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Tópicos Em Teoria Do Texto o Caso Russomanno Na Imprensa

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O CASO RUSSOMANNO NA IMPRENSA 
 
 
 
 
 
 
 MARCELO TAVARES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SÃO PAULO 
2012 
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O CASO RUSSOMANNO NA IMPRENSA 
 
 
 
 Trabalho apresentado na disciplina Tópicos em 
Teoria do Texto, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Lúcia da Cunha Victório de Oliveira 
Andrade 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SÃO PAULO 
2012 
 
Sumário 
 
 
Introdução...................................................................................... ......................3 
Desenvolvimento.................................................................................................4 
Considerações finais..........................................................................................11 
Referências........................................................................................................12 
 
Introdução 
 
 
 Apresentaremos aqui a análise de textos opinativos acerca do candidato 
Celso Russomanno à prefeitura de São Paulo nas eleições do corrente ano. 
 O presente trabalho é importante para compreendermos de modo prático 
as teorias expostas durante o curso. 
 Deve servir para aqueles que desejam se aprofundar nas Teorias da 
Argumentação e Análise Crítica do Discurso. 
 Inicialmente, exporemos os pressupostos teóricos. Depois, nós 
abordaremos o assunto proposto, e finalizaremos com as nossas 
considerações. 
 
Desenvolvimento 
 
 
 De tempo em tempos, revistas e jornais veiculam em campanhas 
publicitárias mensagens dizendo que são independentes. Vale lembrar um caso 
famoso que assim termina: “Folha de São Paulo, o jornal que mais se compra e 
o que nunca se vende”. Em um tempo bem mais recente, a revista “Isto é”, 
apresentou imagens de seus colunistas invocando também “o mito da 
neutralidade jornalís tica”, conforme assinala Citelli (1985, p. 5), desejando 
afastar a ideia de persuasão – aqui entendida como mentira, fraude – e 
buscando transmitir uma mensagem de meio comunicativo digno de confiança. 
 Na Grécia Antiga, o exercício de exposição da palavra era vista como 
uma forma de expressar a sabedoria. As regras de boa argumentação eram 
enquadradas como retórica. Aristóteles trouxe bastante luz a esse tema. Ele 
prenuncia processos e formas para que um texto ganhe ares de verdade, seja 
mais bonito, tenha estilo elevado. O objetivo não é saber se o que está sendo 
veiculado é verdadeiro. Para o fi lósofo, existem duas formas argumentativas: o 
pensamento que vai do particular para o geral (indução), e o oposto, aquilo que 
vai do geral para o particular (dedução). Para se contestar uma argumentação 
dum fato, devem-se buscar opiniões de pessoas competentes e outros fatos 
que comprovem incompatibilidade com fato em questão. 
