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INSTITUTO UFC VIRTUAL CURSO DE LETRAS PROFª THAIS LOIOLA AULA 03: CABO VERDE CABO VERDE Período colonial: ausência das consciências negra e nacional. * José Lopes; * Pedro Cardoso; * Eugênio Tavares; * Januário Leite; * João José Nunes; * Mário Pinto. “O marco definitivo da formação da literatura em Cabo Verde se dá com a fundação da revista CLARIDADE (1936- 1960), tendo em seu comando Baltasar Lopes, Manuel Lopes e Jorge Barbosa, poetas e romancistas que consolidaram seus nomes e suas produções à luz da revista.” (PONTES, p. 51-52) CABO VERDE “A revista Claridade pautou-se pela singularização do fenômeno sociocultural das ilhas, e considera=se que o adjetivo caboverdianidade haja sido cunhado naquele momento a fim de afirmar a existência cultural própria, hibridada a partir de arquétipos europeus e modelos literários lusitanos com a singularidade e a vivência específica cultivada nas ilhas.” (BIBLOS, 1995, p. 1159) CABO VERDE Literatura cabo-verdiana: * Anterior a Claridade; * Posterior a Claridade. CABO VERDE “É que a partir de 1930, [...] acontece importante conscientização [...] por parte dos intelectuais cabo-verdianos, que passam a valorizar o regional e o local como valores fundantes do espírito nacional. [...] [Apesar disso,] não se pode desconhecer que em Cabo Verde continuou a ocorrer um caldeamento dos valores africanos com os europeus, havendo ali um caso especial de singularidade e surpreendente fraternidade rácica. Em Cabo Verde o sentimento de cor é bastante diluído e este fato social se manifesta nas páginas da moderna literatura, na qual as personagens não se distinguem pela cor da pele.” (PONTES, p. 52-53) CABO VERDE CABO VERDE A SERENATA Vestida de gemidos de bordão, Lancinâncias de violino, Na noite parada Vem descendo a seresta. Sumiu-se a cidade barulhenta Inimiga das crianças e dos poetas. Uma voz canta sentimentalmente um samba. [...] Os cavaquinhos desmaiam de puro sentimento, A cidade morreu lá longe, E a lua vem surgindo cor de prata. [...] O meio tom brasileiro deixa interrogativamente a sua nostalgia. [...] Passa a serenata. Mas no coração dos que temem a primeira luz do dia que vai chegar Ficam os gemidos do violão e do cavaquinho, Vozes crioulas neste noturno brasileiro De Cabo Verde. (Baltasar Lopes) CABO VERDE PECADO ORIGINAL Passo pelos dias E deixo-os negros Mais negros Do que a noite brumosa. Olho para as coisas E torno-as velhas Tão velhas A cair de carunchos. Só charcos imundos Atesta no solo As pegadas do meu pisar E fica sempre rubro vermelho Todo o rio por onde me lavo. E não poder fugir Não poder fugir nunca A este destino De dinamitar rochas Dentro do peito. (Corsino Fortes) AULA 04: GUINÉ-BISSAU GUINÉ-BISSAU “Durante algum tempo, tornou-se frequente falar do vazio literário guineense. De fato, se comparada a outras literaturas africanas de língua portuguesa, a literatura guinense é tardia e escassa. Contudo, tal surgimento tardio [...] não justificam o apodo [que lhe dão] de inexistente.” (MATA, 1995, p. 356) GUINÉ-BISSAU A BOLAMA Cingido pela sombra do mangueiro esqueci o mundo Sentei o corpo na relva, olhando o mar Um pescador deitou a rede Três canoas cortaram o horizonte O sol esmorecia Como soprado pela brisa ouvi um merengue Adormeci... (e eu que sentia o pesadelo de viver) (Carlos Semedo) GUINÉ-BISSAU REGRESSO Mamãe Velha, venha ouvir comigo o bater da chuva lá do seu portão. E um bater de amigo Que vibra dentro do meu coração. A chuva amiga, Mamãe Velha, a chuva, Que há tanto tempo não batia assim... Ouvi dizer que a Cidade-Velha - A ilha toda – Em poucos dias já virou jardim... Dizem que o campo se cobriu de verde, Da cor mais bela, porque é a cor da esp’rança. Que a terra, agora, é mesmo Cabo Verde. - É a tempestade que virou bonança... Venha comigo, Mamãe Velha, venha, Recobre a força e chegue-se ao portão. A chuva amiga já falou mantenha E bate dentro do meu coração! (Amílcar Cabral) AULA 05: MOÇAMBIQUE MOÇAMBIQUE NAS ÁGUAS DO TEMPO Meu Avô, nesses disa, me levava rio abaixo, enfilado em seu pequeno concho. Ele remava, devagaroso, somente raspando o remo na correnteza. O barquito cabecinhava, onda cá, onda lá, parecendo ir mais sozinho que um tronco desabandonado. – Mas vocês vão aonde? Era a aflição de minha mãe. O velho sorria. Os dentes, nele, eram um artigo indefinido. Vovô era dos que se calam por saber e conversam mesmo sem nada falarem. – Voltamos antes de um agorinha, respondia. Nem eu sabia o que ele perseguia. Peixe não era. Porque a rede ficava amolecendo o assento. Garantido era que, chegada a incerta