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CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA CURSO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS PROF. PAULO EMÍLIO DIREITO PENAL I – AULA IV I. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. Art 5º, XXXIX, CF – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Art 1º do Código Penal – Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. Adotou-se, pois, o princípio do nullum crimen, nulla poena sine praevia legem. A origem histórica do referido princípio guarda sede na Magna Carta do Rei João Sem Terra, em 1215 na Inglaterra. Todavia, a sua efetiva adoção somente veio a ocorrer, de forma efetiva, nos movimentos sociais que antecederam a Revolução Francesa, tendo sido adotado primeiramente pela legislação austríaca, em 1787 e encampado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789. No Brasil, foi adotado por todas as ordens constitucionais. Alguns autores enxergam que o princípio da legalidade abrange o princípio da reserva legal e o princípio da anterioridade da lei penal. A maioria dos autores, todavia, defende que o princípio da legalidade equivale ao princípio da reserva legal. II. PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL O substrato político do princípio da reserva legal é o de garantia individual, liberdade pública clássica. Por tal princípio o crime deve ser definido em lei anterior. Diga-se que lei, neste caso, deve ser entendida como lei ordinária, que é o instrumento usual de definição de crimes e penas. Não se concebe a criação de crimes por meio de edição de medida provisória, pela vedação que é feita no art. 62, §1º, I, b da Constituição Federal.(incluído pela Emenda Constitucional n.º 32/2001). Ademais, a supremacia da lei limita o arbítrio judicial e impede a analogia incriminadora. É de se ver que o aspecto jurídico de tal princípio indica que somente haverá crime quando existir perfeita correspondência entre a conduta praticada e a previsão abstrata veiculada por lei anterior à prática da mesma conduta. II.A) PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL E AS NORMAS PENAIS NÃO INCRIMINADORAS. Flávio Augusto Monteiro de Barros1 entende que o princípio da reserva legal se aplica somente às normas penais incriminadoras, admitindo a existência de causas supralegais de exclusão da antijuricidade, que são criadas pela analogia, pelos costumes e princípios gerais do direito. Concordamos, em tudo, com a posição do referido autor. II.B) PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL, NORMAS PENAIS EM BRANCO E TIPOS PENAIS ABERTOS. Também não se vê malferimento ao princípio da reserva legal a possibilidade de fixação de tipos 1 in “Direito Penal’ Parte Geral, v. 1, p. 55. penais abertos e normas penais em branco, que necessitam de complementação realizada pelo aplicador da lei penal (Juiz) ou por ato administrativo infralegal. Isso porque, como vimos, a lei penal incriminadora deve conter um mínimo de determinação no preceito primário (princípio da taxatividade), podendo delegar a outros órgãos a função de complemento do conteúdo em face da impossibilidade de previsão de todos os casos sob abrangência da lei e, ainda, para evitar a necessidade de transformações constantes no tipo penal. Há, todavia, autores da doutrina penalista estrangeira que combatem a existência de tais normas penais em face ao princípio da reserva legal, vez que defendem que, a se permitir que determinada autoridade, que não o legislador, pudesse dispor acerca do conteúdo de normas penais incriminadoras, estar-se-ia vilipendiando o princípio da reserva legal. III)PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. Do mesmo princípio da legalidade (art. 5º, XXXIX, da CF e Art 1º do CP) decorre o princípio da anterioridade da lei penal. Por tal princípio, temos que a lei que define o crime e comina a pena deve ser anterior à ocorrência do próprio fato. Não haveria garantia de liberdade se o crime pudesse penalizar condutas