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Politzer-ESTUDO-DO-MÉTODO-DIALÉTICO-MARXISTA

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ESTUDO DO MÉTODO DIALÉTICO MARXISTA 
 
 
 
 
Trechos extraídos e adaptados do livro 
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA FILOSOFIA 
de 
Georges Politezer, 
Guy Besse 
e 
Maurice Caveing. 
Tradução de João Cunha Andrade 
Hemus – Livraria Editora Ltda. 
 
 2 
PRIMEIRA LIÇÃO 
O MÉTODO DIALÉTICO 
O materialismo dialético é assim chamado porque sua maneira de consi-
derar os fenômenos naturais, seu método de investigação e de conhecimento são 
dialéticos; sua interpretação, sua concepção dos fenômenos da natureza, sua teoria 
são materialistas. [Stalin, II, pág. 3.] 
I. QUE É MÉTODO? 
Entende-se por «método» o caminho pelo qual se atinge um fim. Os maio-
res filósofos, como Descartes, Spinosa, Hegel, estudaram atentamente os proble-
mas do método, porque estavam empenhados em descobrir o meio mais racional 
para atingir a verdade. Os marxistas querem ver a verdade de frente, para além das 
aparências imediatas, para além das mistificações: o método tem, pois, também pa-
ra eles, uma importância muito grande. Somente um método científico lhes permitirá 
elaborar essa concepção científica do mundo, necessária à ação transformadora, 
revolucionária. 
A dialética é, pois, o único método rigorosamente adequado a uma con-
cepção materialista do mundo. 
As seis lições que se seguem, neste trabalho, serão consagradas ao mé-
todo dialético. Convém, entretanto, que, para tanto, nos preparemos com uma intro-
dução. Introdução que será facilitada por uma comparação entre o método dialético 
(que é científico) e o método metafísico (que é anticientífico). 
II. O MÉTODO METAFÍSICO 
a) Suas características: 
Compramos um par de sapatos amarelos. Ao fim de certo tempo, depois 
de muitos consertos, troca de solas, saltos, substituição de outras peças etc., dize-
mos ainda: «vou calçar os sapatos amarelos» sem percebermos que já não são 
mais os mesmos. Esquecemo-nos das modificações sofridas pêlos sapatos e a eles 
nos referimos como se não tivessem sofrido modificação alguma, como se permane-
cessem idênticos. 
 3 
Este exemplo vai-nos ajudar a compreender o que é o método metafísico. 
Segundo expressão de Engels, o método metafísico considera as coisas «como fei-
tas em definitivo», como imutáveis. [Engels, I, pág. 35; II, pág. 46.] Escapam a ele o 
movimento e, bem assim, as causas da modificação. 
O modesto par de sapatos ficará bem longe, para trás, e já não nos servi-
rá de exemplo quando fizermos um estudo histórico da metafísica. Mostremos, sim-
plesmente, que a palavra ―metafísica‖ vem do grego meta (que se pode interpretar 
como significando para além) e física (ciência da natureza). O objeto da metafísica, 
principalmente para Aristóteles, era o estudo do ser, que se encontra para além da 
natureza. Enquanto a natureza é movimento, o ser do além (ser sobrenatural) é imu-
tável, eterno. Alguns o chamam Deus, outros, o Absoluto. Os materialistas, que se 
apóiam exclusivamente na ciência, consideram esse ser como imaginário. Mas, co-
mo os gregos antigos não podiam explicar o movimento, pareceu, necessário, a al-
guns de seus filósofos, estabelecer, para além da natureza em movimento, um prin-
cípio eterno. 
Quando falamos em método metafísico estamos, com essa expressão, 
querendo significar um método que ignora ou desconhece a realidade do movimento 
e da transformação. Não ver que os sapatos já não são os mesmos é uma atitude 
metafísica. A metafísica ignora o movimento, em favor do repouso, a transformação, 
em favor do idêntico. «Nada há de novo sob o Sol», diz ela. Acreditar que o capita-
lismo é eterno é raciocinar metafisicamente; acreditar que os males e os vícios (cor-
rupção, egoísmo, crueldade etc.), engendrados e mantidos entre os homens pelo 
capitalismo, existirão sempre, também é metafísico. Para o metafísico, o homem é 
eterno, logo, é imutável. 
Por quê? Porque separa o homem do seu meio, a sociedade. O metafísi-
co diz: ―De um lado, o homem, de outro, a sociedade. Se destruirdes a sociedade 
capitalista, tereis uma sociedade socialista. E então? O homem continuará sendo o 
homem.‖ Com isso atingimos o segundo traço da metafísica: separar, arbitrariamen-
te, o que é inseparável, na realidade. O homem é, com efeito, um produto da história 
das sociedades: o que ele é não se realiza fora da sociedade, mas por intermédio 
dela. O método metafísico separa, arbitrariamente, o que está unido na realidade. 
A preocupação de separar leva o metafísico, em todas as circunstâncias, 
a raciocinar assim: ―Uma coisa é, ou bem isto, ou bem aquilo. Ela não pode ser ao 
mesmo tempo, isto e aquilo.‖ O metafísico, porque define as coisas em definitivo (e-
 4 
las continuarão sendo sempre o que são), e porque, ciosamente, as isola, é levado a 
opor umas às outras, como absolutamente inconciliáveis. Ele não admite que dois 
contrários possam existir ao mesmo tempo. Um ser, diz ele, está vivo ou está morto. 
Parece-lhe inconcebível que um ser possa estar ao mesmo tempo, vivo e morto; en-
tretanto, no corpo humano, por exemplo, a cada instante, novas células substituem 
as que morreram: a vida do corpo é, justamente, essa luta incessante entre forças 
contrárias. 
Rejeição da transformação, separação do que é inseparável e exclusão 
sistemática dos contrários, eis a característica do método metafísico. Teremos opor-
tunidade de estudá-las nas lições que se seguem, cotejando-as com as característi-
cas do método dialético. Desde já, entretanto, podemos pressentir os perigos de um 
método metafísico, na pesquisa da verdade e na ação sobre o mundo. A metafísica 
deixa escapar, infalivelmente, a essência da realidade, que é a mudança incessante, 
a transformação. Ela não quer ver senão um aspecto dessa realidade infinitamente 
rica, e toma uma das partes pelo todo, uma árvore pela floresta inteira. Ela não se 
amolda à realidade, como o faz a dialética, mas quer forçar a realidade vivente a se 
fixar nos seus quadros mortos. Tarefa destinada ao fracasso! 
Conta uma velha lenda grega as proezas de um salteador, Procusto, que 
deitava as vítimas em um leito de pequenas dimensões. Se a vítima era muito gran-
de, cortava-lhe as pernas para que coubesse na cama; se era muito pequena, es-
quartejava-a para que, aos pedaços, ocupasse todo o leito. Assim são tratados os 
fatos pela metafísica. Mas, eles resistem... 
b) Sua significação histórica 
Antes de saber desenhar os objetos em movimento, é preciso aprender a 
desenhá-los imóveis. É, um pouco, a história da humanidade. Quando ela ainda não 
estava em condições de elaborar um método dialético, o método metafísico prestou-
lhe grandes serviços. 
O antigo método de pesquisa e de pensamento, que Hegel chama de 
«metafísico», que se ocupava de preferência com o estudo das coisas 
consideradas como objetos fixos dados, e cujas sobrevivências con-
tinuam a perturbar os espíritos, tinham, no seu tempo, sua grande 
justificação histórica. Era preciso, primeiramente, estudar as coisas, 
antes de poder estudar os processos (isto é, os movimentos e as 
 5 
transformações). Era preciso, primeiro, saber o que era tal ou qual 
coisa, antes de poder observar as modificações que nela se opera-
vam. Assim, aconteceu com as ciências naturais. A metafísica antiga, 
que considerava as coisas como feitas em definitivo, era o produto da 
ciência da natureza, que estudava as coisas, mortas ou vivas, como 
imutáveis. 
[Engeis, I, pág. 35; II, pág. 46.] 
No início, a ciência da natureza não podia proceder de outro modo. Era 
preciso, primeiro, reconhecer as espécies vivas, distingui-las cuidadosamente umas 
das outras, classificá-las; um vegetal não é um animal, um animal não é um vegetal 
etc. Na Física, do mesmomodo, foi preciso, primeiro, distinguir bem o calor, a luz, a 
massa etc. para evitar confusões e se dedicar, para começar, ao estudo dos fenô-
menos mais simples. Assim é que, por muito tempo, a ciência não pôde analisar o 
movimento. Deu, pois, importância essencial ao repouso. Depois, quando surgiu o 
estudo científico do movimento (com Galileu e Descartes), a Física se dedicou, pri-
meiramente, a mais simples e à mais acessível forma de movimento: a mudança de 
lugar. 
Mas, os progressos das ciências levaram à quebra dos quadros me-
tafísicos. 
Quando o estudo da natureza avançou tanto que o progresso deci-
sivo se tornou possível, isto é, quando foi possível passar ao estudo 
sistemático das modificações sofridas pelas coisas no seio da pró-
pria natureza, soou, no campo filosófico, o dobre de finados para a 
velha metafísica. 
[Engeis, I, pág. 35; II, pág. 46.] 
 
