................................................................... 48 1.3.2.2. Pensando sob uma nova perspectiva .................................................................... 48 1.3.2.3. A opressão da mulher não é natural ...................................................................... 50 4 1.3.2.4. Para refletir ............................................................................................................... 51 1.3.3. Multicausalidade do fenômeno da violência ...................................................................... 51 1.3.3.1. Análise dos fatores contextuais sócio-históricos e das dinâmicas individuais e relacionais envolvidas .......................................................................................................... 53 1.3.3.2. Fatores de cada dimensão que podem ocasionar ou agravar a violência contra as mulheres ..............................................................................................................................................54 1.3.3.3. O que vimos até aqui? .......................................................................................... 55 1.3.4. Políticas transversais e especializadas na atenção e proteção às mulheres em situação de violência ....................................................................................................................................... 55 1.3.4.1. Contexto histórico da inserção do tema da violência contra mulheres na agenda pública .......................................................................................................................................... 56 1.3.4.2. O que são políticas transversais e especializadas? ............................................ 56 1.3.4.3.3, Rio de Janeiro, Jul./Set. 2018. 12. FARAH, M. F.S. Políticas Públicas e gênero. In: Políticas públicas e igualdade de gênero/ Tatau Godinho (org). Maria Lúcia da Silveira (org). - São Paulo: Coordenadoria Especial da Mulher, 2004. 13. LINS, M.B e PONDAAG, M. A rede de proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. In: Maria da Penha vai à escola: educar para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Ben-Hur Viza, Myrian Caldeira Sartori, Valeska Zanello, org. Brasília: TJDFT, 2017. 14. MARCONDES, M. et al. Transversalidade de gênero: uma análise sobre os significados mobilizados na estruturação da política para mulheres no Brasil. Revista Do Serviço Público, 69(2), 2018. 15. MATTOS, Marcelo Badaró. A classe trabalhadora: de Marx ao nosso tempo. 1 ed. São Paulo: Boitempo: 2019. ISBN: 9788575597064. 16. PASINATO, W. Oito anos de Lei Maria da Penha. Entre avanços, obstáculos e desafios. Estudos Feministas, Florianópolis, 23(2): 533-545, mai-ago, 2015. 17. SILVEIRA, L P. Serviços de atendimento a mulheres vítimas de violência. In: Vinte e cinco anos de respostas brasileiras em violência contra a mulher: Alcances e Limites - DINIZ, Simone D.; SILVEIRA, Lenira P.; MIRIM, Liz A. (Org.) São Paulo: Coletivo Sexualidade e Saúde, 2006. 18. WALBY, S. - Gender Mainstreaming: Productive Tensions in Theory and Practice. Social Politics: International Studies in Gender, State & Society, Volume 12, Issue 3, Fall 2005 MÓDULO 1 - HISTÓRIA E CONTEXTO SOCIAL DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES AULA 1 - CONTEXTO HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA, AGRESSIVIDADE E CONFLITO 1.1.1. Apresentação 1.1.2. Conviver para sobreviver 1.1.2.1. Conceituando: conflito, agressividade e violência e agressão 1.1.2.1.2. Agressividade 1.1.2.1.3. Violência e Agressão 1.1.3. A violência em contexto doméstico e familiar 1.1.3.1. Teorias explicativas 1.1.3.2. Teoria do ciclo da violência 1.1.3.3. A violência não precisa fazer parte da nossa vida! 1.1.4. Violência, Crime e Controle Social 1.1.4.1. Controle social 1.1.4.2. Controle social informal 1.1.4.3. Vítima, Vitimologia e Vitimização 1.1.4.4. Atendimento Policial x Revitimização 1.1.4.4.1. Atendimento Revitimizador 1.1.4.5. O agente público é um garantidor da assistência e proteção às pessoas vítimas de violências 1.1.5. Prevenção da violência doméstica e familiar 1.1.6. Identificação de fatores de risco e proteção em violência doméstica 1.1.6.1. Fatores de Risco 1.1.6.2. Fatores de Proteção 1.1.7. Considerações finais 1.1.8. Referências Bibliográficas AULA 2 - ASPECTOS SOCIOCULTURAIS DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO 1.2.1. Apresentação 1.2.2. Primeiras reflexões sobre a violência contra a mulher 1.2.3. Porque falar sobre a violência contra a mulher? 1.2.4. Dados da violência contra a mulher 1.2.5. A violência na vida das mulheres e seus impactos 1.2.6. Aspectos gerais do fenômeno da violência doméstica 1.2.6.1. Violência baseada no gênero 1.2.6.2. Conceitos relacionados ao debate da violência de gênero 1.2.6.2.1. Gênero 1.2.6.2.3. Machismo 1.2.6.2.2. Patriarcado 1.2.6.2.4. Misoginia 1.2.7. Entendendo como se perpetua a violência de gênero 1.2.7.1. Crenças e mitos que perpetuam a violência contra a mulher 1.2.7.1.1. Crenças 1.2.7.1.2. Mitos 1.2.8.2. Cultura, tecnologias de gênero e subjetividades 1.2.8. O que esperar dos agentes públicos quanto à temática abordada? 1.2.9. Considerações finais 1.2.10. Referências Bibliográfica AULA 3 - A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES COMO FENÔMENO COMPLEXO E MULTICAUSAL 1.3.1. Apresentação 1.3.2. Dualidades na separação das esferas do público e do privado 1.3.2.1. Papéis de gênero 1.3.2.2. Pensando sob uma nova perspectiva 1.3.2.3. A opressão da mulher não é natural 1.3.2.4. Para refletir 1.3.3. Multicausalidade do fenômeno da violência 1.3.3.1. Análise dos fatores contextuais sócio-históricos e das dinâmicas individuais e relacionais envolvidas 1.3.3.2. Fatores de cada dimensão que podem ocasionar ou agravar a violência contra as mulheres 1.3.3.3. O que vimos até aqui? 1.3.4. Políticas transversais e especializadas na atenção e proteção às mulheres em situação de violência 1.3.4.1. Contexto histórico da inserção do tema da violência contra mulheres na agenda pública 1.3.4.2. O que são políticas transversais e especializadas? 1.3.4.3. Rede de proteção integral: explicando a noção de rede de enfrentamento e atendimento às mulheres em situação de violência. 1.3.4.4. Pontos positivos e desafios no trabalho em rede 1.3.5. Considerações finais 1.3.6. Referências BibliográficasRede de proteção integral: explicando a noção de rede de enfrentamento e atendimento às mulheres em situação de violência. ......................................................... 57 1.3.4.4. Pontos positivos e desafios no trabalho em rede ................................................. 58 1.3.5. Considerações finais .......................................................................................................... 59 1.3.6. Referências Bibliográficas .................................................................................................. 60 MÓDULO 1 - HISTÓRIA E CONTEXTO SOCIAL DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES AULA 1 - CONTEXTO HISTÓRICO DA VIOLÊNCIA, AGRESSIVIDADE E CONFLITO 7 1.1.1. Apresentação É importante que, ao final desta aula, você seja capaz de: ■ conceituar e diferenciar os termos conflito, agressividade e violência/agressão; ■ identificar aspectos socioculturais relacionados ao fenômeno da violência; ■ identificar os diferentes tipos de vítimas e as formas de vitimização; ■ reconhecer a violência doméstica e familiar; ■ compreender o ciclo da violência doméstica e familiar como algo “próximo de todas as pessoas”; ■ identificar comportamentos representativos de violência doméstica e familiar: fatores de risco e de proteção; ■ desmistificar regras equivocadas referentes à violência doméstica e familiar; ■ conhecer as estratégias e intervenções do Controle Social Formal. 1.1.2. Conviver para sobreviver Antes de prosseguir, clique no botão abaixo e leia o texto “A Fábula da Convivência”, de autor desconhecido, adaptada da metáfora “O dilema do porco-espinho” do filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860). 8 Agora, faça as seguintes reflexões: 9 1.1.2.1. Conceituando: conflito, agressividade e violência e agressão Sabemos que nem sempre é fácil se relacionar bem, mas é importante frisar que um bom convívio não é aquele que une pessoas perfeitas, mas aquele em que cada um aprende a conviver respeitando o outro. Enquanto ser gregário, ou seja, que prefere viver em sociedade, o ser humano precisa pertencer a uma coletividade, pois não possui todos os atributos físicos, competências e habilidades necessárias à sua sobrevivência. E é exatamente de tais interações entre as pessoas que surgem os conflitos! MAS ATENÇÃO! Os conflitantes podem carregar alto grau de agressividade e passarem a atos de agressão, que é a materialização da violência! Confira a seguir. 