ocorridas antes do início da vigência da lei penal. O raciocínio anterior deve ser conjugado com o princípio da irretroatividade da lei penal, inserto no inciso LX do art. 5º da Constituição Federal, assim redigido: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Tomada as premissas anteriores, vemos que a lei penal: 1) deve ser anterior ao fato e 2) não pode retroagir, a não ser em benefício do agente. IV) A LEI PENAL NO TEMPO IV.A) NASCIMENTO, EXECUTORIEDADE E OBRIGATORIEDADE DA LEI PENAL. O procedimento legislativo, em nosso sistema constitucional, compreende 3 fases sucessivas: - Fase introdutória – A iniciativa do projeto de lei penal é comum ou concorrente: é deferida a qualquer comissão ou membro (deputado ou senador) do Poder Legislativo Federal (iniciativa parlamentar) ou ao Chefe do Poder Executivo. O Poder Judiciário não tem iniciativa do projeto de lei penal. - Fase constitutiva: discussão e votação em cada uma das Casas do Congresso e, após, veto ou sanção presidencial. - Fase complementar: Presidente da República promulga e publica a lei no Diário Oficial da União. Nem sempre a lei entra em vigor na data de sua publicação. Aliás, caso o texto da lei não indique data para o início de sua vigência, a lei somente começará a vigorar após 45 (quarenta e cinco) dias após a sua publicação (art. 1º da LICC). Nos Estados estrangeiros, quando se admita a aplicação da lei brasileira, a vigência da lei inicia-se após 3 meses de sua publicação. Esse período existente entre a publicação da lei e o início de sua vigência é denominado vacatio legis, ou vacância legal, que é o tempo considerado necessário para o conhecimento da nova lei por todos. Nada impede, todavia, que determinada lei traga em seu texto a disposição (cláusula expressa) de que entra em vigor a partir da data de sua publicação. Da mesma forma, o prazo de 45 (quarenta e cinco) dias pode ser ampliado ou diminuído, desde que haja cláusula expressa nesse sentido. IV.B) REVOGAÇÃO DA LEI PENAL A lei penal (como as demais leis) permanece em vigor até que outra lei a revogue (princípio da continuidade das leis). Uma lei só pode ser revogada por outra lei. A revogação total chama-se ab-rogação e a parcial denomina-se derrogação. Toda lei pode ser revogada. É proibida a edição de leis irrevogáveis, reputando-se não escrito o dispositivo que porventura proibir a revogação, isso porque a função legislativa é irrenunciável. A revogação pode ser expressa, tácita e global. Na primeira, a nova lei faz expressa menção aos artigos de lei anteriores que se revogam; na segunda, a revogação decorre da incompatibilidade da lei nova com a lei anterior. Na terceira, a lei nova regula integralmente a matéria regulada na lei anterior. Há, por outro lado, leis temporárias ou excepcionais, que trazem em seu texto o término de sua vigência, sendo as temporárias aplicáveis por tempo certo e as excepcionais as que se aplicam enquanto durar uma determinada situação excepcional (guerra, por exemplo). Por derradeiro, vale consignar que a lei especial posterior não revoga a lei geral anterior. Somente no caso de a nova lei veicular normas gerais e especiais é que haverá, quanto às normas gerais da lei anterior, o fenômeno da revogação. Assim, percebe-se que entre estes dois limites – entrada em vigor e cessação de sua vigência – situa-se a eficácia. Não alcança, assim, os fatos ocorridos antes ou depois dos dois limites extremos: não retroage nem tem ultra-atividade. É o princípio tempus regit actum”2. Em outras palavras, a lei aplicável à repressão da prática do crime é a lei vigente ao tempo de sua execução. V) PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL. 2 Damásio de Jesus, Direito Penal, 12ª ed, v. 1, p. 61- 62 A LEI PENAL NÃO RETROAGE, SALVO PARA BENEFICIARO INFRATOR. Com residência constitucional, o princípio da irretroatividade da lei penal está albergado no inciso XL, nestes temos: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Antes da Constituição Federal de 1988, o