III. O MÉTODO DIALÉTICO 
a) Suas características 
A dialética considera as coisas e os conceitos no seu encadeamento; 
suas relações mútuas, sua ação recíproca e as decorrentes modifica-
ções mútuas, seu nascimento, seu desenvolvimento, sua decadência. 
 6 
(Engels, III, pág. 392.) 
A dialética opõe-se, sob todos os pontos de vista, à metafísica. Não que a 
dialética não admita o repouso e a separação entre os diversos aspectos do real. Ela 
vê, no repouso, um aspecto relativo da realidade, enquanto que o movimento é ab-
soluto; considera, igualmente, que toda separação é relativa porque, na realidade, 
tudo se relaciona de uma forma ou de outra, tudo está em interação. As leis da dialé-
tica serão estudadas nas seis lições que se seguem. 
Atenta a todas as formas de movimento, não simplesmente à mudança de 
lugar, mas, também, às mudanças de estado como, por exemplo, a água líquida 
transformando-se em vapor de água, a dialética explica o movimento pela luta dos 
contrários. ―Esta é a mais importante lei da dialética; a ela serão consagradas as li-
ções 5ª, 6ª e a 7ª‖. O metafísico Isola os contrários, considerando-os, sistematica-
mente, como ''incompatíveis. A dialética descobre que um não pode existir sem o ou-
tro, e que todo movimento, toda mudança, toda transformação são explicáveis pela 
luta dos contrários. Já mostramos no item II desta lição que a vida do corpo humano 
é produto da luta incessante entre forças de vida e forças de morte, vitória que a vi-
da busca, sem cessar, alcançar sobre a morte, vitória que a morte disputa sem ces-
sar à vida. 
Todo ser orgânico a cada instante, é e não é o mesmo; a 
cada instante assimila matérias estranhas e elimina outras; em cada 
instante perecem células de seu corpo e outras se constituem; no fim 
de um tempo mais ou menos longo, a substância desse corpo foi to-
talmente renovada, foi substituída por outros átomos de matérias; as-
sim, todo o ser organizado é constantemente o mesmo e, também, 
outro. Considerando as coisas mais atentamente, veremos, ainda, 
que os pólos de uma contradição, positivo e negativo, são tão insepa-
ráveis quanto opostos e que, apesar de manterem todo o valor da an-
títese, eles se interpenetram; veremos, paralelamente, que causa e e-
feito são representações que não tem valor como tal, senão quando 
aplicadas a um caso particular; desde, porém, que consideremos es-
se caso particular em sua conexão geral com o conjunto do mundo, 
as representações se fundem e se resolvem em face da ação recípro-
ca universal, onde causas e efeitos se permutam continuamente; o 
 7 
que é efeito, agora, ou aqui, passa a ser causa, logo mais, ou em ou-
tro lugar, e vice-versa. 1 
O mesmo acontece na sociedade; veremos que a luta dos contrários nela 
se dá sob a forma de luta de classes. A luta dos contrários é ainda o motor do pen-
samente. 
b) Sua formação histórica 
Aos filósofos gregos cabe o mérito de ter esboçado a dialética. Eles con-
cebiam o mundo como um todo. Heráclito ensinava que esse todo se transforma: 
―jamais entramos no mesmo rio‖, dizia ele. A luta dos contrários já tinha, para eles, 
muita importância, principalmente para Platão, que acentua a fecundidade dessa lu-
ta; os contrários se geram mutuamente.2 A palavra dialética vem diretamente de dia-
legein, que significa discutir. Exprime a luta de idéias contrárias. 
Entre os mais vigorosos pensadores do período moderno, especialmente 
Descartes e Spinosa, encontram-se notáveis exemplos do raciocínio dialético. 
Foi, porém, Hegel (1770-1831), o grande filósofo alemão, cuja obra se 
desenvolveu no período subseqüente à Revolução Francesa, quem devia formular 
pela primeira vez, de forma genial, o método dialético. Admirador da revolução bur-
guesa que, triunfando na França, pôs abaixo a sociedade feudal, que se supunha 
eterna, Hegel realizou uma revolução análoga no plano das idéias: destronou a me-
tafísica e suas verdades eternas. A verdade não é um conjunto de princípios definiti-
vos. É um processo histórico, a passagem de graus inferiores para graus superiores 
do conhecimento. Seu movimento é o da própria ciência, que não progride senão 
sob a condição de ser crítica incessante de seus próprios resultados, a fim de poder 
superá-los. Vemos, assim, que, para Hegel, o motor de toda transformação é a luta 
 
1
 Engeis: Anti-Dübring, pág. 54. Dois exemplos muito simples dessa interação onde a causa se torna 
efeito e o efeito, causa: a água aos mares e dos rios, pela evaporação dá origem às nuvens, que, por 
sua vez, se condensam em chuva, que volta ao solo O sangue, posto em movimento pelo coração, 
tem necessidade dos pulmões que lhe dão oxigênio; os pulmões não podem trabalhar sem a circula-
ção do sangue. 
2 Um una belíssimo exemplo da dialética platônica é dado por um dos seus mais célebres diálogos: 
Lê Phédon. 
 8 
dos contrários. 
Entretanto, Hegel foi um idealista; o que equivale a dizer que, para ele, a 
natureza e a história humanas não eram mais do que uma manifestação, uma reve-
lação da Idéia incriada. A dialética hegeliana era, pois, puramente espiritualista. 
Marx (que foi, a princípio, discípulo de Hegel) soube reconhecer na dialé-
tica o único método científico. Mas, ele soube também, como materialista que era, 
colocá-la em seu devido lugar: repudiando a concepção idealista do mundo, segun-
do a qual o universo material é um produto da Idéia, ele compreendeu que as leis da 
dialética são as do inundo material e que, se o pensamento é dialético, é por que os 
homens não são alheios a esse mundo, mas fazem parte dele. 
Para Hegel, escreveu Engels — amigo e colaborador de Marx — o de-
senvolvimento dialético, que se manifesta na natureza e na história, 
isto é, o encadeamento causal do progresso, impondo-se do inferior 
ao superior, através de todos os movimentos em ziguezague e de to-
dos os recuos momentâneos, não é senão o reflexo do automovimen-
to pessoal da idéia, prosseguindo por toda a eternidade, não se sabe 
onde, mas, em todo caso, independentemente de qualquer cérebro 
humano pensante. Esta era a intromissão ideológica que precisava 
ser evitada. Consideramos as idéias de nosso cérebro, do ponto de 
vista materialista, como sendo o reflexo dos objetos, em lugar de 
considerar os objetos reais como sendo o reflexo de tal ou qual grau 
da idéia absoluta. Assim, a dialética ficou reduzida à ciência das leis 
gerais do movimento (tanto do mundo exterior, como do pensamento 
humano), a duas séries de leis, idênticas no fundo, mas diferentes na 
sua expressão, no sentido de que o cérebro humano pode aplicá-las 
conscientemente, enquanto que, na natureza, e até o presente, tam-
bém na maior parte da história humana, elas não encontram o seu 
caminho senão de modo inconsciente,sob a forma da necessidade 
exterior, no seio de uma série infinita de acasos aparentes. Por isso, a 
dialética da própria idéia não é mais do que o simples reflexo consci-
ente do movimento dialético do mundo real e, assim sendo, a dialéti-
ca de Hegel foi posto de cabeça para cima, ou mais exatamente, ela 
foi recolocada sobre seus pés. 
[Engeis, I, págs., 33-34; II, pág. 44.] 
 9 
Em resumo, Marx rejeitou o invólucro idealista do sistema hegeliano, para 
manter o ―núcleo racional‖, isto é, a dialética. Ele mesmo o diz claramente no segun-
do prefácio do Capital (janeiro de 1873): 
Meu método dialético, não só difere basicamente do método hegeliano, 
como também é, exatamente, o oposto dele. Para Hegel, o movimento do pensa-
mento, que ele representa sob o nome de idéia, é o ―demiurgo‖ da realidade, que, 
por sua vez, não é mais do que forma fenomenal da idéia. Para mim, ao contrário, o 
movimento do pensamento não é senão o reflexo do movimento real, transportado e 
transposto para o cérebro do homem.3 
De que modo Marx e Engels foram levados a essa modificação decisiva? 
A resposta está em suas obras. Foi o impulso das ciências da natureza, nos fins do 
século XVIII, e nas primeiras décadas do século XIX, que os levou a pensar que a 
dialética tem um fundamento objetivo. 
Três grandes descobertas tiveram, a respeito disto, um papel determinan-
te: 
1) A descoberta da célula viva, a partir da qual se desenvolvem os mais 
complexos organismos; 
2) A descoberta da transformação da energia: calor, eletricidade, magne-
tismo, energia química etc. são formas qualitativamente diferentes da 
mesma realidade material; 
3) O transformismo de Darwin. Apoiando-se em dados da paleontologia e 
da pecuária, o transformismo mostrou que todos os seres vivos (entre 
eles se incluindo o homem) são produtos de, uma evolução natural. 
(Darwin: A Origem das Espécies, 1859). 
Essas descobertas, bem como o conjunto das ciências do tempo (por e-
xemplo, a hipótese de Kant e de Laplace, que explica o sistema solar a partir de uma 
nebulosa; ou, ainda, o aparecimento da Geologia que reconstitui a história do globo 
terrestre), punham em evidência o caráter dialético da natureza, considerado como 
 
3 Marx, I, Livro I, Tomo I, pág. 29. A palavra demiurgo tem, aqui; O sentido de criador; a forma fe-
nomenal da idéia significa "a aparência exterior de que a idéia se reveste." (A idéia para Hegel, é a 
essência das coisas.) 
 10 
unidade de um imenso todo que se desenvolve segundo leis necessárias, gerando, 
sem cessar, novos aspectos, e sendo a espécie humana e as sociedades humanas 
um momento dessa universal transformação. 
Marx e Engels concluíram que, para compreender essa realidade profun-
damente dialética, era preciso renunciar ao método metafísico, que quebra a unida-
de do mundo e susta-lhe o movimento; tornava-se necessário um método dialético, 
aquele método que Hegel recolocara em posição honrosa, sem descobrir, contudo, 
seus fundamentos objetivos. 
O método dialético não foi, pois, formulado por Marx e Engels arbitraria-
mente. Eles o tiraram das próprias ciências, que, por sua vez, têm por campo de es-
tudos a natureza objetiva que é dialética.4 
É por isso que Marx e Engels, durante toda a vida, acompanharam de 
muito perto o progresso das ciências; o método dialético foi-se precisando à medida 
que o conhecimento do universo se tomava mais profundo. De acordo com Marx 
(que, de seu lado, dedicando-se a fundo à Economia Política, escrevia O Capital), 
Engels consagrou longos anos de minucioso estudo à filosofia e às ciências da natu-
reza. Assim, escreveu (1877-78) o Anti-Dühring e começou a redação de vasta obra 
de síntese, Dialética da Natureza5, da qual deixou inúmeros capítulos; obra que se 
inspira nas ciências da época, notavelmente aclaradas pelo método dialético. 
Essa fecundidade do método dialético devia ser demonstrada por Marx e 
 
