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filósofos do seculo xx


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Filosofia em 
Tempos Difíceis
J O R G E N U N E S B A R B O S A
Índice
“Necessitamos, pois, de corrigir o ponto de partida da filosofia. O dado radical do 
Universo não é simplesmente: o pensamento existe, ou eu, pensante, existo; mas que 
se existe o pensamento existem, ipso facto, eu que penso e o mundo em que penso, e 
existe um com o outro, sem separação possível. Mas nem eu sou um ser substancial, 
nem o mundo tão-pouco - ambos somos em ativa correlação; eu sou o que vê o 
mundo, e o mundo é o que é visto por mim. Eu sou para o mundo, e o mundo é para 
mim. Se não há coisas que ver, pensar e imaginar, eu não veria, pensaria ou imaginaria - 
isto é, não seria.” (…) 
Ortega y Gasset
Explicação Prévia
Introdução
Capítulo I - O Círculo de Viena e a Escola de Frankfurt
Círculo de Viena
Escola de Frankfurt
Conceitos e Objetos (Frege) - Texto
Os Sentidos não Mentem (Nietzsche) - Texto
Enunciados Destituídos de Sentido (Carnap) - Texto
i
Capítulo II - Bertrand Russell
Bertrand Russell
O Significado e a Verdade
O Significado como Conhecimento Direto ou Familiar
A Ontologia de Russell
A Forma de uma Proposição Verdadeira pode ser Mostrada?(Russell) - Texto
Capítulo III - Ludwig Wittgenstein 
Introdução
O Tractatus Logico-Philosophicus 
As Investigações Filosóficas
Uma Espécie de Mitologia (Wittgenstein) - Texto 
Capítulo IV - Martin Heidegger
Heidegger: Os Mal-Entendidos
Síntese
Superar a Metafísica (Heidegger) - Texto 
Capítulo V - Ortega y Gasset 
A Razão Vital
A Questão do Nosso Tempo
Eu Sou Eu e a Minha Circunstância
Síntese
ii
Capítulo VI - Jurgen Habermas
O Debate Livre
O Conceito de Racionalidade Comunicacional (Habermas) - Texto
Capítulo VII - Karl Popper
A Abertura do Pensamento
Não Há Indução (Popper) - Texto 
Capítulo VIII - Thomas Kuhn
Revoluções Científicas
Como se Produzem as Revoluções Científicas (Kuhn) - Texto 
Capítulo IX - John Rawls
O que á a Justiça?
A Justiça como Equidade (Rawls) - Texto 
Capítulo X - Outros Temas
Husserl e a Fenomenologia
Paul Ricoeur
Explicar e Compreender (Paul Ricoeur) - Texto
O Outro
Existencialismo
Utopia
Razão
O Absurdo
Bibliografia
iii
Explicação Prévia
Este documento é composto por textos dispersos, a respeito de alguns filósofos do 
século XX.
Corresponde de algum modo a uma espécie de esboço do que poderá vir a ser 
uma publicação mais estruturada e mais refletida. Destina-se, nesta oportunidade, 
a servir como documento orientador dos meus alunos, e como forma de me obri-
gar a organizar um conjunto de apontamentos, até agora, mal organizados e em 
formatos diversos.
As ligações, no interior do documento, não são mantidas no formato PDF; es-
sas ligações só são funcionais no formato ePub, disponível gratuitamente na iBooksto-
re (para iPad). Essa gratuitidade não tem origem em nenhuma espécie de generosi-
dade, mas tão só no reconhecimento de que este conjunto de textos não tem qual-
quer valor comercial. Pode, portanto, ser usado livremente por quem quer que te-
nha acesso a ele.
Porto, 30 de Outubro de 2012.
	 	 Jorge Barbosa
iv
Introdução
A filosofia contemporânea é partilhada por várias correntes: por um lado, a filoso-
fia analítica de língua inglesa que não se reduz, como se pensa muitas vezes, ao po-
sitivismo lógico, mas que lhe dá origem; por outro lado, uma filosofia continental 
de língua alemã e francesa, que se refere a Nietzsche, a Heidegger, a Freud. Duran-
te muito tempo, estas duas correntes não foram verdadeiramente contemporâneas, 
no sentido em que se mantiveram estranhas uma à outra, em que não eram lidas 
em conjunto. Um exemplo desta incompreensão radical pode ser encontrado nas 
atas de um colóquio sobre a “filosofia analítica”, que reuniu em 1962, na Abadia 
de Royaumont filósofos anglo-saxónicos de primeiro plano (Quine, Strawson, Aus-
tin, Ryle) e representantes igualmente distintos da fenomenologia e da filosofia 
francesa (Merleau-Ponty, Jean Wahl, etc.). Este período de incompreensão radical, 
que não autorizava que se falasse seriamente de filosofias contemporâneas, e que 
nos obrigava a contentar-nos com uma cronologia muito exterior, com uma sim-
ples justaposição, estará porventura a desvanecer-se, em parte, porque a filosofia 
analítica evoluiu e descobriu, engenhosamente, uma história para ela própria... Es-
boçam-se, então, debates que não se desenvolvem exclusivamente no seio de uma 
única tradição, numa única língua. Estas trocas têm, naturalmente, a duração e a 
qualidade próprias dos debates filosóficos: caracterizam-se sempre por alguns re-
cuos, alguns diferendos, múltiplos mal-entendidos, mas existem. 
Nestas condições, que ponto de partida devemos escolher para apresentar a filo-
sofia contemporânea do século XX? Seria tentador escolher os primeiros traba-
lhos de Frege e os de Moore, cuja Refutação do Idealismo de 1903 inaugura a filosofia 
analítica. Seria igualmente tentador, numa outra perspectiva, tomar como referên-
cia a obra de Nietzsche, como primeiro exemplo de desconstrução da metafísica, 
da “genealogia”. A obra do primeiro, nas margens da filosofia, aproxima-se da ma-
temática, e a obra do segundo, nas margens também ela, aproxima-se da literatura 
pelos aforismos, da poesia e do mito pela figura de Zarathustra. No entanto, se ti-
v
vermos em conta o que veio a acontecer às doutrinas destes dois pensadores, desco-
briremos uma curiosa afinidade. Qual é, então, o ponto comum entre a corrente 
que parte de Frege, com Russell, Wittgenstein, Carnap, Austin, Quine, e aquela 
que parte de Nietzsche, com Heidegger, Foucault, Derrida? Apesar de diferenças 
muito importantes, poderemos encontrar uma preocupação comum: a crítica da 
metafísica como “discurso” e, portanto, uma crítica da linguagem.
A filosofia clássica (em três nomes: Descartes, Hume, Kant) tinha colocado a 
questão do conhecimento, isto é, da relação entre o pensamento e as coisas, no 
centro das suas preocupações. Assiste-se com Frege e Nietzsche, e também com C-
S. Peirce, fundador do pragmatismo, a uma viragem do texto (Rorty chamou-lhe 
viragem linguística), que coloca o problema da linguagem, do significado, do senti-
do no lugar da questão tradicional do conhecimento. A questão da linguagem nun-
ca esteve ausente da filosofia, em particular na Grécia antiga, mas adquire uma im-
portância muito particular na filosofia contemporânea. 
A crítica da linguagem pode ter duas dimensões. Pode incidir sobre a lingua-
gem como instrumento de conhecimento, nas ciências, e em procurar definir as su-
as possibilidades e os seus limites, em mostrar os erros e as ilusões que ela provoca. 
Sonhar-se-á, então, com uma linguagem pura, ideal, cujo modelo será procurado 
na lógica, na física, se não nos contentarmos em explorar o funcionamento, de si 
já bem complexo, da linguagem “comum”. No entanto, a linguagem não é só um 
instrumento de conhecimento. É também um instrumento de comunicação social 
e, nesta perspetiva, a crítica da linguagem não incidirá sobre a linguagem das ciên-
cias, mas sobre a degradação da linguagem como sinal de uma perversão das rela-
ções humanas, como sintoma de uma relação de dominação e de opressão. 
vi
Surgem então duas grandes tendências:
A questão que se coloca é, então, a de saber como podemos conceber a relação 
entre estes dois tipos de crítica da linguagem. Que relação pode haver entre a ques-
tão do funcionamento da linguagem na descrição verdadeira do mundo e a do seu 
papel na comunicação social? Para responder a esta questão, temos de caminhar 
com cuidado, passo a passo. Comecemos, então, por apresentar uma síntese de en-
quadramento destas duas grande tendências da filosofia contemporânea
vii
☛ A do círculo de Viena que assume a crítica da 
linguagem como Kulturkritik, comocrítica da 
civilização ou da cultura.
☛ E, numa perspectiva muito diferente e até 
contraditória, Nietzsche, Adorno e a escola de 
Frankfurt, Derrida, Foucault, Habermas que propõem a 
crítica da linguagem como instrumento de 
comunicação e de dominação social.
1 C A P Í T U L O
Círculo de Viena e 
Escola de Frankfurt
8
☛ Se aplicarmos à própria filosofia tradicional 
esta sintaxe lógica, descobriremos uma série de 
pseudoproposições ou proposições desprovidas de 
sentido, quer porque elas estão logicamente mal 
construídas, quer porque são impossíveis de 
verificar.
☛Assim, o conceito de liberdade serviria para 
justificar a livre iniciativa, quer dizer, acrescentam 
os teóricos da Escola de Frankfurt, a livre 
exploração do trabalho.
1 S E C Ç Ã O
Círculo de Viena
Em 1922, um certo número de filósofos e de cientistas reúnem-se em comunidade 
de trabalho, nomeadamente à volta de Moritz Schlick (1882-1936), que tinha aca-
bado de ser nomeado professor da Universidade de Viena, de Rudolf Carnap 
(1891-1970) e de Otto Neurath (1882-1945). O Círculo de Viena, que está em liga-
ção com a Sociedade de Filosofia Empirista de Berlim, dirigida por Hans Rei-
chenbach, e com Bertrand Russell e Ludwig Wittgenstein, anima uma série de pu-
blicações, organiza colóquios internacionais em Viena, Paris, Copenhague, etc.