princípio encontrava-se apenas no caput art. 2º do Código Penal, assim redigido: “Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”. O mesmo artigo 2º do Código Penal determina, em seu parágrafo único que “A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença penal condenatória transitada em julgado”. V.A) RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENIGNA. Observado conflito de leis penais no tempo, deve-se, inicialmente, investigar qual se apresenta mais favorável ao infrator. A lei penal anterior, quando favorável ao réu, terá ultra-atividade e prevalecerá, para o caso concreto, mesmo após o início da vigência da lei posterior. O inverso também é verdadeiro, ou seja, se a lei posterior for mais benéfica, retroagirá para alcançar fato cometido antes do início de sua vigência. Exemplo: A_________________B____________ Na vigência da lei A foi praticado um crime com pena de 3 a 6 anos. Se a lei B (posterior) prevê, para o mesmo crime pena de 1 a 3 anos, ela retroagirá para beneficiar o agente, mesmo que o crime tenha sido praticado antes da vigência da lei B. Se ao contrário, a lei B prevê um aumento de pena (pena de 5 a 10 anos) ela não retroagirá. A lei A, por sua vez, será ultra-ativa, aplicando-se na vigência da lei B, para os crimes praticados no período de sua eficácia. Em resumo, vindo a lume lei posterior, a mesma pode ser favorável ou desfavorável ao infrator, em comparação com a lei anterior à sua vigência. Entende-se por lei mais benigna, ou favorável, aquelas que aliviem, de qualquer modo, a situação jurídico- penal do infrator (cominação de penas menores; alteração de regime de cumprimento de pena para um menos severo, adição de causa extintiva da punibilidade, etc.). Se a lei posterior é favorável ou mais benigna, ocorrerá sua retroatividade; se mais grave, não retroagirá aos casos anteriores à sua vigência. V.C) HIPÓTESES DE CONFLITOS DAS LEIS PENAIS NO TEMPO A regra geral é a da atividade da lei penal no período de sua vigência. A extra-atividade é exceção a essa regra, que tem aplicação quando, no conflito intertemporal, se fizer presente uma lei penal mais benéfica.3 As prováveis hipóteses de choques entre a lei anterior e a lei posterior são as seguintes: - Abolitio criminis – ocorre quando a lei nova deixa de considerar crime fato anteriormente tipificado como ilícito penal. Nessa hipótese, a abolitio criminis deve ser considerada situação de lei penal posterior mais favorável que deve atingir, inclusive, fatos 3 De se anotar, todavia, que os crimes permanentes (assim considerados aqueles que têm o seu momento consumativo prolongado no tempo até a cessação da atividade criminosa – como, p. exemplo, a extorsão mediante seqüestro – art. 159, CP) levam à aplicação da lei posterior mais severa, à vista de que houve consumação do crime já durante a sua vigência. Neste sentido a Súmula 711/STF “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”. anteriores definitivamente julgados, mesmo em fase de execução. A abolitio criminis faz desaparecer todos os efeitos penais do ato, permanecendo os civis. Assim, os inquéritos policiais e processos criminais devem ser imediatamente trancados e extintos; se já houve sentença condenatória, cessam imediatamente sua execução e todos os seus efeitos penais. - Novatio legis incriminadora: A novatio legis incriminadora, ao contrário, considera crime fato anteriormente não incriminado. Em tal situação, a novatio legis é irretroativa e não pode ser aplicada aos fatos anteriores à sua vigência. - Novatio legis in pejus – Ocorre quando a lei posterior agrava, de qualquer modo, a situação do sujeito. Como visto, a lei posterior não retroagirá. - Novatio legis in mellius – Ocorre quando a lei posterior, mesmo quando não descriminalizar a conduta (pois seria hipótese de abolitio criminis), dê tratamento mais favorável ao agente. Mesmo que a senteça esteja em execução, prevalece a lex mitior (lei mais benéfica). A doutrina enfrenta, ainda, a questão da lex