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Indaial – 2020 Formas Democráticas De ParticiPação social e a meDiação Familiar, escolar e comunitária Prof.ª Cláudia Deitos Giongo Prof.ª Ângela Martins Rorato 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2020 Elaboração: Prof.ª Cláudia Deitos Giongo Prof.ª Ângela Martins Rorato Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: G496f Giongo, Cláudia Deitos Formas democráticas de participação social e a mediação familiar, escolar e comunitária. / Cláudia Deitos Giongo; Ângela Martins Rorato. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 222 p.; il. ISBN 978-85-515-0426-0 1. Direito. - Brasil. 2. Legislação. – Brasil. 3. Família. – Brasil. I. Rorato, Ângela Martins. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 340 III aPresentação Caro acadêmico, pronto para apreensão de novos conhecimentos? Esperamos que sim. Antes de iniciarmos os estudos da Disciplina Formas Democráticas de Participação Social e a Mediação Familiar, Escolar e Comunitária apresentamos um breve currículo das professoras autoras deste livro didático. A prof.ª Cláudia Deitos Giongo é mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2000). Possui graduação em Serviço Social pela Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1984). Atua como professora universitária desde 1989 em diferentes instituições de ensino tanto na graduação, quanto pós-graduação. No momento, atua como professora e supervisora no DOMUS – Centro de terapia individual, casal e família – parceria com a Faculdade Mário Quintana. É coordenadora do Curso de Pós-Graduação Trabalho Social com Famílias e Comunidades. Atua como uma das coordenadoras do Curso de Extensão em Mediação com parceria da Defensoria Pública de Porto Alegre. É responsável técnica pelo Programa DOMUS/SUAS. Atua como Mediadora Judicial e Extrajudicial. Presta serviços de assessoria e capacitação a Prefeituras nas áreas de Gestão do SUAS, Modelo Assistencial e Gestão do Trabalho. Tem experiência em ensino, pesquisa, extensão universitária e consultoria nas áreas de política de assistência social, família, mediação e redes sociais. A professora e mediadora de conflitos Ângela Martins Rorato, é especialista em educação, formada em Estudos Sociais (UNIFRA – 1989), atua como professora em cursos de pós-graduação, em capacitação de mediadores de conflitos e facilitadores de círculos de construção de paz para profissionais das mais variadas áreas. Presta consultoria na área de comunicação para diversas empresas e órgãos públicos. Atua como formadora e supervisora do Curso de Extensão em Mediação em parceria com a defensoria Pública de Porto Alegre. Atualmente, é consultora e assessora de coordenação do Projeto de Implantação e Consolidação de Práticas Restaurativas na Socioeducação. Palestrante na área de comunicação com foco em Comunicação não violenta, capacitada pelo NY Center for Nonviolent Communication. Possui certificação internacional em mediação de conflitos pelo ICFML e pelo IMAP. Iniciaremos os estudos da disciplina apresentando, na Unidade 1, a confluência de temas como participação, conflitos e comunicação. O Tópico 1 direciona o estudo para o tema participação social, buscando apresentar discussões conceituais e perspectiva histórica sobre como a população brasileira tem operado em termos de participação, considerando marcos IV legais que impulsionam para isto, mesmo que correlações de forças, instituídas no país, possam representar resistências. O tema cidadania e autonomia estão correlacionados à ideia de participação da população em uma comunidade política, o que gera comprometimento autônomo e pertencimento social. O conteúdo apresenta discussões sobre a importância da internalização de normas partilhadas, para que diferenças podem ser superadas por meio de discussões públicas na ideia de bem comum. Disso advém a importância do Tópico 2, que discorre acerca de entendimentos sobre a relação entre conflito e comunicação assertiva. Apresenta a Moderna Teoria de Conflitos, que propõe superar ideias pré-concebidas de entendimento do conflito como algo a ser evitado. Neste mesmo tópico, é apresentada a teoria da Comunicação Humana e a importância da comunicação não violenta. A discussão perpassa a ideia da dificuldade em estabelecer processos comunicacionais, com compreensão genuína sobre o que é dito, mesmo em um mundo cujos meios de comunicação expandiram as fronteiras de forma inimaginável. A Unidade 2 apresenta a Justiça Multiportas e suas especificidades como uma das formas encontradas de resolução dos conflitos, com o objetivo de oferecer possibilidades de conhecimento e análise para a busca de soluções mais adequadas, em um tempo histórico de excessiva litigiosidade e inseguranças jurídicas. No Tópico 1, o conteúdo apresenta, conceituação, legislação e defesa e dados que defendem a importância do entendimento da Justiça Multiportas no atual momento do país. No Tópico 2, são apresentados os Meios Heterocompositivos com seus dois caminhos de solução de conflitos: a Jurisdição e a Arbitragem. O texto ressalta a importância do reconhecimento, semelhanças e diferenças entre eles e do entendimento que a resposta da escolha se materializa através de sentença ou de laudo arbitral. Já no Tópico 3, é apresentado informações sobre meios adequados para superação da cultura litigiosa e dados sobre os esforços, empreendidos em diferentes contextos, para que possa ser reconhecida a importância das pessoas em situação de conflito se reconhecer protagonistas na identificação de interesses e nos esforços para o seu alcance. O tópico oferece conteúdo sobre a Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça e o Código de Processo Civil de 2015 por representarem um marco no direito brasileiro por viabilizar a construção de um processo civil e sistema de justiça multiportas, bem como apresenta dados sobre Negociação, Conciliação e Mediação. A Unidade 3 apresenta dados sobre contextos para utilização da mediação como meio para resolução adequada de conflitos. O Tópico 1 se ocupa com a Mediação Familiar, oferecendo a oportunidade de entendimentos sobre a dinâmica relacional da família que podem indicar a necessidade da utilização da Mediação Familiar como método para a superação de conflitos. Os Tópicos 2 e 3 se dedicam a apresentar dados V Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenhode Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA sobre o espaço escolar e o espaço comunitário como espaços onde conflitos emergem cotidianamente, mas que podem ser espaços geradores de soluções. Desta forma, apresenta a Mediação Escolar e a Mediação Comunitária como espaço de construção de agentes para a solução de conflitos e fortalecimento de espaços de participação social. prof.ª Cláudia Deitos Giongo prof.ª Ângela Martins Rorato VI VII Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer teu conhecimento, construímos, além do livro que está em tuas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela terás contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar teu crescimento. Acesse o QR Code, que te levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para teu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nessa caminhada! LEMBRETE VIII IX UNIDADE 1 – PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS ..........................................1 TÓPICO 1 – CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, SOCIAL E POPULAR ...........................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................3 2 SOMOS TODOS LIVRES E IGUAIS... SERÁ? .....................................................................................3 3 DIREITOS POLÍTICOS, SOCIAIS E CIVIS ........................................................................................5 4 CIDADANIA NA ATUALIDADE: CIDADANIA FORMAL X CIDADANIA REAL ...................7 5 MOVIMENTOS SOCIAIS NA ATUALIDADE ...............................................................................10 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................12 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................13 TÓPICO 2 – OS GRAUS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA .................................................................15 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................15 2 OS DIREITOS HUMANOS NA CONSULTA PÚBLICA ................................................................15 3 OS GRAUS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA ......................................................................................17 4 COMO INCENTIVAR A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA .....................................................................20 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................24 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................25 TÓPICO 3 – SENSIBILIZAR PARA A DEMOCRACIA E A PARTICIPAÇÃO ..............................27 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................27 2 EDUCAÇÃO: AUTONOMIA E EMANCIPAÇÃO DOS SUJEITOS ..............................................27 3 AMBIENTES EDUCATIVOS DEMOCRÁTICOS ...........................................................................32 4 REPENSANDO OS AMBIENTES EDUCATIVOS ..........................................................................35 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................40 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................41 TÓPICO 4 – OS MOVIMENTOS SOCIAIS ........................................................................................43 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................43 2 A FORMAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS .............................................................................43 3 O MOVIMENTO SOCIAL TRADICIONAL E OS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS ..........46 4 MOVIMENTOS SOCIAIS, ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS ..................................................48 RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................52 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................53 TÓPICO 5 – TRAJETÓRIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL ....................................55 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................55 2 MOVIMENTOS SOCIAIS E POPULARES ......................................................................................55 3 PARTICIPAÇÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO POPULAR E MOVIMENTOS SOCIAIS ...................59 4 HISTÓRICO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL ..........................................................62 RESUMO DO TÓPICO 5........................................................................................................................68 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................69 sumário X TÓPICO 6 – CIDADANIA E MOVIMENTOS SOCIAIS..................................................................71 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................71 2 MOVIMENTOS SOCIAIS ...................................................................................................................72 3 PRIVAÇÃO RELATIVA ........................................................................................................................74 4 MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS ........................................................................................................75 5 O SEXO E OS MOVIMENTOS SOCIAIS ........................................................................................76 6 NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS ..................................................................................................77 7 TEORIAS DE MUDANÇAS SOCIAIS ...............................................................................................78 8 TEORIA EVOLUCIONISTA ...............................................................................................................79 9 TEORIA FUNCIONALISTA ...............................................................................................................80 10 TEORIA DO CONFLITO ...................................................................................................................81 11 MUDANÇAS SOCIAIS MUNDIAIS ...............................................................................................82 12 RESISTÊNCIA ÀS MUDANÇAS SOCIAIS ..................................................................................84 13 FATORES ECONÔMICOS E CULTURAIS .....................................................................................84 14 RESISTÊNCIA À TECNOLOGIA .....................................................................................................86 15 A TECNOLOGIA E O FUTURO ........................................................................................................88 15.1 INFORMÁTICA ..............................................................................................................................88 RESUMO DO TÓPICO 6........................................................................................................................89 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................90TÓPICO 7 – MOVIMENTOS SOCIAIS E DIREITOS HUMANOS ...............................................91 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................91 2 ESTADO, SOCIEDADE E DIREITOS HUMANOS .........................................................................91 2.1 ESTADO ............................................................................................................................................91 2.2 SOCIEDADE .....................................................................................................................................92 2.3 DIREITOS HUMANOS ...................................................................................................................94 3 HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL .......................................96 4 MOVIMENTOS SOCIAIS EM DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS......................................99 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................102 RESUMO DO TÓPICO 7......................................................................................................................105 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................106 UNIDADE 2 – OS MEIOS QUE COMPÕEM O SISTEMA DE JUSTIÇA MULTIPORTAS ....107 TÓPICO 1 – JUSTIÇA MULTIPORTAS ............................................................................................109 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................109 2 DEFINIÇÕES PRELIMINARES .......................................................................................................109 3 COMPREENSÃO HISTÓRICA .......................................................................................................110 4 LEGISLAÇÃO RELACIONADA .....................................................................................................112 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................116 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................117 TÓPICO 2 – MEIOS HETEROCOMPOSITIVOS ...........................................................................119 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................119 2 JURISDIÇÃO .......................................................................................................................................119 3 ARBITRAGEM – CONCEPÇÃO HISTÓRICA .............................................................................122 4 DEFINIÇÕES PRELIMINARES .......................................................................................................122 5 PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTO ................................................................................................123 6 ARBITRO ..............................................................................................................................................124 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................125 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................126 XI TÓPICO 3 – MEIOS AUTOCOMPOSITIVOS ................................................................................129 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................129 2 LEGISLAÇÃO RELACIONADA .....................................................................................................130 2.1 RESOLUÇÃO 125/2010 CNJ .........................................................................................................130 2.2 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 2015 .........................................................................................131 3 NEGOCIAÇÃO ..................................................................................................................................131 3.1 DEFINIÇÕES PRELIMINARES ...................................................................................................132 3.2 PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTOS ............................................................................................134 3.3 FASES DA NEGOCIAÇÃO .........................................................................................................136 3.4 O NEGOCIADOR ..........................................................................................................................137 4 CONCILIAÇÃO ..................................................................................................................................137 4.1 DEFINIÇÕES PRELIMINARES ...................................................................................................138 4.2 PROCEDIMENTO .........................................................................................................................139 4.3 TÉCNICAS .....................................................................................................................................141 5 MEDIAÇÃO .........................................................................................................................................144 5.1 DEFINIÇÕES PRELIMINARES ...................................................................................................144 5.2 A PESSOA DO MEDIADOR ........................................................................................................145 5.3 FUNÇÕES DO MEDIADOR ........................................................................................................147 5.4 REGRAS E PRINCÍPIOS DA MEDIAÇÃO ................................................................................147 5.5 ESCOLAS OU MODELOS DA MEDIAÇÃO .............................................................................148 5.6 PROCEDIMENTOS .......................................................................................................................149 5.7 TÉCNICAS PARA A CONDUÇÃO DE UMA MEDIAÇÃO ..................................................150 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................153 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................156 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................157 UNIDADE 3 – PROCESSOS DE MEDIAÇÃO: MEDIAÇÃO FAMILIAR, ESCOLAR E COMUNITÁRIA ......................................................................................................159 TÓPICO 1 – MEDIAÇÃO FAMÍLIAR ..............................................................................................161 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................161 2 PERSPECTIVA HISTÓRICA DA MEDIAÇÃO FAMILIAR ......................................................161 3 FAMÍLIAS E FAMÍLIAS CONTEMPORÂNEAS .........................................................................163 3.1 DINÂMICA RELACIONAL DA FAMÍLIA ...............................................................................165 4 DIVÓRCIO E SUAS FASES ..............................................................................................................168 5 TEMAS PARA MEDIAÇÃO .............................................................................................................1695.1 DIVÓRCIO ......................................................................................................................................170 5.2 GUARDA E PARENTALIDADE FUTURA DOS FILHOS .......................................................170 5.3 PENSÃO ALIMENTÍCIA DOS FILHOS, TAMBÉM CHAMADA DE ALIMENTOS AOS FILHOS ...................................................................................................................................171 5.4 CUIDADO DE IDOSOS/DOENTES ...........................................................................................172 5.5 RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE ..............................................................................172 6 ÂMBITO DE ATUAÇÃO DA MEDIÇÃO FAMILIAR ................................................................173 7 PARTICULARIDADES DA MEDIAÇÃO FAMILIAR ...............................................................173 8 TÉCNICAS DE MEDIAÇÃO FAMILIAR ......................................................................................175 9 MEDIABILIDADE ..............................................................................................................................176 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................178 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................179 TÓPICO 2 – MEDIAÇÃO ESCOLAR ...............................................................................................181 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................181 2 ESPACO ESCOLAR ............................................................................................................................181 3 CONFLITOS NO AMBIENTE ESCOLAR .....................................................................................183 4 DIMENSÕES E FINALIDADES DA MEDIAÇÃO ESCOLAR .................................................184 XII 4.1 TÉCNICA DE INTERVENÇÃO NA GESTÃO E RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS ..........186 4.2 METODOLOGIA DE DESENVOLVIMENTO PESSOAL E SOCIAL .....................................187 4.3 ESTRATÉGIA INTEGRADA DE PREVENÇÃO ......................................................................188 5 A ESTRUTURA DE UM PROJETO DE MEDIAÇÃO ESCOLAR ............................................189 5.1 DIAGNÓSTICO – LEVANTAMENTO DE DADOS .................................................................189 5.2 PLANO DE AÇÃO ........................................................................................................................190 5.3 SENSIBILIZAÇÃO .........................................................................................................................190 5.4 FORMAÇÃO: CAPACITAÇÃO TEÓRICA E PRÁTICA .........................................................190 5.5 INSTITUCIONALIZAÇÃO ..........................................................................................................191 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................193 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................194 TÓPICO 3 – MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA ...................................................................................195 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................195 2 RELAÇÕES DE PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS ......195 3 PERSPECTIVA CONCEITUAL ........................................................................................................197 4 BREVE HISTÓRICO DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA ........................................................197 5 CARACTERÍSTICAS DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA .......................................................199 6 FUNÇÕES DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA ............................................................................200 7 FASES DA MEDIAÇÃO COMUNITÁRIA ...................................................................................202 8 O PAPEL DO MEDIADOR COMUNITÁRIO .............................................................................202 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................204 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................207 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................208 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................209 1 UNIDADE 1 PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • compreender o significado de participação social, cidadania e autonomia na sociedade brasileira em uma perspectiva histórica; • compreender a relação entre participação, cidadania, autonomia e relações de conflito; • identificar e reconhecer conceitos relacionados à comunicação e comunicação não violenta; • reconhecer a importância da comunicação humana no tratamento positivo do conflito; • identificar as questões relacionadas à cidadania em suas variadas formas de participação; • reconhecer como se dão os processos de participação no âmbito político, social e popular; • analisar as evoluções históricas dos movimentos sociais na contempora- neidade; • entender a representatividade do conceito de direitos humanos nas con- sultas públicas; • identificar os distintos graus de participação pública; • compreender as formas para incentivar a participação pública nas con- sultas; • relacionar a prática educadora com os conceitos de autonomia e de eman- cipação dos sujeitos; • identificar os diversos ambientes educativos como espaços democráticos que possibilitam uma troca de saberes e um mútuo enriquecimento; • repensar a organização dos ambientes educativos para o favorecimento da coletividade, da democracia e da participação; • descrever a mobilização social em torno de um problema social específico na formação dos movimentos sociais; • identificar as demandas sociais de um movimento social tradicional e dos novos movimentos sociais; • relacionar movimentos sociais, Estado e políticas públicas; • definir movimentos sociais populares; • relacionar participação social, educação popular e movimentos sociais; • reconhecer a trajetória dos movimentos sociais no Brasil; • explicar a importância dos movimentos sociais em nossa sociedade; • reconhecer a dimensão do conceito de democracia nas sociedades atuais; • identificar os motivos que fizeram surgir os movimentos negros, sindicais, socialistas, educacionais e liberais; • descrever Estado, sociedade e Direitos Humanos; • reconhecer a história e a evolução dos Direitos Humanos no Brasil; • discutir sobre o papel dos movimentos sociais em defesa dos Direitos Hu- manos. 2 Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA PLANO DE ESTUDOS Esta unidade está dividida em sete tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, SOCIAL E POPULAR TÓPICO 2 – OS GRAUS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA TÓPICO 3 – SENSIBILIZAR PARA A DEMOCRACIA E A PARTICIPAÇÃO TÓPICO 4 – OS MOVIMENTOS SOCIAIS TÓPICO 5 – TRAJETÓRIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL TÓPICO 6 – CIDADANIA E MOVIMENTOS SOCIAIS TÓPICO 7 – MOVIMENTOSSOCIAIS E DIREITOS HUMANOS 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, SOCIAL E POPULAR 1 INTRODUÇÃO Direitos, cidadania, participação popular e movimentos sociais se tornaram temas frequentes nos pronunciamentos de governantes, políticos de diferentes partidos, empresários brasileiros ou estrangeiros, estudantes, trabalhadores e membros das camadas da sociedade que enfrentam as piores condições de vida. Qual o significado de tais temas para indivíduos pertencentes a grupos tão distintos? A cidadania está relacionada ao surgimento do Estado moderno e à expectativa de que este garanta aos cidadãos a conquista, manutenção e ampliação dos direitos sociais por meio da ação dos indivíduos e de grupos que lutam por uma sociedade mais justa e igualitária. 