4 Os materialistas franceses do século XVIII (Diderot, d'Holbach Helvetius), nos quais Marx reconhe-
ce seus antecessores diretos, uma vez que deles toma emprestada a concepção materialista do 
mundo não puderam descobrir o método dialético. Por quê? Porque a ciência no século XVIII não o 
permitia. As ciências da matéria viva estavam ainda na infância: ver-se-á o papel que elas deviam re-
presentar na formação do materialismo dialético, trazendo a idéia da evolução, idéia dialética por ex-
celência (uma espécie transformando-se em outra). A ciência dominante no século XVIII era a Mecâ-
nica Racional, de Newton, que apenas conhecia a mais simples forma de movimento: a mudança de 
lugar, o deslocamento; o universo era, então, comparado a um relógio que se repete. Eis por que o 
materialismo do século XVIII é chamado mecanicista. Nisso, ele é metafísico uma vez que não com-
preende senão a mudança de lugar, e ignora, em particular, a luta dos contrários. Voltaremos ao ma-
terialismo mecanicista (metafísico), em particular, na Nona Lição. 
5 O estudo desta obra será facilitado pela leitura da conferencia de Georges Cógnito: Lá Dialectique 
de Ia Nalure, Une O
e
uvre Geniale de F. Engels, Ed. Sociales, Paris. 1953. 
 11 
Engels. Combatentes revolucionários, tanto quanto homens de pensamento, resol-
veram, por serem dialéticos, o problema que seus mais geniais predecessores não 
tinham sabido propor corretamente; aplicando a dialética materialista à história hu-
mana, fundaram efetivamente a ciência das sociedades (que tem por teoria geral o 
materialismo histórico). 
IV. LÓGICA FORMAL E MÉTODO DIALÉTICO 
É útil completar esta primeira lição com algumas notas sobre a Lógica. 
Já vimos (ponto II, b) que as ciências, no seu início, não podiam empregar 
senão um método metafísico. 
Generalizando esse método, os filósofos gregos (principalmente Aristóte-
les) formularam certo número de regras universais, que o pensamento devia seguir 
em todas as circunstâncias, para evitar o erro. O conjunto dessas regras recebeu o 
nome de Lógica. A Lógica tem por objeto o estudo dos princípios e regras que o 
pensamento deve seguir na pesquisa da verdade. Esses princípios e regras não de-
rivam da fantasia. Originam-se do contrato permanente do homem com a natureza; 
foi a natureza que tornou o homem ―lógico‖, que lhe ensinou que não pode fazer o 
que bem entenda. 
Eis as três principais regras da Lógica tradicional, também chamada Lógi-
ca formal: 
1) O princípio da identidade: uma coisa é idêntica a si mesma. Um ve-
getal é um vegetal, um animal é um animal; a vida é vida, a morte é a 
morte. Os lógicos, pondo esse princípio em fórmula, dizem: A é A. 
2) O princípio da não contradição: uma coisa não pode ser, ao mesmo 
tempo, ela mesma e seu contrário. Um vegetal não é um animal; um 
animal não é um vegetal. A vida não é a morte, a morte não é a vida. 
Os lógicos dizem: A não e não-A. 
3) O princípio do terceiro excluído: (Ou exclusão do terceiro caso.) En-
tre duas possibilidades contraditórias não há lugar para uma terceira. 
Um ser é animal ou vegetal; não há lugar para uma terceira possibili-
dade. É preciso escolher entre a vida e a morte; não há um terceiro ca-
so. Se A e não-A são contraditórios, determinada coisa é A ou não-A. 
 12 
É válida esta lógica? Sim, porque representa a experiência acumulada por 
séculos e séculos. Porém, ela é insuficiente quando se pretende aprofundar a pes-
quisa. Voltando aos próprios exemplos dados, constatamos que há seres vivos que 
não podem ser classificados, rigorosamente, na categoria dos vegetais, ou na cate-
goria dos animais, porque são uma e outra coisa. Do mesmo modo, não há vida ab-
soluta, nem morteabsoluta; todo ser vivo se renova a cada instante em luta contra a 
morte; toda morte leva consigo os elementos de uma nova vida. (A morte não é a 
abolição da vida, mas a decomposição de um organismo.) Válida dentro de certos 
limites, a Lógica Formal é insuficiente para penetrar nas profundezas da realidade. 
Querer que ela dê mais do que pode, é precisamente cair na metafísica. A Lógica 
tradicional, em si, não é falsa; mas, quando a aplicamos para além de seus limites, 
ela engendra o erro. 
É verdade que um animal não é um vegetal; é verdade, e continua sendo 
verdade, que é preciso, de conformidade com o princípio de não-contradição, evitar 
as confusões. A dialética não é a confusão. Mas, a dialética diz que é verdade, tam-
bém, que o animal e o vegetal são dois aspectos inseparáveis da realidade, a tal 
ponto que certos seres são um e outro (unidade dos contrários). 
A Lógica Formal, constituída nos primórdios das ciências, é suficiente pa-
ra o uso corrente: permite classificar, distinguir. Quando, porém, queremos aprofun-
dar a análise, ela já não pode bastar. Por quê? Porque o real é movimento, e a lógi-
ca da identidade (A é A) não permite que as idéias exprimam o real em seu movi-
mento. Porque, por outro lado, esse movimento é o produto de contradições inter-
nas, como veremos na Quinta Lição; ora, a lógica da identidade não permite conce-
ber a unidade dos contrários e a passagem de um para o outro. 
A Lógica Formal, em suma, não atinge senão o aspecto mais imediato da 
realidade. O método dialético vai mais longe; ele tem por objetivo atingir todos os 
aspectos de um processo. 
A aplicação do método dialético às leis do pensamento chama-se Lógica 
Dialética. 
 13 
SEGUNDA LIÇÃO 
A PRIMEIRA CARACTERÍSTICA DA DIALÉTICA: 
TUDO SE RELACIONA 
(LEI DA AÇÃO RECÍPROCA E DA CONEXÃO UNIVERSAL) 
O metafísico separa aquilo que, na realidade, não é separável. Em outu-
bro de 1952, tomou parte na Conferência da Ásia e do Pacífico pela Paz um cientis-
ta, Joan Hinton, que tinha participado da fabricação da primeira bomba atômica, em 
Los Alamos. No seu depoimento falou: 
Trabalhei com minhas mãos na primeira bomba lançada sobre Naga-
saqui. Experimento um profundo sentimento de culpa e tenho vergo-
nha de ter desempenhado tal papel na preparação desse crime contra 
a humanidade. Por que aceitei tal missão? É que eu acreditava na fal-
sa filosofia da ―ciência pela ciência‖. Esta filosofia envenena a ciência 
moderna. Foi por causa deste erro que consiste em isolar a ciência da 
vida social e dos seres humanos, que fui levado a trabalhar para a 
bomba atômica, durante a guerra. Pensávamos que, como cientistas, 
devíamos nos consagrar ―à ciência pura‖ e deixar o resto à compe-
tência dos engenheiros e dos homens de Estado. Tenho vergonha de 
dizer que foi necessário o horror dos bombardeamentos de Hiroshima 
e Nagasaqui, para que eu saísse de minha torre de marfim e compre-
ender que não há ―ciência pura‖, que a ciência não tem sentido senão 
quando serve aos interesses da humanidade. Dirijo-me aos cientistas 
que, nos Estados Unidos e no Japão, trabalham atualmente na fabri-
cação de armas atômicas e bacteriológicas e digo-lhes: ―Pensai bem 
no que fazeis". 
O metafísico não pensa que aquilo que ele faz se relaciona com aquilo 
que os outros fazem; tal é o caso desse sábio da energia atômica que, acreditando 
estar de acordo com o «espírito científico», tinha, na realidade, uma atitude anticien-
tífica, porque se abstinha de perguntar a si mesmo sobre as condições objetivas de 
sua atividade profissional e sobre a utilização do seu trabalho. 
Atitudes como essa são muito difundidas. E por quê? Porque, não com-
preendendo que seu fazer científico se interrelaciona-se com o poder político e 
quando descobrir isso, a guerra já terá estourado e seu mundo pode ficar em ruínas. 
 14 
I. A PRIMEIRA CARACTERÍSTICA DA DIALÉTICA 
Em contraposição à metafísica, a dialética olha a natureza, não como um 
amontoado acidental de objetos, de fenômenos6 destacados uns dos outros, isola-
dos e independentes, mas como um todo unido, coerente, em que os objetos e os 
fenômenos são organicamente ligados entre si dependendo uns dos outros, e se 
condicionando reciprocamente. 
É por isso que o método dialético considera que nenhum fenômeno da 
natureza pode ser compreendido, quando encarado isoladamente e fora dos fenô-
menos circundantes; porque, qualquer fenômeno em não importa que domínio da 
natureza, pode ser convertido num contra-senso quando considerado fora das con-
dições que o cercam, quando, destacado dessas condições; ao contrário, qualquer 
fenômeno pode ser compreendido e explicado, quando considerado do ponto de vis-
ta de sua ligação indissolúvel com os fenômenos que o cercam, quando considerado 
tal como ele é condicionado pelos fenômenos que o cercam. [Stalin, II, pág. 4] 
O enunciado da primeira característica da dialética mostra o seu caráter 
geral: ela se verifica universalmente, na natureza e na sociedade. 
II. NA NATUREZA 
A metafísica separa a matéria bruta, da matéria viva e do pensamento; 
para a metafísica, aí estão três princípios absolutamente isolados, independentes 
uns dos outros. 
Mas, existirá o pensamento sem o cérebro? E o cérebro, sem o corpo? A 
Psicologia (ciência que estuda a atividade pensante) torna-se impossível se ignorar 
a Filosofia (ciência das funções do ser vivo) que, por sua vez, está estreitamente li-
gada à Biologia (ciência da vida em geral). Porém, a própria vida é também incom-
preensível, se ignoramos os processos químicos7; a Química, por sua vez, quando 
 