10 1.1.2.1.2. Agressividade No dicionário Aurélio on-line, a palavra agressividade é definida como “tendência a atacar, a provocar”, sendo, então, a qualidade do organismo pronto à combatividade. Se trata de uma atitude de preservação da vida, portanto, uma emoção básica do ser humano. Assim, ainda que não seja agradável, a agressividade é, no mínimo, muito necessária e é conceito diferente do de “pessoa agressiva”, pois a agressividade externada em algum momento não rotula o indivíduo como uma pessoa agressiva. A exemplo das Forças de Segurança Pública, a agressividade é, de forma bem delimitada, necessária aos seus integrantes, constando como competência comportamental essencial para a ocupação de cargos policiais. Deste modo, podemos dizer que demonstrar “agressividade adequada ao cargo” enseja agir com energia por meio de palavras ou expressão corporal sem, necessariamente, empregar a força física, porém, sabendo utilizá-la quando necessário. 1.1.2.1.3. Violência e Agressão Fenômeno histórico, universal e multifacetado, a violência se mostra por meio de comportamentos responsivos de imposição da vontade (pelo uso da força ou coerção), frente aos conflitos das diversas esferas de convivência. Segundo Keeley (1996/2011), o comportamento violento está presente no desenvolvimento da humanidade, desde antes das formações do Estado, em que os conflitos eram resolvidos por meio de guerras primitivas. A agressão, por sua vez e enquanto expressão ou materialização da violência, é vista como um comportamento social hostil, que se orienta de modo intencional 11 para causar mal a outrem. A agressão não é uma consequência inevitável do conflito, mas uma estratégia ruim e imprópria de resolução de problemas, que traz danos aos envolvidos. Os conceitos de conflito, agressividade e violência (agressão) estão intimamente relacionados, pois se desenvolvem a partir da interação do indivíduo com as pessoas e ambientes nos quais está inserido. 12 Após a navegação pelos ícones, clique em “Próximo”. 1.1.3. A violência em contexto doméstico e familiar Segundo Hayeck (2009), a complexidade da violência aparece na polissemia do seu conceito, pois exprime vários sentidos, como: ataque físico, uso da força física ou, até mesmo, ameaça. Em se tratando da violência que ocorre em contexto doméstico e familiar, tal complexidade se majora, entre outros fatores, porque: ocorre em âmbito privado; envolve crenças pessoais, nicho social ocupado, moral individual, entre outros; inclui grande diversidade e “possibilidades” de fatores de risco; normalmente envolve situação de vulnerabilidade. 1.1.3.1. Teorias explicativas 1.1.3.2. Teoria do ciclo da violência Algumas teorias buscam explicar o fenômeno da violência doméstica e familiar e, 13 entre elas, está a Teoria do Ciclo da Violência, mais amplamente difundida, servindo de referencial teórico para a elaboração de Políticas de Segurança Pública do Distrito Federal, como o Policiamento PROVID. Tal teoria defende que a violência doméstica é estruturada de forma cíclica, sendo composta por três fases, as quais, comumente, se apresentam bem caracterizadas: ■ 1ª FASE: a construção da tensão no relacionamento; ■ 2ª FASE: a explosão da violência – descontrole e destruição; ■ 3ª FASE: a lua de mel – suposto arrependimento do(a) autor(a). Há grande preocupação por parte das Forças de Segurança Pública em torno das fases do ciclo, uma vez que pode ocorrer a redução do tempo entre elas, gerando uma espécie de espiral concêntrica, que pode culminar em um polo de resultado de morte. 1.1.3.3. A violência não precisa fazer parte da nossa vida! Clique no link a seguir para assitir ao vídeo para saber um pouco mais sobre o que aprendeu até agora https://www.youtube.com/watch?v=c8qmITdYN6Q. 1.1.4. Violência, Crime e Controle Social Sendo o conflito e a agressividade inerentes à condição de interação humana e, a violência, o uso intencional e desejado da agressividade no contexto das relações https://www.youtube.com/watch?v=c8qmITdYN6Q 14 sociais, o avanço da sociedade acendeu à necessidade de se diferenciar conflito de violência e, por meio do Direito, se parametrizar as condutas violentas, essas inadmissíveis ao meio social, tipificando-as como crime. 1.1.4.1. Controle social Surge da necessidade de se regular as condutas humanas em sociedade, dando-se cumprimento àquilo que foi delimitado pelo Direito. Consiste em um conjunto de normas, instituições e costumes, que regulam a vida dos indivíduos em suas relações mútuas e que são ordenadas de acordo com critérios teleologicamente orientados, ou seja, que relaciona um fato com sua causa final. 15 O controle social é, ainda, o conjunto de estratégias e sanções sociais, que pretendem promover a obediência dos indivíduos aos modelos e regras comunitárias. O controle social formal é constituído da aparelhagem do poder público, ou seja, das instâncias as quais o Estado, representado pela Polícia (1ª seleção), Ministério Público (2ª seleção), judiciário (3ª seleção), Forças Armadas e Administração Penitenciária, pode utilizar para controlar a criminalidade. 1.1.4.2. Controle social informal O controle social informal é composto pela sociedade civil, por meio de normas e sanções sociais aptas à socialização do indivíduo. Exemplo: família. 1.1.4.3. Vítima, Vitimologia e Vitimização O termo foi cunhado em 1947 por Benjamin Mendelsohn,e se refere à qualquer pessoa, física ou jurídica, desde que sofra uma desventura, uma ofensa, uma lesão decorrente de um crime. A lesão pode ser de vários tipos, como corpórea, psíquica ou econômica. 16 Vamos conhecer agora outras possibilidades de classificação das vítimas: ■ Vitimização Primária: A pessoa sofre, de modo direto ou indireto, os efeitos nocivos derivados do crime ou fato traumático, sejam estes materiais tais como prejuízo econômico de um roubo ou psíquicos a exemplo dos transtornos por estresse pós-traumático. ■ Vitimização Secundária, Revitimização ou Sobrevitimização: Causada pelo controle social em suas instâncias formais, abrangendo os custos pessoais derivados da intervenção do sistema legal, como a dor causada por reviver a cena do crime ou por declará-lo perante o juiz ou ainda por sofrer nova violência no mesmo contexto. ■ Vitimização Terciária: No âmbito do controle social informal, mediante o contato da vítima com o grupo familiar ou em seu meio ambiente social, como no trabalho, na escola, nas associações comunitárias, na igreja ou no convívio social. 1.1.4.4. Atendimento Policial x Revitimização A revitimização é uma condição experimentada pela vítima: 1. Por ter sido uma “vítima reincidente”: A. Em virtude da ausência interventiva do Estado: ֎ Sofreu a mesma violência por um (a) novo (a) agressor (a); ou ֎ Sofreu a mesma violência pelo mesmo agressor (a). 2. Por ter tido um “atendimento revitimizador”, o qual é permeado por postura inquisitiva, juízo de valor, manifestação de conceitos equivocados ou pessoais, por parte do agente de Segurança Pública. 17 1.1.4.4.1. Atendimento Revitimizador ֎ O atendimento é revitimizador quando: ■ agimos com suspeição quanto à fala da vítima; ■ responsabilizamos ou culpabilizamos a vítima (mais comumente mulher) pela violência sofrida; ■ naturalizamos, minimizamos ou eximimos a responsabilidade do autor pela suposta violência cometida; ■ não ofereceremos condições mínimas para que a vítima possa ser atendida; ■ permitimos que o ofensor participe ou presencie o atendimento; ■ exigimos documentos e provas desnecessárias como a apresentação do documento físico da Medida Protetiva de Urgência; ■ deixamos a vítima esperando para ser atendida, além do tempo necessário. ֎ O atendimento NÃO É revitimizador quando: ■ orientamos a vítima, com clareza e objetividade, sobre seus direitos e os serviços da rede de proteção; ■ consideramos, independentemente da percepção pessoal, a possível situação de risco e/ou de vulnerabilidade; ■ escutamos a vítima, sem prejulgamentos, com olhar diferenciado acerca da violência doméstica, buscando observar além do que é dito, desenvolvendo uma postura acolhedora; ■ evitamos perguntas inquisitórias; ■ não infantilizamos a vítima; ■ compreendemos que cada história é única, singular, mesmo que pareça igual a anterior; ■ atuamos de forma legal, imparcial e sistemática para encaminhamentos devidos, nunca para mediar a situação visando proporcionar reconciliação ou separação. 