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Você irá ler, a seguir, dois documentos fundamentais para a compreensão das políticas públicas de preservação cultural no Brasil. O primeiro é um trecho de uma carta escrita por Mário de Andrade datada de 1937, durante o período em que o autor estava diretamente envolvido na criação de políticas voltadas à valorização do patrimônio nacional. Nessa carta, Mário expressa sua preocupação com a desigualdade de acesso à cultura no Brasil e defende a atuação do Estado como agente ativo na valorização das expressões culturais populares. O segundo texto corresponde a um trecho do artigo 216 da Constituição Federal de 1988, que define o conceito de patrimônio cultural brasileiro, incluindo tanto bens materiais quanto imateriais, e aponta a diversidade cultural como elemento central da identidade nacional. Texto 1: Carta de Mário de Andrade a Paulo Duarte, de 1937 “Para terminar quero aplaudir sem reservas o trabalho de defesa do nosso patrimônio cultural a que agora você está se dando com tanta atividade. Num país como o nosso, em que a cultura infelizmente ainda não é uma necessidade quotidiana do ser, está se aguçando com violência dolorosa o contraste entre uma pequena elite que realmente se cultiva e um povo abichornado em seu rude corpo. Há que se forçar um maior entendimento mútuo, um maior nivelamento geral da cultura que, sem destruir a elite, a torne mais acessível a todos, e em consequência, lhe dê uma validade verdadeiramente funcional. Está claro, pois, que o nivelamento não poderá consistir em cortar o tope ensolarado das elites, mas em provocar com atividade o erguimento das partes que estão na sombra, pondo-as em condição de receber mais luz. Tarefa que compete aos governos.” (DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Edart, 1971.) Texto 2: Artigo 216 da Constituição Federal de 1988 “Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira [...].” A partir de seu conhecimento sobre a história das políticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil, explique de que maneira a carta de Mário de Andrade antecipa concepções presentes no artigo 216 da Constituição de 1988, especialmente no que se refere ao papel do Estado e ao reconhecimento do patrimônio imaterial como expressão da diversidade cultural A trajetória das políticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil evoluiu por diversas fases, com o objetivo de proteger o patrimônio material e imaterial. Inicialmente, essa preservação buscava construir uma identidade nacional, mas ao longo do tempo, houve uma ampliação dessa visão para garantir o acesso das futuras gerações a esses bens. Na década de 1930, foi criado o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), agora conhecido como IPHAN, que é responsável por essa preservação. A partir do século XX, a política passou a reconhecer também a diversidade cultural e a importância dos bens imateriais, com a Constituição de 1988 assegurando a responsabilidade tanto do Estado quanto da sociedade na sua proteção. Para isso, são necessários processos de inventário, monitoramento, tombamento e desapropriação dos bens culturais, além de iniciativas para sua promoção e valorização, que incluem educação patrimonial e turismo cultural. Contudo, o crescimento urbano e a modernização trazem desafios para essa preservação, exigindo um equilíbrio entre desenvolvimento sustentável e manutenção do patrimônio. A participação da comunidade e a alocação de recursos adequados são fundamentais para garantir a continuidade da valorização e preservação do patrimônio cultural. O artigo 216 da Constituição Federal de 1988 faz parte da Seção II, que trata sobre a Cultura, dentro do Capítulo III, que aborda Educação, Cultura e Esporte. Esse artigo fala especificamente do patrimônio cultural brasileiro, definindo o que o compõe e destacando a responsabilidade do Poder Público em sua promoção e proteção. É na Constituição de 1988 que surge pela primeira vez a ideia de cultura associada ao conceito de patrimônio. O patrimônio abrange todas as relações jurídicas que têm um valor econômico e nas quais o sujeito de direito está envolvido. Nesse contexto, a cultura é vista como um conjunto de bens que possuem um valor econômico específico. O Estado brasileiro desempenha um papel fundamental na proteção e reconhecimento do patrimônio imaterial, que é considerado uma expressão essencial da diversidade cultural e da identidade nacional. A Constituição assegura o acesso à cultura e promove as manifestações culturais, incentivando sua valorização e divulgação. Os bens culturais de natureza imaterial se referem a práticas e aspectos da vida social que se expressam em saberes, ofícios e modos de fazer. Isso inclui celebrações, formas de arte cênica, plástica, musical e lúdica, além de locais como mercados, feiras e santuários que acolhem práticas culturais coletivas. A Constituição Federal de 1988, por meio dos artigos 215 e 216, ampliou a definição de patrimônio cultural ao reconhecer tanto os bens materiais quanto os imateriais. Esses artigos da Constituição afirmam que o patrimônio a ser protegido pelo Estado, em colaboração com a sociedade, deve incluir os bens culturais que representam os diversos grupos que compõem a sociedade brasileira. O patrimônio imaterial é passado de geração para geração que está sempre sendo recriado pelas comunidades e grupos. Isso acontece conforme o ambiente em que vivem, como interagem com a natureza e sua história, o que gera um sentimento de identidade e continuidade. Além disso, ele ajuda a promover o respeito pela diversidade cultural e pela criatividade humana. A UNESCO, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, define patrimônio imaterial como "as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas? Incluindo os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais relacionados? Que comunidades, grupos e, em alguns casos, indivíduos reconhecem como parte fundamental de seu patrimônio cultural." Essa definição está alinhada com a Convenção da Unesco para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, ratificada pelo Brasil em março de 2006. O patrimônio imaterial abrange saberes, práticas, crenças e tradições que são transmitidos de geração em geração e deve ser preservado e reconhecido pelo Estado em parceria com as comunidades. Esse patrimônio consiste em elementos culturais não físicos, como festas, rituais, músicas, danças, lendas e técnicas artesanais.