6
 Entende-se por fenômeno toda manifestação das leis da natureza (uma pedra que cai, a água que 
ferve) ou das leis da sociedade (uma crise econômica). 
7
 Não dizemos que a vida se reduz a um processo químico; seria uma afirmação antidialética. 
Voltaremos posteriormente, a esse assunto. Não dizemos também que a atividade do pensamento se 
reduz à filosofia. Dizemos: não há pensamento senão no ser vivo; não há ser vivo e não há 
organismo sem um universo físico-químico. 
 15 
aborda as moléculas, descobre-lhes a estrutura atômica; ora, o estudo do átomo é 
da competência da Física. Se, então, pretendemos descobrir a origem desses ele-
mentos que a Física estuda, não será preciso ir às ciências que nos ensinam a for-
mação da Terra? E, daí, ao estudo do próprio sistema solar (Astronomia), do qual a 
Terra é parte mínima? 
Assim, enquanto a metafísica entrava o progresso científico, a dialética se 
fundamenta cientificamente. Há, sem dúvida, diferenças específicas entre as ciên-
cias: a Química, a Biologia, a Fisiologia, a Psicologia têm domínios diferentes, espe-
cíficos. Mas, nem por isso, as ciências deixam de constituir uma unidade fundamen-
tal, que reflete a unidade universal. A realidade é um todo. É o que se exprime na 
primeira característica da dialética. 
Um dos exemplos mais significativos de interação é a relação existente 
entre os seres vivos e suas condições de existência, seu ―meio‖. A planta, por e-
xemplo, fixa o oxigênio do ar, mas, também, lhe dá o gás carbônico e o vapor de á-
gua: interação que modifica, ao mesmo tempo, a planta e o ar. Este, porém, é um 
dos aspectos mais simples da ação recíproca entre a planta e o meio. Servindo-se 
da energia que lhe proporciona a luz solar, a planta opera, com o auxílio de elemen-
tos químicos tirados da terra, uma síntese de matérias orgânicas, que lhe permite 
desenvolver-se. Ao mesmo tempo, que se desenvolve, transforma, também, o solo 
e, por conseguinte, as condições do desenvolvimento ulterior de sua espécie. Em 
resumo, a planta não existe a não ser em unidadecom o meio-ambiente. Esta inte-
ração é o ponto de partida de toda a teoria científica dos seres vivos, porque é a 
condição universal de sua existência: o desenvolvimento dos seres vivos reflete as 
transformações do seu meio de existência. 
Este grande princípio de unidade e interação dos fenômenos sempre foi 
necessário ao progresso de todas as ciências. As descobertas científicas não podem 
ser realizadas quando a violação da primeira lei da dialética, isto é, o fenômeno es-
tudado for isolado das condições que o cercam. 
III. NA SOCIEDADE 
A metafísica isola os fenômenos sociais uns dos outros; a realidade eco-
nômica, a vida social, a vida política são, para ela, domínios separados. No interior 
de cada um desses campos, ela introduz, ainda mil divisões. 
 16 
Para o metafísico, a história das sociedades é incompreensível: é um 
caos de contingências (isto é, de fenômenos sem causa), de acasos absurdos. Há fi-
lósofos (como Albert Camus) que afirmam, exatamente, ser o absurdo a essência do 
mundo. Filosofia muito proveitosa aos promotores de catástrofes. O dialético sabe 
que, tanto na sociedade, quanto na natureza, tudo se relaciona mutuamente. Se as 
escolas desmoronam, não é por imperícia dos governos; é porque sua política de 
guerra sacrifica, necessariamente, as construções escolares. Como observa Aragon, 
quando os governos aumentam os meios de morte, restringem os meios de vida. 
―Tudo depende das condições de lugar e de tempo.‖ A dialética chega à compreen-
são, à explicação dos fenômenos sociais, porque os relaciona com as condições his-
tóricas que lhes deram origem, das quais estão em interação. O metafísico raciocina 
em abstrato, sem levar em conta as condições de lugar e de tempo. 
Ninguém pode separar, abstrair, as formas políticas e os fatos do conjunto 
das condições históricas que lhe deram origem, e que os explicam. O dialético tem 
que procurar reconhecer essas condições. 
IV. CONCLUSÃO 
Nem a natureza, nem a sociedade são um caos incompreensível: todos 
os aspectos da realidade prendem-se por laços necessários e recíprocos. 
Essa lei tem grande importância prática. É sempre preciso, pois, avaliar 
uma situação, um acontecimento, uma tarefa, do ponto de vista das condições que 
os determinam e que os explicam. 
Quando você analisa separadamente um fragmento da realidade, deslo-
cado de seu contexto político, você está abandonando a dialética porque, esta, ensi-
na que tudo se relaciona. 
 17 
TERCEIRA LIÇÃO 
A SEGUNDA CARACTERÍSTICA DA DIALÉTICA: 
TUDO SE TRANSFORMA 
(LEI DA TRANSFORMAÇÃO UNIVERSAL E DO DESENVOLVIMENTO 
INCESSANTE) 
O filósofo Fontenelle conta a história de uma rosa que supunha ser eterno 
o jardineiro. Por quê? Porque, em sua memória de rosa, jamais lembrava ter visto 
outro no jardim. Do mesmo modo raciocina o metafísico: nega a mudança. 
Entretanto, a experiência nos ensina que os jardineiros são perecíveis, 
tanto quanto as rosas. É bem verdade que há coisas que mudam muito mais lenta-
mente do que uma rosa e, disso, o metafísico conclui que são imutáveis; ele leva ao 
absoluto a imutabilidade aparente; ele fixa apenas o aspecto pelo quais as coisas 
parecem não mudar; uma rosa é uma rosa, um jardineiro é um jardineiro. A dialética 
não se detém nas aparências; ela atinge as coisas em seu movimento: a rosa era 
um botão, antes de tornar-se rosa; desabrochada, a rosa muda constantemente, 
mesmo que nossos olhos não o possam perceber. E desfolhará inelutàvelmente. 
Mas, não menos necessariamente, outras rosas nascerão, e, por sua vez, fenece-
rão. 
Poderíamos encontrar, na vida quotidiana, mil exemplos que provam que 
tudo é movimento, que tudo se transforma. Esta maçã, sobre a mesa, está imóvel. 
Mas, o dialético dirá: esta maçã imóvel é, entretanto, movimento; dentro de dez dias 
não será mais o que é hoje. Já foi flor, antes de ser fruto verde; com o tempo, de-
compor-se-á e libertará suas sementes. Confiadas ao jardineiro, as sementes darão 
uma árvore, de onde penderão numerosas maçãs. A princípio, tínhamos uma só 
maçã; temos agora um grande número delas. É, pois, uma grande verdade que o u-
niverso, apesar das aparências, não se repete. 
Esta é a segunda característica da dialética: a mudança é universal, o de-
senvolvimento é incessante. 
I. A SEGUNDA CARACTERÍSTICA DA DIALÉTICA 
Em oposição à metafísica, a dialética vê a natureza, não como um es-
tado de repouso e imobilidade, de estagnação e de imutabilidade, 
mas como um estado de movimento e mudanças perpétuas, de reno-
 18 
vação e desenvolvimento incessante, onde sempre qualquer coisa 
nasce e se desenvolve, qualquer coisa se desagrega e desaparece. Ê 
por isso que o método dialético quer que os fenômenos sejam consi-
derados, não apenas do ponto de vista de suas relações e de seus 
condicionamentos recíprocos, mas, também, do ponto de vista do 
movimento, da mudança, do desenvolvimento; do ponto de vista do 
seu aparecimento e do seu desaparecimento. 
Stalin, II, págs. 4-5 
Já vimos que tudo se relaciona (primeira característica da dialética). 
Mas, esse real, que é unidade, é também movimento. O movimento não 
é, portanto, um aspecto secundário da realidade. Não há natureza mais movimento; 
sociedade mais movimento. Não; a realidade é movimento, processo. Ele se mani-
festa, portanto, na natureza e na sociedade. 
II. NATUREZA 
O movimento, no sentido mais geral, concebido como modo de exis-
tência da matéria, como atributo inerente a ela, envolve todas as mu-
danças e todos os processos que se produzem no universo, da sim-
ples mudança de lugar, até ao pensamento, 
Engeis, IV, pág. 75. 
Descartes já constatava que o repouso é relativo ao movimento. Se estou 
sentado à popa de um barco, que se afasta da praia, estou imóvel em relação ao 
barco, mas em movimento em relação à Terra; a própria Terra está em movimento 
em relação ao Sol. O próprio Sol é uma estrela em movimento, e assim, ao infinito. 
Mas, para Descartes, o movimento se reduzia à mudança de lugar: o bar-
co que se desloca, a maçã que rola sobre a mesa. É o movimento mecânico. Mas, a 
realidade do movimento não se limita a isso. Um automóvel roda a setenta quilôme-
tros por hora: movimento mecânico. Não é tudo, porém: o auto que se desloca trans-
forma-se lentamente: seu motor, suas rodas, seus pneus se desgastam. Está, tam-
bém, exposto à chuva, ao sol... Outras tantas formas de movimento. Um veículo que 
tenha percorrido mil quilômetros não é o mesmo do momento da partida, ainda que 
digamos: ―é o mesmo‖. Dia virá em que será preciso renovar peças, refazer a carro-
ceria etc... Até o dia era que o veículo será posto fora de uso. 
 19 
Pois bem, o mesmo acontece na natureza. O movimento tem aspectos 
muito variados: mudança de lugar, mas, também, transformação da natureza e das 
propriedades das coisas. (Por exemplo: a eletrização de um corpo, o crescimento 
das plantas, a mudança da água em vapor, o envelhecimento etc.). 
Para o grande sábio inglês Newton (1642-1727), o movimento se reduzia 
ao movimento mecânico, à mudança de lugar. O universo era, pois, comparável a 
um imenso relógio que reproduzia, sem cessar, o mesmo processo: assim, ele con-
siderava as órbitas dos planetas como eternas. 
Ora, desde o século XVIII, o progresso das ciências tem contribuído con-
sideravelmente para enriquecer a noção de movimento. Em primeiro lugar, tivemos a 
descoberta da transformação da energia, no início do século XIX. 
Retomemos o exemplo do automóvel que roda. Lançado em grande velo-
cidade, choca-se contra uma árvore e incendeia-se. Haverá nisso ―dissipação da 
matéria‖? Não; o automóvel em chamas é uma realidade tão material quanto o au-
tomóvel que rodavaem perfeitas condições; é um aspecto novo, uma qualidade no-
va da matéria. A matéria é indestrutível, mas muda de forma. Suas transformações 
não são outra coisa que as transformações do movimento, que se confunde com a 
matéria: a matéria é movimento, o movimento é matéria. A Física moderna ensina 
que há transformação da energia; a energia ou quantidade de movimento conserva-
se, mesmo assumindo nova forma; as formas que ela pode assumir são muito varia-
das. 
No caso do automóvel, cuja gasolina se inflamou pelo choque, a energia 
química, que, no motor a explosão, se transforma em energia cinética (isto é, em 
movimento mecânico), transforma-se, agora, totalmente, em calor (em energia calo-
rífica). A energia calorífica (o calor) pode, por sua vez, transformar-se em energia ci-
nética: o calor existente na locomotiva transforma-se em movimento mecânico, que 
faz com que a locomotiva se desloque. 
A energia mecânica pode se transformar em energia elétrica: o caudal 
que movimenta a usina produz energia elétrica... Em troca, a energia elétrica (cor-
rente elétrica) se transforma em energia mecânica, isto é, aciona motores. Ou, ain-
da, a energia elétrica se transforma em energia calorífica, produz, de fato, o calor 
(aquecimento elétrico). 
 20 
Além disso, a energia elétrica pode produzir a energia química: em de-
terminadas condições, uma corrente elétrica decompõe a água em oxigênio e hidro-
gênio. Mas, a energia química, por sua vez, pode-se transformar em energia elétrica 
(pilha hidroelétrica), ou em energia mecânica (motor de explosão), ou em energia 
calorífica (combustão do carvão no fogareiro) etc. 
Todas essas transformações não são mais do que a matéria em movi-
mento. Vê-se, pois, que são muito mais ricas do que o simples deslocamento ou 
mudança de lugar, ainda que elas o incluam. 8 
Além da descoberta da transformação da energia, a descoberta da evolu-
ção também contribuiu, profundamente, para o enriquecimento da noção de movi-
mento. 
Em primeiro lugar, consideremos a evolução do universo físico. Pelo fim 
do século XVIII, Kant e Laplace descobriram que o universo tem uma história. Longe 
de se repetir, como supunha Newton, o universo é mudança: as estrelas (entre elas, 
o Sol), os planetas (entre eles, a Terra) são produtos de prodigiosa evolução que 
continua. Não basta, pois, dizer, como Newton, que as partes do universo se deslo-
cam; é preciso acrescentar: e se transformam. 
Assim sendo, esta pequena porção do universo, a Terra, tem uma longa 
história (cinco milhões de anos, aproximadamente), que é estudada pela Geologia. 
Também as estrelas se constituem, se desenvolvem, morrem e sempre 
nascem novas estrelas. 
É, exatamente, porque o universo muda sem cessar que ele não tem ne-
cessidade de um ―primeiro impulso‖, como Newton ainda acreditava. Ele traz em si 
mesmo a possibilidade de movimento, de transformação. Ele é sua própria mudan-
ça. 
 