1.1.4.5. O agente público é um garantidor da assistência e proteção às pessoas vítimas de violências Clique no link a seguir para assitir ao vídeo para saber um pouco mais sobre o que 18 aprendeu até agora, https://www.youtube.com/watch?v=0_1_W4WzaKg. 1.1.5. Prevenção da violência doméstica e familiar Há duas maneiras de se entender o conceito de Segurança Pública: uma sob o viés da repressão ao crime e outra atinente à prevenção da criminalidade. No contexto da prevenção, se faz necessário às Instituições que prestam serviços públicos – em especial, as organizações de segurança – se adequarem aos novos e dinâmicos cenários de atuação e interação. A prevenção ganha destaque como ato ou comportamento, que visa inibir ou impedir o cometimento de crimes, tratando-se de um conjunto de estratégias ou programas destinados a implementar medidas de precaução, com o objetivo de evitar a prática do delito. Nesse sentido, assim como vimos em relação à vitimização, a prevenção está dividida em três instâncias, quais sejam: ■ Prevenção Primária: caracteriza-se pela implementação de medidas indiretas de prevenção, consistentes em evitar que fatores exógenos sirvam como estímulo à prática delituosa. Trata-se normalmente de medidas sociais, exemplos: emprego, educação. ■ Prevenção Secundária: incide não sobre indivíduos, mas sobre grupos sociais que, segundo os fatores criminógenos, indicam certa propensão ao crime. Opera a curto e médio prazos e se orienta seletivamente a particulares setores da sociedade que ostentam maior risco de padecer ou protagonizar o problema criminal. Exemplos: programas de prevenção policial. ■ Prevenção Terciária: representa outra forma de prevenção indireta, agora voltada à pessoa do delinquente, para prevenir a reincidência. É implementada por meio das medidas de punição e ressocialização do processo de execução penal. 1.1.6. Identificação de fatores de risco e proteção em violência doméstica Aqui estão algumas informações sobre dos fatores de risco e de proteção relacionados à violência doméstica e sobre a diferença entre eles. https://www.youtube.com/watch?v=0_1_W4WzaKg 19 1.1.6.1. Fatores de Risco São circunstâncias que aumentam a probabilidade da ocorrência de eventos de maior potencial ofensivo/lesivo (violência). ֎ São vários os instrumentos de Avaliação de Risco: ■ Formulário de Avaliação de Risco – FRIDA (2019) ■ Formulário Nacional de Avaliação de Risco – CNJ ■ Guia de avaliação de risco – sistema de justiça e MPDFT. ֎ Em se tratando de riscos à ocorrência de violência doméstica, os fatores de risco mais comuns são: ■ histórico de violência do ofensor (com ou sem lesões); ■ uso abusivo de álcool ou outras drogas por parte do autor; ■ comportamento de ciúme excessivo e de controle sobre a vítima; ■ escalada da violência – a violência aumenta em termos de gravidade ou de frequência; ■ autor com acesso a arma de fogo; ■ descumprimento de medidas protetivas; ■ ameaça/tentativa de autoextermínio; ■ desemprego ou dificuldades financeiras graves; ■ separação recente ou tentativa de separação; ■ conflito relacionado à guarda, visita ou pensão dos filhos; ■ ameaças de morte. 1.1.6.2. Fatores de Proteção São elementos e circunstâncias que atenuam a probabilidade da ocorrência de eventos violentos. ■ rede de apoio; ■ acompanhamento médico, uso de medicação; ■ técnicas de auto-defesa; ■ deferimento de Medidas Protetivas de Urgência (MPU); ■ dentre outros. 20 Desmistifique junto à sua comunidade interpretações equivocadas de crenças e costumes os quais se fundamentam em ideologias ou doutrinas capazes de “minimizar”, “desacreditar”, “relativizar” ou “negar” o ocorrido. 1.1.7. Considerações finais O Fenômeno da violência doméstica: ֎ Pode atingir qualquer pessoa, de qualquer idade ou gênero. ֎ Fenômeno complexo: ■ ocorre em âmbito “privado”; ■ envolve crenças pessoais, nicho social ocupado, moral individual, entre outros; ■ propicia diversidade e “possibilidades” de fatores de risco; ■ envolve situação de vulnerabilidade. Clique no link a seguir para assitir ao vídeo para saber um pouco mais sobre o que aprendeu até agora, https://www.youtube.com/watch?v=6koCFSOUoN0. Antes de iniciar os estudos da próxima aula, não se esqueça de realizar a Atividade de Fixação (de caráter obrigatório) que contém algumas questões que retomam o conteúdo estudado. Para isso, clique no link abaixo: https://egovvirtual.df.gov.br/mod/ quiz/view.php?id=27828&forceview=1. https://www.youtube.com/watch?v=6koCFSOUoN0 https://egovvirtual.df.gov.br/mod/quiz/view.php?id=27828&forceview=1 https://egovvirtual.df.gov.br/mod/quiz/view.php?id=27828&forceview=1 21 Bons estudos e até a próxima aula! 1.1.8. Referências Bibliográficas 1. ANDRADE, M.V.; Beato, C.F.; Peixoto, B.T. Crime, oportunidade e vitimização. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais- vol. 19 nº. 55, 2004. 2. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 3. BRASIL. Lei nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Diário Oficial da União, Brasília, DF, p. 01, col. 1, 2006. 4. BRASIL. Resolução Nº 243, de 18 de outubro de 2021. Dispõe sobre a Política Institucional de Proteção Integral e de Promoção de Direitos e Apoio às Vítimas. Brasília: CNMP, 2021. Disponível em: chromextension:// efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.cnmp.mp.br/portal/images/ Resolucoes/2021/Resoluo-n-243-2021.pdf. Acesso em: 07 fev. 2024. 5. BRASIL. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Perfil dos cargos das instituições estaduais de segurança pública: estudo profissiográfico e mapeamento de competências/Secretaria Nacional de Segurança Pública, [Programa Nacional de Desenvolvimento para as Nações Unidas (PNUD)] – Brasília: Ministério da Justiça, SENASP, 2012. 6. GARCIA P. de M.; Gomes, L. F. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos. 5 ed. São Paulo: RT, 2006. 7. ISTAMBUL. Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica. Disponível em: . Acesso em: 05 jan. 2024. MENDELSOHN, Benjamin. La victimologie et les besoins de la societe actuelle. In: Revue international de criminologie et de police technique, v. 26, n. 3, p. 267-276, jui./sep. 1973. 8. MOSCOVICI, S. Representações Sociais: investigação em psicologia social. Petrópolis, RJ: Vozes,2003. 9. SCHOPENHAUER, Arthur. in “Parerga und Paralipomena”. Zurique: Haffmans, 2 vols, 1988, p. 559-60. 10. SOARES, A. O. et.al. Contribuições para Formação de Profissionais de Segurança Pública no Enfrentamento da Violência Contra Mulher, 2ª ed. Brasília, TJDFT/PMDF, 2001. 11. ZALUAR, Alba. A guerra privatizada da juventude. Folha de São Paulo, 18 de maio de1997.Disponívelem:. Acesso em: 09 mar. 2015. AULA 2 - ASPECTOS SOCIOCULTURAIS DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO 23 1.2.1. Apresentação É importante que, ao final desta aula, você seja capaz de: ■ planificar conceitos relacionados ao debate da violência de gênero; ■ resumir fatores culturais, crenças e mitos; ■ identificar as tecnologias de gênero; ■ descrever de que formas as tecnologias de gênero intensificam os papéis na sociedade. 1.2.2. Primeiras reflexões sobre a violência contra a mulher Observe atentamente a imagem a seguir que fez parte da questão 28 da prova azul do Enem do ano de 2017: Clique no link a seguir para assitir ao vídeo para saber um pouco mais sobre o que aprendeu até agora, https://www.youtube.com/watch?v=d1O0UTqp7vI. 1.2.3. Porque falar sobre a violência contra a mulher? As diferentes formas de violência contra mulheres e meninas continuam sendo uma das violações de direitos humanos mais prevalentes e generalizadas no mundo (ONU MULHERES, 2023; OPAS, 2024 e ENGEL, 2020). https://www.youtube.com/watch?v=d1O0UTqp7vI 24 1.2.4. Dados da violência contra a mulher 25 Esse fenômeno persistente na atualidade promove danos que afetam de modo significativo a saúde das mulheres, gerando prejuízos e preocupações que precisam ser tratadas por políticas públicas e de maneira multidisciplinar por redes de proteção, já que é além de um problema de saúde pública, também um problema de segurança pública, ou seja, é transversal (OPAS, 2024). Além disso, os custos sociais e econômicos da violência por parte do parceiro e da violência contra a mulher são enormes e repercutem em toda a sociedade. Sobretudo, as mulheres que sofrem com violência são impactadas em todas as áreas de suas vidas (SUXBERGER, 2024). No quadro a seguir veja alguns impactos decorrentes da violência na vida das mulheres. 