 Mas o que é argumento? Reboul (1998, p.92) afirma: “Pode-se definir o 
argumento como uma proposição destinada a levar à admissão de outra”. Um 
bom orador deve perceber que pode não estar apenas se dirigindo ao seu 
público particular, mas para um muito maior. Na construção lógica do discurso, 
o enunciador deve também estar atento às crenças e reações por ele 
imaginadas de seu público. 
 Se o objetivo do discurso é fazer com que o outro aceite a ideia 
proposta, daí seu caráter autoritário. A partir de organização de sua estrutura 
lógica, deve-se buscar um efeito de verdade, de verossimilhança. Para que 
esse efeito ocorra deve-se presumir a confiança. 
No surgimento dos princípios liberais, cria-se a ideia de opinião pública, 
a qual se intitulava como uma reflexão acerca de um assunto de interesse a um 
grupo de pessoas. Era o uso público da razão e crença do direito de liberdade 
de expressão. 
Em estudos modernos, surge o conceito de ideologia. Os recursos 
linguísticos são desenvolvidos por relações sociais, passando a emitir valores, 
conceitos. Não há neutralidade. 
Segundo Cripa (2007 apud Citelli, 2006, p. 41-42), há certos 
procedimentos nas escolhas de termos 
(...) pouco afeitos à ingenuidade de identificar na palavra apenas um nomeador 
de coisas são estratégias de persuasão e convencimento que darão suporte à 
elaboração/manutenção/reformulação de entendimentos e compreensões, 
crenças e valores, jogos de revelação e ofuscamento de ideologias, 
mecanismos que acentuam ou obscurecem interesses, compromissos com 
grupos e classes; 
Chauí (2006, 75) escreve sobre a teoria do invisível: “A ideologia 
contemporânea, escreve Lefort1, é invisível porque não parece construída nem 
proferida por um agente determinado, convertendo-se em um discurso 
anônimo”. Recentemente, o ator Pedro Cardoso, numa entrevista fornecida a 
um programa da Rede Globo de Televisão, ao discutir o papel da mídia das 
celebridades, fala exatamente da tentativa dos donos dos meios em se 
afastarem daquilo que é veiculado em suas empresas, como se eles não 
tivessem poder de influência algum, e que o conteúdo mostrado existe graças 
apenas à demanda. 
Para se analisar um texto, devemos procurar saber quem é o autor do 
texto, quando o texto foi elaborado, contra quem, seus objetivos, como ocorre a 
manifestação. Não podemos esquecer também a quem se destina o discurso, o 
tamanho do público, as características (sexo, profissão, etc.), a ideologia. É 
preciso saber o que o interlocutor espera ouvir. Outrossim, nós devemos nos 
atentar para aquilo que não está dito no texto. 
A relação entre a mensagem é assimétrica: a pessoa que a recebe 
procura reconstruir seu sentido, que pode ser diferente do pensado pelo 
enunciador. 
O contexto que cerca o texto deve ser levado em consideração para a 
construção do sentido. É preciso que o enunciatário deixe marcas para que se 
chegue ao sentido mais provável. Deve apresentar pertinência para o ouvinte. 
 