8
 "Todo movimento encerra o movimento mecânico", diz Engeis em Dialectique de La Nature pág. 
257. De fato, uma reação química, por exemplo, põe em ação os átomos que constituem as 
moléculas da matéria. No interior do átomo, no núcleo, produzem-se deslocamentos muito rápidos, 
estudados pela Física Nuclear. Assim a energia é inseparável do deslocamento de pequenos 
corpúsculos: os elétrons. 
 21 
A matéria viva está, igualmente, submetida a um incessante processo de 
evolução. As espécies vegetais e animais se constituíram a partir das mais simples 
formas de vida. Hoje, não é mais possível acreditar no mito, espalhado pela religião, 
há séculos: Deus criando, em definitivo, espécies que não variam. Graças a Darwin 
(século XIX), a ciência provou que a prodigiosa diversidade das espécies vivas origi-
nou-se de um pequeno número de seres muito simples, de germes unicelulares (a 
célula como unidade, ―de onde se desenvolve, pela multiplicação e pela diferencia-
ção, todo organismo vegetal e animal‖), [Engels, I, pág. 36.] Esses germes, por sua 
vez, originam-se de uma albumina informe. As espécies se transformaram e conti-
nuam a se transformar, em conseqüência de sua interação com o meio.9 A espécie 
humana não escapa a essa grande lei da evolução. 
A partir dos primeiros animais, desenvolveram-se, essencialmente 
por diferenciação contínua, inúmeras classes, ordens, famílias, gêne-
ros e espécies de animais, até atingir a forma em que o sistema ner-
voso alcança o mais completo desenvolvimento, a dos vertebrados, 
finalizando no vertebrado em que a natureza chega à consciência de 
si mesma: o homem. 
(Engeis, IV, pág. 41.) 
Assim, pois, toda a natureza — universo físico, natureza viva – é movi-
mento. 
O movimento e a maneira de ser da matéria. Jamais, em parte alguma, 
houve matéria sem movimento, nem poderá haver. Movimento no es-
paço do universo, movimento mecânico de massas menores em cada 
corpo celeste, vibração molecular sob forma de calor, de corrente elé-
trica, de corrente magnética, decomposição e combinação química, 
vida orgânica: cada átomo singular de matéria, no universo, em cada 
instante, participa de uma ou de outra forma do movimento ou de vá-
rias a um s, ó tempo. A matéria, sem movimento, é tão inconcebível 
como o movimento sem matéria. 
Engeis, III, pág. 92. 
 
9
 Os trabalhos de Mitchurin e seus discípulos mostram, experimentalmente, que pode haver, em 
certas condições, transformação de uma espécie em outra. 
 22 
Em Astronomia ou em Física, em Química ou em Biologia, o objeto da ci-
ência é sempre o movimento. 
III. NA SOCIEDADE 
A mudança é tão inerente à realidade social quanto à natureza, mas as 
sociedades evoluem muito mais depressa do que o universo físico. Depois da disso-
lução da comuna primitiva, sucederam-se quatro formas de sociedade: sociedade 
escravagista, sociedade feudal, sociedade capitalista e sociedade socialista. A soci-
edade feudal, entretanto, julgava-se intangível, e os teólogos viam, nela, uma obra 
de Deus, o que não impediu que a sociedade feudal fosse substituída pela socieda-
de capitalista, e esta, pode se substituída pelo socialismo. 
Por ser um ser social, é que o homem não é eterno. 
 23 
QUARTA LIÇÃO 
A TERCEIRA CARACTERÍSTICA DA DIALÉTICA: 
A MUDANÇA QUALITATIVA 
Se aqueço a água, sua temperatura se eleva gradativamente. Quando a-
tinge 100 graus centígrados, entre em ebulição e se transforma em vapor de água. 
São duas espécies de mudanças. O aumento progressivo de calor consti-
tui mudança de quantidade, isto é, a quantidade de calor existente na água aumen-
ta. Em dado momento, porém, a água muda de estado: sua qualidade de líquido de-
saparece; ela se transforma em gás, sem contudo mudar sua natureza química. 
Chamamos de mudança quantitativa o simples aumento (ou simples di-
minuição) de quantidade. Chamamos de mudança qualitativa a passagem de uma 
qualidade para outra, a passagem de um estado para outro. (No exemplo, a passa-
gem do estado líquido para o gasoso.) 
O estudo da segunda característica da dialética mostrou-nos que a reali-
dade é mudança. O estudo da terceira característica vai mostrar-nos que existe uma 
relação entre as mudanças quantitativas e as mudanças qualitativas. 
Efetivamente, e isto é importante lembrar, a mudança qualitativa (a água 
líquida transformando-se em vapor de água) não é obra do acaso: decorre necessa-
riamente da mudança quantitativa, do aumento progressivo do calor. Quando a tem-
peratura atinge determinado número de graus (100 graus centígrados), a água ferve, 
supondo-se a pressão atmosférica normal. Se mudar a pressão atmosférica, então, 
como tudo se relaciona (primeiracaracterística da dialética), muda o ponto de ebuli-
ção; mas, para dado corpo e dada pressão atmosférica, o ponto de ebulição será 
sempre o mesmo. Isto mostra bem que a mudança de qualidade não é uma ilusão; é 
um fato objetivo, material, de acordo com uma lei natural. É, por conseguinte, um fa-
to previsível: a ciência pesquisa quais são as mudanças de quantidade necessárias 
para que dada mudança de qualidade se produza. 
No caso da água em ebulição, a relação entre as duas espécies de mu-
dança é clara e incontestável. 
A dialética considera que essa relação entre mudança quantitativa e mu-
dança qualitativa é uma lei universal da natureza e da sociedade. 
 24 
O universo é, pois, metafisicamente falando, comparável a um pêndulo 
que, em movimento, percorre sempre a mesma trajetória. Tal concepção aplicada à 
sociedade faz da história humana um ciclo sempre recomeçado, uma eterna repeti-
ção. Em outras palavras, a metafísica não pode explicar o novo. Quando o novo se 
lhe impõe, ela vê nele um capricho da natureza ou a resultante de um decreto divino, 
de um milagre. Em oposição, a dialética não se espanta, nem se escandaliza, com o 
aparecimento do novo. O novo decorre necessariamente da acumulação gradual de 
pequenas mudanças quantitativas, aparentemente insignificantes; assim é que, pelo 
seu próprio movimento, a matéria cria o novo. 
I. A TERCEIRA CARACTERÍSTICA DA DIALÉTICA 
Em oposição à metafísica, a dialética considera o processo de desen-
volvimento, não como um simples processo de crescimento, em que 
as mudanças quantitativas, não chegam a se tornar mudanças quali-
tativas, mas como um desenvolvimento que passa, das mudanças 
quantitativas insignificantes e latentes, para as mudanças aparentes e 
radicais, as mudanças qualitativas. Por vezes, as mudanças qualitati-
vas não são graduais, mas rápidas, súbitas, e se operam por saltos 
de um estado a outro; essas mudanças não são contingentes, mas 
necessárias; são o resultado da acumulação de mudanças quantitati-
vas insensíveis e graduais. 
Stalin, II, pág. 5. 
A mudança qualitativa, dizíamos no item anterior, é uma mudança de es-
tado, a água líquida torna-se vapor de água ou, também, a água líquida torna-se á-
gua sólida (gelo). O ovo torna-se pinto. O botão torna-se flor. O ser vivo, ao morrer, 
torna-se cadáver. 
A flor desabrocha de repente, após lenta maturação. Isso, porém, não 
quer dizer que todas as mudanças qualitativas assumem a forma de crises, de ex-
plosões. Há casos em que a passagem para a qualidade nova se opera através de 
mudanças qualitativas graduais. 
Vê-se que é preciso estudar, em cada caso, o caráter específico que cada 
mudança qualitativa assume. Não é preciso identificar, mecanicamente, cada mu-
dança qualitativa a uma explosão. Mas, qualquer que seja a forma de que se revista 
a mudança qualitativa, jamais há mudança qualitativa sem preparação. O que é uni-
 25 
versal é a relação necessária entre a mudança quantitativa e a mudança qualitativa. 
II. NA NATUREZA 
Consideremos um litro de água. Dividamo-lo em duas panes iguais: a di-
visão em nada muda a natureza do corpo; meio litro de água continua sendo água. 
Podemos assim continuar a divisão, obtendo frações cada vez menores: um dedal, 
uma gotinha... é sempre água. Não há mudança qualitativa. Em determinado mo-
mento, chegamos à molécula de água10: ela contém dois átomos de hidrogênio e um 
de oxigênio. Poderemos prosseguir na divisão, dissociando a molécula? Sim, por 
método apropriado, mas, então, já não será mais água. São o hidrogênio e o oxigê-
nio. O hidrogênio e o oxigênio que são obtidos pela análise da molécula de água não 
têm as propriedades da água. Todos sabem que o oxigênio alimenta a chama e que 
a água apaga incêndios. 
Este exemplo é uma ilustração da terceira lei da dialética: a mudança 
quantitativa (neste exemplo; a divisão gradativa da água) leva, necessariamente, à 
mudança qualitativa. (Libertação súbita de dois corpos, qualitativamente diferentes 
da água.) 
A natureza é pródiga em processos semelhantes a este. 
...na natureza, de maneira nitidamente determinada para cada caso, 
as mudanças qualitativas não podem ocorrer senão pela adição ou 
pela subtração quantitativas de matéria ou de movimento ou, como se 
diz, de energia. 
Engeis, IV, pág. 70. 
O próprio Engeis apresenta inúmeros exemplos: 
Seja o oxigênio: se, em lugar de dois átomos, se unirem três, para 
constituir uma molécula, teríamos o ozona, corpo que, pelo cheiro, e 
 