1.2.5. A violência na vida das mulheres e seus impactos 26 1.2.6. Aspectos gerais do fenômeno da violência doméstica Retomando o conceito de violência contra a mulher: Essa violência se manifesta de diversas formas. Pode ser física, emocional, psicológica, sexual, financeira. As “grandes” violências (feminicídio, mutilação genital feminina, tráfico de mulheres e meninas, infanticídio feminino) possuem todas a mesma raiz materializadas em “pequenas” violências (GDF, 2023). Existem outras formas de violência contra as mulheres como a Violência Obstétrica, a Violência Institucional, a Violência Política ou a Transfobia, mas, mas nesse momento, vamos falar mais especificamente sobre a Violência Doméstica e Familiar. Importante mencionar que a violência doméstica é apenas um dos subtipos de violência de gênero, expressa, ainda, por atitudes dolosas como: assédios, estupros, violência política, tráfico de mulheres, feminicídios e a violência institucional. 27 A violência é um fenômeno muito mais amplo do que o ato físico que produz materialidade, que incide sobre o corpo físico e que produz efeitos imediatos no indivíduo. Estaria em seu conceito a violência imaterial, invisível, simbólica, que não necessariamente produz efeitos imediatos, mas que pode se tornar devastadora a longo prazo. Trata-se de uma violência produzida pelo simples exercício do poder, que pode ser tão ou mais grave que a violência física. Desta forma, quando falamos de violência física, muitas outras violências já aconteceram, algumas de forma sutil, invisível, mas estavam sufocadas, ou silenciadas. 1.2.6.1. Violência baseada no gênero A violência baseada no gênero trata de ações prejudiciais sofridas por mulheres fundamentada nas diferenças atribuídas entre os gêneros, pelas relações de poder desequilibradas. Ou seja, a dominação da figura masculina sobre a figura feminina no processo de socialização, onde as situações mais corriqueiras estão baseadas no medo, na dependência, no isolamento e na intimidação da mulher (TJDFT, 2024). Trata-se de um fenômeno social persistente, multiforme e articulado por facetas religiosas, sociais, culturais e econômicas. Tais facetas serão melhor aprofundadas no Aula 3 deste Módulo 1. 28 Neste sentido, torna-se imperiosa a necessidade de discutir a construção de tais relações e os sentidos de ser homem e ser mulher em nossa sociedade. São os estudos de gênero o que têm permitido compreender como as relações entre homens e mulheres são sedimentadas de modo a provocar uma distribuição desigual de poder em nossa sociedade. Assim, discutir relações de gênero significa, sobretudo, discutir relações de poder em nossa sociedade. A partir do gênero, as diferenças entre homens e mulheres se tornam desigualdades. Ademais, abordaremos os conceitos de machismo, patriarcado e misoginia que são fenômenos e modelos estruturais da sociedade que naturalizam modelos estereotipados de papéis de gênero e da figura da mulher. 1.2.6.2. Conceitos relacionados ao debate da violência de gênero O papel social da mulher mudou. No entanto, a sociedade ainda possui o machismo e o patriarcado como forma de estruturar as relações familiares, sociais, políticas, econômicas e religiosas (SIMÕES, 2024). É responsabilidade de toda sociedade, trabalhar na educação de homens e mulheres, para que se compreendam como pessoas humanas dignas e que mereçam e devam respeito entre si, numa relação de igualdade de gênero, sem discriminações e vedações às mulheres de qualquer natureza. Para isso, é necessário tratar de alguns conceitos que por vezes se confundem e que carecem de esclarecimentos: ■ Gênero ■ Machismo ■ Patriarcado ■ Misogenia Clique no link a seguir para assitir ao vídeo para saber um pouco mais sobre o que 29 aprendeu até agora, https://www.youtube.com/watch?v=qDpZnccC3Ms. 1.2.6.2.1. Gênero Os conceitos de gênero e patriarcado, embora não sejam sinônimos, servem igualmente para a análise das relações assimétricas entrehomens e mulheres. Embora a sociedade tenha muitos conceitos sobre o gênero, a questão não é pacificada e possui amplo debate entre correntes contrapostas. No entanto, a principal discussão a ser posta em questão é que a crença que dirige sua vida e família não lhe dá permissão para estabelecer relação de superioridade, dominação, subjugação ou delimitar espaços de atuação para qualquer gênero. Além disso, como profissional da segurança pública é dever do servidor público pautar sua conduta por um comportamento ético impecável no trato com o cidadão, independente do gênero com que ele se identifique. Gênero diz respeito ao modo como as sociedades atribuem sentido às relações entre homens e mulheres (GDF, 2023; LUKAS, 2020 e SIMÕES, 2024). Numa perspectiva de visão social, Figueiredo (2023, p. 24) afirma que o gênero portanto, refere-se a tudo aquilo que foi definido ao longo do tempo e que a nossa sociedade entende como papel, função ou comportamento esperado de alguém com base em sexo biológico. A autora entende que esses costumes podem ser modificados e reconstruídos pois não se tratam de ideologias ou dogmas. Tradicionalmente, a maioria das culturas e religiões entendem que a anatomia do corpo corresponde a sua identidade de gênero, ou seja, a natureza biológica definiria o gênero desta pessoa. Outra teoria, apresentada pelo Ministério Público do Trabalho (2022), critica o modelo binário de gênero que se restringiria aos conceitos de homem e mulher, da visão tradicional, segundo essa teoria a sociedade precisa entender as mais diversas formas https://www.youtube.com/watch?v=qDpZnccC3Ms 30 de expressão do indivíduo. Desse modo, outras linhas de pensamento apontam um conjunto de fatores que ajuda nessa definição, ou seja, para além da natureza biológica juntam-se a atração afetivosexual, o padrão de comportamento na sociedade e sua identidade de gênero. A interiorização do papel feminino na sociedade abarca também a junção de valores, atitudes e sentimentos (FIGUEIREDO, 2023). Neste entendimento, surgem pessoas que podem ter seu gênero identificado com o sexo designado no nascimento (cisgênero) e pessoas que não se identificam com o sexo designado no nascimento (transgênero). A figura a seguir contém conceitos adaptados (Figueiredo, p. 27) que abarca todos os fatores e definições de gênero: Enquanto servidores públicos, precisamos conhecer e compreender a complexidade 31 sobre o tema, ressaltando que o respeito às diferenças é necessário e fundamental para prestar um serviço de qualidade. Saiba mais sobre esses conceitos, baixando o Guia Prático sobre Violência de Gênero. Superando a questão da definição de gênero, passaremos a discorrer sobre os conceitos de patriarcado, machismo e misoginia. 1.2.6.2.3. Machismo Machismo e patriarcado também não são a mesma coisa. O machismo se refere a comportamentos/condutas sexistas que fazem parte desse sistema patriarcal (SSP, 2020). O fundamento do machismo é a ideia de que o homem é superior à mulher. O machismo enquanto sistema ideológico oferece modelos de identidade, tanto para o elemento masculino como para o elemento feminino: desde criança, o menino e a menina entram em determinadas relações, que independem de suas vontades, e que formam suas consciências: por exemplo, o sentimento de superioridade do garoto pelo simples fato de ser macho e em contraposição o de inferioridade da menina (DRUMONT, 1980, p.81). Esse sistema preconceituoso, chamado de machismo, é aprendido especialmente nos ambientes familiares, onde são adquiridas as crenças, regras e normas da vida social. Esse processo de educação familiar é infundido em cada um de nós pelas crenças, regras e os valores construídos pelos que nos instruíram. Pode-se observar valores machistas em famílias de todas as culturas, religiões, sociedades e níveis sociais, independente de seus conceitos de gênero. 