Entre as duas guerras, a sua influência estende-se aos Estados Unidos, para 
onde a maior parte dos seus fundadores irá ensinar. De todos estes trabalhos des-
prende-se uma doutrina a que se chamou empirismo lógico e que se inscreve na suces-
são do empirismo inglês e do positivismo francês. 
A estas variedades de empirismo, o empirismo lógico junta uma crítica da no-
ção de significado e uma análise da linguagem. Nesta perspetiva, o conhecimento 
não deriva de uma experiência pessoal, nem da descrição de um dado imediato. 
Passa pela mediação de um sistema de sinais, e o problema que se coloca aos ani-
madores do Círculo de Viena é o da natureza das proposições lógicas. Enquanto, 
para os lógicos clássicos, as proposições lógicas são normas do verdadeiro pensa-
mento, os empiristas lógicos, na esteira de Wittgenstein, consideram que estas pro-
posições não nos dizem nada sobre o que realmente é (cf. Cap. 3). 
Procedendo à análise lógica da linguagem, os discípulos do Círculo de Viena 
estabelecem que nem todas as proposições, cujas palavras têm um sentido, são ne-
cessariamente proposições dotadas de sentido. Bertrand Russell (cf. Cap. 2), com a 
sua teoria dos tipos, definiu um certo número de condições permitindo excluir as 
combinações de palavras que conduzem a proposições contraditórias ou não escla-
recíveis.
9
Rudolf Carnap vai mais longe ao formular uma sintaxe lógica que enuncia as 
regras de formação e de transformação das proposições suscetíveis de serem verifi-
cadas. Ele julga construir assim uma linguagem que seria uma verdadeira lógica 
da ciência. A análise lógica dos conceitos das proposições científicas é, a seus 
olhos, a verdadeira tarefa da filosofia.
Se aplicarmos à própria filosofia tradicional esta sintaxe lógica, descobriremos 
uma série de pseudoproposições ou proposições desprovidas de sentido, quer por-
que elas estão logicamente mal construídas, quer porque são impossíveis de verifi-
car.
10
2 S E C Ç Ã O
Escola de Frankfurt
Em 1924, fundou-se em Frankfurt um Instituto de Pesquisas Sociais. Esse Instituto 
reuniu progressivamente um certo número de investigadores, dos quais os mais co-
nhecidos são os filósofos Herbert Marcuse, Max Horkheimer, Theodor Adorno, 
Jurgen Habermas (cf. Cap. 8). O seu programa comporta a crítica radical da socio-
logia e da psicologia do seu tempo, isto é, a crítica do positivismo aplicado aos fac-
tos sociais. São recusadas, nomeadamente, as conceções de Max Weber. Estes jo-
vens teóricos julgam que há uma relação estreita entre o saber universitário e as ne-
cessidades ideológicas das classes dominantes nos países capitalistas avançados.
O ambiente histórico, no qual nasce esta escola, é o da Alemanha entre as duas 
guerras mundiais. Está marcado pela primeira grande crise económica mundial e 
pela ascensão do nacional-socialismo. Os filósofos de Frankfurt não consideram o 
fanatismo como uma exceção, mas como um fenómeno que revela o caráter funda-
mentalmente autoritário do sistema de lucro, que caracteriza o capitalismo. O tri-
unfo do nazismo, que vai dispersar os teóricos da Escola de Frankfurt, os quais na 
sua maior parte vão continuar a sua atividade nos Estados Unidos, confirma as su-
as análises.
Tinham partido do marxismo e admitiam a necessidade de uma revolução to-
tal para resolver os problemas sociais e chegar a um sistema novo de relações entre 
os homens sem poder autoritário nem hierarquia. Depressa, avaliam a União Sovi-
ética de modo crítico. Vêem nela a construção de uma estrutura estatal de caráter 
totalitário, contraditório com os fins e os procedimentos do socialismo.
As obras dos teóricos da Escola de Frankfurt aparecem também muito frequen-
temente como uma crítica da razão. Horkheimer escreve “Eclipse da Razão”, Ha-
bermas “A Técnica e a Ciência como Ideologia”, Horkheimer e Adorno “A Dialéti-
ca da Razão”. Todas estas obras constituem problematizações da racionalidade tal 
como ela funciona nas sociedades modernas. A própria razão é aí descrita como 
11
um instrumento ligado a uma estrutura económica, social, política que se chama 
capitalismo.
Entretanto, estes filósofos julgam que, no passado, a razão desempenhou um pa-
pel diferente. Elaborou ideais de justiça, de liberdade, de democracia que foram 
pervertidos pela dominação da burguesia. Este domínio provocou uma verdadeira 
decomposição da razão. Os conceitos que forjou serviram e servem ainda para 
mascarar a sua falsificação no plano das realidades sociopolíticas. Assim, o concei-
to de liberdade estaria a ser usado para justificar a livre iniciativa, quer dizer, acres-
centam os teóricos da Escola de Frankfurt, a livre exploração do trabalho. No caso 
dos Estados socialistas, assistir-se-ia a um desvio simétrico dos conceitos racionais 
do marxismo.
12
3 S E C Ç Ã O
Textos
Conceitos e Objetos
Frege, G. (1969) Les Fondements de l’arithmétique, Trad. do alemão para francês por C. 
Imbert, Paris, Le Seuil, p. 119
Que não se tome a descrição da origem de uma representação por uma definição. E que não 
se tomem as condições psicológicas e corporais da consciência de uma proposição por uma 
prova, que não se confunda a consciência de uma proposição com a sua verdade. Não 
devemos nunca esquecer que uma proposição não deixa de ser verdadeira quando não 
pensamos nela, que o Sol não se apaga quando fechamos os olhos. Se não, seríamos 
obrigados a ter em consideração o teor de fósforo do cérebro na demonstração do teorema 
de Pitágoras. (...) O método histórico, que pretende surpreender a génese das coisas e 
conhecer a essência pela génese, tem sem dúvida uma vasta jurisdição; tem também os 
seus limites. Se, no fluxo perpétuo que tudo leva, nada fosse fixo nem conservasse 
eternamente o seu ser, o mundo deixaria de ser conhecível e tudo se perderia na confusão. 
Parece que acreditamos que os conceitos crescem na alma individual como as folhas 
crescem nas árvores, e pensamos conhecer a sua essência examinando a sua génese, 
procurando definir o seu ser por vias psicológicas, a partir da natureza da alma humana. Ora, 
esta conceção empurra tudo para a subjetividade, e, se a levarmos ao limite, suprime a 
verdade. Aquilo a que se chama história dos conceitos, é na realidade ou a história do nosso 
conhecimento dos conceitos ou a história do significado das palavras. Por vezes foi 
necessário um imenso trabalho intelectual, que perdurou durante séculos, antes de sermos 
capazes de conhecer um conceito em toda a sua pureza, de libertá-lo de todos os envelopesque o afastavam do olhar do intelecto. Que dizer, quando, em lugar de prosseguir nesse 
trabalho uma vez que tudo parece ainda inacabado, o desprezamos, na altura de frequentar 
o jardim de infância, de estudar as mais antigas etapas da evolução da humanidade, para 
descobrir, como John Stuart Mill, uma aritmética de (..) de calhaus?
13
Os Sentidos não Mentem
Nietzsche, F. (1970) Le Crépuscule des Idoles, Trad. do alemão para francês por H. Albert, 
Paris, Mercure de France, p. 103
Coloco à parte com um profundo respeito o nome de Heraclito. Se o conjunto dos outros 
filósofos rejeitava o testemunho dos sentidos porque os sentidos são múltiplos e variáveis, 
ele rejeitava o seu testemunho porque eles apresentam as coisas como se tivessem duração 
e unidade. Heraclito, também ele, errou no que diz respeito aos sentidos. Estes não mentem, 
nem à maneira como imaginavam os Eleatas (Parménides, Zenão), nem como ele imaginava - 
em geral, não mentem. É aquilo que fazemos do seu testemunho que coloca neles a mentira, 
por exemplo, a mentira da unidade, a mentira da realidade, da substância, da duração... Se 
falseamos o testemunho dos sentidos, é por culpa da “razão”. Os sentidos não mentem, pelo 
menos enquanto se limitam a mostrar o devir, o desaparecimento, a mudança... Mas na sua 
afirmação de que o ser é uma ficção, Heraclito merece que lhe seja atribuída a razão eterna. 
O “mundo das aparências” é o único real: o “mundo-verdade” é simplesmente acrescentado 
pela mentira...
(...)
14
Enunciados Destituídos de Sentido
Carnap, R. (1985) Le Dépassement de la métaphysique, Trad. do alemão para francês por A. 
Soulez, Paris, PUF, p. 172
Podemos dividir os enunciados (dotados de sentido) da maneira seguinte: em primeiro lugar, 
aqueles que são verdadeiros em virtude exclusivamente da sua forma (ou “tautologias” 
segundo Wittgenstein. Correspondem, mais ou menos, aos “juízos analíticos” de Kant). Não 
dizem nada sobre o real. A esta espécie pertencem as fórmulas da lógica e da matemática; 
elas não são enunciados sobre o real, mas servem para o transformar. Em segundo lugar, 
vêm as negações dos primeiros (ou contradições) que são contraditórias, isto é, falsas em 
virtude da sua forma. Para decidir da verdade ou falsidade de todos os outros enunciados, 
temos de recorrer a enunciados protocolares, os quais (verdadeiros ou falsos) são por isso 
mesmo enunciados de experiência e têm a ver com a ciência empírica. Se quisermos 
construir um enunciado que não pertença a nenhuma destas espécies, esse enunciado será 
automaticamente destituído de sentido.
15
2 C A P Í T U L O
Bertrand Russell
cap2
16
Tal como outros filósofos da corrente, 
genericamente denominada de filosofia 
analítica, Russell estava convencido de que a 
característica comum que alimenta os 
problemas filosóficos é o facto de eles 
consistirem em confusões conceptuais, 
resultantes do mau uso da linguagem comum.
1 S E C Ç Ã O
B. Russell
A lógica de Russell é basicamente uma proposta realis-
ta. No entanto, ao longo do seu longo percurso filosófi-
co, Russell atenuou e chegou mesmo a negar parcial-
mente o seu realismo. Verificam-se, com efeito, diferen-
ças claras logo entre os Princípios de Matemática, obra de 
1903, e os Principia Mathematica, de 1910. Na primeira 
obra, as classes são realidades objetivas, tão reais como 
os indivíduos que as compõem; pelo contrário, na se-
gunda, são consideradas como “convenções simbóli-
cas” ou “linguísticas”, mas não “objetos autênticos”. 