2 SOMOS TODOS LIVRES E IGUAIS... SERÁ? Ao longo dos séculos, muitos foram os pensadores que afirmaram a ideia de que os seres humanos nascem livres e iguais e têm garantidos determinados direitos inalienáveis. Vejamos os mais expressivos. O pensador inglês Thomas Hobbes (1588-1679), em seu livro Leviatã, afirma que os seres humanos são naturalmente iguais e, devido ao excesso de liberdade, lutam uns com os outros em defesa de seus interesses individuais, sendo assim necessário um acordo (o qual ele denominava de contrato) entre as pessoas. Ainda de acordo com o autor, para evitar a autodestruição, todos os membros da sociedade devem renunciar à liberdade e dar ao Estado o direito de agir em seu nome limitando os excessos. Ainda seguindo uma linha contratualista, temos o pensador inglês Jonh Locke (1632-1704), que afirma em sua obra Dois tratados sobre o governo, que apenas os homens livres e iguais podem fazer um pacto com o objetivo de estabelecer uma sociedade política. Vale ressaltar que esses homens livres e iguais eram apenas os que tinham alguma propriedade a zelar. Já para o pensador francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), no livro Contrato social, publicado em 1762, a igualdade só faz sentido se for baseada na liberdade. Segundo suas afirmações, a igualdade só pode ser jurídica: “todos devem ser iguais perante a lei”. UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS 4 Contratualismo é um conjunto de correntes filosóficas que tenta explicar a origem e a importância da construção das sociedades e das ordens sociais para o ser humano. De um modo geral, o contrato social ou contratualismo consiste na ideia de um acordo firmado entre os diferentes membros de uma sociedade, que se unem com o intuito de obter as vantagens garantidas a partir da ordem social. DICAS Vimos o cenário de final do século XVIII na Europa, onde as diferenças entre camadas sociais eram evidentes e ao se propor a igualdade de todos perante a lei, criava-se um direito igual para desiguais, ou seja, as pessoas não eram iguais porque nasciam livres e iguais, e sim porque tinham os mesmos direitos perante a lei, feita por quem dominava a sociedade. Será que algo mudou até o século XXI? Continuemos com o nosso dètour desse breve contexto histórico! Colocando o trabalhador como membro de uma classe e não como cidadão, temos o pensador Karl Marx (1818-1883), afirmando que uma concepção de cidadania/cidadão corresponderia a uma representação burguesa do indivíduo. Sua ideia de democracia está baseada no critério de igualdade social, que só poderia se tornar realidade através de uma revolução. Em seus escritos diferencia a emancipação política da emancipação humana, destacando que apenas no século XIX é que se reconheceu a ideia de direitos humanos, uma conquista dos trabalhadores em contraponto às tradições históricas vigentes até então. Apresentando cidadania vinculada à ideia de coesão social estabelecida com base na solidariedade orgânica, temos o pensador Émile Durkheim (1858- 1917), afirmando que quando o indivíduo desempenha diferentes funções sociais, este faz parte de uma sociedade que se apresenta como um organismo estruturado. Cabe ao cidadão cumprir suas obrigações e desenvolver uma prática social que vise a maior integração possível, pois ao participar da solidariedade social, levando em conta as leis e a moral vigente em uma sociedade, o indivíduo desenvolve plenamente sua cidadania. Valendo-me das palavras de Marshall (1967), a cidadania é um status con- cedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações perti- nentes. Não há nenhum princípio universal que determine o que estes direitos e obrigações serão, mas as sociedades nas quais a cidadania é uma instituição em desenvolvimento criam uma imagem de uma cidadania ideal em relação a qual o sucesso pode ser medido e em relação a qual aspiração pode ser dirigida. Há que se ressaltar que a classe social, por outro lado, é um sistema de desigualdade. E como a cidadania, pode estar baseada num conjunto de ideais, crenças e valores. É, portanto, compreensível que se espere que o impacto da cidadania sobre a classe social tomasse a forma de um conflito entre princípios opostos. TÓPICO 1 | CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, SOCIAL E POPULAR 5 Esse breve détour nos permite afirmar que a cidadania tem sido uma ins- tituição em desenvolvimento ao longo dos tempos. Desde a segunda metade do século XVII, tal fato coincide com o desenvolvimento do capitalismo, que é um sistema desigual. Como é possível que tais princípios opostos possam crescer e florescer, lado a lado, em um mesmo lugar, cidade ou país? A questão é pertinente, pois não há dúvida de que, no século XX, a cidadania e o sistema de classe capitalista estão em guerra (MARSHALL, 1967). O contexto histórico analisado por Marshall (1967), da relação entre cidadania e diretos, teve início na década de 1960, o que será que mudou até o século XXI? 3 DIREITOS POLÍTICOS, SOCIAIS E CIVIS Em seu livro Cidadania, classe social e status, Marshall (1967) deixa claro que o conceito de cidadania só começa a aparecer nos séculos XVII e XVIII, apresentando, de forma sutil, algumas formulações dos chamados direitos civis. Na época em que escreve, suas preocupações estavam voltadas para a garantia da liberdade religiosa e de pensamento, o direito de ir e vir, o direito à propriedade, a liberdade contratual, a escolha do trabalho, e, finalmente, a justiça, que devia salvaguardar todos os direitos citados anteriormente. Ainda nessa época, não significava que os direitos civis eram de fácil acesso a todas as pessoas, o cidadão que gozava de seus direitos era o indivíduo proprietário de terras, o que demostra uma cidadania ainda restrita. E os direitos políticos? Estes estão relacionados ao Estado democrático representativo e envolvem os direitos eleitorais (a possibilidade de eleger representantes e ser eleito). Inobstante os desdobramentos dos direitos civis, os direitos políticos começaram a ser reivindicados por movimentos populares já no século XVIII, mas, na maioria dos países, só se efetivou no século XX, com a extensão do direito ao voto às mulheres. Assim, podemos afirmar que os diretos políticos são, para o cidadão, o reconhecimento da lei quanto a sua capacidade de participação na formação do governo e na tomada de decisões estatais. Se de um lado a Constituição possibilita ao cidadão a participação na vida pública estatal; do outro prevê normas que impedem o cidadão de exercer seus direitos políticos, estamos falando, respectivamente, dos direitos políticos positivos e negativos (Figura 1). UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS 6 FIGURA 1 – CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS FONTE: Adaptado de Marshall (1967) E vamos chegando ao século XX dando vez aos direitos sociais, o que possibilita aos indivíduos direito à educação básica e à assistência à saúde, bem como a programas habitacionais, transporte coletivo, programas de lazer, sistema previdenciário, acesso ao sistema judiciário, entre outros. Assentados nos princípios da igualdade,os direitos civis, políticos e sociais não podem ser considerados universais devido às variações existentes em cada Estado e em determinada época. Vale aqui lembrar a diversidade de sociedades que se estruturam de modo diferente e nas quais os valores, regras e costumes diferem daqueles que predominam no ocidente. Inobstante toda essa diferença, os países integrantes dos organismos mundiais que se propõem a defender os direitos humanos devem assumir responsabilidade e assegurar esses direitos a todos os seus cidadãos. TÓPICO 1 | CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, SOCIAL E POPULAR 7 4 CIDADANIA NA ATUALIDADE: CIDADANIA FORMAL X CIDADANIA REAL Agora você já sabe que cidadania é o exercício dos direitos e deveres civis, políticos e sociais estabelecidos na Constituição de um país. Também podemos defini-la como a condição do cidadão, indivíduo que vive de acordo com um conjunto de estatutos pertencentes a uma comunidade politicamente e socialmente articulada. Uma boa cidadania implica que os direitos e deveres estão interligados, e o respeito e cumprimento de ambos contribuem para uma sociedade mais equilibrada e justa. Entre alguns dos principais deveres e direitos dos cidadãos podemos citar: Deveres do cidadão • Votar para escolher os governantes. • Cumprir as leis. • Educar e proteger seus semelhantes. • Proteger a natureza. • Proteger o patrimônio público e social do país. Direitos do cidadão • Direito à saúde, educação, moradia, trabalho, previdência social, lazer, entre outros. • O cidadão é livre para escrever e dizer o que pensa, mas precisa assinar o que disse e