32 Em relação aos homens, quando a existência ou o comportamento designado ao gênero masculino causa malefícios, tanto a ele próprio quanto à sociedade ao seu redor há a formação da chamada masculinidade tóxica. É um dos mecanismos que mantém o machismo e que devem ser enfrentados por toda sociedade em busca de mudanças estruturais. A masculinidade é tóxica quando os comportamentos tóxicos estão diretamente relacionados ao exercício da masculinidade. Como exemplo, o comportamento violento/agressivo para resolução de conflitos, a agressão sexual e/ou verbal, apatia, isolamento e não conseguir compartilhar emoções e sentimentos, necessidade de controle e dominação (especialmente sob mulheres), hipercompetitividade. Alguns deles relacionam-se com as práticas que envolvem algum tipo de violência: agressão, homicídio, estupro, assédio (ARAÚJO OLIVEIRA e DE JESUS SANTOS, 2022). Há ainda uma série de outros comportamentos tipicamente masculinos considerados tóxicos: ausência de cuidados com a própria saúde, abandono dos filhos, vergonha em manifestar sentimentos (como chorar), rejeição a outros gêneros e sexualidades distintos, sentimento constante de superioridade dentre outros. Veja os dados da enquete “O Silêncio dos Homens”, que demonstram o quanto a masculinidade tóxica/agressiva é nociva contra o próprio indivíduo e sociedade: 33 Saiba mais sobre masculinidade tóxica no vídeo clicando no link: https://www.youtube. com/watch?v=G0sdxYkc2iE&t=1s. 1.2.6.2.2. Patriarcado Historicamente, o termo patriarcado foi usado para se referir ao governo autocrático através do chefe de uma família. No entanto, nos tempos modernos, as ciências sociais entendem que o termo geralmente refere-se a sistemas sociais em que o poder é principalmente exercido por homens adultos. Nesse sentido, entende-se que o patriarcado é a maneira como as relações de gênero têm se manifestado na maioria das sociedades modernas. Ou seja, cada indivíduo é estimulado a aprender tudo aquilo que a cultura considera como importante no processo da vida em sociedade e é a partir dessa bagagem que certo padrão pessoal de vida masculina é inserido. Assim como o padrão masculino é aprendido neste contexto, as meninas e mulheres de muitas formas são ensinadas como falar, como se comportar, onde podem trabalhar, como expressar sentimentos e diversas condutas características de mulheres. Ocorre que quando valores distorcidos são repassados nessas relações sociais diversas, muitas vezes a mulher pode ter limitado seu campo de existência, apropriando- se desses valores como verdades para si. A questão aqui não é dizer que os papéis da mulher tem algum padrão errado, mas que, a depender do padrão cultural assimilado, poderá haver limitação de espaços e estabelecimento de hierarquias de valor prejudiciais ao pleno desenvolvimento da mulher na sociedade. O patriarcado tem sido um dos regimes que a teoria política feminista tem se utilizado para explicar como as relações de gênero se manifestam na sociedade. Segundo essa teoria, acredita-se que o patriarcado pode ser visto vinculado ao poder, ou melhor, aos https://www.youtube.com/watch?v=G0sdxYkc2iE&t=1s https://www.youtube.com/watch?v=G0sdxYkc2iE&t=1s 34 modos de legitimação e reprodução do poder (LIMA, 2019). Nesse passo, entende-se que o patriarcado representa um sistema social e cultural em que o poder e a autoridade se concentram e privilegiam homens em detrimento das mulheres (LIMA, 2019). Assim, o homem teria um lugar privilegiado, seja ele marido/ companheiro, ou pai e demais espaços da sociedade. A sociedade atribui outros valores ou divisões que são determinadas pelas condições de inserção de classe e etnia, que atribuídos à condição de gênero traz a mulher um lugar subalterno na sociedade vigente. A ausência de participação de mulheres em certas profissões e na política são consequência deste aprendizado cultural, por meio da divisão sexual do trabalho, que sempre atribuiu ao homem atividadesprodutivas e de valor social e às mulheres a área reprodutiva, associada a cuidados e afazeres domésticos. Essas divisões podem iniciar desde a infância quando as tarefas domésticas da menina são diferenciadas de meninos numa mesma família. É comum que mulheres, mesmo em cargos de poder, sejam assediadas ao passo que homens não o são. 1.2.6.2.4. Misoginia Um misógino acredita que ser mulher é estar em condição de inferioridade que não merece qualquer crédito ou atenção. Em graus extremos, a misoginia leva a agressões físicas. (MPT, 2022). 35 1.2.7. Entendendo como se perpetua a violência de gênero Nas páginas a seguir abordaremos como as crenças, os mitos e os produtos culturais da sociedade formam e moldam os papéis de gênero e ainda os mecanismos de reprodução destas narrativas através das tecnologias de gênero que influenciam o modo de pensar das pessoas contribuindo para a perpetuação da violência de gênero. A seguir assista ao bate-papo a respeito dessa temática com a equipe do Corpo de Bombeiros Militar do DF. Clique no link a seguir para assitir ao vídeo para saber um pouco mais sobre o que aprendeu até agora, https://www.youtube.com/watch?v=a2nm-Jiq6Rk. 1.2.7.1. Crenças e mitos que perpetuam a violência contra a mulher Agora, conheça algumas crenças e mitos que perpetuam a violência contra a mulher: https://www.youtube.com/watch?v=a2nm-Jiq6Rk 36 1.2.7.1.1. Crenças As crenças naturalizam os mitos para que o habitual seja apresentado como algo que “é assim porque tem que ser”, intentando outorgar um sentido moral em determinadas circunstâncias. A normalidade ou naturalização é construída sobre uma cultura que introduz a crença de que o não cumprimento dessa ordem natural é um ato de agressão ou violência. E é exatamente o que ocorre com a violência doméstica. Os agressores legitimam seus atos invocando mitos para agirem “como homens questionados” (TJDFT, 2024). Na violência contra a mulher, as crenças são definidas como concepções estereotipadas, fatos que servem para minimizar, negar, justificar ou até mesmo fazer piada à agressão à mulher. Por exemplo, no caso dos conflitos entre casais é mais frequente entre os homens que, além de terem tido uma socialização que os estimula a expressar sua raiva e descontentamento desse modo, possuem vantagens na definição das regras entre o casal. As agressões acontecem quando os homens sentem sua autoridade sobre a mulher violada. Esse entendimento é baseado na crença de que as mulheres são subalternas aos homens e que suas vontades são menos relevantes. A violência de gênero reflete a radicalização desta crença que, muitas vezes, transforma as mulheres em objetos e ‘propriedade’ de seus parceiros. No caso dos feminicídios, segundo uma pesquisa com 1,7 mil casos de mortes de mulheres no Brasil nos últimos três anos realizada pela Professora Lourdes Bandeira (2018), do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), uma das motivações mais comuns é a dificuldade de aceitar que a ex-esposa possa seguir a vida de solteira, crendo neste caso, que sua mulher é sua posse (STACCIARINI e GRIGORI, 2018). 37 Uma mudança somente é possível quando a sociedade se mostrar apta a formular um novo conceito sobre o assunto. 1.2.7.1.2. Mitos O mito é uma forma de expressão que se relaciona com as questões mais profundas da vida humana. Ele é uma forma de comunicar ideias e valores, e tem a capacidade de tocar o emocional das pessoas, levando-as a refletir sobre si mesmas e sobre o mundo em que vivem. Veja alguns mitos sobre a violência contra a mulher: 38 1.2.8.2. Cultura, tecnologias de gênero e subjetividades Dessa forma depreende-se que os valores culturais formatam nossos papéis sociais, a maneira como o homem e a mulher constroem as suas afetividades, autoimagem, bem como a forma como são vistos e julgados pela sociedade. 39 Em geral, os produtos culturais direcionados às meninas e às mulheres elegem como tema central o amor, conquistar um homem e a busca do uso da beleza para seduzir e encantar bem como produtos de casa (ZANELLO, 2022). Para os homens, produtos culturais como revistas, propagandas, filmes, músicas discorrem sobre espaços de poder, status ou reconhecimento social pela capacidade de acúmulo material/riqueza, a imagem de sedutor e o uso da pornografia. (ZANELLO, 2022) O problema da pornografia é o tipo de emocionalidade que ela incita como “prova de masculinidade” e o que se aprende é a objetificação sexual como modo de ser e estar o mundo, sendo as mulheres e as meninas o principal grupo objetificado. (ZANELLO, 2022) São as tecnologias de gênero como o cinema, músicas, a mídia e narrativas diversas, capazes de fazer proliferar distintas formas de subjetivação e enunciados de ação. Vejamos alguns exemplos do que estamos debatendo: 40 41 1.2.8. O que esperar dos agentes públicos quanto à temática abordada? 42 1.2.9. Considerações finais Nesta Aula 2, foi realizada uma análise abrangente da violência contra a mulher, ressaltando sua gravidade como uma das mais prevalentes violações de direitos humanos na atualidade. Além disso, conseguimos sintetizar conceitos essenciais sobre violência de gênero e identificar os fatores, crenças e mitos que perpetuam essa violência. Por meio da elaboração de conceitos fundamentais para o debate sobre a violência de gênero, juntamente com a identificação das tecnologias de gênero e a explicação de como estas intensificam os papéis sociais na sociedade, conseguimos resumir de forma abrangente os fatores, crenças e mitos que alimentam essa problemática. Antes de iniciar os estudos da próxima aula, não se esqueça de realizar a Atividade de Fixação (de caráter obrigatório) que contém algumas questões que retomam o conteúdo estudado. Para isso, clique no link a seguir: https://egovvirtual.df.gov.br/ mod/quiz/view.php?id=27826. 