Na primeira, afirmava que “termo é qualquer entidade 
que possa ser objeto de pensamento e que possa encon-
trar-se numa proposição verdadeira ou falsa”, e que todo o termo tem uma existên-
cia, isto é, que “de algum modo existe”. Nos Principia Mathematica, admite que todo 
o vocábulo contribui para o significado da locução em que se encontra, mas que 
não tem significado em todos os casos. Esta atenuação do realismo é acompanha-
da por uma atribuição cada vez maior de importância à linguagem e à natureza 
linguística de muitos termos ou constructos lógicos. Apesar de tudo, a própria teo-
ria da linguagem de Russell é essencialmente de natureza realista.
Tal como outros filósofos da corrente, genericamente denominada, de filosofia 
analítica, Russell estava convencido de que a característica comum que alimenta 
os problemas filosóficos é o facto de eles consistirem em confusões conceptuais, re-
sultantes do mau uso da linguagem comum. A solução seria, então, a clarificação 
do sentido dos enunciados a serem aplicados às áreas da ciência, da metafísica, da 
religião, da ética, da arte, etc.. No geral, os autores que seguem estas tendências en-
17
Bertrand Russell
tendem que a filosofia é uma atividade – para uns, terapêutica, para outros, clarifi-
cadora -, cujo objeto é esclarecer o significado dos enunciados.
Nas palavras de Habermas, com esta corrente analítica, produz-se uma “mu-
dança de paradigma” (como diria Kuhn), ao passar-se de uma filosofia da consci-
ência (como a cartesiana ou a kantiana) ou de uma epistemologia – onde o que in-
teressa são as relações entre sujeito e objeto -, para uma filosofia da linguagem, 
onde o que interessa são as relações entre o enunciado e mundo, isto é, uma teoria 
do significado. Uma questão tão clássica como, por exemplo, a que pode formu-
lar-se numa teoria do conhecimento acerca de “o que é conhecer?”, é reformulada 
e reinterpretada como uma questão sobre o significado: “o que é que se quer dizer 
quando se diz que conhecemos algo?”
A atividade clarificadora dos enunciados, característica fundamental do movi-
mento analítico, inicia-se sobretudo com as tarefas de fundamentação lógica, leva-
das a cabo por Russell e Whitehead com a publicação da obra conjunta Principia 
Mathematica (1910 – 1913), que, na sequência dos estudos iniciais de G. Frege, fun-
damenta a linguagem rigorosa da lógica, para evitar as ambiguidades e confusões 
do uso da linguagem comum.
18
2 S E C Ç Ã O
O Significado e a Verdade
A teoria da linguagem de Russell encontra-se no texto sobre denotação de 1905, 
cujos resultados serão posteriormente incluídos nos Principia Mathematica, e na Filo-
sofia do atomismo lógico de 1918. Nessa teoria se baseia a Investigação sobre o signifi-
cado e a verdade. Os fundamentos desta teoria podem ser expressos do seguinte 
modo, em quatro condições:
Uma linguagem logicamente perfeita basear-se-ia nos três primeiros fundamen-
tos: nessa linguagem, não haveria mais do que uma palavra e só uma, para cada 
objeto simples, e cada coisa que não fosse simples seria expressa por uma combina-
ção de palavras, cada uma das quais estaria em lugar de um componente simples. 
Uma linguagem desta natureza seria completamente analítica e mostraria, à vista 
desarmada, a estrutura lógica dos factos afirmados ou negados.
Segundo Russell, a linguagem dos Principia Mathematica procurava ser uma lin-
guagem desta natureza, mas onde só havia sintaxe e nenhum vocabulário. Com a 
adição do vocabulário, converter-se-ia numa linguagem logicamente perfeita.
19
☛ A linguagem é constituída por proposições;
☛ Os elementos constitutivos das proposições, isto 
é, os símbolos significam os constituintes dos 
factos que tornam as proposições verdadeiras ou 
falsas; por outras palavras, os factos correspondem 
a esses constituintes;
☛ É preciso ter conhecimento direto dos 
constituintes dos factos, para que seja possível 
captar o significado dos símbolos;
☛ O conhecimento direto é distinto de indivíduo 
para indivíduo.
No entanto, o quarto dos fundamentos enumerados torna irrealizável este ide-
al. Como pessoas diferentes têm um diferente conhecimento direto dos objetos, e 
se cada palavra não tem mais do que um significado - o correspondente ao objeto 
experienciado diretamente pela pessoa que fala -, então ninguém teria condiçõespara comunicar com os outros. Ora, paradoxalmente, segundo Russell, a lingua-
gem só pode exercer a sua função comunicativa graças à sua imperfeição e ambi-
guidade; deste modo, a linguagem é tão mais útil à comunicação, quanto mais im-
perfeita, vaga e equívoca for.
Deste ponto de vista, é absolutamente indispensável, para a linguagem, que 
existam os objetos que constituem os componentes dos factos e os significados dos 
símbolos. Só uma perspectiva realista, como esta, é compatível simultaneamente 
com uma linguagem logicamente perfeita e a possibilidade de comunicação entre 
os humanos. Mas o problema é que, nas proposições da linguagem, não existem só 
nomes, símbolos de objetos particulares, mas também verbos, que exprimem rela-
ções entre esses objetos. Assim, para Russell, as relações não são objetos particula-
res perceptíveis, mas universais. É, então, deste modo, que Russell admite a existên-
cia de universais: parece não ser possível deixar de admitir que as relações são par-
tes da constituição não linguística do mundo, tal como os objetos particulares. Do 
mesmo modo, também não é possível explicar as relações assimétricas, traduzidas 
por “ou” e por “não”, como pertencendo exclusivamente à linguagem. Pelo con-
trário, palavras como “antes” e “sobre”, tal como os nomes próprios, significam 
algo que corresponde aos objetos da percepção.
Na filosofia de Russell, o conceito de existência aplica-se, então, tanto às coisas 
físicas, existentes no espaço e no tempo, como a coisas “intemporais” (para utilizar 
as suas palavras). No entanto, relativamente ao que devemos entender por existên-
cia, neste seu significado mais extenso, as explicações de Russell são vagas e equívo-
cas. Só a determinação negativa é muito clara, uma vez que exclui a existência 
como possibilidade. Russell chama “possível” à função proposicional que é alguma 
vez verdadeira como “X é um homem”; chama “necessária” à que é sempre verda-
20
deira como “se X é homem, X é mortal”; e chama “impossível” à que nunca é ver-
dadeira (“X é um unicórnio”). Só que, no seu entender, a proposição possível só é 
possível porque existem casos em que é verdadeira, isto é, porque corresponde aos 
factos, e assim a existência é o pressuposto da possibilidade, o que não deixa de ser 
incómodo.
Mesmo assim, e apesar de tudo, Russell admite que se possa falar de objetos 
não existentes e até que se possa falar de objetos de que não se tem conhecimento 
direto; ambos os casos contrariam as condições reconhecidas por ele como própri-
as da estrutura da linguagem. Para fazer face a estes dois casos, idealizou a teoria 
da denotação, exposta pela primeira vez num artigo de 1905 (On denoting). Se-
gundo esta teoria, existem frases que realmente não dizem nada sobre os objetos 
existentes, mas que dizem algo sobre os símbolos presentes na frase. Por exemplo, 
segundo ele, a frase “O autor de Waverley é escocês” não afirma nada sobre Scott 
(porque não tem nenhum constituinte que denote Scott), mas deve interpretar-se 
como se dissesse: “Existe uma e só uma entidade que escreveu Waverley, e quem 
escreveu Waverley é escocês”. Uma tradução semelhante da frase denotante torna 
possível falar inclusive de coisas inexistentes. Assim, a frase “o atual rei de França é 
careca” deve traduzir-se: “Há uma entidade que é atualmente rei de França, e esta 
entidade é careca”. Esta frase é certamente falsa, mas tem um significado que 
pode ser expresso e compreendido. Ora, este ponto de vista elimina a necessidade 
de admitir objetos ou entidades correspondentes a todos os símbolos empregues 
na linguagem.
Russell nunca duvidou de que o ponto de partida do conhecimento fosse a ex-
periência individual, o domínio privado ou egocêntrico dos dados imediatos; mas 
tão pouco duvidou de que o conhecimento não se reduzisse a esse domínio. Pelo 
contrário, compreende um outro domínio que só pode ser alcançado através da in-
ferência, que se reconhece e exprime de modo totalmente distinto do primeiro, 
mas que é constituído por elementos tomados dele.
Sendo um ponto de partida para todo o conhecimento, a experiência não pode 
ser, na opinião de Russell, um método de comprovação. Nesta convicção se baseia 
21
a crítica de Russell ao Neoempirismo do círculo de Viena. Os neoempiristas, ao 
afirmar que o significado de uma proposição é o método da sua comprovação, o 
princípio de verificação, esquecem as proposições mais certas, isto é, os juízos de 
percepção: para estes juízos, não há nenhum método de comprovação, porque eles 
próprios constituem a comprovação de todas as restantes proposições empíricas 
que, de algum modo, possam ser conhecidas. Por outro lado, os neoempiristas es-
quecem também, segundo Russell, o facto de que todas as palavras necessárias 
têm definições ostensivas, e que um enunciado pode ser compreendido se for com-
posto por palavras que compreendemos, mesmo que não tenhamos uma experiên-
cia que corresponda ao significado total do próprio enunciado.