escreveu. • Todos são respeitados na sua fé, no seu pensamento e na sua ação na sociedade. • O cidadão é livre para praticar qualquer trabalho, ofício ou profissão, mas a lei pode pedir estudo e diploma para isso. • Só o autor de uma obra tem o direito de usá-la, publicá-la e tirar cópia, e esse direito passa para os seus herdeiros. • Os bens de uma pessoa, quando ela morrer, passam para seus herdeiros. • Em tempo de paz, qualquer pessoa pode ir de uma cidade para outra, ficar ou sair do país, obedecendo a lei feita para isso. Gerado a partir de lutas que ocorreram para estruturar os direitos universais do cidadão, desde o século XVIII, muitas ações e movimentos ocorreram para que se ampliasse o conceito e a prática de cidadania. O que nos leva a afirmar que defender a cidadania é lutar por direitos e, portanto, pelo exercício da democracia, que é uma constante criação de direitos. As transformações ocorridas na sociedade atual são tão complexas e de tamanha desigualdade que a divisão dos direitos do cidadão em civis, políticos e sociais já não conseguem explicar por si só a dinâmica existente nesse processo, para tal, podemos pensar em dois tipos de cidadania: a formal e a real (ou substantiva). UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS 8 Cidadania formal refere-se à maneira como a cidadania está descrita formalmente na lei, nas constituições nacionais, é a garantia que o indivíduo tem para lutar legalmente por seus direitos, ou seja, é a que está na Constituição e em outras leis mais específicas de cada país. Se não houvessem leis para determinar nossos direitos, estaríamos nas mãos de uma minoria, por exemplo, a situação vivida por escravos que não tinham direito algum. Já a cidadania real ou substantiva, refere-se à maneira como a cidadania é vivida na prática, no dia a dia. Através dela podemos ver que nem todos os seres humanos são iguais socialmente, que a sociedade se estrutura desigualmente e alguns grupos sofrem os mais diversos tipos de necessidades e preconceitos. Por exemplo: um aluno de uma escola pública que não consegue competir em condições de igualdade com um aluno de escola particular tem sua cidadania “formal” conquistada, pois a lei lhe garante acesso à educação, contudo, a cidadania “real” está bem longe de ser atingida. A mesma situação dos pobres, dos negros, dos deficientes etc, que, em maior ou menor grau, conseguiram reconhecimento “formal”, mas ainda tem um longo caminho para conquistar a cidadania “real”. O que isso infere? Ao analisarmos a cidadania substantiva percebemos que, apesar das leis existentes, ainda não há igualdade entre todos os seres humanos – entre homens e mulheres, negros e brancos, entre crianças, jovens e idosos. Se tomarmos como exemplo um direito previsto em nossa Constituição, o direito à vida e o direito de ir e vir, uma breve reflexão da realidade já nos permite afirmar que não temos tais garantias, pois milhares de pessoas, principalmente crianças, morrem de fome a todo instante, ou seja, essas pessoas não conseguiram ter o seu direito à vida garantidos, o direito real e substantivo à cidadania. E o tão falado direito de ir e vir, que é reconhecido desde o século XVII? É atendido atualmente? Vemos constantemente nos meios de comunicação o impedimento à livre circulação dos cidadãos em alguns lugares (ruas, vias públicas) devido à violência ou porque são fechados por seguranças particulares. Temos praias lindas, todas públicas, cujo acesso é vetado por pessoas que se comportam como se fossem suas propriedades, nesses, como em tantos outros casos que você deve estar imaginado, o direito de ir e vir não é respeitado. Em uma análise mais detalhada dos direitos humanos na atualidade, com o advento do mundo globalizado, as colocações do sociólogo Boaventura de Souza Santos (2000) se tornam pertinentes e enriquecedoras para nossas reflexões finais. Em suas colocações, Santos nos aponta uma outra possibilidade para a liberdade do conhecimento. Para que este se produza no interior da crítica, sem abstrações alienantes e reconhecimentos incompletos, que levam à falsa compreensão e encobrem os dramas vividos na sociedade. Nesse sentido, aponta o início de uma outra cognoscibilidade do planeta, que conta com a possibilidade de ser desvendado. A globalização é um todo sistêmico, desigual e combinado, mas a mídia nos passa essa concepção como uma fábula. TÓPICO 1 | CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, SOCIAL E POPULAR 9 Cognoscibilidade do planeta, segundo Santos (2000), é a possibilidade de utilizarmos a unicidade das técnicas (as técnicas pensadas como família) e a convergência dos momentos (unicidade dos tempos) para uma compreensão do mundo. Acessar informação de diferentes lugares para um melhor entendimento do mundo. DICAS Nesse sentido, a contradição se refaz na impossibilidade de produzir uma informação libertadora e a alienação surge devido à globalização financeira, a globalização do dinheiro, uma exacerbação dos processos de exploração e alienação e de todas as formas de exclusão e violência. O que fica para o ser comum é a burlesca do consumo, o fetiche se realiza na ocultação do valor de troca e no falso evidenciamento do valor de uso. Alienação: atribuir ao fenômeno uma força que ele não tem, não revela o que o real é, de fato. ATENCAO A globalização está associada a vários termos, além dos inúmeros neo-, pós- e –ismos, assim como os neologismos que procuram destruir a perspectiva histórica, dando novos nomes a velhos processos, surgindo o pós-moderno, o pós- industrial, o desenvolvimento sustentável, a exclusão social, conceitos estes que procuram encobrir ao invés de revelar a natureza do capitalismo contemporâneo. São velhos conceitos cultivados como novos. Com o processo de globalização em aceleração intensa, os processos de internacionalização e mundialização inerentes ao capitalismo, o desbloqueio dos limites sociais impostos ao capital pelas políticas do Estado de bem-estar social, cumprem um papel ideológico de encobrir os processos de dominação e de desregulamentação do capital, instaurando o senso comum de que a mundialização do capital favorece a todos. O que ocorre na verdade é mais desigualdade entre as nações e os diversos grupos sociais, pois colocar todos no mesmo plano constitui um erro teórico e histórico. Para compreender essenovo contexto globalizado, são necessários dois elementos fundamentais: a formação técnica e a formação política. Uma per- mite a compreensão dos elementos tecnológicos que formam as composições UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS 10 necessárias à produção, e a outra indica quais setores serão privilegiados com a organização possível da produção. A partir dessa compreensão, a sociedade pode abrir um novo paradigma social que pode se opor com superação da nação ativa pela nação passiva. De acordo com Santos (2000), a nação ativa está ligada aos interesses da globalização perversa, nada cria e nem contribui para uma melhor formação de mundo, ao contrário da nação dita passiva, que a cada momento cria e recria uma nova forma de produzir o espaço social, mostrando que a atual forma de globalização não é irreversível e a utopia é pertinente. Com base nessa contestação, fundada na história real de nosso tempo, é que desejamos uma outra globalização acessível a todos. 5 MOVIMENTOS SOCIAIS NA ATUALIDADE Vamos iniciar conceituando o que são movimentos sociais. Segundo Gohn (2007), são ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e expressar suas de- mandas. Na ação concreta, tais formas adotam diversas estratégias que variam de simples denúncias, passando pela pressão direta (mobilização, marchas, concentrações, atos de desobediência civil, negociações etc.) até as pressões indiretas. Na atualidade, os principais movimentos sociais atuam por meio de redes sociais, locais, regionais, nacionais e internacionais, utilizando-se muito dos meios de comunicação e informação como a internet. Exercitam assim o que Habermas denominou de agir comunicativo. A criação e o desenvolvimento de novos saberes são produtos dessa comunicabilidade (GOHN, 2007). Aos movimentos sociais que acabamos de descrever anteriormente, é preciso acrescentar alguns outros que poderíamos denominar de conjunturais, que são os que duram alguns dias e desaparecem, retornando como uma fênix em outros momentos com novas formas de expressão. Diferença e mobilidade se fazem necessárias, pois é preciso analisar cada tipo de movimento para entender as ideias que os motivam e sustentam suas ações, bem como seus objetivos. Temos também os movimentos sociais atemporais, que se mantêm durante longos anos e tendem a criar uma estrutura de sustentação e uma organização burocrática. Os riscos dessa institucionalização podem resultar em uma “perda de eficiência”, pois para continuar suas ações, precisam obter recursos e assumir compromissos como gastos com funcionários e aluguel de sede, contas fixas por mês, pessoal de apoio. A preocupação que doravante era organizar ações efetivas, divide-se com a burocracia e preocupação de manter uma estrutura fixa, mudando um pouco o foco de suas ações. TÓPICO 1 | CIDADANIA, PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, SOCIAL E POPULAR 11 Há os movimentos cujo objetivo é desenvolver ações que resultem em mudanças que favoreçam a sociedade com base no princípio fundamental do reconhecimento do outro, do “diferente”. Tais movimentos procuram dis- seminar visões de mundo, ideias e valores que possibilitem a diminuição do preconceito e discriminações que prejudicam as relações sociais. Podemos citar, como exemplo os movimentos: étnico-raciais, minorias sexuais, feministas, vegetarianos, pela paz e contra a violência. Valendo-nos das palavras do sociólogo alemão Axel Honneth (2003, p. 256-257), [...] as lutas sociais estão para além da defesa de interesses ou necessidades, tendo como objetivo também o reconhecimento individual e social. Quando um indivíduo se engaja em um movimento social, procura fazer com que suas experiências com os sentimentos desrespeito, vergonha e injustiça inspirem outros indivíduos, de modo que sua luta se transforme em uma ação coletiva, de reconhecimento pessoal e social, pois [...] uma luta só pode ser caracterizada de “social” na medida em que seus objetivos se deixam generalizar para além dos horizontes das intenções individuais, chegando a um ponto em que eles podem se tornar uma base de movimento coletivo. 