1 LEFORT, Claude. “Esboço de uma gênese da ideologia das sociedades 
modernas”. In: As formas da história. São Paulo, Brasiliense, 1982.
 
Para se dominar um discurso deve-se estar apto para produzi-lo e 
interpretá-lo. Para tal, necessita-se de dominar a língua e ter conhecimento em 
relação ao mundo. Ele sempre tem a interação entre o enunciador e o 
coenunciador. O discurso tem finalidade, busca uma alteração nos 
interlocutores. 
Para se entender o papel dum texto, devem-se levar em consideração 
as formas de estocagem das informações nele inserido, o seu suporte (oral, 
escrito etc.), bem como as suas formas de difusão. Esses parâmetros também 
participam da constituição do texto. 
A imprensa, de forma geral, procura legitimar-se, apresentando-se como 
imparcial, independente, buscadora da verdade, objetiva e prestadora de 
serviço público e um dos pilares da democracia. O jornalismo seria um retrato 
condensado da sociedade. 
No Brasil, os veículos de comunicação de massa são controlados a 
alguns grupos familiares. Cripa (2006, p. 41) defende que o controle restrito de 
tais meios, impossibilita uma propagação plural discursiva em assuntos 
econômicos, políticos, culturais e sociais, obtendo o efeito de padronização de 
assuntos, de fotos e de formas gráficas. O efeito gerado pela imprensa é o de 
instrumentalizar as notícias selecionadas e veiculadas num tom ideológico, 
dando espaço àquelas que, de alguma forma, tenham repercussão, interesse e 
consequência sociais. 
Num texto de jornal, não se espera que o leitor esteja no mesmo espaço 
físico do escritor,sendo que este não possui controle sobre a recepção de seu 
texto. Num texto escrito, o leitor pode variar a forma e velocidade de leitura, 
com interrupções, podendo também fazer análises ao que foi lido. O texto 
escrito pode ser copiado e arquivado. Num texto impresso, as formas 
tipográficas sobre o papel levam a uma maior distância entre enunciador e 
enunciatário, dando margem de alguma forma ao anonimato. 
 Como todo texto tem um sujeito que o elabora é possível depreender 
através dele sua personalidade (ethos). A maneira pela qual o escritor se 
expressa permite ao leitor que imagine uma maneira de ser daquele. Um texto 
é eficiente em sua capacidade de persuasão quando faz com que o receptor se 
deixe levar pelo mesmo movimento do texto, assimilando seu esquema, sua 
organização, sua interpretação, sua finalidade. 
 Aqui, a revista “Época”, e os jornais “Folha de S. Paulo” e “O Estado de 
S. Paulo” foram escolhidos pela importância à sociedade letrada brasileira, 
configurando, até certo ponto, as formas de expressão política e econômica 
dos grupos empresarias a que pertencem tais publicações. Escolhemos os 
textos que se referem ao então candidato Celso Russomanno, por ele ter se 
destacado no pleito último e como tais escritos buscaram construir/desconstruir 
sua imagem ante os leitores. Ressaltamos que o Partido Republicano Brasi leiro 
(PRB), do qual Celso é afiliado, possui diversos membros da Igreja Universal 
do Reino de Deus (IURD), bem como inúmeros dirigentes do conglomerado da 
Rede Record, que também possui pessoas ligadas à aludida instituição 
religiosa. Celso Russomanno começou sua carreira na televisão nos anos 
oitenta, num programa exibido às madrugadas onde entrevistava celebridades. 
Ganhou notoriedade ao fazer reportagens no programa “Aqui Agora”, exibido 
pelo Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), defendendo consumidores que 
alegavam ter seus direitos lesados por empresas. Seguiu carreira política como 
deputado federal a partir dos anos noventa. 
 Os textos estudados são artigos de opinião. Marcuschi (2002, p. 27) 
assinala que “quando se nomeia um certo texto como ‘narrativo’, ‘descritivo’ ou 
‘argumentativo’, não se está nomeando o gênero e sim o predomínio de um 
tipo de sequência de base.” 
 Inicialmente, apresentamos o texto do professor Vladimir Safatle, 
publicado em 04 de setembro de 2012 na “Folha de S. Paulo”. Ele tem 
graduação em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) no ano de 1994 
e obteve o título de Doutor pela Université de Paris VIII oito anos depois. 
Atualmente é professor livre docente do departamento de filosofia da USP. 
Entre os seus objetos de estudos estão psicologia e filosofia da música. Segue 
seu texto. 
 