Esta crítica confirma que, para Russell, a experiência não é um método de com-
provação dos enunciados, mas sim o ponto de partida de onde nascem o conheci-
mento e a linguagem. Mas, como ponto de partida, a experiência é imediata e pri-
vada. O Problemas da Filosofia, de 1912, já continha uma exposição completa e 
ordenada do que Russell entende por estes termos. A experiência é a esfera do co-
nhecimento direto, de cujos objetos somos diretamente conscientes sem mediação 
de nenhum processo de inferência ou conhecimento de verdade. Não são as coisas 
que são objeto de conhecimento direto, mas os dados sensíveis, os dados da intros-
pecção (isto é: da reflexão, no sentido de Locke) e os dados da memória. Também 
é provável que tenhamos, segundo Russell, conhecimento direto de nós próprios, 
isto é, do nosso eu, já que não se vê como poderíamos conhecer a verdade da pro-
posição: “Eu tenho conhecimento dos dados sensíveis”, se não tivéssemos um co-
nhecimento imediato de algo a que chamamos “eu”. Do mesmo modo, Russell ad-
mite que temos um conhecimento imediato dos universais (ou seja, das relações 
que entram como componentes essenciais de todo o enunciado) e que esse conheci-
mento é o conceito. 
Para além do conhecimento imediato, existe ainda aquilo a que Russell chama 
conhecimento por descrição, que é constituído pelo conhecimento da verdade. 
Neste caso, o que conhecemos é precisamente uma descrição e também que há 
um único objeto ao qual se aplica a descrição, embora o próprio objeto não seja 
diretamente conhecido. Por exemplo, “o computador que está diante de mim é o 
objeto físico que causa este e aquele dado sensível”. Esta proposição descreve o 
22
computador através dos dados sensíveis. Os objetos físicos e as mentes das outras 
pessoas não são susceptíveis de ser conhecidos diretamente, mas exclusivamente 
através do conhecimento por descrição. Mas, em qualquer caso, o conhecimento 
por descrição é, no limite, redutível ao reconhecimento direto. Por esta razão, Rus-
sell conserva como princípio que toda a proposição que possamos compreender 
tem de ser composta por constituintes de que tenhamos conhecimento imediato.
O que é o Atomismo Lógico?
“Atomismo lógico” é o nome dado por Russell à sua teoria filosófica, exposta 
em conferências realizadas em 1918 sob o título Lições sobre o atomismo lógico, 
cuja origem atribui às ideias de L. Wittgenstein, seu discípulo, e que este, mais tar-
de, exporá também no seu Tractatus Logico-Philosophicus (1921). Por via disso, é 
também o nome que se dá à teoria filosófica sobre o mundo que aparece no Trac-
tatus de Wittgenstein; no entanto, à versão de Wittgenstein do atomismo lógico, 
dá-se mais apropriadamente o nome de “teoria pictórica ou figurativa da realida-
de”.
Segundo esta teoria, o mundo consta de “factos atómicos”, ou simples, que são 
o referente dos enunciados simples ou “enunciadosatómicos”, de modo que a lin-
guagem vem a ser como que uma pintura do mundo, ao jeito de um mapa que de-
senha um terreno ou uma determinada região. O mundo possui, tal como a lingua-
gem, uma estrutura lógica, cujos elementos se manifestam através da análise lógi-
ca. Este isomorfismo entre linguagem e mundo supõe que a cada nome correspon-
da, como referente, uma entidade concreta, chamada neste caso dado sensorial, e 
que a cada predicado, de qualidade ou de relação, corresponda uma propriedade 
real, absoluta ou relativa. Com este isomorfismo, Russell pretendia superar as am-
biguidades da linguagem comum ou natural, cujo uso fez com que muitas das pro-
posições da filosofia – sobretudo da metafísica – sejam “sem sentido”. O atomismo 
lógico conduz a que consideremos uma linguagem ideal, característica que não é 
possível encontrar nas línguas comuns, e que é própria exclusivamente de uma lin-
guagem formalizada. As metáforas devem ser abandonadas. Curiosamente, o ato-
23
mismo lógico teve influência marcada no neopositivismo, mas tanto Russell como 
Wittgenstein acabaram por abandonar esta teoria.
O objetivo de Russell é semelhante ao de Frege, e é análoga também a justifica-
ção do seu interesse pelas condições que deve respeitar a linguagem para alcançar 
a perfeição lógica. No entanto, Russell elabora as suas reflexões num contexto filo-
sófico mais rico e consegue, por isso, um grau de elaboração muito mais elevado. 
Na doutrina de Russell, os pressupostos epistemológicos e as consequências metafí-
sicas possuem uma riqueza explicativa praticamente ausente em Frege. Como foi 
dito atrás, a teoria de Russell é denominada por ele de “atomismo lógico”; alcança 
a sua maturidade em 1918, ano em que pronuncia as já referidas conferências so-
bre “A filosofia do atomismo lógico”.
Nessas conferências, caracteriza o tema central como o tema da gramática filo-
sófica, justificando-se assim: “Creio que praticamente toda a metafísica tradicional 
está cheia de erros que se devem à má gramática, e que quase todos os problemas 
e resultados tradicionais da metafísica se devem a não fazer, no quadro do que po-
demos chamar a gramática filosófica, o tipo de distinções de que nos temos vindo 
a ocupar nestas conferências”. Uns anos depois, num resumo da sua teoria, ainda 
é mais claro: “Creio que a influência da linguagem na filosofia tem sido profunda 
e quase não reconhecida. Para que esta influência não nos afaste do nosso cami-
nho, é necessário que estejamos conscientes dela, e que nos questionemos delibera-
damente sobre em que medida ela é legítima. Neste aspecto, a linguagem extravia-
nos pelo seu vocabulário e pela sua sintaxe. Devemos estar em guarda face a am-
bas as coisas, para que a nossa lógica não nos conduza a uma falsa metafísica”.
No respeito por estas advertências, Russell desenvolveu um tipo de análise da 
linguagem que aspira a pôr em evidência as suas imperfeições lógicas, contrapon-
do-as às qualidades de uma linguagem logicamente perfeita.
24
Como deve, então, ser uma linguagem logicamente perfeita?
Segundo Russell, é deste tipo que pretende ser a linguagem do Principia Mathe-
matica, com a única diferença de que, neste caso, a linguagem possui sintaxe, mas 
carece de vocabulário: esta seria a linguagem logicamente perfeita, se à sintaxe 
acrescentássemos um vocabulário. Mas, entendamo-nos: o Principia Mathematica, 
como qualquer cálculo lógico, tem o seu vocabulário, isto é, o conjunto de signos 
com os quais se compõem as fórmulas para aplicação das suas regras; o que Rus-
sell quer dizer é que uma linguagem logicamente perfeita poderia ser uma lingua-
gem que, possuindo um vocabulário não de signos lógicos, mas de palavras, como 
as da linguagem natural, tivesse uma sintaxe, regras de estruturação e composição 
de enunciados, como as do cálculo lógico. As linguagens naturais, as línguas huma-
nas, não correspondem a esta necessidade de perfeição lógica. Do ponto de vista 
filosófico, para Russell, isto é uma desgraça, mas do ponto de vista dos efeitos práti-
25
☛ A primeira condição para que uma linguagem seja 
logicamente perfeita é uma condição semântica: que 
as palavras de cada proposição correspondam uma 
por uma aos componentes do facto correspondente. 
Excetuam-se palavras como “ou”, “não”, “se... 
então”, que têm uma função diferente, isto é, 
carecendo de conexão direta à realidade, são 
palavras que exprimem modos de compor frases, e 
que podem traduzir-se em marcadores de funções 
lógicas. Deste modo, Russell reforça a sua crença no 
princípio de isomorfismo semântico: “numa 
linguagem logicamente perfeita, haverá uma única 
palavra para cada objeto simples, e tudo o que não 
seja simples será expresso por uma combinação de 
palavras...”
☛ Deve ainda ter a vantagem de mostrar, à vista 
desarmada, a estrutura lógica dos factos que afirma 
ou nega.
cos de comunicação é uma vantagem. Ao contrário de uma linguagem logicamen-
te perfeita, a linguagem comum caracteriza-se pela ambiguidade das suas pala-
vras, sendo que quando alguém usa uma palavra isso não significa que queira di-
zer a mesma coisa que outra pessoa diria. À primeira vista, esta falta de rigor pode-
ria ser uma inconveniência, mas não o é na realidade; pelo contrário, o grave seria 
que todos os falantes significassem, com as suas palavras, as mesmas coisas, pois a 
comunicação seria impossível, porque “o significado que cada um dá às suas pala-
vras tem de depender da natureza dos objetos com os quais está familiarizado, e 
uma vez que as diferentes pessoas estão familiarizadas com diferentes objetos, não 
poderão falar entre si, a menos que atribuam às suas palavras significados muito 
diferentes”. Assim - e o exemplo é de Russell –, quem já passeou por Picadilly, e 
está, por conseguinte, familiarizado com esta rua de Londres, atribui ao termo Pi-
cadilly um significado muito distinto do que lhe dará uma pessoas que nunca lá te-
nha estado. Se insistíssemos numa linguagem sem ambiguidade, não poderíamos 
falar de coisas que conhecemos com quem não as conhecesse.
26
3 S E C Ç Ã O
O Significado como 
Conhecimento Direto
Resumindo, podemos dizer que, para Russell:
O que conhecemos diretamente, então, são os dados sensíveis que os objetos 
produzem em nós: os objetos são simplesmente construções lógicas que fazemos 
com base nos nossos dados sensíveis. O fundamento do nosso conhecimento en-
contra-se, por conseguinte, no conhecimento direto, na familiaridade. Mas esta fa-
27
☛ O significado depende do conhecimento por 
familiaridade ou conhecimento direto, que Russell 
contrapõe, por vezes, ao conhecimento por descrição;
☛ O conhecimento direto exclui a mediação de 
processos de inferência ou de conhecimento de 
verdades;
☛ Os dados sensíveis constituem a aparência de um 
objeto material (cor, forma, etc.) e são um exemplo de 
algo que se conhece diretamente por familiaridade;
☛O conhecimento do objeto como tal, pelo contrário, é 
um conhecimento descritivo: pressupõe não só os meu 
dados sensíveis atuais, mas também a recordação de 
outros, associada ao conhecimento de certas verdades 
físicas;
☛ Os objetos não são conhecidos diretamente, portanto
miliaridade não se limita aos dados sensíveis: Russell amplia o conhecimento dire-
to:
Do conhecimento direto, ficam explicitamente excluídos por Russell os objetos 
físicos, na medida em que são distintos dos dados sensíveis que produzem, e os es-
tados psicológicos alheios. Daquilo que conhecemos, tudo quanto não seja conheci-
do por familiaridade é conhecido por descrição, sendo que este princípio se aplica 
tanto a fenómenos particulares como aos conceitos universais. O conhecimento 
por descrição tem, pois, a importante função de nos permitir ultrapassar os limites 
da nossa experiência pessoal, mas o conhecimento por familiaridade é a base de 
todo o conhecimento,e a ele é redutível o conhecimento descritivo. Com esta clari-
ficação, Russell passa de um realista (admite os universais em si) a um “descritivis-
ta” (os universais são descrições).