12 Neste tópico, você aprendeu que: • Ao longo dos séculos, muitos foram os pensadores que afirmaram a ideia de que os seres humanos nascem livres e iguais e têm garantidos determinados direitos inalienáveis, tais como: Thomas Hobbes, Jonh Locke, Jean-Jacques Rousseau, Karl Marx, Émile Durkheim e Marshall. • Thomas Hobbes afirma que os seres humanos são naturalmente iguais e, devido ao excesso de liberdade, lutam uns com os outros em defesa de seus interesses individuais, sendo assim necessário um acordo (o qual ele denominava de contrato) entre as pessoas. • Jonh Locke afirmava que apenas os homens livres e iguais podem fazer um pacto com o objetivo de estabelecer uma sociedade política. • Jean-Jacques Rousseau expõe que a igualdade só faz sentido se for baseada na liberdade. Segundo suas afirmações, a igualdade só pode ser jurídica: “todos devem ser iguais perante a lei”. • Para Karl Marx a concepção de cidadania/cidadão corresponderia a uma representação burguesa do indivíduo. Sua ideia de democracia está baseada no critério de igualdade social, que só poderia se tornar realidade através de uma revolução. • Para Émile Durkheim quando o indivíduo desempenha diferentes funções sociais, este faz parte de uma sociedade que se apresenta como um organismo estruturado. • Para Marshall a cidadania é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes. • O conceito de cidadania só começa a aparecer nos séculos XVII e XVIII. RESUMO DO TÓPICO 1 13 1 Leia o trecho a seguir, da autoria de Maria da Glória Gohn: "Não nos resta a menor dúvida de que a principal contribuição dos diferentes tipos de movimentos sociais brasileiros nos últimos vinte anos foi no plano da reconstrução do processo de democratização do país. E não se trata apenas da reconstrução do regime político, da retomada da democracia e do fim do Regime Militar. Trata-se da reconstrução ou construção de novos rumos para a cultura do país, do preenchimento de vazios na condução da luta pela redemocratização, constituindo-se como agentes interlocutores que dialogam diretamente com a população e com o Estado". FONTE: GOHN, M. G. M. Os sem-terras, ONGs e cidadania. São Paulo: Cortez, 2003 (adaptado). Podemos afirmar que, no processo da redemocratização brasileira, os novos movimentos sociais contribuíram para: a) ( ) Diminuir a legitimidade dos novos partidos políticos então criados. b) ( ) Tornar a democracia um valor social que ultrapassa os momentos eleitorais. c) ( ) Difundir a democracia representativa como objetivo fundamental da luta política. d) ( ) Ampliar as disputas pela hegemonia das entidades de trabalhadores com os sindicatos. e) ( ) Fragmentar as lutas políticas dos diversos atores sociais frente ao Estado. 2 Da sequência de pensadores apresentados a seguir, está correta a opção na qual todos partem do princípio contratualista (Contrato Social) em: a) ( ) Marx, Thomas Hobbes e Rousseau. b) ( ) Lênin, Rousseau e John Locke. c) ( ) Thomas Hobbes, John Locke e Rousseau. d) ( ) Marx, Rousseau e Bauman. e) ( ) Simone de Beauvoir, Marx e Lenin. AUTOATIVIDADE 14 15 TÓPICO 2 OS GRAUS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Neste capítulo, você vai aprender sobre o direito que todo cidadão tem a um meio ambiente saudável e que possibilite a sua manutenção para as gerações futuras. Você vai estudar como a participação pública pode ser fundamental nas ações decisórias das atividades que possam causar impacto ambiental. Apesar de muito ter evoluído nesse sentido, a participação pública ainda é restrita. O que é possível fazer para reverter esse quadro? 2 OS DIREITOS HUMANOS NA CONSULTAPÚBLICA Entre as características de todo o processo de avaliação do impacto ambiental, está a participação pública. Essa característica é muito compreensível se considerarmos que as atividades podem gerar, além dos impactos, riscos à vida. Assim, é muito diferente quando tratamos da viabilidade técnica e econômica de um projeto, que pode ser analisada exclusivamente pela empresa responsável pela atividade, em relação à viabilidade ambiental. Uma atividade pode causar impactos ambientais potenciais, afetando, degradando e consumindo recursos naturais. Se isso ocorre, pode atingir, por exemplo, uma comunidade que esteja instalada em determinado local e utilize as reservas naturais para sua sobrevivência. ATENCAO UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS 16 Dessa forma, o direito do ser humano a um ambiente sadio, atual e futuro, é um direito reconhecido por lei, mas isso não significa que é garantido e facilmente obtido. Esse direito passou a existir em meados do século XX, por meio de leis nacionais e acordos internacionais. Dentre esses tratados, podemos exemplificar as declarações de Estocolmo e do Rio de Janeiro, promovidas pela ONU. Ambas garantem que exista um ambiente saudável e equilibrado ao ser humano. Esses importantes marcos podem ser representados pelo princípio 10 da Declaração do Rio de Janeiro (1992): A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à com- pensação e reparação de danos. Outra convenção muito importante no marco dos direitos humanos ao meio ambiente foi a Convenção Internacional de Aarhus, entre os países europeus e os da Ásia Central, cujas características são descritas conforme segue: • acesso à informação; • participação no processo decisório; • acesso à informação ambiental (trâmites judiciais). Apesar de ter sido um acordo entre os países europeus e da Ásia Central, as suas premissas são de alcance global, sendo um excelente instrumento para tratativas de questões ambientais e participação pública. Cabe ressaltar que, quando essa declaração foi assinada, muitos países já tinham leis e regimentos semelhantes aos princípios da declaração, o que proporcionou, inclusive, o fortalecimento e a difusão dos mesmos. Assim, houve um passo significativo no âmbito internacional do reconhecimento dos direitos humanos a um ambiente saudável. A Convenção de Aarhus, em seu artigo 4º, aborda que os governos devem divulgar espontaneamente o acesso à informação ambiental para a sociedade, sem que a mesma expresse o seu desejo. Já no Brasil, essa abordagem é difundida pela Lei Federal n° 10.650 (BRASIL, 2003). DICAS TÓPICO 2 | OS GRAUS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA 17 No artigo 6° da Convenção de Aarhus, trata-se da decisão do público sobre algumas atividades, principalmente quando elas afetam o meio ambiente. Em seu Anexo I, são listadas uma série delas, sobre as quais serecomenda que a população opine antes que os órgãos responsáveis decidam sobre a execução ou não de uma atividade. Assim, deve-se informar, por exemplo, qual atividade interessa realizar, que procedimentos que serão utilizados como objeto de decisão, quanto representa a participação da população, qual seria o órgão responsável por fornecer as informações à população, além dos prazos relacionados à atividade. Parece simples, mas, na prática, existe alguma limitação. Em relação ao conteúdo que o público, veja a seguir um resumo do que se pode consultar: • Descrição do local e das características físicas e técnicas das atividades. • Síntese das principais soluções e alternativas estudadas. • Descrição dos efeitos importantes da atividade sobre o meio ambiente. • Resumo não técnico dos itens precedentes. • Descrição das medidas para precisão e prevenção/redução de efeitos. Note que todas essas prerrogativas lembram muito o conteúdo de um estudo de impacto ambiental. Outro detalhe interessante sobre a Convenção de Aarhus se refere ao artigo 9°, que trata do direito legal ao acesso à informação. Para isso, ela deve seguir prazos acessíveis e ter custos acessíveis, garantindo não só a informação aos dados ambientais, como também a participação pública no processo decisório. Você sabia que o Brasil apresenta um grande avanço nesse sentido? A Lei Federal n° 7.347 de 1985 (BRASIL, 1985) fortaleceu os preceitos de aplicação da lei ambiental e ganhou mais força quando se integrou à Constituição de 1988 e ao Ministério Público. 