 
O filho bastardo 
O fenômeno Celso Russomanno poderia ser colocado na conta da inquebrantável 
tradição do populismo conservador paulistano. Tradição que já deu para a cidade 
prefeitos como Adhemar de Barros, Jânio Quadros e Paulo Maluf (com suas emulações 
tecnocratas, Pitta e Kassab). Políticos conservadores que, cada um à sua maneira, 
encontraram alguma forma de se colocar como caixa de ressonância dos medos 
populares. 
Porém é provável que seja necessária uma variável a mais para compreendermos um 
fenômeno eleitoral sobre o qual todos, até agora, quiseram acreditar que era transitório. 
Pois se existe alguma coisa em Russomanno que nos remete aos arcaísmos de São 
Paulo, há algo que deve ser compreendido em outra chave. Na verdade, ele é uma 
expressão mais bem-acabada de um certo conservadorismo pós- lulista ou, se quisermos, 
um conservadorismo que aparece como filho bastardo do lulismo. 
Entre outras características, o lulismo definiu-se pela aliança política de setores da 
esquerda brasileira e alas de políticos conservadores à procura de sobrevida ou em rota 
de colisão com a hegemonia PSDB-DEM. 
Tal aliança permitiu, por um lado, a constituição de um sistema de seguridade social de 
extensão até então inédita no Brasil. Por outro, ela consolidou a ascensão econômica de 
largas parcelas da população brasileira por meio, principalmente, da ampliação das 
possibilidades de consumo. 
Note-se que tal ascensão econômica, com seu consequente sentimento de cidadania 
conquistada, não passou pelo acesso a serviços sociais ampliados e consolidados em sua 
qualidade. Afora a importante expansão das universidades federais, ascensão significou 
poder pagar escola privada, plano de saúde privado, celular, eletrodomésticos e 
frequentar universidade privada. Ou seja, os direitos da cidadania foram traduzidos em 
direitos do consumidor. 
Nesse contexto, nada mais compreensível do que um pretenso "patrulheiro do 
consumidor" aparecer como representante dos anseios da nova classe média. Para quem 
alcançou a cidadania por meio do consumo (animado por uma igreja que é a 
representante maior da Teologia da Prosperidade), a defesa dos direitos segue a lógica 
do Procon. 
Por outro lado, como parlamentar de partidos da base aliada, Russomanno não precisa 
carregar o peso morto de ser um candidato anti-Lula: o calcanhar de aquiles da política 
brasileira. De toda forma, como o lulismo foi o resultado de acordos políticos 
heteróclitos, nenhum basteamento ideológico foi possível. Sempre houve um 
conservadorismo que cresceu sob as asas do novo governo. Agora, ele se apresenta em 
voo próprio, como um filho bastardo do lulismo com o populismo conservador. 
 