10
 Um corpo, qualquer que seja ele, é composto de moléculas. A molécula é a menor quantidade de 
uma combinação química. Ela própria se constitui de átomos; um átomo é a menor porção de um 
elemento que pode entrar em combinações. As moléculas de um corpo simples (oxigênio, hidrogênio, 
azoto) encerram átomos idênticos (oxigênio, de hidrogênio, de azoto). As moléculas de um corpo 
composto (sal de cozinha, água, benzina) contêm átomos dos diversos componentes. 
 26 
pelos efeitos, se distingue, de forma bem determinada, do oxigênio 
comum. E que dizer das diferentes proporções nas quais o oxigênio 
combina-se com o azoto ou com o enxofre, dando, de cada vez, um 
corpo qualitativamente diferente dos outros! Que diferença entre o 
gás hilariante (protóxido de azoto: N20) e o anidrido azótico (pentóxi-
do de azoto: N2O55). O primeiro é um gás, o segundo — à temperatura 
habitual — é um corpo sólido e cristalizado. Entretanto, toda a dife-
rença na combinação está em que o segundo contém cinco vezes 
mais oxigênio do que o primeiro. Entre os dois óxidos de azoto se co-
locam outros três (NO, N203, NO2), diferentes qualitativamente dos 
dois primeiros e diferentes entre si. 
Engeis, IV, pág. 72 
Essa relação necessária, entre quantidade e qualidade, foi o que permitiu 
a Mendeleiev fazer uma classificação dos elementos químicos11; os elementos se 
classificam por pesos atômicos crescentes.12 
Essa classificação quantitativa dos elementos, do mais leve (hidrogênio) 
ao mais pesado (urânio), faz com que apareçam suas diferenças qualitativas, as di-
ferenças entre suas propriedades. A classificação assim estabelecida tinha, entre-
tanto, alguns vazios: Mendeleiev concluiu daí, que havia, na natureza, elementos 
qualitativamente novos por descobrir; ele descreveu, antecipadamente, as proprie-
dades químicas de um desses elementos, que, efetivamente, veio a ser descoberto. 
Graças à classificação metódica de Mendeleiev foi possível prever e obter artificial-
mente mais de dez elementos químicos, que não existam na natureza. 
A Química Nuclear (que estuda o núcleo do átomo), ao mesmo tempo em 
que aumentava consideràvelmente o campo dos nossos conhecimentos permitiu 
compreender melhor toda a importância da relação necessária entre quantidade e 
qualidade. Foi assim que Rutherford, bombardeando átomos de azoto com hélions 
(corpúsculos atômicos produzidos pela desintegração do átomo do radium), realizou 
 
11
 O elemento é a parte comum a todas as espécies de corpos simples e aos corpos compostos que 
deles derivam. Exemplo: o enxofre se conserva em todas as variedades de enxofre e nos compostos 
de enxofre. Há 92 elementos naturais: eles se conservam mesmo nas reações químicas com outros 
corpos. Sob certas condições, porém, há transmutação dos elementos (radioatividade). 
12
 O peso atômico de um elemento representa a relação entre o peso de um átomo desse elemento, 
comparado com o peso do átomo de um elemento típico (hidrogênio ou oxigênio). 
 27 
a transmutação dos átomos de azoto em átomos de oxigênio. Notável mudança qua-
litativa! Ora, o estudo dessa mudançamostrou que ela está condicionada a uma 
mudança quantitativa: sob o efeito do hélion, o núcleo do azoto — que possui sete 
prótons13 — perde um deles, mas ―fixa‖ os dois prótons do núcleo do hélion. Isso dá 
um núcleo de oito prótons, isto é, um núcleo de oxigênio. 
As ciências da vida também poderiam nos proporcionar grande quantida-
de de exemplos. O desenvolvimento da natureza viva não é, em verdade, assimilá-
vel a uma repetição pura e simples dos mesmos processos: tal ponto de vista torna 
ininteligível a evolução. A teoria clássica da Genética (principalmente a de Weis-
mann), para o qual o porvir do ser vivo está todo inteiro, e por prévia determinação, 
contido numa substância hereditária (os genes), substância essa que não é passível 
de alteração e é indiferente à ação do meio, reduz à impossibilidade o aparecimento 
do novo. De fato, o desenvolvimento da natureza viva explica-se pela acumulação 
de mudanças quantitativas, que se transformam em mudanças qualitativas. A respei-
to disso escrevia Engeis: 
... é loucura querer explicar o nascimento, ainda que de uma célula, 
partindo diretamente da matéria inerte, ao invés de partir da albumina 
viva não diferenciada, acreditar que com um pouco de água pútrida 
poder-se-ia obrigar a natureza a fazer, em 24 horas, o que lhe custou 
milhões de anos para realizar. 
Engeis, IV, pág. 305 
Deve-se notar que esse desenvolvimento da natureza viva, quantitativo e 
qualitativo a um só tempo, leva a compreender o que, em dialética, se entende por 
passagem do simples para o complexo, do inferior para o superior. As espécies ge-
radas pela evolução são, em verdade, cada vez mais complexas; a estrutura dos se-
res vivos diferenciou-se cada vez mais. Assim, a partir do ovo, constitui-se um gran-
de número de órgãos, qualitativamente distintos, tendo cada um sua função especí-
fica: o crescimento de um ser vivo não é, pois, a simples multiplicação de células, 
mas um processo que passa por numerosas mudanças qualitativas. 
Se abordarmos o estudo do sistema nervoso e da psicologia, reencontra-
remos a lei da quantidade-qualidade sob as mais diversas formas. Por exemplo; a 
 