1.2.10. Referências Bibliográfica 1. AGUIAR, Maurício Figueiredo Massulo et al. Hermafroditismo Verdadeiro–Relato de Caso. Rev Para Med, v. 22, n. 4, p. 71-74, 2008. Disponível em: https://abrir. link/hfAH0. Acesso em: 23 de janeiro de 2024. 2. ARAÚJO OLIVEIRA, Fábio Araújo. DE JESUS SANTOS, Nádia. O discurso sobre masculinidade tóxica em uma campanha publicitária governamental. Revista do GELNE, [S. l.], v. 24, n. 1, p. 136–147, 2022. Disponível em: https://periodicos. ufrn.br/gelne/article/view/26319 . Acesso em: 1 fev. 2024. 3. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm . Acesso em: 31 jan. 2024. 4. ______. Lei nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm Acesso em: 31 jan. 2024. 5. BARCELLOS, Ana Paula de. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. Rio de Janeiro. Forense, 2019. 6. CARVALHO, Felipe Mio de.; MOTERANI, Geisa Maria Batista. Misoginia: a https://egovvirtual.df.gov.br/mod/quiz/view.php?id=27826 https://egovvirtual.df.gov.br/mod/quiz/view.php?id=27826 43 violência contra a mulher numa visão histórica e psicanalítica. Avesso do avesso, v. 14, n. 14, p. 167- 178, novembro 2016. 7. CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará”. Vigésimo Quarto Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral. Belém do Pará. Brasil, 1994. Disponível em: https://www.cidh.org/Basicos/Portugues/m. Belem.do.Para.htm. Acesso em: 31 jan. 2024. 8. COULANGES, Fustel de. La Cité antique. Paris, Hachette, 1864. 9. DE OLIVEIRA MARTINS, Thiago; SALES, David Rodrigues; NETO, Mario Teixeira Reis. A Influência dos Valores e Crenças no Comportamento Humano. Brazilian Journal of Development, v. 6, n. 1, p. 2698-2711, 2020. Disponível em: http://izabelahendrix.edu.br/pesquisa/anais/arquivos2019/ciencias-humanas/a- influencia-dos-valores-e-crencas-no-comportamento-humano-pag-271-284.pdf.Acesso em: 31 jan. 2024. 10. DRUMONT, Mary Pimentel. Elementos para uma análise do machismo. Perspectivas: Revista de Ciências Sociais, 1980. 11. ENGEL, Cíntia Liara. A violência contra a mulher. 2020. Disponível em: https:// www.ipea.gov.br/retrato/pdf/190215_tema_d_a_violenca_contra_mulher.pdf Acesso em: 31 jan. 2024. 12. FIGUEIREDO, Beatriz. Feminicídios: Perícia criminal e valor jurídico de prova material. Campinas, SP: Millennium Editora, 2023. 13. ______. Feminicídios: Perícia criminal e valor jurídico de prova material. Campinas, SP: Millennium Editora, 2023. 14. FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Visível e Invisível: A vitimização de Mulheres no Brasil. 4ª Edição. 2023. Disponível em: https:// forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/03/visiveleinvisivel-2023- relatorio.pdf Acesso em: 31 jan. 2024. 15. GDF. Governo do Distrito Federal. Secretaria de Estado da Mulher (SMDF). Guia prático sobre violência de gênero. Projeto “Promoção da Equidade de Gênero e Zero Violência Contra Mulheres e Meninas no Distrito Federal”. Brasília: 2023. 16. IMP. Instituto Maria da Penha. O que é a Violência Doméstica. Mitos da violência doméstica. Disponível em: http://www.institutomariadapenha.org.br/. Acesso em: 31 jan. 2024. 17. LIMA, Bruna Camilo de Souza. Patriarcado e teoria política feminista: possibilidades na ciência política. Universidade Federal de Minas Gerais. Dissertações de Mestrado. 2019. Disponível em: http://hdl.handle.net/1843/31963. Acesso em: 31 jan. 2024. 18. LUKAS, Carrie. Manual politicamente incorreto do feminismo. Ed. Vide; 1ª edição, 2020. 19. MEC/INEP. Ministério da Educação, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Questão 28 - Prova azul. Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM 2017. Brasília, 2017. 20. MPT. Ministério Público do Trabalho. O ABC da Violência contra a mulher no 44 trabalho, 2022. Cartilha. Disponível em: https://movimentomulher360.com.br/wp- content/uploads/2019/01/cartilha_violenciagenero-11.pdf. Acesso em: 31 jan. 2024. 21. OLIVEIRA, Andréia Soares de (et al.). Contribuições para a formação de profissionais da segurança pública no enfrentamento da violência contra a mulher - 2ª ed. - Brasília: PMDF:TJDFT, 2021. 22. ONU MULHERES. ONU Brasil. UNA-SE pelo Fim da Violência contra as Mulheres e Meninas. #NãoTemDesculpa. Disponível em: https://www.onumulheres.org. br/noticias/violencia-contra-mulheres-campanha-da-onu-pede-investimentos/. Acesso em: 31 jan. 2024. 23. OPAS. Organização Pan-Americana da Saúde. Escritório Regional para as Américas da Organização Mundial da Saúde. Violência contra as mulheres. Disponível em: https://www.paho.org/pt/topics/violence-against-women#:~:text=Essas%20 formas%20de%20viol%C3%AAncia%20podem,alimentares%20e%20 tentativas%20de%20suic%C3%ADdio. Acesso em: 31 jan. 2024. 24. PRATES, Paula Licursi e ANDRADE, Leandro Feitosa. Grupos reflexivos como medida judicial para homens autores de violência contra a mulher: o contexto sócio-histórico. Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. Disponível em: https://www.fg2013. wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/20/1373299497_ARQUIVO_ PrateseAndradeFazendoGenero10.pdf . Acesso em 15 de novembro de 2019. 25. SIMÕES, Cristiane Fernandes. O CBMGO e a violência doméstica e familiar contra a mulher. Apresentação. 2024. 26. SSPDF. Secretaria de Estado de Segurança Pública do Distrito Federal. Manual: “Grupo Refletir”. Brasília: 2020. Disponível em: https://www.tjdft.jus. br/informacoes/cidadania/nucleo-judiciario-da-mulher/documentos-e-links/ arquivos/livro-eletronico-manual-grupo-refletir.pdf. Acesso em: 31 jan. 2024. 27. STACCIARINI, Isa e GRIGORI, Pedro. Pesquisa aponta motivos para agressores cometerem crimes contra mulheres. Correio Braziliense, 2018. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2018/08/08/interna_ cidadesdf,699603/pesquisa-aponta-perfil-de-agressores-de-mulheres.shtml Acesso em: 31 jan. 2024. 28. SUXBERGER. Rejane Jungbluth. Violência contra a mulher não pode ser banalizada. TJDFT - Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas- e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/artigos/2023/violencia-contra-a- mulher-nao-pode-ser-banalizada. Acesso em: 31 jan. 2024. 29. TJDFT - Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. “A grande causa da violência [contra a mulher] está no machismo estruturante da sociedade brasileira”. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/ campanhas-e-produtos/artigos-discursos-e-entrevistas/entrevistas/2019/a- grande-causa-da-violencia-contra-a-mulher-esta-no-machismo-estruturante-da- sociedade-brasileira . Acesso em: 31 jan. 2024. 30. ZANELLO, Valeska. A prateleira do amor sobre mulheres, homens e relações. 1ª Ed. Curitiba: Appris, 2022. AULA 3 - A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES COMO FENÔMENO COMPLEXO E MULTICAUSAL 46 1.3.1. Apresentação É importante que, ao final desse módulo, você seja capaz de: ■ discutir os papéis de gênero socialmente atribuídos, relacionados às causas da violência contra a mulher; ■ identificar os fatores interconectados que levam às violências contra a mulher, compreendendo a combinação complexa entre elementos históricos, sociais, culturais, econômicos e políticos; ■ compreender o fenômeno da violência enquanto questão de políticas públicas; ■ compreender o contexto histórico das políticas de atenção às violências contra mulheres no Brasil; ■ compreender a relevância da existência de politicas transversais e especializadas voltadas ao atendimento de mulheres que se encontram em situação de violência e da importância de um trabalho em rede. 1.3.2. Dualidades na separação das esferas do público e do privado A violência contra a mulher é algo tão antigo quanto a humanidade: estima-se que um terço das mulheres, no mundo, vivenciarão violência física e/ou sexual em algum momento da vida, sendo a violência cometida pelo parceiro íntimo a forma mais comum (BRASIL, 2020). A preocupação com a superação dessa violência como condição necessária para a construção da humanidade é algo relativamente novo 47 (WAISELFISZ, 2015 apud SANTOS, AVOGLIA, SILVA, 2017). É comum ouvir dizer que as diferenças entre homens e mulheres são parte substancial das motivações da violência contra a mulher, principalmente as diferenças biológicas. Contudo, para isto há diversas soluções em cada tipo de sociedade e etapa da história. Outras razões são atribuídas aos elementos culturais, contudo não se pode encará- los como imutáveis ou autônomos (MATTOS, 2019). A ocorrência repetitiva de atos violentos contra mulheres parte da construção social que legitima o poder de um gênero sobre o outro e favorece a violência (SANTOS, AVOGLIA, SILVA, 2017). Por isso, em primeiro lugar, é importante resgatar a diferença entre sexo e gênero, aprendida na Aula 2 (SANTOS, AVOGLIA, SILVA, 2017): Dessa forma, chega-se ao conceito de violência de gênero (tratado na Aula 2 deste Módulo), a fim de refletir sobre a estrutura social que a fundamenta e suas múltiplas causas: 48 Socialmente, são os papéis de gênero que influenciam na cadeia de causas da violência contra a mulher. 