 
 Safatle não escreve um artigo científico, mas para um jornal diário e de 
forma meramente opinativa, apesar de algumas manifestações serem 
sustentadas por fatos reais. Como professor universitário da área de filosofia, 
ele possui autoridade de argumentação. Seu posicionamento é sabidamente de 
esquerda, apresentando-se também na revista “Carta Capital”. 
 O professor atesta que Celso Russomanno (PRB) não é um fenômeno 
novo no contexto eleitoral paulistano, sendo nada mais que um continuísmo de 
figuras como Adhemar de Barros, Jânio Quadros e Paulo Maluf, os quais 
utilizavam a bandeira da ordem pública para o combate à criminalidade, da 
melhoria dos serviços públicos e do fazimento de grandes obras. Para 
qualificar o candidato Celso, o autor o considera um fenômeno transitório: 
“porém é provável que seja necessária uma variável a mais para 
compreendermos um fenômeno eleitoral sobre o qual todos, até agora, 
quiseram acreditar que era transitório” (grifo nosso). O termo grifado é um 
modalizador. Mais forte é a qualificação que dá o título ao seu texto “filho 
bastardo do lulismo”. Em “fenômeno” e “transitório”, ele faz avaliação não 
axiológica. Ao chamar Celso como “bastardo” e que “nos remete aos 
arcaísmos” (grifo nosso) fornece um julgamento implícito negativo. A partícula 
“nos” busca aproximar o leitor ao autor. O interessante é que Safatle relaciona 
o conservadorismo paulistano com o cenário da política nacional, após o 
governo do Ex-Presidente Lula, que foi eleito em 2002 pelo Partido dos 
Trabalhadores (PT). Tais elementos em ordem sequencial pelo texto acabam 
fornecendo a coesão necessária. 
 No segundo parágrafo, em “é provável que seja necessária uma variável 
a mais para compreendermos”, o termo “provável” denota alguma forma de 
distanciamento do enunciador em sua afirmação. 
 No terceiro parágrafo, o uspiano explica que o lulismo foi um conluio 
entre setores da esquerda com políticos conservadores a fim de ganhar espaço 
político. O que houve foi o chamado, no senso comum, pragmatismo, sem 
preocupação ideológica. Ele cunha tal política como “o resultado de acordos 
políticos heteróclitos”. 
 Segundo ele, no governo de Lula houve uma inédita “ascensão 
econômica de largas parcelas da população” que geraramum “sentimento de 
cidadania” pelo consumo e não a serviços públicos de qualidade. Os críticos 
dessa política assinalam que a “expansão do consumo” diminui o confli to de 
classes e o ímpeto de politização das pessoas, através duma falsa sensação 
de bem-estar. Daí, um “patrulheiro do consumidor”, adjetiva ele novamente 
Celso Russomanno, a fim de representar os sabores da “nova classe média”: 
“para quem alcançou a cidadania por meio do consumo (animado por uma 
igreja que é a representante maior da teologia da prosperidade), a defesa dos 
direitos segue a lógica do Procon.” 
 Há sociólogos e economistas que criticam essa expressão “nova classe 
média”. Para eles, o que há é apenas uma faixa de renda, não se configurando 
uma “classe” no sentido marxista, que é um conjunto de pessoas que 
compartilham valores. O uso desse termo seria para fins de propaganda 
política somente. Safatle não traz dados estatísticos para comprovar essa 
ascensão econômica, ratificando-se com aquilo que foi exaustivamente 
divulgado pela imprensa. 
 Procon é a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor. O autor ao 
dizer que “a defesa dos direitos segue a lógica do Procon” exercita uma 
perífrase. 
 O intelectual relaciona Russomanno à Igreja Universal do Reino de Deus 
a qual profetiza a Teologia da Prosperidade. Tal posicionamento teológico 
defende que aqueles que realmente acreditam na palavra de Deus não passam 
por dificuldades financeiras. Safatle mais uma vez relaciona o candidato ao 
acesso a bens materiais. 
 Safatle segue o pensamento de muitos cientistas políticos que avaliam 
ser uma posição incômoda a aqueles que manifestarem sua oposição à Lula, 
alguém que, segundo pesquisas, possui bastante popularidade. O docente cita 
isso, para fazer uma sequência expositiva: o PRB foi e continua sendo um dos 
partidos da base aliada do PT no cenário nacional, tendo como Ministro da 
Pesca e Aquicultura, o bispo da Igreja Universal, Marcelo Crivella. Sendo 
assim, Russomanno está livre do “calcanhar de aquiles da política brasi leira”. 
 Há um caso de coesão referencial expresso em: ”sempre houve um 
conservadorismo que cresceu sob as asas do novo governo. Agora, ele se 
apresenta em voo próprio, como um filho bastardo do lulismo com o populismo 
conservador. (grifo nosso)” 
 O modalizador “sempre” sustenta a defesa de existência tradicional de 
valores conservadores paulistanos. 
 Ele critica abertamente a política lulista de não incluir as pessoas por 
serviços públicos dignos, mas pelo consumo, e, ao final do texto, faz 
novamente menção aos acordos com políticos conservadores utilizando o 
epíteto “heteróclito”, mantenedor da coerência textual. Eis os dois motivos que 
pariram o filho bastardo. 
 Uma coisa que não está no texto, mas que vale ser citada, é que ao 
preparar da campanha eleitoral do corrente ano, houve uma foto bastante 
divulgada de cumprimentos entre o ex-operário de esquerda Lula e o 
conservador Maluf a fim dum acordo político. Celso Russomanno pertencia ao 
partido de Maluf, o Partido Progressista (PP). 
 
 Agora, exporemos o texto da jornalista Eliane Brum de 17 de setembro 
em sua coluna no sítio da “Época”. Ela é escritora de um romance e 
documentarista. 
 