A importância da teoria referencialista nas declarações de Russell é muito evi-
dente: os significados das palavras são os objetos de que temos conhecimento dire-
to. Se se trata de um objeto físico, como o designado pelo nome Picadilly, o seu si-
gnificado consistirá nos dados sensíveis passados e nas restantes vivências e senti-
mentos que esse lugar tenha produzido. Se considerarmos os objetos como inte-
grantes de um facto, poderemos, então, afirmar, com Russell, “que os componen-
tes do facto que faz uma proposição verdadeira ou falsa, são os significados dos 
símbolos que temos de entender para poder entender a proposição”.
Temos, então, que uma linguagem logicamente perfeita, do ponto de vista do 
seu vocabulário:
28
☛ Às recordações, com o que a memória passa 
também, juntamente com os sentidos, a ser uma via 
para o conhecimento;
☛ Aos estados psicológicos de cada um, que são 
objeto de auto consciência, embora levante algumas 
dúvidas sobre a consciência do “eu”;
	
Já do ponto de vista da sintaxe o Principia Mathematica estabelece um desafio 
fundamental que não pode deixar de ser assumido por qualquer linguagem que se 
queira perfeita:
Isto implica que uma linguagem perfeita seja constituída por enunciados que 
possam ser verdadeiros ou falsos, o que significa que só é candidata à perfeição ló-
gica aquela porção da linguagem que utilizamos para declarar os factos, para falar 
do que acontece, isto é, aquela porção de linguagem que empregamos no discurso 
declarativo. Esta limitação corresponde ao mesmo tipo de redução que já tinha 
sido feita por Frege.
No que diz respeito a Russell, podemos dizer, seguindo a sua terminologia, que 
se trata de uma linguagem composta por proposições, já que uma proposição –se-
gundo Russell – é um enunciado no modo indicativo, um enunciado que afirma 
algo; a proposição é, portanto, o veículo da verdade e da falsidade.
Os enunciados complexos da nossa linguagem perfeita são, então, compostos 
por enunciados simples unidos por palavras que, como “e”, “ou”, “se... então”, 
29
☛ É uma linguagem privada, na medida em que o 
conhecimento direto é próprio e particular de cada um.
☛ É uma linguagem, cujos termos não podem ter qualquer 
ambiguidade, significam sempre o mesmo, a saber, determinadas 
características dos factos, dos quais o sujeito possui conhecimento 
direto;
☛ A “extensionalidade”, isto é, que todos os seus enunciados 
complexos possam decompor-se em enunciados simples, de tal modo 
que a verdade ou falsidade daqueles seja uma função da verdade ou 
falsidade destes últimos, como acontece em qualquer cálculo lógico 
estandardizado.
etc., representam os modos de composição funcional com valor de verdade. Que 
forma tomarão os enunciados simples? Estes enunciados, que Russell denomina 
“proposições atómicas”, descrevem o tipo mais simples de factos, aquilo a que, se-
guindo a mesma analogia, chama “factos atómicos”. Daí o nome de “atomismo ló-
gico” dado à sua teoria: trata-se de chegar aos últimos elementos que a análise lógi-
ca da linguagem possa encontrar na linguagem; uma vez que a linguagem, naque-
les aspectos que são relevantes para a filosofia, e de acordo com o princípio do iso-
morfismo, corresponde estruturalmente aos factos, pelo mesmo processo chegare-
mos aos últimos elementos da realidade. Neste sentido, a análise de Russell vai da 
lógica para a metafísica, através da linguagem.
 Para Russell, os factos mais simples que possam ser imaginados, os factos ató-
micos, são os que consistem na posse de uma qualidade por uma coisa particular, 
por exemplo, o facto descrito pela proposição “Isto é branco”. Neste caso, temos 
algo, aquilo a que se refere o termo “isto”, e a cor que lhe atribuímos. Uma propo-
sição como esta, desde logo, é muito diferente de uma proposição como “Esta ca-
misa é branca”. Neste caso, ao considerar algo como “camisa”, estamos a atribuir-
lhe certas propriedades, algumas muito complexas, que sem dúvida nos levam 
para além dos meros dados sensíveis que temos, no imediato, do objeto em ques-
tão. O termo “camisa” encerra uma complexidade que o exclui da candidatura a 
uma proposição atómica. Por essa razão, e para evitar juízos prévios sobre o dito 
objeto, devemos limitar-nos a utilizar um pronome demonstrativo “isto”.
É suposto também que uma qualidade como a cor é o tipo mais simples de qua-
lidades e, por conseguinte, não é analisável ou decomponível. Há, no entanto, que 
ter em conta que o relevante aqui é a cor enquanto dado sensível, enquanto perce-
bida, e não como realidade física, susceptível de ser estudada cientificamente. Por 
isso, a definição da cor em termos de um determinado comprimento de onda, é ir-
relevante para a análise de Russell. Trata-se, não de uma análise física, mas lógica, 
embora o conceito de lógica aqui seja tomado num sentido com uma amplitude 
peculiar, pois nele está presente um pressuposto básico: o princípio de familiarida-
de. Isto significa que os termos das proposições atómicas possuem significado, na 
medida em que designam objetos de conhecimento direto.
30
O tipo mais simples de facto consiste, então, na posse de uma qualidade sim-
ples por uma entidade particular. Factos ligeiramente mais complexos são os que 
consistem em relações diádicas, como o que é descrito numa proposição do tipo 
“Isto está junto daquilo”. O tipo seguinte será o das relações triádicas – “Isto está 
entre aquilo e aquilo”. E assim sucessivamente. Todos estes factos são atómicos, se-
gundo Russell, e formam uma hierarquia de complexidade.
O que, numa proposição, corresponde a uma propriedade é o predicado. O 
que exprime uma relação costuma ser um verbo, ou, por vezes, uma frase inteira. 
O que corresponde a um particular é o sujeito que tem de ser um nome próprio, 
porque a única forma de falar de um particular é nomeá-lo; para o descrever, já te-
mos de mencionar as suas propriedades e as suas relações, recorrendo aos termos 
correspondentes. E, uma vez que as palavras obtêm o seu significado dos objetos 
com que estamos familiarizados, só podemos nomear o que seja objeto de conheci-
mento direto, e na justa medida em que o seja. A primeira consequência desta es-
tranha doutrina é que os nomes próprios de particulares, tal como aparecem 
numa proposição atómica, são muito distintos do que, no discurso comum, chama-
mos “nomes próprios”. Palavras como “Sócrates”, “Vénus”, “Lisboa” são usadas 
para nos referirmos aos seus objetos correspondentes, quando estes não estão pre-
sentes; com efeito, a sua utilidade baseia-se nisso mesmo, pois quem esteja diante 
de Sócrates ou se encontre em Lisboa provavelmente não necessitaria de recorrer 
a esses nomes. Ora, de acordo com a doutrina de Russell, assim sendo, não temos 
conhecimento direto de Sócrates e, por conseguinte, não podemos nomeá-lo. Pela 
mesma razão, quem nunca tenha estado em Lisboa tão pouco poderá atribuir si-
gnificado a este termo, e muito menos poderá atribui-lo a Vénus quem nunca te-
nha contemplado este planeta. Estas palavras, na realidade, não são nomes própri-
os, isto é, não são nomes próprios do ponto de vista da lógica. O que é que são, en-
tão? Segundo Russell tratam-se de descrições encobertas e abreviadas. “Sócrates” 
é uma abreviatura para qualquer descrição correta que possamos dar ao seu obje-
to correspondente, por exemplo, “filósofo grego que foi condenado a beber cicu-
ta”, ou “o mestre de Platão”, ou qualquer outra. Tal como “Lisboa” abrevia, entre 
outras, a descrição “capital de Portugal”, e Vénus equivale, por exemplo, a “estre-
la da manhã”. Na medida em que estas descrições se referem aos seus objetos, des-
31
crevendo algumas das suas propriedades, resulta óbvioque esses objetos não são 
particulares, porque não são simples. Temos, então, que nem os nomes próprios 
da linguagem comum são nomes próprios no sentido lógico, nem aquilo a que se 
referem é particular. Por isso, Russell afirma: “Falando em sentido restrito, só os 
particulares podem ser nomeados”.
Já Stuart Mill tinha dito que os nomes próprios da linguagem comum deno-
tam, mas carecem de conotação. Russell acrescenta, precisamente por isso, que es-
ses nomes não são, logicamente, nomes próprios, uma vez que, sendo possível subs-
tituí-los por alguma descrição, não se limitam a nomear.
Em que consiste, então, um nome próprio em sentido lógico? Segundo Russell, 
as únicas palavras que usamos na nossa língua natural que correspondem a um 
nome próprio são palavras como “isto”, “isso”, “aquilo”, na medida em que po-
dem ser usadas como nome de um particular de que se tenha conhecimento direto 
no momento. Assim, se dissermos “Isto é branco”, chamando “isto” àquilo que ve-
mos, estamos a empregar o demonstrativo como nome próprio, em sentido lógico, 
de um suposto particular que tem a brancura como sua propriedade. Com efeito, 
os pronomes demonstrativos não nos dizem nada a respeito dos objetos a que, por 
meio deles, nos referimos; limitam-se a assinalá-los, e isso é prova de que são verda-
deiros nomes próprios e de que os objetos que denotam são simples, particulares. 
Daqui resulta uma curiosa propriedade posta em evidência por Russell, a saber, 
que o significado dos nomes logicamente próprios está em permanente mudança, 
consoante se alterem as nossas percepções do mundo, os nossos dados sensíveis. 
Por outro lado, o seu significado será diferente para o falante e para o ouvinte, na 
justa medida em que os dados sensíveis que cada um tem do mesmo objeto são dis-
tintos.