1.3.2.1. Papéis de gênero Os papéis de gênero consistem em padrões de comportamento socialmente atribuídos ao gênero masculino ou feminino, visando à preservação secular do sistema político, econômico e social vigente, baseado na subalternização do gênero feminino sob formas de dominação – sendo a discriminação persistente da mulher a raiz da violência (SANTOS, AVOGLIA, SILVA, 2017). Antigamente, a mulher era vista com o sexo frágil e responsável pelas tarefas domésticas, assim como criação dos filhos, assumindo um papel de submissão. Por outro lado, ao homem era relegado o papel de provedor do lar e características como agressividade e pouco envolvimentoemocional, sendo a violência para o homem uma possibilidade de resposta à demanda de desempenho de seu papel social (SANTOS, AVOGLIA, SILVA, 2017). 1.3.2.2. Pensando sob uma nova perspectiva 49 Antes de avançarmos no assunto, é importante compreender o fenômeno da violência sob uma nova perspectiva: ■ Compreensão do fenômeno da violência: Compreender o fenômeno da violência como uma perspectiva social implica uma nova concepção e um novo tipo de tratamento, inclusive quanto aos termos utilizados: propõe-se, assim, que os homens sejam chamados de “homens autores de violência contra a mulher” e não “homens agressores”. Isto reflete a concepção de que os homens autores de violência são capazes de rever sua visão de mundo e seus comportamentos, tornando possível, portanto, um trabalho de mudança com esses indivíduos. É importante ressaltar que esse trabalho não os exime da responsabilização como autores da violência, mas trabalha com essa população na perspectiva de conscientização e a reeducação das percepções e dos valores, principalmente as noções de gênero e papéis sociais (SANTOS, AVOGLIA, SILVA, 2017). Esse papel de gênero conferido às mulheres favoreceu a restrição das relações entre gêneros e, consecutivamente, das relações familiares ao ambiente privado – desde a concepção da própria mulher como propriedade, até a particularização dessas relações (MATTOS, 2019). É importante relembrar que, economicamente, a unidade familiar e o trabalho por ela desempenhado na agricultura era o que conferia subsistência às pessoas. Junto a esse aspecto econômico e à chamada “privacidade familiar”, a noção de propriedade perpassa a dominação da mulher (MATTOS, 2019). 50 1.3.2.3. A opressão da mulher não é natural A necessidade de maior mão de obra abriu espaço para as mulheres no mercado de trabalho, contudo, a discriminação sistêmica da parcela feminina da sociedade fez com que elas fossem relegadas as posições mais subalternas e as remunerações mais baixas. Isto se diferencia conforme as posições de classe e raça dessas mulheres: quanto mais pobres e racializadas, piores são suas condições de trabalho e a dominação à qual estão submetidas no sistema de discriminação (MATTOS, 2019). Toda essa construção histórica leva ao entendimento das relações entre os gêneros e famílias como algo fora da alçada do Estado e das políticas públicas. A privacidade das vidas individuais é garantida pelos pactos sociais e preceitos éticos, contudo, há questões da vida dos cidadãos e cidadãs que devem ser alvo da atenção do poder público, de maneira intersetorial, multiprofissional, interdisciplinar e transversal. Considerada uma questão de saúde pública e uma das principais preocupações da segurança pública, a violência – sobretudo aquela perpetrada contra as mulheres – deve ser alvo da ação ética, sensível, crítica, humanizada e resolutiva das políticas públicas e de seus agentes elaboradores, gestores e executores. 51 1.3.2.4. Para refletir A judicialização do problema da violência contra as mulheres é entendida como a sua criminalização, não só pela letra das normas ou leis, mas também, e fundamentalmente, pela consolidação de estruturas específicas, mediante as quais o aparelho policial e/ ou jurídico pode ser mobilizado para proteger as vítimas e/ou punir os agressores (SANTOS, AVOGLIA, SILVA, 2017). Contudo, o conflito de gênero que existe por trás da violência não pode receber tratamento apenas sob o aspecto criminal, pois este não considera a relação íntima existente entre a vítima e o acusado, a pretensão da vítima e, nem mesmo seus sentimentos e necessidades. A violência representa, para as mulheres, o medo das constantes ameaças, além de que a permanência na relação acontece devido à esperança da mudança no comportamento do parceiro (SANTOS, AVOGLIA, SILVA, 2017). 1.3.3. Multicausalidade do fenômeno da violência A violência contra as mulheres é um fenômeno complexo e multifacetado, sendo, portanto, multicausal, resultado de fatores contextuais sócio-históricos e das dinâmicas individuais e relacionais envolvidas. Estes fatores, interconectados, contribuem para a reprodução e perpetuação desse problema na sociedade brasileira. Como já visto nas aulas anteriores, a violência contra as mulheres é reflexo de padrões culturais de base patriarcal arraigados em nossa cultura. As desigualdades entre homens e mulheres estão fundamentadas em normas sociais e valores culturais enraizados na 52 estrutura de nossa sociedade. Vimos que as relações de poder desigual entre homens e mulheres, estabelecidas por mecanismos sociais, políticos e institucionais ao longo da história, mantiveram as mulheres em situações de submissão, opressão e injustiça, limitando a elas oportunidades de acesso a direitos legítimos enquanto cidadãs. A tolerância social em relação à violência contribuiu, por muito tempo, para a ocorrência e persistência desse problema. Sabemos que cada mulher vivencia a violência em seus relacionamentos domésticos e familiares de uma maneira particular. Entretanto, por ser um fenômeno inerente à vida em sociedade, analisamos as diferentes formas de violência contra as mulheres de acordo com a relação sujeito/família/sociedade, ou seja, dimensões que implicam análises que perpassam pelos vínculos sociais e institucionais, relacionados, portanto, a um contexto macrossocial (LINS e PONDAAG, 2017). 53 1.3.3.1. Análise dos fatores contextuais sócio-históricos e das dinâmicas individuais e relacionais envolvidas Para a análise da interconexão destes diferentes fatores: contextuais sócio-históricos e das dinâmicas individuais e relacionais envolvidas, a perspectiva ecológica do desenvolvimento humano (BROFENBRENNER, 1996 apud LINS e PONDAAG, 2017, p.158) explica que “uma pessoa é compreendida não apenas pelo seu desenvolvimento individual e psicológico, mas também pela relação com o contexto compreendido como ambiente ecológico”. A figura a seguir ilustra um pouco desta perspectiva de análise, mostrando que as estruturas se afetam mutuamente e influenciam o desenvolvimento pessoal individual, sendo elas o microssistema (pessoais/individuais), mesossistema (relacionais e familiares), exossistema (comunitários) e macrossistema (culturais/sociais). Assim, para compreendermos a experiência de uma mulher que vivencia situações de violência, devemos considerar não só o seu ambiente imediato, como também compreender que esse ambiente está conectado a outros que também afetam a sua dinâmica de vida, mesmo que ela nem perceba. Por este mesmo motivo, a solução de um determinado problema perpassa pela intervenção em várias instâncias. Nesse sentido, esta forma de análise nos leva a refletir sobre a inadequação de formarmos conclusões precipitadas acerca das mulheres em situação de violência, de julgá-las ou de criar expectativas em relação às escolhas e iniciativas que “deveriam” adotar para enfrentar suas dificuldades, pois o problema é muito complexo (LINS e PONDAAG, 2017). 