13
 O próton e o nêutron constituem o núcleo do átomo. 
 28 
sensação (sensação de luz, de calor, sensação auditiva, tátil etc.), que é um fenô-
meno peculiar ao sistema nervoso, não aparece sem a excitação, isto é, sem que a 
ação física do excitante sobre o sistema nervoso atinja certo nível quantitativo, que 
se chama limiar. Assim, uma excitação luminosa não se pode transformar em sen-
sação, se não tiver certa duração e certa intensidade mínimas. O limiar da sensação 
é o ponto em que se opera a passagem da quantidade do excitante para a qualidade 
da reação: abaixo desse limiar, ainda não há sensação, por ser o excitante ainda 
muito fraco. 
Do mesmo modo, é pela prática repetida que se constitui o conceito, par-
tindo das sensações. 
A continuidade da prática social leva os homens à repetição múltipla 
de coisas que eles percebem por seus sentidos e que sobre eles pro-
duzem um efeito; em conseqüência, tem lugar no cérebro humano um 
salto no processo do conhecimento, e surge o conceito. 
Mao Tse Tung, I, pág. 242 
A sensação ê, com efeito, um reflexo parcial da realidade, que não nos 
dá, da realidade, senão os seus aspectos exteriores. Mas, pela prática social, pelo 
trabalho, os homens se aprofundam nessa realidade; conseguem conquistar a inteli-
gência dos processos internos, que, a princípio, lhes escapava; ascendem às leis 
que, para além da aparência, explicam o real. Esta conquista é o conceito, qualitati-
vamente novo, em relação às sensações, se bem que estas sejam, pela repetição 
múltipla, necessárias à elaboração do conceito. O conceito de calor, por exemplo, 
jamais poderia ter-se constituído se os homens não tivessem tido, em circunstâncias 
infinitamente numerosas e variadas, a sensação, de calor. Mas, para passar das 
sensações ao conceito atual de calor, como forma de energia, foi preciso uma práti-
ca social milenar, que tornou possível a assimilação das propriedades fundamentais 
do calor: os homens aprenderam a ―fazer fogo‖, a utilizar os efeitos dele de mil mo-
dos diferentes, para a satisfação de suas necessidades, muito mais tarde aprende-
ram a medir o calor, a transformar o calor em trabalho, o trabalho em calor etc. 
Da mesma forma, a passagem da agrimensura, nascida das necessida-
des sociais (medir as terras), para a Geometria (ciência das figuras), é a transforma-
ção, em conceitos, das sensações progressivamente acumuladas pela prática. 
O mesmo se dá com os princípios da Lógica, que, aos olhos dos metafísi-
 29 
cos, são idéias inatas. Por exemplo: este axioma universalmente difundido ―o todo é 
maior do que a parte, a parte é menor do que o todo‖ é, ao mesmo tempo em que fi-
gura de lógica, um produto qualitativamente novo, de uma prática que se impôs às 
mais antigas sociedades, sob as mais diversas formas: é preciso menos alimento 
para alimentar um homem, do que para alimentar vinte. 
Lenine escreveu em seus Cahiers Philosophiques: 
A atividade prática do homem, por milhares de vezes, deve ter levado 
a consciência do homem a repetir diferentes figuras de lógica, para 
que essas figuras tivessem podido assumir o valor de axiomas.14 
E ainda: 
A prática do homem, ao se repetir milhares de vezes, se fixa na cons-
ciência do homem em figuras de lógica. 
É a terceira característica da dialética, que nos permite uma interpretação 
racional da invenção; o metafísico considera o aparecimento de idéias novas, a in-
venção, como uma espécie de revelação divina, ou, então, a atribui ao acaso. A in-
venção (nas técnicas, nas ciências, nas artes, e em outros setores) não é, antes, a 
mudança qualitativa que se opera no reflexo mental da realidade, mudança que vem 
sendo preparada pela acumulação de mudanças insignificantes decorrentes da prá-
tica humana? Eis por que as grandes descobertas não se realizam senão depois de 
realizadas as condições objetivas que as tornam possíveis. 
Os últimos exemplos que escolhemos (passagem da sensação ao concei-
to; invenção suscitada por longa prática) permitem pôr em relevo um importante as-
pecto do processo quantidade-qualidade. A passagem do antigo estado qualitativo, 
para o novo, é, na verdade, muitas vezes, um progresso. É, então, uma passagem 
do inferior para o superior. Isso acontece quando o homem ultrapassa a sensação 
(forma inferior do conhecimento), para atingir o conceito (forma superior do conhe-
cimento). Acontece, igualmente, na passagem qualitativa do não-vivo para o vivo; 
 