32
4 S E C Ç Ã O
A Ontologia de Russell
Contra o monismo hegeliano que Russell criticou insistentemente, a ontologia im-
posta pela sua análise da linguagem consiste, em primeiro lugar, num pluralismo 
de factos simples ou atómicos, que se resolve num pluralismo de objetos simples ou 
particulares, independentes logicamente entre si e subsistentes por si mesmos, com 
um tipo de subsistência idêntica à da substância, conforme o próprio Russell con-
fessa. Por seu turno, os objetos da vida quotidiana são todos complexos e, por isso, 
não se lhes pode atribuir um nome próprio lógico.
Temos, então, os elementos mais simples a que chega a análise de Russell: os 
particulares, as suas propriedades e as suas relações. Estes elementos representam-
se nos enunciados do seguinte modo:
Como cada elemento do enunciado deve corresponder a um elemento do fac-
to, temos de concluir que nos exemplos, apresentados atrás e escolhidos de entre 
os apresentados pelo próprio Russell, há algo a mais: a cópula “é”, uma vez que a 
ela nada corresponde que seja um facto. Os exemplos de proposições atómicas de-
verão, assim, ser ainda menos idiomáticos do que os que até aqui foram apresenta-
dos. Em rigor, essas proposições deverão tomar a forma de “Isto branco”, “Isto 
junto aquilo”, etc.. Com efeito não existe num cálculo lógico nada que represente 
o “é”: Px, Rxy, etc., só contêm termos de indivíduos (x, y) e termos de predicado 
(P, R).
33
☛ Os particulares são representados pelos nomes 
logicamente próprios;
☛ As propriedades e as relações são representadas 
por diferentes tipos de adjetivos, verbos e 
advérbios.
Mas será que todas as proposições de uma linguagem perfeita podem ser redu-
zidas a proposições atómicas?
As proposições atómicas combinam-se entre si através da composição funcional 
com valor de verdade que é estabelecida no Principia Mathematica e que se en-
contra em qualquer livro de lógica. Estas formas de composição representam-se, 
de forma aproximada, na linguagem comum através de palavras como “e”, “ou”, 
“não”, “se... então”, etc.. Às proposições complexas, assim formadas, Russell cha-
ma-lhes, prosseguindo a mesma analogia, “proposições moleculares”.
É característico de uma linguagem perfeita que respeite o “princípio de extensi-
onalidade”, isto é: que todas as suas proposições complexas ou moleculares pos-
sam decompor-se em outras simples ou atómicas, de tal forma que a verdade ou 
falsidades daquelas seja função das verdade ou falsidade destas últimas. Daí que as 
proposições moleculares, sendo meros compostos de proposições atómicas, não te-
nham correlato na realidade. Não há, nem é necessário que haja, factos molecula-
res, porque toda a proposição molecular se decompõe em proposições atómicas e 
bastam os factos atómicos para conectar a proposição molecular ao mundo. Um 
facto é, simplesmente, aquilo que torna uma proposição verdadeira ou falsa. Mas 
uma proposição molecular não é verdadeira ou falsa por si mesma, isto é, em virtu-
de da sua relação com o mundo, mas em função de que sejam verdadeiras ou fal-
sas as proposições atómicas que a compõem. Por conseguinte, a única verdade que 
depende dos factos é a das proposições atómicas, e para declarar verdadeiras ou 
falsas as proposições atómicas bastam-nos os factos atómicos.
Se postulássemos a existência de factos moleculares, seríamos forçados a admi-
tir que haveria na realidade, como parte de tais factos, elementos que correspon-
dessem aos modos de combinação: a conjunção, a disjunção, o condicional, etc.. 
Se, retomando de novo um exemplo muito simples de proposições atómicas, afir-
marmos “Isto (é) branco” e aquilo (é) preto”, a nossa afirmação seria verdadeira, 
de acordo com a interpretação da conjunção de qualquer cálculo lógico, só se am-
bas as proposições o forem. E, para isso, bastam-nos os respectivos factos atómi-
cos: que o designado por “isto” seja, efetivamente, branco, e o designado por 
“aquilo” seja preto. Não precisamos de postular um facto complexo, em que, para 
além de algo branco e de algo preto, haja também um estranho elemento que cor-
34
responda à função “e”. Se todas as proposições complexas forem moleculares, e, 
por isso, redutíveis a proposições atómicas, a questão estará encerrada. Em última 
instância, só teríamos proposições atómicas na nossa linguagem perfeita, e factos 
atómicos no mundo.
Proposições Complexas não Convertíveis em Proposições Simples
O problema é que Russell encontra proposições complexas, cuja redução a pro-
posições simples é muito problemática. O primeiro caso é o das proposições negati-
vas que são verdadeiras. O exemplo sugerido por Russell é o seguinte:
1.	 “Sócrates não está vivo”
Esta proposição supõe uma proposição simples que seria:
2.	 “Sócrates está vivo”
à qual é acrescentada uma complexidade lógica: a negação. Sendo A verdadei-
ra, B será falsa. Então, a questão é a seguinte: Que facto é que torna a proposição 
B falsa? Se não conseguimos indicar nenhum facto positivo responsável pela falsi-
dade de B, então só teremos a solução de aceitar que o facto procurado é o mesmo 
que torna A verdadeira. Seguindo este caminho, teríamos de admitir que, para 
além dos factos atómicos que já conhecemos, ainda há factos negativos.
Russell não encontrou forma de evitar esta consequência. Não se sentia confor-
tável com ela e, mais do que defender convictamente que há factos negativos, pre-
feriu admitir a sua possibilidade. Em qualquer caso, repugnava-lhe menos aceitar 
factos negativos do que aceitar uma explicação, segundo a qual a uma proposição 
negativa np equivaleria uma proposição q verdadeira e incompatível com p. (no 
exemplo, a proposição q seria: “Sócrates (está) morto”)
O segundo tipo de proposições complexas que, para Russell, não podem ser re-
duzidas a proposições simples são as proposições que exprimem atitudes proposici-
onais, isto é, que exprimem certos fenómenos mentais que implicam uma proposi-
ção, por exemplo, as proposições que exprimem crenças, desejos, compreensão, 
etc.: “Creio que hoje é terça-feira”, “Desejoficar sozinho”, “compreendo o teore-
ma de Pitágoras”, por exemplo.
35
É óbvio que estas proposições complexas não podem ser decompostas em pro-
posições simples. Podemos distinguir nelas duas partes: a parte que expressa a atitu-
de em questão (creio que, desejo, compreendo), e a parte que exprime o conteúdo 
da atitude. Assim sendo, a proposição complexa não é função das suas partes: a 
proposição “Creio que hoje é terça-feira” é verdadeira se for isso aquilo em que 
verdadeiramente acredito, seja hoje terça-feira ou outro qualquer dia da semana. 
A minha crença não é menos crença, nem menos verdadeira se estiver enganado. 
Segundo Russell, estas proposições correspondem a uma classe particular de 
factos, dentro da qual podemos distinguir factos de crença, factos de desejo, factos 
de compreensão, etc., embora todos os exemplos que ele dá se refiram a processos 
mentais. Uma possibilidade de solução para reduzir factos mentais a factos atómi-
cos seria analisar os verbos proposicionais em processos de comportamento. Mas a 
melhor razão dada por Russell baseia-se no facto de não ser possível utilizar no-
mes próprios, se prescindirmos da consciência: a referência a “isto” ou “aquilo”, 
nos exemplos anteriores, deriva, pura e exclusivamente, da intenção referencial do 
sujeito.
Em Resumo:
A argumentação de Russell relaciona linguagem e concepção da realidade de 
um modo muito típico do atomismo lógico:
36
☛ Por um lado, toda a proposição é empiricamente 
verdadeira ou falsa em função de um facto
☛ Por outro lado, toda a proposição que não possa 
decompor-se numa função de verdade a partir de 
outras mais simples, corresponde a um tipo 
particular de facto. Assim, Russell teve de aceitar um 
mundo composto, não só de factos atómicos, mas 
também de factos negativos, de factos gerais, de 
factos de existência e de diferentes classes de factos 
de atitudes proposicionais (crenças, desejos, etc.)
De qualquer modo, a sua teoria da lógica e a sua análise da linguagem condici-
onaram a concepção de Russell sobre o mundo.
37
5 S E C Ç Ã O
Texto de Bertrand Russell
Será que a forma de uma proposição verdadeira pode ser 
mostrada?
Russell, B (1961) Histoire de mes idées philosophiques, Trad. do inglês por G. Auclair, Paris, 
Gallimard, p. 141
A doutrina fundamental da filosofia do Tractatus reside talvez em que uma proposição seja a 
representação dos factos que ela afirma. É claro que um mapa fornece informações corretas 
ou incorretas; e quando a informação é correta, é porque há semelhança de estrutura entre o 
mapa e a região que ele representa. Wittgenstein defendia que isso é igualmente verdadeiro 
na asserção linguística de um facto. Dizia, por exemplo, que se alguém empregar o símbolo 
“aRb” para representar o facto que tem a relação de R com b, esse símbolo está em 
condições de o fazer porque estabelece uma relação entre “a” e “b” que representa a relação 
entre a e b. Esta teoria acentua a importância da estrutura. (...)
Penso ainda que ele tinha razão em acentuar a importância da estrutura; quanto à teoria 
segundo a qual uma proposição deve reproduzir a estrutura dos factos a que diz respeito, 
atualmente, estou muito cético, ainda que, na altura, a tenha aceitado. Em todo o caso, não 
creio que, mesmo que seja num certo sentido verdadeira, tenha grande importância. Para 
Wittgenstein, ela era fundamental. Fez dela a base de uma curiosa espécie de misticismo 
lógico. Defendia que a forma que uma proposição verdadeira partilha com o facto 
correspondente só pode ser mostrada, e não dita, pois não consiste numa outra palavra, 
mas num arranjo de palavras ou de coisas correspondentes. (...)
Era este o único ponto, na altura em que eu estava quase inteiramente de acordo com 
Wittgenstein, sobre o qual eu me mantinha cético. Na minha introdução ao Tractatus, 
avançava que, se em todas as línguas há coisas que elas não conseguem exprimir, é sempre 
possível construir uma língua de ordem superior que permitiria dizer essas coisas. Haverá 
sempre coisas que não poderão ser ditas na nova língua, mas que a língua seguinte poderá 
exprimir e assim ad infinitum. Esta sugestão, que era nova nessa altura, tornou-se, depois, 
um lugar comum da lógica.