3 OS GRAUS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA Você sabia que é fundamental que exista a participação pública conjuntamente aos órgãos competentes na decisão sobre os estudos ambientais? Além de muito importante, ela pode ser motivada por três grandes aspectos. O primeiro deles seria um caráter mais ético, o segundo por princípios de igualdade e justiça e o terceiro se relaciona com motivos puramente funcionais, tendo em vista que a participação pública garante que o processo de decisão seja mais eficiente, verdadeiro, garantindo a sua rápida implementação. Quando pensamos em consulta pública, participações ou mesmo na necessidade do envolvimento público em um processo decisório de matéria ambiental, é possível construir um pensamento crítico da seguinte forma: • Que tipo de participação seria? • Quais os limites da participação popular? • Até que ponto o governo poderia ceder seu poder em prol de um plebiscito? UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS 18 Cabe ressaltar que, muitas vezes, a participação pública se limita a ouvir a opinão da população sobre determinada atividade, permitindo que a mesma acesse dados antes restritos e possa opiniar sobre os mesmos. Existe, na ver- dade, uma esperança de que a vontade popular seja respeitada por parte dos órgãos responsáveis por decidir sobre uma atividade. A participação pública, na realidade, representa mais uma maneira formal de ordenar as discussões, por meio de canais de expressão da voz popular. Apesar de ser prevista em lei, qual seria a sua real efetividade no processo de decisão? A Figura 2 expressa as diferentes formas de participação da população emuma democracia e, da mesma forma, pode ser aplicada aos processos ambientais. FIGURA 2 – AS FORMAS DE EXPRESSÃO DO CIDADÃO EM UMA DEMOCRACIA Possibilidade de expressão cidadã em uma democracia Participação Representação (Eleições, Plebicitos e Conselhos) Ação sob convite (Planejamento Participativo, Consulta Pública e Mediação) Ação autônoma (Lobby, Petições, Manifestações, Campanhas na imprensa etc.) FONTE: Adaptada de Sánchez (2013) Assim, a participação pública pode apresentar uma manifestação tipicamente tradicional (eleições e plebiscitos) ou alternativas (passeatas, abaixo-assinados, campanhas de mídia e outras ações). Se não existirem meios formais para que ocorra, ela acaba por ser caracterizada por manifestações autônomas e espontâneas. Da mesma forma, a ausência de canais de consulta pública torna menos transparentes as decisões tomadas, permitindo, inclusive, que grupos de interesse (político e econômico) se aproveitem das situações em seu favor, ou seja, aprovar um projeto mesmo com a possibilidade de impacto ambiental significativo. E como você acha que isso pode impactar na imagem dos governantes? TÓPICO 2 | OS GRAUS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA 19 A participação pública não deve ser encarada como tentativa de criar um mecanismo justificado por uma lei,mascomo uma maneira da democracia ser expressa pelas parcelas da populaçãocom sua opinião a respeito de determinada atividade. A audiência pública, um dentre muitos graus de participação pública, busca integrar nichos da sociedade que não têm fácil acesso a determinadas estâncias de discussão, complementando o direito de liberdade e expressão dos cidadãos. Observando a Figura 2, vemos que a participação pública é iniciada quando é feito um “convite”; as pessoas são capazes de se expressar em determinado momento do processo, a partir da liberação das informações da atividade, para que possam formular seus questionamentos. Como se trata de um regime democrático, não significa que a participação se limite apenas a canais formais. Na verdade, ela pode ocorrer durante todo o momento informalmente. Com base nos tratados internacionais, há uma imposição aos governos para que permitam a participação dapopulação dentro de um processo de AIA, ficando apenas sob responsabilidade desses governos definir os mecanismos e regras para que ela ocorra. Como a participação pública envolve pessoas com graus de formação e níveis culturais diferentes, o diálogo pode variar bastante, ainda mais se considerarmos que muitas empresas responsáveis pela atividade solicitam que seus representantes sejam suas vozes nessas participações. Para isso, é fundamental que esses profissionais, que serão a voz das empresas junto à população, saibam entender e transmitir corretamente as informações. Os graus de participação pública são apresentados na Figura 3, representada pela Escala de Arnstein, na qual são atribuídos graus. FIGURA 3– ESCALA DE GRAUS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA NAS DECISÕES Graus de poder do cidadão Graus de deferência Graus de não participação 8º - Controle 7º - Delegação 6º - Parceria 5º - Conciliação 4º - Consulta 3º - Informação 2º - Terapia 1º - Manipulação FONTE: Adaptada de Arnstein (1969) Segundo a escala de Arnstein, a participação pública pode conter certo grau de manipulação, muitas vezes mascarada sob os nomes de educação e informação. Em especial, os graus 3 e 4 (informação e consulta) não representariam uma real participação, já que o público não tem nenhum grau sobre a decisão tomada. UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS 20 Até mesmo o grau 5 (conciliação), que não passaria de uma formalidade para apaziguar as opiniões, não permitiria à população expressar a sua opinião. Apenas os graus de 6 a 9 constituiriam uma verdadeira participação, ou seja, a parceria seria uma verdadeira negociação e, na delegação, as decisões seriam tomadas pelos representantes públicos. Cabe ressaltar que esse estudo mencionado surgiu nos EUA antes da participação pública em AIA e que o termo se refere mais a outros tipos de questões de natureza não ambiental. Outro tipo de participação pública é expresso no modelo de Eidsvik (Figura 4), no qual, a partir de sete estágios de participação, a consulta pública é posicionada no meio do processo. Assim, a decisão partilhada e o planejamento conjunto são posicionados diretamente abaixo. Nesse modelo, o envolvimento público é muito mais focado na consulta eseria estimulado pelas organizações por evitar problemas, impedir confrontos, com grande possibilidade de obter, inclusive, o apoio e a colaboração dos envolvidos. Dessa forma, a participação pública seria mais fortemente concentrada na etapa de consulta. Cabe ressaltar que, mesmo com uma grande pressão popular e com a opinião da grande maioria sobre um tema, a autoridade pode vir a decidir contrariamente à decisão popular; entretanto, essa decisão pode inviabilizar politicamente um projeto. Você lembra de quando questionamos o impacto sobre os governantes no caso de não existir tanto espaço para a participação pública? FIGURA 4– PARTICIPAÇÃO PÚBLICA NO PROCESSO DECISÓRIO Informação Persuasão Consulta Parceria Controle Participação do público nas decisões Poder decisório da organização FONTE: Adaptada de Sánchez (2013) 4 COMO INCENTIVAR A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA Um dos grandes desafios na participação pública está em como estimulá- la. Como vimos, a Constituição da República de 1988 (BRASIL, 1988) definiu meio ambiente, em seu artigo 225°, como “bem de uso comum do povo e es sencial à sadia qualidade de vida” e impôs ao “Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Assim, foi definida a democratização do direito ao acesso aos recursos ambientais, com a qual todos devem cuidar pela manutenção qualidade ambiental. Especificamente em seu artigo 5°, garante que a informação aos processos ambientais seja garantida ao cidadão, mas será que na prática ela é? TÓPICO 2 | OS GRAUS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA 21 Vimos diversos mecanismos de participação popular, tanto formais quanto informais. Se está garantido em lei e existem muitos caminhos para que a população exerça seu direito de ser ouvida, por que na prática ainda parece que essa participação é tão pequena? A participação pública tem sua origem na sociologia política e reflete, resumidamente, a ideia de atuação da sociedade civil, esperando que o poder público corresponda eticamente, socialmente e comprometidamente com os valores e atribuições a serem respeitados e valorizados. Cada um de nós é responsável por sua parte em relação aos valores ambientais, devendo, inclusive, exigir não apenas dos governos, mas das próprias parcelas da sociedade, que cada um exerça sua parte na preservação do meio ambiente. Você, como cidadão, deve esperar que a sociedade assuma um papel ativo, sem interesses e solidário, com muita ética, pelo fato de lidarmos com bens que são fundamentais à preservação da vida. O espírito de coletividade deve prevalecer com um único objetivo: preserver o patrimônio ambiental de nosso país. A participação pública bem organizada é capaz de opinar na organização do espaço urbano, na construção de equipamentos públicos, além de poder se envolver em aspectos administrativos e na prestação de serviços públicos. Vale lembrar que a participação não é uma decisão exclusiva dos cidadãos. Ela envolve, também, a participação de autoridades governamentais e técnicas. Assim, por mais que a participação pública se intensifique, não será em todas as esferas que ela conseguirá o mesmo efeito, justamente porque muitas decisões não dependem da população. ATENCAO O passo inicial para que a voz da população ganhe força é obter as informações da atividade potencial causadora do impacto. A Lei n° 6.938/1981 (BRASIL, 1981), que institui a Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA, decretou