 
Russomanno e a vulgaridade do desejo 
O “patrulheiro do consumidor” lidera em São Paulo porque, se a política é de mercado, 
ele pode convencer como mercadoria 
Como se define um povo? De várias maneiras. A principal, me parece, é pela qualidade 
do seu desejo. É por este viés que também podemos compreender o fenômeno Celso 
Russomanno (PRB). Como um homem que se tornou conhecido por bolinar mulheres 
na cobertura de bailes de carnaval e como “patrulheiro do consumidor” em programa da 
TV Record, apoiado pela Igreja Universal do Reino de Deus, torna-se líder de intenções 
de votos na maior cidade do Brasil? 
Acredito que parte da resposta possa estar no desejo. Na vulgaridade do nosso desejo. 
No que consiste o desejo das diferentes camadas da população, seja o topo da pirâmide, 
a classe média tradicional, o que tem sido chamado de “nova classe média” ou classe C. 
Para além das diferenças, que são muitas, há algo que tem igualado a socialite que faz 
compras no Shopping Cidade Jardim, um dos mais luxuosos de São Paulo, ao jovem das 
periferias paulistanas carentes de serviços públicos de qualidade. E o que é? A 
identificação como consumidor, acima de todas as maneiras de olhar para si mesmo – e 
para o outro. É para consumir que boa parte da população não só de São Paulo quanto 
do Brasil urbano tem conduzido o movimento da vida – e se consumido neste 
movimento. 
Dois textos recentes são especialmente reveladores para nos ajudar a compreender o 
Brasil atual. 
Em sua coluna de 4/9, na Folha de S. Paulo, o filósofo Vladimir Safatle faz uma análise 
interessantíssima do caso Russomanno. Ele parte do fato de que a ascensão econômica 
de larga parcela da população no lulismo se dá principalmente pela ampliação das 
possibilidades de consumo – e não pela ampliação do acesso a serviços sociais de 
qualidade. Logo, para essa camada da população, os direitos da cidadania são 
decodificados como direitos do consumidor. Nada mais lógico para representá- la e 
defender seus interesses do que um prefeito que seja um pretenso “patrulheiro do 
consumidor”, bancado por uma das igrejas líderes da “teologia da prosperidade”. 
Russomanno seria, na definição de Safatle, “o filho bastardo do lulismo com o 
populismo conservador”. 
Na ótima reportagem intitulada “O Funk da Ostentação em São Paulo”, o repórter de 
Época Rafael de Pino conta como se dá a apropriação do funk carioca nas periferias de 
São Paulo. Preste atenção na abertura da matéria, que reproduzo aqui: “‘Vida é ter um 
Hyundai e uma Hornet/10 mil pra gastar, Rolex e Juliet’, canta o paulista MC Danado 
no funk ‘Top do momento’. Para quem não entendeu, ele fala, na ordem, de um carro, 
uma moto, dinheiro, um relógio e um par de óculos – um refrão avaliado em R$ 400 
mil. Na plateia do show na Zona Leste, região que concentra bairros populares de São 
Paulo, os versos são repetidos aos berros pelas quase 1.000 pessoas presentes, que 
pagaram ingressos a R$ 30. O público da sexta- feira é jovem, etnicamente diverso e 
poderia ser descrito em três palavras: ‘classe C emergente’.” 
MC Danado, como nos conta Rafael de Pino, antes de se tornar um astro, trabalhou 
como office-boy e auxiliar de escritório. Ele diz o seguinte: “Gosto da ostentação, gosto 
de ostentar. Parte do que canto, eu tenho. Outra parte, desejo e vou conquistar com meu 
trabalho”. Vale a pena conferir os refrões de outros funkeiros da ostentação, como MC 
Guimê: “Ta-pa-ta-pa tá patrão, ta-pa-ta-pa tá patrão/Tênis Nike Shox, Bermuda da 
Oakley, Olha a situação”. Ou MCs BackDi e Bio-G3: “É classe A, é classe A/quando o 
bonde passa nas pistas geral, tá ligado que é ruim de aturar/É classe A, é classe A/Nós 
tem carro, tem moto e dinheiro”. 