38
3 C A P Í T U L O
Wittgenstein
Cap3
39
No entender de Wittgenstein, muito paradoxalmente, 
uma proposição que não possa ser falsa, uma 
proposição que seja sempre verdadeira, qualquer que 
seja o estado do mundo, como as proposições da 
lógica, não pode nunca ser uma proposição autêntica.
1 S E C Ç Ã O
Introdução
Nascido em Viena em 1898, numa rica fa-
mília judia, Ludwig Wittgenstein formou-se 
em engenharia em Berlim e em Manches-
ter. Graças à leitura dos Princípios de Matemá-
tica de Russell, começou a interessar-se 
cada vez mais pelos fundamentos da mate-
mática e da lógica. Em 1911, faz uma visita 
a Frege em Iena e, em 1912, vai estudar ló-
gica em Cambridge, sob a orientação de 
Russell. Durante a I Guerra Mundial, serve 
como oficial do exército austríaco e começa a escrever os pensamentos que vão 
constituir a substância do Tractatus. Feito prisioneiro em Novembro de 1918 na 
frente italiana, acaba por ser libertado e, em 1919, junta-se a Russell na Holanda. 
Juntos, acabam a versão definitiva do Tractatus, que é publicado em 1921 em ale-
mão e, em 1922, numa tradução em língua inglesa. Wittgenstein diz no prefácio 
que este livro tem a solução definitiva para todos os problemas da filosofia, os 
quais têm origem, segundo ele, numa má compreensão da lógica da linguagem hu-
mana. Coerentemente, após a publicação deste livro, Wittgenstein abandona a filo-
sofia durante dez anos para se tornar professor na Áustria, jardineiro num mostei-
ro, arquiteto amador, etc. Quando volta a interessar-se pela filosofia, sente-se obri-
gado a questionar algumas teses fundamentais do Tractatus. Podemos, então, dizer 
que há duas filosofia de Wittgenstein: a de 1921, que pretende definir os limites da 
expressão do pensamento, e a, ainda mais inovadora e igualmente importante, das 
Investigações Filosóficas, publicadas em 1953, dois anos após a sua morte, que estuda 
os empregos da linguagem comum, na sua diversidade e nos seus limites. Wittgens-
tein está, portanto, na origem de duas das mais importantes correntes de filosofia 
do século XX.
40
Ludwig Wittgenstein
2 S E C Ç Ã O
O Tractatus Logico-Philosophicus
O Tractatus logico-philosophicus é um volume de dimensões reduzidas, composto 
por parágrafos curtos numerados, de forma a podermos situar cada um deles nas 
ramificações do raciocínio. O título e a disposição da obra podem fazer pensar no 
percurso dedutivo de Espinosa, ao jeito de more geometrico. Mas esta semelhança é só 
aparente. Com efeito, a ordem dos parágrafos não obedece às regras da dedução; 
as teses sobre o mundo são enunciadas antes das teses sobre a linguagem, embora 
aquelas dependam destas. De facto, o raciocínio que conduziu às suas fórmulas, os 
exemplos que as ilustram, as conceções que elas exprimem, ou que elas rejeitam, 
são mantidos na sombra. Por este motivo, o Tractatus provoca a vontade de o co-
mentar, mas desencoraja quem o queira resumir.
Por isso, contentemo-nos em salientar um aspeto particular da filosofia exposta 
no Tractatus: o conceito de proposição - de frase no sentido de Frege -, considerada 
como uma imagem ou quadro do mundo. A linguagem é constituída, segundo 
Wittgenstein, por proposições que representam o mundo, no sentido em que lhe 
dão significado, ou fornecem uma imagem do mundo. Mas um desenho, uma foto-
grafia, um mapa, um esquema de um motor e até uma partitura de música tam-
bém são imagens do mundo, e estas formas são, talvez, mais fáceis de analisar. To-
memos o exemplo de um mapa: a disposição dos pontos que designam as cidades 
mostra que Coimbra fica a norte de Lisboa e a sul do Porto.A apresentação do 
mapa, a escala, os símbolos que designam as cidades podem variar de acordo com 
as convenções aceites, mas a disposição espacial dos elementos, isto é, das palavras, 
corresponde, se o mapa estiver correto, à disposição das cidades na realidade. A re-
alidade e a sua representação cartográfica têm, portanto, em comum uma certa 
forma de colocar os elementos no espaço. Esta forma comum ao mapa e ao real, 
esta estrutura idêntica, é aquilo a que Wittgenstein chama a “forma lógica”. Do 
mesmo modo, as notas de música escritas da esquerda para a direita numa partitu-
ra, os sulcos dos discos e os sons que se sucedem no ar têm em comum uma forma 
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lógica. As proposições da linguagem não passam de uma espécie, entre outras, de 
imagem do mundo.
Como Frege e Russell mostraram, as proposições complexas da linguagem de-
vem ser objeto de uma análise que, graças ao simbolismo da lógica, as reduza a 
proposições elementares. Mas cada proposição elementar é, por seu turno, analisa-
da na qualidade de conexão de dois elementos. Uma proposição elementar, como 
“x está a ver y”, é, na realidade, a imagem de um facto possível, de um estado de 
coisas que existe ou não existe. O mundo, tal como ele o define logo no início do 
Tractatus, é, portanto, o conjunto dos factos elementares, dos “estados de coisas” 
que correspondem às proposições elementares. Nem as proposições nem os factos 
que lhes correspondem são, todavia, verdadeiramente elementares; a correspon-
dência que é possível estabelecer entre elas e eles baseia-se numa forma comum de 
organizar os elementos.
Para Frege, as frases, tal como os nomes, tinham ao mesmo tempo um sentido 
e uma referência. Para Wittgenstein, a referência de uma proposição (frase, segun-
do Frege) é o facto que lhe corresponde e a torna verdadeira ou falsa. Mas pode-
mos compreender o sentido de uma proposição antes de saber se ela é verdadeira 
ou falsa, portanto sem conhecer a sua referência. Uma proposição autêntica tem, 
de facto, sempre dois pólos, ou duas direções, na medida em que, por definição, 
ela deve poder ser verdadeira ou falsa. A verdade ou falsidade de uma proposição 
depende de uma comparação com o mundo. Mas esta comparação só será possí-
vel se os elementos da proposição se combinarem numa conexão possível. Os ele-
mentos da proposição, só por si, não dizem nada: posso pronunciar os nomes de 
Coimbra, Lisboa e Porto, mas só começo a dizer alguma coisa quando combino 
estes elementos numa relação possível que tenha um sentido, antes mesmo que eu 
possa verificar no mundo, ou, se quisermos, num mapa, que “Coimbra fica a nor-
te de Lisboa e a sul do Porto”. Uma proposição só é verdadeira se se referir a um 
estado de coisas real, mas só o pode fazer se, antes, tiver um sentido, isto é, se for a 
imagem de um estado de coisas possível, de uma combinação possível das coisas.
A clássica conceção da verdade como adequação da coisa e do intelecto, sendo, 
no essencial, preservada (a comparação com o mundo), é objeto de uma importan-
te modificação: uma proposição só pode ser verdadeira ou falsa, se, antes de qual-
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quer comparação, tiver um sentido que lhe é dado pela sua forma lógica. Tal 
como um esquema pode representar uma posição possível das peças de um jogo 
de xadrez, ou a disposição das tropas num campo de batalha, uma proposição 
combina elementos (nomes que podem ser substituídos por variáveis), de acordo 
com uma estrutura que corresponde, ou não, a uma combinação de elementos - 
de “objetos” -, no mundo.
Tendo definido a proposição como uma imagem da realidade, Wittgenstein 
pode então considerar as proposições da linguagem que não representem nada 
como pseudo-proposições. Deste modo, chega à conclusão de que a lógica, a mate-
mática, os princípios a priori das ciências da natureza, a ética e a filosofia se com-
põem de pseudo-proposições, que não podem ser verdadeiras nem falsas e que, 
portanto, não têm sentido.
No entender de Wittgenstein, muito paradoxalmente, uma proposição que não 
possa ser falsa, uma proposição que seja sempre verdadeira, qualquer que seja o 
estado do mundo, como as proposições da lógica, não pode nunca ser uma propo-
sição autêntica. Longe de ser uma verdade a priori ou uma lei do pensamento a 
que o homem teria acesso fora da experiência, uma proposição da lógica não pas-
sa de uma tautologia (isto é, que diz a mesma coisa). Ela diz sempre a mesma coi-
sa, o que é o mesmo que afirmar que ela não diz nada, no sentido em que não 
traz nenhuma informação nova a respeito do mundo. Uma tautologia do tipo 
“está a chover ou não está a chover” é verdadeira qualquer que seja o estado das 
coisas. Não tem, portanto, sentido. 
No entanto, esta tese surpreendente não deve iludir-nos a respeito do papel que 
a lógica desempenha em Wittgenstein na definição do que a linguagem pode dizer. 
Com efeito, as proposições da lógica, enquanto tautologias, fornecem a estrutura 
da linguagem: determinam o que pode ser dito a respeito do mundo e, portanto, 
determinam de facto a estrutura do mundo. Traçam o universo das coisas que po-
dem ser ditas, das coisas possíveis (“está a chover”; “não está a chover”), universo 
no qual se inscrevem os factos do mundo, como as regras do jogo de xadrez defi-
nem as posições possíveis das suas peças e proíbem, por exemplo, que se imagine a 
representação de uma partida de xadrez sem um rei (acabaria antes de ter começa-
do). As proposições da lógica são evidentes, na medida em que mostram o que são 
43
(tautologias), mas Wittgenstein tem o cuidado de sublinhar, ao contrário de Rus-
sell, que os axiomas não são mais evidentes do que as outras proposições da lógica 
e que a demonstração, longe de ser uma prova que se apoia em princípios, só ser-
ve para iluminar o caráter tautológico de todas as proposições da lógica.