que o Sistema Nacional de Informações sobre Meio Ambiente, o Re- latóriode Qualidade do Meio Ambiente (divulgado anualmente pelo IBAMA) e a garantia da prestação de informações acerca do meio ambiente fossem divulgados pelo poder público. A Lei Federal n° 10.650, de 2003, determina o acesso público aos dados e às informações existentes nos órgãos e nas entidades integrantes do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente). Os docu- mentos a serem divulgados à população devem ser escritos, visuais, sonoros ou mesmo eletrônicos e devem se referir aos temas apresentados na Figura 5. UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS 22 FIGURA 5 – INFORMAÇÕES A SEREM DIVULGADAS À POPULAÇÃO. Apesar de valiosa, a Lei de Informação ao Cidadão ainda não consegue obrigar que os governos entreguem a informação dentro de prazos razoáveis e sem subjetividade. Muitas vezes, esses fatores limitam que a população se manifeste em tempo. O Estado é responsável não apenas por produzir a informação, mas também por atualizá-la e divulgá-la de forma pró-ativa, como já mencionamos anteriormente. A informação que deve chegar à população por parte do poder público pode abranger, por exemplo, pedidos de licenciamento e emissão dessas licenças, documentos que solicitem a supressão vegetal, autos de infração, Termos de Compromisso e Ajustamentode Conduta, registros de apresentação do EIA, bem como aprovação e rejeição do mesmo. Apesar dessa quantidade de informação, o que será que ainda falta para que a participação popular seja mais efetiva? UNI Qualidade do meio ambiente Organismos geneticamente modificados Diversidade biológica Substâncias tóxicas e perigosas Políticas, Planos e Programas causadores de impacto Resultados de monitoramento e auditoria, além de planos de recuperação Acidentes, situações de risco ou emergências ambientais Emissão de efluentes líquidos e gasosos, produção de resíduos sólidos. TÓPICO 2 | OS GRAUS DE PARTICIPAÇÃO PÚBLICA 23 Uma das formas é que a população saiba onde procurar as informações necessárias e consiga elaborar um pensamento crítico sobre as mesmas. O SINIMA disponibiliza ao público todas as informações, os documentos e processos administrativos que estejam relacionados à gestão ambiental. Podemos, assim, dizer que esse é um instrumento que busca o fortalecimento da cidadania ambiental. Esse Sistema está formatado sobre três eixos principais, conforme apresentado a seguir: • Eixo 1: Ferramentas de acesso à informação. • Eixo 2: Integração e compartilhamento das bases de informação ambiental. • Eixo 3: Sistematizações do processo de produção, coleta e análise estatística para elaboração de indicadores ambientais e de desenvolvimento sustentável. O SINIMA foi desenvolvido para que fosse utilizado por meio de softwares livres, coma integração das bases de dadoscom recursos tecnológicos. Dentro do SINIMA, existem vários sistemas governamentais, não governamentais. Outro recurso a favor da divulgação de informação para a população é o PNLA (Portal Nacional de Licenciamento Ambiental), que objetiva divulgar informações mais voltadas a licenciamentos ambientais em âmbito nacional. Ele integra o SINIMA e foi desenvolvido para compor e sistematizar todas as informações acerca do licenciamento ambiental nas esferas federal, estadual, distrital e municipal. Essa ferramenta está em constante adaptação e sua versão atual permite que o usuário acesse as licenças emitidas, as legislações relacionadas, além de dispor gratuitamente publicações e contatos dos órgãos licenciadores. Uma nova versão do PNLA está em discussão pelo CONAMA ebusca facilitar ainda mais o acesso do cidadão comum, contribuindo com a democratização do acesso à informação. Vimos que a informação existe, então o que realmente falta? Falta que a população aprenda a utilizá-la. Nesse quesito, o Governo poderia estimular ainda mais, ensinando a correta forma de buscar o pensamento crítico sobre o tema, facilitando a linguagem cada vez mais e promovendo ações de edu- cação ambiental, por exemplo. Além disso, a participação popular precisa ser organizada, legítima e integrada aos meios formais e informais. Dessa maneira, estaremos caminhando em direção a uma sociedade que, além de cobrar o seu direito, saberá fazê-lo corretamente. Você pode obter mais informações sobre o SINIMA e o PNLA acessando os links a seguir. • SINIMA (Ministério do Meio Ambiente): https://goo.gl/xX9ayj • PNLA: https://goo.gl/nvEpof UNI 24 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • O direito do ser humano a um ambiente sadio, atual e futuro, é um direito reconhecido por lei, mas isso não significa que é garantido e facilmente obtido. • Outra convenção muito importante no marco dos direitos humanos ao meio ambiente foi a Convenção Internacional de Aarhus, entre os países europeus e os da Ásia Central. • São características da Convenção Internacional de Aarhus: o acesso à informação; o participação no processo decisório; o acesso à informação ambiental (trâmites judiciais). • Quando pensamos em consulta pública, participações ou mesmo na necessidade do envolvimento público em um processo decisório de matéria ambiental, é possível construir um pensamento crítico da seguinte forma: o Que tipo de participação seria? o Quais os limites da participação popular? o Até que ponto o governo poderia ceder seu poder em prol de um plebiscito? • Um dos grandes desafios na participação pública está em como estimulá-la, ou seja, como incentivar a participação pública da população brasileira. 25 1 Durante a implantação de uma atividade extrativista do solo, a empresa se preocupa com possíveis manifestações de comunidades da região. Para isso, ela busca uma forma de minimizar possíveis discórdias. Com base nas alternativas a seguir, qual delas você sugeriria? a) ( ) Divulgar a informação formalmente por meio do órgão ambiental. b) ( ) Apresentar os relatórios técnicos com base em laudos e certificados de profissionais renomados. c) ( ) Solicitar que seja feita uma audiência pública em que o representante do órgão ambiental poderá expor a situação. d) ( ) Apresentar informações corretas por meio de linguagem de fácil assimilação. e) ( ) Tratar diretamente com o representante do governo para evitar conflitos diretos. 2 A participação pública na AIA parece ser incipiente em vários lugares do mundo. Um dos aspectos que ainda precisa ser melhorado está relacionado em como promover uma participação pública eficaz, na qual os empreendedores, as comunidades, os órgãos ambientais e as ONGs possam atuar para que os benefícios da participação pública sejam plenamente alcançados. Assim, como a participação social torna o processo de AIA mais efetivo? a) ( ) Quando ela ocorre apenas em momentos necessários do processo, não gerando ruídos desnecessários. b) ( ) Quando são utilizados meios que envolvam a população desde o processo de AIA. c) ( ) Quando são identificados os papéis dos atores envolvidos no processo. d) ( ) Quando há um envolvimento total da população, mesmo que não seja de forma organizada. e) ( ) Quando a lei que garante a participação pública é cumprida. AUTOATIVIDADE 26 27 TÓPICO 3 SENSIBILIZAR PARA A DEMOCRACIA E A PARTICIPAÇÃO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Atualmente, o Brasil tem um sistema de governo democrático, que se baseia nos princípios da participação e do envolvimento coletivo nos assuntos de interesse dos cidadãos. Para o sistema educacional brasileiro, os princípios democráticos também são norteadores das ações educativas. A escola é a instituição encarregada de promover as aprendizagens necessárias para que os estudantes desenvolvam sua cidadania, percebam a importância da manutenção de um ambiente democrático e sejam capazes de agir por si próprios com criticidade e responsabilidade. Para que se possam atingir os objetivos de uma prática educacional voltada à participação de todos da comunidade escolar, é necessário que os ambientes educacionais sejam repensados e preparados para essas finalidades. Neste capítulo, você vai estudar os conceitos de autonomia e eman- cipação dos sujeitos a partir das práticas educacionais. Também vai identificar os ambientes educativos presentes na escola, associando-os com espaços democráticos estruturados para a troca de conhecimentos e o enriquecimento mútuo dos profissionais da educação e seus alunos. Além disso, vai ver como os ambientes da escola podem ser repensados e organizados para favorecer a participação da coletividade e reafirmar os princípios democráticos. 2 EDUCAÇÃO: AUTONOMIA E EMANCIPAÇÃO DOS SUJEITOS Reconhecer que a sociedade passou por inúmeras mudanças nas últimas décadas ajuda você a entender o conceito de autonomia. Afinal, sem autonomia você não seria capaz de perceber que hoje as pessoas são conduzidas a viver de acordo com o estilo de vida produzido por uma sociedade organizada pela lógica do capital, do consumo e da concorrência. 28 UNIDADE 1 | PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOVIMENTOS SOCIAIS O conceito de autonomia está ligado à independência, à capacidade que as pessoas têm de determinar e conduzir suas vidas. Essa tarefa se torna muito complexa na sociedade contemporânea, porém ela faz toda a diferença na tomada de decisões conscientes e na análise
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