MC Menor, outra estrela ascendente, explica: “Enxergo o mundo como meu público 
enxerga. Nasci na comunidade, sei que lá ninguém quer cantar pobreza e miséria”. Não 
por acaso, é em São Paulo que o funk se torna uma expressão do desejo de consumo da 
juventude emergente das periferias. 
Ao ascender economicamente, a “nova classe média” parece se apropriar da visão de 
mundo da classe média tradicional – talvez com mais pragmatismo e certamente com 
muito mais pressa. Em vez de lutar coletivamente por escola pública de qualidade, 
saúde pública de qualidade, transporte público de qualidade, o caminho é individual, via 
consumo: escola privada e plano de saúde privado, mesmo que sem qualidade, e carro 
para se livrar do ônibus, mesmo quefique parado no trânsito. O núcleo a partir do qual 
são eleitas as prioridades não é a comunidade, mas a família. 
Se no passado recente o rap arrastou multidões nas periferias de São Paulo com um 
discurso fortemente ideológico contra o mercado, hoje o espaço é parcialmente ocupado 
pelo “funk da ostentação” e seu discurso de que uma vida só ganha sentido no consumo. 
As marcas de uma vida não se dão pela experiência, mas se adquirem pela compra: as 
marcas da vida são grifes de luxo, segundo nos informam as letras do funk paulista. 
Alguns dos grandes nomes do rap engajado do passado também podem ser vistos hoje 
anunciando produtos na TV com desembaraço – o que também quer dizer alguma coisa. 
É importante observar, porém, que aquilo que eu tenho chamado aqui de vulgaridade do 
desejo não é uma novidade trazida pela “nova classe média”. Ao contrário, a influência 
tem sinal trocado. O que os emergentes da classe C tem feito é se apropriar da 
vulgaridade do desejo das elites. O funk da ostentação de MC Danado, ao recitar grifes 
e fazer uma ode ao consumo, pode estar na boca de qualquer socialite que possamos 
entrevistar agora no corredor de um dos shoppings de luxo. 
Neste contexto, a vulgaridade do desejo tem em Russomanno sua expressão mais bem 
acabada na política. Assim como na religião encontra expressão em parte das igrejas 
evangélicas neopentecostais e sua teologia do compre agora para ganhar agora. Nesta 
eleição de São Paulo, testemunhamos uma aliança e uma síntese da nova configuração 
do Brasil – possivelmente menos transitória do que alguns acreditam ser. 
Russomanno não inventou a vulgaridade do desejo – apenas a explicitou e tratou de 
encarná- la. Seus oponentes têm uma biografia muito mais relevante, assim como 
partidos mais sólidos. Mas parecem ter perdido essa vantagem junto a setores da 
população no momento em que se renderem à lógica do consumo e viraram também 
eles um produto eleitoral. Pela adesão à política de mercado, perderam a chance de 
representar uma alternativa, inclusive moral. 
José Serra (PSDB) tem feito quase qualquer coisa para conquistar o apoio das igrejas na 
tentativa de vencer as disputas eleitorais. Basta lembrar como um dos exemplos mais 
contundentes o falso debate do aborto estimulado por ele na última eleição presidencial, 
na ânsia de ganhar o voto religioso. E Fernando Haddad (PT), que se pretende “novo ”, 
antes do início oficial da campanha já tinha abraçado o velho Maluf. Para quê? Para ter 
mais tempo de TV – o lugar por excelência no qual os produtos são “vendidos” aos 
consumidores. 
Quem transformou eleitores em consumidores de produtos eleitorais não foi Celso 
Russomanno. Ele apenas aproveitou-se da conjuntura propícia – e não perdeu a 
oportunidade ao perceber que os outros reduziram-se a ponto de jogar no seu campo. 
Afinal, de mercadoria Russomanno entende. 
É bastante interessante que entre os mais perplexos diante deste novo Brasil, 
representado pelo fenômeno Russomanno, estejam o PT e a Igreja Católica. Ambos, 