As pseudo-proposições tautológicas da lógica, como , aliás, as da matemática, 
que, segundo Wittgenstein, não passam de um “método de lógica”, não têm mani-
festamente o mesmo estatuto das pseudo-proposições da ética, da estética e da filo-
sofia, que, estas, se baseiam numa confusão entre a forma gramatical comum e a 
forma lógica. É possível que Wittgenstein, leitor de Schopenhauer, de Tolstoi e dos 
Evangelhos, tenha pensado que, limitando o que podia ser dito com sentido exclu-
sivamente às proposições das ciências da natureza, e impondo um silêncio ascético 
à especulação metafísica, preservaria na sua pureza a procura pelo sentido da 
vida. Mas é certo que o célebre convite ao silêncio com que conclui o Tractatus 
(“Devemos calar aquilo de que não podemos falar”) pode ser legitimamente inter-
pretado, num espírito positivista, como uma condenação da metafísica. Este mal-
entendido permitiu, ou pelo menos favoreceu, o desenvolvimento do empirismo 
lógico que encontrou na noção de tautologia a chave de um problema clássico. 
Mas, ao mesmo tempo, deixou em aberto a questão do estatuto das proposições, 
das frases da filosofia.
Wittgenstein definiu a filosofia não como uma doutrina, mas como uma “ativi-
dade”, cuja finalidade é a “clarificação lógica do pensamento”. Deve “delimitar ri-
gorosamente” pensamentos que são, sem essa delimitação, “perturbadores e va-
gos”. Mas esta clarificação deveria, se tudo corresse bem, ter um tempo limitado. 
As proposições “clarificadoras” do Tractatus, elas próprias, estão destinadas a desa-
parecer, pois deixam de ter sentido logo que sejam compreendidas, isto é, só têm 
sentido clarificador e, portanto, só o têm enquanto não forem entendidas. A filoso-
fia seria comparável a um ácido que teria a propriedade de fazer aparecer as pseu-
do-proposições, de eliminar essas impurezas e, finalmente, dissolver-se a si mesmo, 
não deixando nada para além do espelho polido das proposições que fornecem 
uma imagem do mundo. Apesar de todo o seu aparelho de lógica simbólica, o Trac-
tatus chega à sua conclusãocom um paradoxo: as proposições que o Tractatus enun-
cia são sem sentido.
44
Mas quais são esses misteriosos “objetos” estáveis e simples que formam a subs-
tância do mundo e que se combinam para formar configurações mutáveis e instá-
veis, os “estados das coisas”? É provável que, no espírito de Wittgenstein, esses ob-
jetos sejam deduzidos, como uma condição necessária, da existência dos factos, 
dos estados de coisas que tornam as proposições verdadeiras ou falsas. São eles - os 
“objetos” - que asseguram essa estabilidade, sem a qual não seria possível dizer o 
que quer que fosse a respeito do mundo. A sua existência é proclamada pelas ciên-
cias. Mas qual é a sua natureza? Esta questão tem algum sentido? Se tem, será que 
devemos procurar a resposta do lado da psicologia, tomando como objetos primiti-
vos os dados sensíveis, as cores, os sons, etc., ou então temos de seguir o caminho 
da física tomando, neste caso, as coisas materiais ou os átomos como elementos? 
Interessa pouco que uma ou outra das hipóteses não consiga responder verdadeira-
mente àquilo que Wittgenstein procurava no Tractatus. O que conta para a história 
é que esta perspetiva abriu caminho para uma interpretação empirista do Tracta-
tus, e esta interpretação é que foi verdadeiramente decisiva.
45
3 S E C Ç Ã O
Investigações Filosóficas
Wittgenstein foi engenheiro, oficial no exército austro-húngaro, professor de ensi-
no básico, ajudante de jardineiro num mosteiro, arquiteto, antes de ser professor 
na Universidade de Cambridge. O seu perfil não correspondia ao de um intelectu-
al “encartado”, ao modo do seu tempo. Por isso só publicou duas obras em vida: 
um pequeno dicionário de alemão para alunos do ensino primário e o Tractatus, de 
que se falou na secção anterior. No entanto, as recolhas das suas numerosas notas 
de preparação das aulas em Cambridge foram publicadas, após a sua morte, pelos 
executores do seu testamento: as Investigações Filosóficas (1953), e os Caderno azul e Ca-
derno castanho (1958). Estas obras não são verdadeiramente uma exposição doutriná-
ria, mas sobretudo exemplos de um percurso tanto mais desconcertante quanto 
acaba por se constituir na refutação de uma parte das teses expostas no Tractatus, 
fortemente apoiadas pelo Círculo de Viena e pelo empirismo lógico, sob sua influ-
ência. O silêncio de dez anos, que separa a publicação do Tractatus, do retorno de 
Wittgenstein à filosofia, não tem só interesse biográfico. Na verdade, prepara a 
emergência, alguns anos mais tarde, de uma nova filosofia da qual percebemos as 
premissas no Caderno castanho com a introdução do conceito de “jogo de lingua-
gem” e com o questionamento do privilégio concedido à linguagem ideal da lógi-
ca. 
Nas Investigações, Wittgenstein dedica-se a criticar em detalhe uma conceção da 
linguagem que ele ilustra com uma citação das Confissões de santo Agostinho. Este 
filósofo medieval, ao descrever a forma como, quando criança, aprendeu a falar (a 
linguagem), privilegia o nome (comum ou próprio), e, na aprendizagem do nome, 
o papel da definição ostensiva, através do gesto: “Quando alguém nomeava um ob-
jeto (...) retinha que a esse objeto correspondia o som que se fazia ouvir quando 
era designado”(1). Santo Agostinho estaria a esquecer, segundo Wittgenstein, a di-
versidade dos tipos de palavras e dos tipos de linguagem. Enganados pela seme-
lhança das palavras entre si - afinal, são sons articulados - esquecemos que elas 
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não servem somente para designar de forma ostensiva um objeto presente ou dissi-
mulado, e que elas também são empregues para dar ordens, relatar um aconteci-
mento, fazer conjeturas e hipóteses, e examiná-las, inventar uma história, represen-
tar peças de teatro, inventar ou resolver enigmas, traduzir, pedir, maldizer, saudar, 
rezar (2).
Não vale a pena, nestes exemplos, procurar o significado das palavras no objeto 
que designam, seguindo o modelo definitivamente demasiado simples do nome 
próprio que se refere a uma realidade individual e a uma só. A linguagem, segun-
do uma metáfora célebre de Wittgenstein, é como uma caixa de ferramentas (3): 
não conseguimos compreender o significado de uma ferramenta sem lhe atribuir 
uma função e sem a associar a uma atividade humana. Podemos dizer, por exem-
plo, que uma sovela “serve para cortar couro” e que é utilizada, entre outras, no 
ofício de sapateiro. Do mesmo modo, o significado das palavras aparece com o uso 
que fazemos delas, com o emprego que lhes damos no contexto de uma atividade 
coletiva.
Para designar o conjunto composto pela palavra e pela atividade humana em 
que ela é empregue, Wittgenstein introduz a noção de “jogo de linguagem”. Um 
jogo de linguagem pode tomar a forma de um conjunto de instruções, de ordens, 
de respostas e de gestos, por exemplo, no convés de um navio. Mas porquê falar de 
jogo de linguagem?
Em primeiro lugar, por analogia, na medida em que os diferentes jogos (o ténis, 
o xadrez, etc.) só têm entre si afinidades, semelhanças, um ar de família, mas não 
têm uma essência comum (4). Esta diversidade irredutível, temperada pelas seme-
lhanças, encontra-se também nas funções da linguagem. Ao dizer isto, Wittgens-
tein renuncia ao projeto central do Tractatus: encontrar a forma geral da proposi-
ção, a função da linguagem. Por outro lado, não há jogo sem um conjunto de ges-
tos submetidos a regras, que são arbitrárias, mas que são aceites como necessida-
des naturais por aqueles que o praticam. Do mesmo modo, cada tipo de lingua-
gem, enquanto jogo coletivo, supõe regras, uma gramática implícita.
No entanto, a fórmula “jogo de linguagem” mantém uma certa ambiguidade. 
Um jogo não é uma coisa a sério, diz-se, enquanto a linguagem tem a ver com as 
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coisas e com a verdade. Considerá-la um jogo não será pôr entre parêntesis aquilo 
que constitui o próprio problema da linguagem, o facto de que possa ir, segundo se 
crê, para além de si mesma? Para Wittgenstein, os jogos de linguagem designam, 
em primeiro lugar, linguagens simplificadas e imaginadas, mas completas em si 
mesmas, que permitem compreender e criticar certas conceções filosóficas como, 
por exemplo, a teoria das descrições de Russell (5). Mas, ao mesmo tempo, temos a 
sensação de que cada linguagem natural é composta de vários jogos de linguagem 
enredados, que é possível descrever empiricamente numa perspetiva sociológica e 
antropológica.
É neste sentido, em particular, que Wittgenstein pode dizer que os jogos de lin-
guagem representam “formas de vida naturais”, práticas coletivas do dia-a-dia, às 
quais não prestamos atenção, sobretudo, diz Wittgenstein, quando fazemos filoso-
fia recorrendo ao modelo simplificado e simplista da definição ostensiva. “Nós fica-
mos inconscientes da diversidade prodigiosa de todos os nossos jogos de linguagem 
do quotidiano, porque o vestuário da nossa linguagem torna tudo semelhante (6).”
Enquanto formas de vida naturais que combinam termos linguísticos e ações 
coletivas, os jogos de linguagem baseiam-se em regras que não são objeto de uma 
convenção explícita e que têm a natureza de factos sociais: “Obedecer a uma re-
gra, fazer uma comunicação, dar uma ordem, jogar um jogo de xadrez, são hábi-
tos (costumes, instituições) (7).” A partir daqui, podemos compreender a argumen-
tação que fundamenta uma das teses mais surpreendentes de Wittgenstein: a im-
possibilidade de qualquer tipo de linguagem privada.
Esta crítica da “linguagem privada” - por oposição aos jogos de linguagem que 
seguem regras respeitadas por todos - visa tanto as especulações idealistas de tipo 
cartesiano ou husserliano, que descrevem e classificam os atos de consciência após 
colocar entre parêntesis o mundo exterior, como as análises de tipo empirista (Hu-
me, por exemplo) que pretendem apoiar-se em dados sensíveis. Uma linguagem 
privada, para Wittgenstein, é uma linguagem que se referiria