hora, o dia já crepusculando, ele me segurava a mão e me puxava para a margem. A maneira como me apertava era a de um cego desbengalado. No entanto, era ele quem me conduzia, um passo à frente de mim. Eu me admirava da sua magreza direita, todo ele musculíneo. O avô era um homem em flagrante infância, sempre arrebatado pela novidade de viver. [...] De repente, meu avô se erguia no concho. Com o balanço quase o barco nos deitava fora. O velho, excitado, acenava. Tirava seu pano vermelho e agitava-o com decisão. A quem acenava ele? Talvez a ninguém. Nunca, nem por um instante, vislumbrei por ali alma deste ou de outro mundo. Mas o avô acenava seu pano. – Você não vê lá, na margem? Por trás do cacimbo? Eu não via. Mas ele insistia, desabotoando os nervos. – Não é lá. É láááá. Não vê o pano branco a dançar-se? Para mim havia era a completa neblina e os receáveis aléns, onde o horizonte se perde. Meu velho, depois, perdia a miragem e se recolhia, encolhido no seu silêncio. E regressávamos, viajando sem companhia de palavra. [...] Certa vez, no lago proibido, eu e vovô aguardávamos o habitual surgimento dos ditos panos. Estávamos na margem onde os verdes se encaniçam, aflautinados. Dizem: o primeiro homem nasceu de uma dessas canas. O primeiro homem? Para mim não podia haver homem mais antigo que meu avô. Acontece que, dessa vez, me apeteceu espreitar os pântanos. Queria subir à margem, colocar pé em terra não firme. – Nunca! Não faça isso! O ar dele era de maiores gravidades. Eu jamais assistira a um semblante tão bravio em meu velho. Desculpe-me: que estava descendo do barco mas era só um pedacito de tempo. Mas ele ripostou: – Neste lugar, não há pedacitos. Todo o tempo, a partir daqui, são eternidades. Eu tinha um pé meio-fora do barco, procurando o fundo lodoso da margem. Decidi me equilibrar, busquei chão para assentar o pé. Sucedeu-me então que não encontrei nenhum fundo, minha perna descia engolida pelo abismo. O velho acorreu-me e me puxou. Mas a força que me sugava era maior que o nosso esforço. Com a agitação, o barco virou e fomos dar com as costas posteriores na água. Ficamos assim, lutando dentro do lado, agarrados às abas da canoa. De repente, meu avô retirou o seu pano do barco e começou a agitá-lo sobre a cabeça. – Cumprimenta também, você! [...] Nessa noite, ele me explicou suas escondidas razões. Meus ouvidos arregalavam para lhe decifrar a voz rouca. Nem tudo entendi. No mais ou menos, ele falou assim: – Nós temos olhos que se abrem para dentro, esses que usamos para ver os sonhos. O que acontece, meu filho, é que quase todos estão cegos,deixaram de ver esses outros que nos visitam. Os outros? Sim, esses que nos acenam da outra margem. E assim lhes causamos uma total tristeza. Eu levo-lhe lá nos pântanos para que você aprenda a ver. Não posso ser o último a ser visitado pelos panos. – Me entende? Menti que sim. Na tarde seguinte, o avô me levou uma vez mais ao lago. Chegados à beira do poente ele ficou a espreitar. Mas o tempo passou em desabitual demora. O avô se inquietava, erguido na proa do barco, palma da mão apurando as vistas. Do outro lado, havia menos que ninguém. Desta vez, também o avô não via mais que a enevoada solidão dos pântanos. De súbito, ele interrompeu o nada: – Fique aqui! E saltou para a margem, me roubando o peito no susto. O avô pisava os interditos territórios? Sim, frente ao meu espanto, ele seguia um passo sabido. A canoa ficou balançando, em desequilibrismo com meu peso ímpar. Presenciei o velho a alonjar-se com a discrição de uma nuvem. Até que, entre a neblina, ele se declinou em sonho, na margem da miragem. Fiquei ali, com muito espanto, tremendo de um frio arrepioso. Pela primeira vez, eu coincidia com meu avô na visão do pano. Enquanto ainda me duvidava foi surgindo, mesmo ao lado da aparição, o aceno do pano vermelho do meu avô. Fiquei indeciso, barafundido. Então, lentamente, tirei a camisa e agitei-a nos ares. E vi: o vermelho do pano dele se branqueando, em desmaio de cor. Meus olhos e neblinaram até que se poentaram as visões. Enquanto remava um demorado regresso, me vinham à lembrança as velhas palavras de meu avô: a água e o tempo são irmãos gêmeos, nascidos do mesmo ventre. E eu acabava de descobrir em um rio que não haveria nunca de morrer. A esse rio volto agora a conduzir meu filho, lhe ensinando a vislumbrar os brancos panos da outra margem. (Mia Couto) AULA 06: SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE “– Que fizeste do meu povo? – Que respondeis? – Onde está o meu povo?” (Alda Espírito Santo)
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