14
 Os "axiomas" são as mais gerais e as mais fundamentais verdades da Matemática. O idealismo vê 
nos axiomas uma revelação do espírito. Mas, como toda verdade, os axiomas são os frutos de 
laboriosa conquista. 
 30 
essa mudança de estado constitui um progresso decisivo. O movimento que leva a 
tais transformações qualitativas é, pois, como bem o escreveu Stalin, ―um movimen-
to progressivo, ascendente‖. (Stalin, II, pág. 6.) 
Veremos que o mesmo acontece no desenvolvimento das sociedades. 
III. NA SOCIEDADE 
Constatamos, na lição precedente, que, como a natureza, a sociedade é 
movimento. 
Esse movimento consiste na transformação de mudanças quantitativas 
em mudanças qualitativas. A passagem do estado qualitativo velho, para o novo, 
constitui um progresso. O Estado capitalista é superior ao Estado feudal; o Estado 
socialista é superior ao Estado capitalista. A revolução assegura a passagem do in-
ferior para o superior. Por quê? Por que faz concordar o regime econômico da soci-
edade, com asexigências do desenvolvimento das forças de produção. 
É muito importante não separar nunca o aspecto qualitativo, do aspecto 
quantitativo do movimento social, e considerá-los em suas relações necessárias. Ver 
apenas um ou outro, é cometer erro fundamental. 
V. CONCLUSÃO 
Temos dito que as pequenas mudanças quantitativas levam às mudanças 
qualitativas radicais. 
A realidade é, ao mesmo tempo, quantitativa e qualitativa. É preciso com-
preender bem que a mudança qualitativa é passagem de uma qualidade, para outra 
qualidade. A qualidade ―líquido‖ torna-se qualidade ―gás‖, quando o líquido, por a-
cumulação quantitativa de calor, atinge determinada temperatura. 
Mesmo em Matemática, (que os metafísicos pretendem ser a ciência da 
quantidade pura) a quantidade e a qualidade são inseparáveis. Adicionar números (5 
+ 7 + 3 +...) é um processo quantitativo; mas há, também, nele, um aspecto qualitati-
vo, porque os números inteiros são números de certa espécie, que têm uma quali-
dade diferente da dos números algébricos, da dos números fracionários etc. A diver-
sidade qualitativa dos números é considerável; cada espécie tem propriedades pró-
 31 
prias. Somar números inteiros, ou números fracionários, ou números algébricos, ain-
da é somar, dirão alguns; mas a adição se faz, de cada vez, sobre qualidades dife-
rentes. Assim: somar 5 chapéus ou somar 5 locomotivas é sempre somar, mas os 
objetos são, qualitativamente, muito diferentes. A quantidade é sempre quantidade 
de qualquer coisa, é quantidade de uma qualidade. 
A quantidade se transforma em qualidade. Mas, reciprocamente, a quali-
dade se transforma em quantidade, uma vez que ambas são inseparáveis. 
 32 
QUINTA LIÇÃO 
A QUARTA CARACTERÍSTICA DA DIALÉTICA: 
A LUTA DOS CONTRÁRIOS 
Vimos que toda realidade é movimento, e que esse movimento, que e u-
niversal, assume duas formas: quantitativa e qualitativa, necessariamente ligadas 
entre si. ...Mas, por que há movimento? Qual o motor da mudança e, em particular, 
da transformação da quantidade em qualidade, da passagem de uma qualidade para 
outra qualidade nova? 
Responder a esta pergunta é enunciar a quarta característica da dialética, 
a lei fundamental da dialética, a que nos dá a razão do movimento. 
Um exemplo bem concreto vai-nos levar a formular essa lei. 
Estou estudando a filosofia marxista, o materialismo dialético. Isso só é 
possível se, simultaneamente, eu tiver consciência de minha ignorância no assunto 
e vontade de superá-la, vontade de conquistar o saber. O motor do meu estudo, a 
condição absoluta de nele progredir, é a luta entre a ignorância e o desejo de supe-
rá-la; é a contradição entre a consciência que tenho de minha ignorância, e a vonta-
de que tenho de sair dela. Essa luta dos contrários, essa contradição, não é exterior 
ao estudo. Se progrido, é exatamente à medida que, sem cessar, essa contradição 
se põe. Por certo, cada uma das aquisições que balizam meu estudo é solução de 
determinada contradição (sei hoje o que ignorava ontem); imediatamente, porém, se 
estabelece uma nova contradição entre o que sei e o que tenho consciência de igno-
rar, daí, novo esforço no estudo, nova solução, novo progresso. Aquele que julga 
saber tudo jamais progredirá, porque não, procurará superar sua ignorância. O prin-
cípio desse movimento — o estudo — o motor da passagem gradual de um saber 
menor, para um saber maior, é, pois, a luta dos contrários, a luta entre minha igno-
rância (de um lado) e (do outro lado) a consciência de que devo ultrapassar essa ig-
norância. 
I. A QUARTA CARACTERÍSTICA DA DIALÉTICA 
Em oposição à metafísica, a dialética parte do ponto de vista de que os 
objetos e os fenômenos da natureza supõem contradições internas, porque todos 
têm um lado negativo e um lado positivo, um passado e um futuro; todos têm ele-
mentos que desaparecem e elementos que se desenvolvem; a luta desses contrá-
 33 
rios, a luta entre o velho e o novo, entre o que morre e o que nasce, entre o que pe-
rece e o que evolui, é o conteúdo interno do processo de desenvolvimento, da con-
versão das mudanças quantitativas, em mudanças qualitativas. 
O estudo da contradição, como princípio do desenvolvimento, vai-nos 
permitir destacar seus principais caracteres: a contradição é interna, é inovadora, há 
unidade entre os contrários. 
II. CARACTERES DA CONTRADIÇÃO 
a) A Contradição é interna 
Toda realidade é movimento, já o vimos. Ora, não há movimento que não 
seja conseqüência de sua contradição, de uma luta de contrários. Essa contradição, 
essa luta é interna, isto é, não é exterior ao movimento considerado, mas, é a sua 
essência. 
Será arbitrária tal afirmação? Não. Um pouco de reflexão mostra, com e-
feito, que se não houvesse nenhuma contradição no mundo, não haveria mudanças. 
Se a semente não fosse mais do que semente, permaneceria semente, indefinida-
mente; mas, ela traz em si mesma o poder de mudar, pois será planta. A planta sur-
ge da semente e sua eclosão implica no desaparecimento da semente. Isso aconte-
ce com toda realidade; se ela muda, é por ser, em essência, ao mesmo tempo, ela 
própria e outra coisa, diferente dela. Por que a vida, depois de dar flores e frutos, en-
tra em decadência até morrer? Porque não é apenas vida. A vida se transforma na 
morte, porque a vida traz em si uma contradição interna, porque ela é a luta quotidi-
ana contra a morte. (A cada instante morrem células, que são substituídas por ou-
tras, até o dia em que a morte sobrevém.) O metafísico opõe a vida à morte, como 
dois absolutos, sem lhes ver a unidade profunda, unidade de forças contrárias. Um 
universo completamente vazio de qualquer contradição estaria condenado a se re-
petir; jamais poderia ocorrer algo de novo. A contradição é, pois, interna a toda mu-
dança. 
A causa fundamental do desenvolvimento das coisas não está fora 
delas, mas está dentro delas, na natureza contraditória, inerente a es-
sas mesmas coisas. Toda coisa, todo fenômeno, tem contradições in-
ternas que lhe são inerentes. São elas que geram o movimento e o 
desenvolvimento das coisas. As contradições inerentes às coisas e 
 34 
aos fenômenos são as causas fundamentais do seu desenvolvimento. 
Mao Tse Tung, II, págs. 780-781. 
Lenine já dizia, em Matérialisme et Empirocriticisme, que: ―O desenvolvi-
mento é a luta dos contrários". 
Retomando o exemplo do homem que estuda, não é verdade que esse 
homem seja, ao mesmo tempo, ignorância e necessidade de aprender? Enquanto 
estuda, ele é a luta das duas forças contrárias. É bem essa, a essência do homem 
que estuda. (Essência: natureza profunda.) 
Se voltarmos ao processo examinado na lição precedente: a transforma-
ção da água, seja em vapor, seja em gelo, constataremos que essa transformação 
se explica pela presença de uma contradição interna; contradição entre as forças de 
coesão das moléculas da água, de um lado, e, do outro, movimento próprio de cada 
molécula (energia cinética, que impele as moléculas para a dispersão); contradição 
entre as forças de coesão e as de dispersão. Certamente, quando nos limitamos a 
considerar a água no estado líquido, entre O e 100 graus centígrados, esta luta não 
se manifesta; tudo parece calmo, inerte. O que aparece é a estabilidade do estado 
líquido. O aspecto aparente (e fenômeno) dissimula a realidade profunda, a essên-
cia, isto é, a luta entre as forças de coesão e as de dispersão. Esta contradição in-
terna é o conteúdo real do estado líquido. E é esta contradição que explica a trans-
formação súbita da água líquida, em água sólida, ou em vapor de água. A passagem 
qualitativa, para um novo estado, só é possível pela vitória de uma das forças con-
trárias, sobre a outra.Vitória da força de coesão, na passagem do estado líquido, para o sólido; 
vitória das forças de dispersão, na passagem do líquido, para o estado gasoso. Vitó-
ria que não destrói as forças contrárias, mas muda-lhes, de certa forma, o «sinal»: 
no estado sólido, o movimento das moléculas é o aspecto negativo (ou secundário); 
no estado gasoso, a tendência à coesão passa a ser o aspecto negativo, ou secun-
dário. 
A água, qualquer que seja o seu estado momentâneo, é, pois, luta de for-
ças contrárias, que são forças internas pelas quais se explicam suas transforma-
ções. 
Representam as condições externas algum papel nesse fenômeno? Sim. 
 35 
O estudo da primeira lei da dialética (tudo se relaciona) mostrou-nos que jamais se 
deve isolar uma realidade das condições que a cercam. No caso da água, há uma 
condição externa, necessária à mudança de estado: é a diminuição ou a elevação 
da temperatura. A elevação da temperatura possibilita o aumento da energia cinética 
das moléculas, portanto, sua velocidade. O resfriamento tem conseqüência inversa. 
Mas, é preciso não esquecer que, se não houvesse contradições internas no objeto 
considerado (no caso, a água) – como ia filemos ver anteriormente – a ação das 
condições externas seria inoperante, A dialética considera, pois, como essencial, a 
descoberta das contradições internas, inerentes ao processo estudado, que são as 
únicas que levam à compreensão da especialidade desse processo. 
As contradições inerentes às coisas e aos fenômenos são a causa 
fundamental de seu desenvolvimento, enquanto que o liame mútuo, e 
a ação recíproca, de uma coisa ou de um fenômeno com ou sobre ou-
tros fenômenos, ou coisas, são causas de segunda ordem. 
Mão Tse Tung, II, pág. 781. 
b) A contradição é inovadora 
A luta dos contrários é tomada como ―luta entre o velho e o novo, entre o 
que morre e o que nasce e entre o que perece e o que se desenvolve‖. 
A luta dos contrários, efetivamente, se desenvolve no tempo, Já vimos 
(Terceira Lição) que, assim como a sociedade, assim como a natureza viva, o uni-
verso físico tem uma história. As mudanças qualitativas põem, assim, em evidência, 
em dado momento do processo histórico, aspectos novos que são resultantes da vi-
tória sobre o que é velho. Mas, isto não é possível, a não ser pelo fato de as forças 
ao novo se desenvolverem contra o velho, no próprio seio do velho. Foi no seio da 
velha sociedade feudal, e contra ela, que cresceram as forças novas de produção e 
as correspondentes relações de produção, das quais deveria sair a sociedade capi-
talista. Do mesmo modo, é na criança, e contra ela, que cresce o adolescente; é o 
adolescente, e contra ele, que amadurece o adulto. 
Não basta constatar o caráter interno da contradição. É preciso ver, ainda, 
que essa contradição é luta entre o velho e o novo. É no seio do velho, que nasce o 
novo; é contra o velho, que o novo se desenvolve. A contradição se resolve quando 
o novo supera definitivamente o velho. Aparece, então, o caráter inovador, a fecun-
didade das contradições internas. O futuro se prepara na luta contra o passado. Não 
 36 
há vitória sem luta. 
A história das ciências e das artes é pródiga em exemplos que mostram, 
plenamente, a fecundidade da contradição. As grandes descobertas resultam de 
uma contradição resolvida entre as velhas teorias e os fatos experimentais novos. 
Exemplo: o experimento de Torricelli suscitou uma contradição fecunda entre o fato 
constatado (o mercúrio contido no tubo emborcado na cuba desce até certo nível, 
que varia segundo a altitude; acima desse nível, há o vácuo) e a velha idéia sempre 
ensinada de que a natureza tem horror ao vácuo. A velha idéia é, de fato, incapaz de 
explicar por que o nível do mercúrio no tubo varia com a altitude. A descoberta da 
pressão atmosférica resolveu a contradição. 
Toda mudança qualitativa é solução fecunda de uma contradição. 
c) A unidade dos contrários 
Não há contradição, se não houver luta entre, pelo menos, duas forças. A 
contradição encerra, pois, necessariamente, dois termos que se opõem: ela é a uni-
dade dos contrários. Este é o terceiro caráter da contradição. Estudemo-lo mais de 
perto. 
Os contrários se combatem; porém, são inseparáveis. A burguesia em si 
não existe. A princípio, no seio da sociedade feudal, houve a burguesia contra a feu-
dalidade. Depois, na sociedade capitalista (e mesmo no seio da sociedade feudal), 
temos a burguesia contra o proletariado. Não podemos pôr os contrários separados 
um do outro, um sem o outro. Quando o proletariado desaparecer como classe ex-
plorada, então a burguesia desaparecerá como classe exploradora. 
Essa unidade dos contrários, essa ligação recíproca dos contrários, as-
sume um sentido particularmente importante quando, em dado momento do proces-
so, os contrários se convertem um no outro. Com efeito, em determinadas condi-
ções, os contrários se transformam um no outro. A ligação recíproca torna-se, então, 
transformação recíproca; produz-se mudança qualitativa, e é essa transformação 
que permite definir, cientificamente, a noção ―de qualidade‖. 
A unidade dos contrários (e sua transformação recíproca) não tem sentido 
senão relativamente à luta dos contrários, que é a essência dessa unidade. Não adi-
anta querer realizar, arbitrariamente, a transformação recíproca dos contrários, se as 
 37 
condições dessa transformação não estão realizadas. Mao Tse Tung diz bem que os 
contrários se transformam um no outro ―em determinadas condições‖. Determinadas 
por quê? Pela luta e suas características concretas. A unidade dos contrários e sua 
transformação recíproca são, pois, subordinadas à luta. Uma unidade se quebra, 
aparece uma unidade qualitativamente nova, mas todos os momentos desse pro-
cesso são explicados pela luta. 
A unidade dos contrários é condicionada, temporariamente, passa-
geira, relativa. A luta dos contrários, que, reciprocamente, se exclu-
em, é absoluta, como absolutos são o desenvolvimento, o movimen-
to.15 
Em resumo, aquele que se esquecer de que a unidade dos contrários se 
dá, se mantém e se resolve pela luta, mergulhara na metafísica. 
III. UNIVERSALIDADE DA CONTRADIÇÃO 
Motor de toda transformação, a contradição é universal. Quando se fala 
em ―contradição‖, os filósofos idealistas compreendem, simplesmente ―luta de idéi-
as‖. Para eles, a contradição não é concebível, senão entre idéias, que se opõem. 
Interpretam-na segundo o sentido corrente da palavra (―dizer o contrário‖). Mas a 
contradição das idéias é apenas uma das formas da contradição: por ser a contradi-
ção uma realidade objetiva, presente em todo o mundo, é que se encontra, também, 
no ―sujeito‖, que ela se encontra no homem (que faz parte do mundo). 
Todo processo (natural ou social) explica-se pela contradição. Essa con-
tradição subsiste, enquanto dura o processo; existe, ainda que não seja manifesta. 
Vimos o exemplo na lição anterior, a respeito da água. 
Se, contudo, a contradição não existia desde o início do processo, é ne-
cessário, então, explicar esse processo pela misteriosa intervenção de uma força ex-
terior: ora, já vimos na lição precedente (II, b) que as condições exteriores, se bem 
que necessárias ao processo, não podem substituir as contradições internas. A con-
tradição interna é permanente, podendo estar mais ou menos desenvolvida. É por 
 
15
 Lenine: Cahiers Philosophiques, citado por Mao Tse em ―A Propos de la Contradicti-
on‖. 
 38 
isso que o estudo de um processo natural ou social só é possível se sua ou suas 
contradições estiverem suficientemente desenvolvidas. Assim, não era possível es-
cudar, cientificamente, o capitalismo,

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