54 1.3.3.2. Fatores de cada dimensão que podem ocasionar ou agravar a violência contra as mulheres 55 1.3.3.3. O que vimos até aqui? Agora, no vídeo abaixo será feito um resumo do que aprendemos nesta aula até o momento! Clique no link a seguir para assitir ao vídeo para saber um pouco mais sobre o que aprendeu até agora, https://www.youtube.com/watch?v=EMyVKYdEprU. 1.3.4. Políticas transversais e especializadas na atenção e proteção às mulheres em situação de violência Na página anterior, identificamos a multicausalidade do fenômeno da violência contra mulheres na sociedade brasileira. Vimos que, por este motivo, o enfrentamento deste problema deve perpassar pela intervenção em várias instâncias. Aqui, iremos compreender os motivos pelos quais a violência contra as mulheres passou a ser enfrentada de forma especializada, como também enquanto uma questão concernentea diferentes áreas de atuação governamental, de maneira integral e intersetorial. https://www.youtube.com/watch?v=EMyVKYdEprU 56 1.3.4.1. Contexto histórico da inserção do tema da violência contra mulheres na agenda pública Clique no link a seguir para assitir ao vídeo para saber um pouco mais sobre o que aprendeu até agora, https://www.youtube.com/watch?v=Z7X-VLzk_c0. Principais elementos trazidos pelas convenções, movimentos e políticas para as mulheres: ֎ A Declaração de Beijing trouxe uma Plataforma de Ação sobre os direitos das mulheres com destaque a alguns conceitos como: 1. O conceito de gênero: compreensão das relações históricas entre homens e mulheres como um resultado de padrões e crenças determinadas social e culturalmente e, portanto, passíveis de serem transformadas ao longo do tempo. 2. A valorização do chamado empoderamento da mulher: realça a importância de que a mulher adquira o controle sobre o seu desenvolvimento, devendo o governo e a sociedade criar as condições para tanto e apoiá-la nesse processo. 3. A transversalidade de gênero ou gender mainstreaming: assegura que a perspectiva de gênero integre as políticas públicas em todas as esferas de atuação, estendendo às mulheres oportunidades de acesso a direitos legítimos, no sentido de sedimentar a igualdade e a justiça social. Trata-se de uma estratégia básica de promoção da equidade. Os debates e as ações apresentadas passaram a evidenciar o desafio que O Estado brasileiro teria nos anos seguintes em repensar seus sistemas e serviços não só em âmbito nacional, como em nível local, com vistas ao tratamento adequado dos casos de violação dos direitos das mulheres a viver uma vida sem violência. 1.3.4.2. O que são políticas transversais e especializadas? https://www.youtube.com/watch?v=Z7X-VLzk_c0 57 ֎ Como efetivar uma Política Transversal? ■ Políticas transversais são efetivadas por meio da intersetorialidade das políticas públicas. Não há uma hierarquia entre os diversos setores, mas um trabalho em colaboração e integrado visando lidar com problemas complexos que muitas vezes ultrapassam as fronteiras setoriais de cada área de atuação do governo e por serem comum a várias delas (BRONZO, 2007; CUNILL-GRAU, 2014). 1.3.4.3. Rede de proteção integral: explicando a noção de rede de enfrentamento e atendimento às mulheres em situação de violência. Vimos que para enfrentar todas as formas de violência contra as mulheres é necessário partirmos de uma perspectiva de gênero e de uma visão integral deste fenômeno. Assim, o conceito de enfrentamento, adotado pela Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (BRASIL, 2011), diz respeito à implementação de políticas amplas, transversais e articuladas, que procurem dar conta da complexidade da violência contra as mulheres em todas as suas expressões. Na perspectiva de intersetorialidade e interdisciplinariedade, a noção de enfrentamento não se restringe à questão do combate no âmbito da justiça ou segurança pública, mas compreende também as dimensões da prevenção, da assistência, do atendimento e da garantia de direitos das mulheres, o que requer a ação conjunta e intersetorial dos diversos setores de políticas públicas envolvidos com a questão como a segurança pública, educação, assistência social, sistema de saúde e justiça. Assim, incentiva-se a constituição de redes de atuação, a criação de protocolos e fluxos de atendimento 58 assistencial, a realização de ações preventivas intersetoriais e a garantia do acesso das mulheres à justiça e à segurança pública. Agora que você já sabe o que é uma rede e o porquê de se utilizar esta ferramenta, vamos diferenciá-las: 1.3.4.4. Pontos positivos e desafios no trabalho em rede No vídeo a seguir poderemos compreender um pouco mais sobre os atendimentos às mulheres em situação de violência em um rede de atendimento. Clique no link para assisti-lo, https://www.youtube.com/watch?v=5b692UX68e0. https://www.youtube.com/watch?v=5b692UX68e0 59 Dentro de uma rede de atendimento e proteção às mulheres em situação de violência, temos serviços que são considerados especializados e serviços não especializados de atendimento às mulheres. No Módulo 2, você conhecerá a Rede de Proteção às Mulheres do Distrito Federal e Entorno. 1.3.5. Considerações finais Nesta aula vimos que a violência contra as mulheres é considerada um fenômeno complexo e multifacetado. Por entendermos a multicausalidade deste problema social, podemos compreender que enfrentar a violência demanda engajamento, comprometimento e 60 articulações de diferentes setores de políticas públicas para a construção de respostas mais eficazes por parte do Estado. Nesse sentido, o trabalho intersetorial e em rede se mostra importante para o enfrentamento da violência. Enquanto servidores, desempenhamos um papel crucial no atendimento, na escuta, no apoio e no acolhimento de mulheres em situação de violência. A atuação de cada um exerce um impacto expressivo nas trajetórias destas mulheres e na prevenção de diversos casos de violência. Antes de iniciar os estudos do próxim Módulo, não se esqueça de realizar a Atividade de Fixação (de caráter obrigatório) que contém algumas questões que retomam o conteúdo estudado. Para isso, clique no link a seguir: https://egovvirtual.df.gov.br/mod/quiz/view. php?id=27830. 1.3.6. Referências Bibliográficas 1. BANDEIRA, L. M.; ALMEIDA, T M.C. A transversalidade de gênero nas políticas públicas. Revista do Ceam, v. 2, n. 1, jan./jun. 2013. 2. BANDEIRA, L. M.; ALMEIDA, T M.C. Vinte anos da Convenção de Belém do Pará e a Lei Maria da Penha. Estudos Feministas, Florianópolis, 23(2): 352, maio-agosto/2015. 3. BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Saúde Mental e Atenção Psicossocial na Pandemia COVID19: violência doméstica e familiar na COVID19. 2020. Brasília, DF. Disponível em: https://www.fiocruzbrasilia. fiocruz.br/wp-content/uploads/2020/04/Saúde-Mental-e-Atenção-Psicossocial- na-Pandemia-Covid-19-violência-doméstica-e-familiar-na-Covid-19.pdf Acesso em: 30 jan. 2024. 4. BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM). Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres. Brasília: Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, 2011a. 5. BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM). Plano Nacional de Políticas para as Mulheres 2013-2015. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2013. 6. BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM). Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres. Brasília: Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, 2011b. 7. BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM). Rede Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Brasília: Secretaria https://egovvirtual.df.gov.br/mod/quiz/view.php?id=27830 https://egovvirtual.df.gov.br/mod/quiz/view.php?id=27830 61 de Políticas para as Mulheres, 2011c. 8. BRONZO, C. Intersetorialidade como princípio e prática nas políticas públicas: reflexões a partir do tema do enfrentamento da pobreza. CLAD, Caracas, 2007. 9. CUNILL-GRAU, N. La intersectorialidad en las nuevas políticas sociales: Un acercamiento analítico-conceptual. Gest. polít. pública, Ciudad de México , v. 23, n. 1, p. 5-46, enero 2014. 10. DOS SANTOS LUCHESSE, Gabrielle; AVOGLIA, Hilda Rosa Capelão; SILVA, Patrícia Oliveira. A dinâmica psíquica e as estruturas defensivas da mulher vítima de violência doméstica. Boletim Academia Paulista de Psicologia, v. 37, n. 92, p. 24-40, 2017. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/bapp/v37n92/ v37n92a04.pdf Acesso em: 31 jan. 2024. 11. FARAH, M. F.S. et al. Gênero e política pública: panorama da produção acadêmica no Brasil (1983-2015). Cad. EBAPE.BR, v. 16, nº