mitior encontrar-se no período de vacatio legis. E resolve a questão no sentido de que, mesmo que esteja no período de vacância, a lei posterior mais benéfica é lei posterior e, portanto, deve ser aplicada aos casos anteriores (retroatividade). V.C.1) LEIS EXCEPCIONAIS E TEMPORÁRIAS. As leis penais temporárias e as excepcionais são leis que vigem por período predeterminado, pois nascem com a finalidade de regular situações transitórias especiais que, em situação normal, seriam desnecessárias. Leis temporárias são aquelas cuja vigência vem previamente fixada pelo legislador; as leis excepcionais são as que vigem durante situações de emergência, enquanto perdurarem. Nos termos do artigo 3º do CP, as leis temporárias ou excepcionais têm ultra- atividade, ou seja, perduram seus efeitos mesmo após a sua auto- revogação. Assim, a doutrina identifica que são hipóteses que constituem exceções válidas ao princípio da retroatividade da lei posterior mais favorável, uma vez que, ao se admitir o contrário, a lei temporal perderia autoridade na medida em que aproximasse o termo final de sua vigência, sendo portanto de nenhum efeito. V.C.2) LEI INTERMEDIÁRIA E CONJUGAÇÃO DE LEIS. Problema interessante ocorre quando há uma sucessão de leis penais e a mais favorável não é nem a lei da época do fato, nem a última, mas uma intermediária. Apesar de haver um dissenso doutrinário, estamos com os autores4 que entendem que a lei intermediária deve ser aplicada, se benéfica, por ser lei posterior mais benéfica ao agente. Assim, não se poderá aplicar a lei anterior, mais rigorosa, nem a posterior, também mais rigorosa. Assim, como entende Bittencourt5, a lei intermediária terá dupla extra-atividade e será, ao mesmo tempo, retroativa e ultra-ativa. Finalmente, outra abordagem conturbada figura-se na possibilidade de conjugação dos aspectos mais 4 Por todos, vale a lição de Cezar Roberto Bittencourt, abaixo referida. 5 in Tratado de Direito Penal, vol. 1, p. 151 favoráveis da lei anterior e os da lei posterior. A maior parte da doutrina afasta tal possibilidade, com o que estamos de acordo, uma vez que possibilitar a conjugação dos aspectos mais favoráveis da lei anterior e da posterior, pois isso implicaria na criação de uma terceira lei (lex tertia), arvorando-se o juiz em legislador, o que é proibido, pela separação dos poderes do Estado. V.D) RETROATIVIDADE E NORMAS PENAIS EM BRANCO. Como já apontado, as normas penais em branco são as de conteúdo incompleto, que necessitam ser complementadas por outra lei (homogêneas) ou ato administrativo infralegal (heterogêneas). A questão que se põe é se a alteração do complemento da norma é alterado ou suprimido, tal alteração teria o condão de retroagir e, por exemplo, levar à abolitio criminis. Exemplo é o do art. 33 da Lei de Entorpecentes (Lei 11.343/06) que é complementada por Portaria de órgão do Ministério da Saúde (Portaria SVS/MS Nº 344) . A exclusão de substância da lista de entorpecentes deveria retroagir para abolir as condutas criminosas anteriores? A resposta majoritária é no sentido de que não há retroatividade, no caso, uma vez que o preceito primário abstrato continuaria válido e existente, ou seja, a figura jurídica abstrata restaria intocada.Assim, por exemplo, se da portaria do Ministério da Saúde é excluída uma substância entorpecente, continuam apenadas as condutas anteriores, permanecendo os crimes anteriores de tráfico da mesma substância, ainda que o mesmo objeto material não seja hábil a constituir o mesmo crime após a exclusão. V.E) RETROATIVIDADE E LEI PROCESSUAL. A lei processual não se submete ao princípio da irretroatividade, não tendo, pois efeito retroativo ou ultra- ativo. Em matéria processual vige, sempre, o principio do tempus regit actum. Cabe por fim trazer a anotação de normas híbridas, na expressão de Claus Roxin, que vêm a ser as normas que tratam tanto de direito de ordem material quanto de direito de ordem processual.
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