porém, estão no cerne da mudança que agora se desenha com maior clareza. 
A “era” Lula marcou e segue marcando sua atuação também pelo esvaziamento dos 
movimentos sociais – e da saída coletiva, construída e conquistada que foi decisiva para 
a formação do PT. Também estimulou sem qualquer prurido o personalismo populista 
na figura do líder/pai. Assim como na campanha que elegeu Dilma Rousseff, a 
sucessora de Lula no governo foi apresentada como filha do pai/mãe do povo. Em 
nenhum momento, nem o PT nem Lula pareceram se importar de verdade com o fato de 
que os numerosos militantes que no passado ocupavam os espaços públicos com suas 
bandeiras e seu idealismo foram gradualmente sendo substituídos por cabos eleitorais 
pagos, em mais uma adesão à lógica de mercado. 
A cúpula da Igreja Católica no Brasil, por sua vez, atendendo às diretrizes do Vaticano, 
esforçou-se nas últimas décadas para esvaziar movimentos como a Teologia da 
Libertação, que representavam uma inserção do evangelho na política pelo caminho 
coletivo e pela formação de base. Esforçou-se com tanto afinco que perseguiu alguns de 
seus representantes mais importantes – e marginalizou outros. Mas parece que nem o 
PT de Lula nem a CNBB têm compreendido que o fenômeno Russomanno também foi 
gerado no ventre de suas guinadas conservadoras – e, no caso do PT, de suas alianças 
pragmáticas e da sua atuação para transformar a política num balcão de negócios. Sem 
esquecer, claro, que o PRB de Russomanno é da base de apoio do governo Dilma. 
Quando a presidente do país dá o Ministério da Cultura para Marta Suplicy, para que ela 
suba no palanque do candidato do PT à prefeitura de São Paulo, por mais que os 
protagonistas aleguem apenas coincidência, é só política de mercado que enxergamos. E 
tudo piora quando Marta invoca uma trindade político-religiosa no palanque de Haddad: 
“O trio é capaz de alavancar (a candidatura de Haddad): a presidente Dilma, o Lula e eu. 
Eu, porque tenho o apelo de quem fez; eu sou a pessoa que faz. O Lula porque é um 
‘deus’ e a presidente Dilma porque é bem avaliada. Então, com a entrada desse trio, vai 
dar certo”. 
Diante do que está aí, feito e dito, por que o eleitor vai achar que Russomanno é pior? 
Ou que as alternativas a ele são de fato diferentes? 
O mais importante não é atacar Celso Russomanno, mas compreender o que ele revela 
do Brasil atual. O fenômeno Russomanno pode ter algo a nos ensinar. Quem sabe sua 
liderança nas pesquisas eleitorais possa mostrar aos futuros candidatos que ética e 
coerência na política valem a pena se quiserem se tornar alternativas reais para uma 
parcela do eleitorado. Ou que se nivelar por baixo em nome dos fins pode ser um tiro no 
pé – tanto quanto se aliar com qualquer um. E talvez o fenômeno Russomanno possa 
ensinar aos futuros governantes que um povo se define pela qualidade do seu desejo. E 
desejo só se qualifica com educação. 
Sempre se pode lamentar que o eleitor deseje o que deseja, mas o eleito r – em geral 
subestimado – sabe o que quer. Se a maioria acredita que tudo o que dá sentido a uma 
vida humana pode ser comprado num shopping, então São Paulo – e o Brasil – merecem 
Celso Russomanno. 
 
 
 A autora busca entender também o “fenômeno Celso Russomanno” 
(grifo nosso). Eliane vai de forma mais aprofundada que o professor Safatle, 
citando o texto dele como mote para o seu. A começar pelo termo “patrulheiro 
do consumidor” que está presente também nos escritos do filósofo. Na 
verdade, esse termo é em virtude dum quadro apresentado por Celso 
Russomanno no programa “Balanço Geral”, chamado “Patrulha do 
Consumidor” da TV Record. Essa explanação não está presente no texto do 
filósofo, algo que Eliane procura elucidar. Lembra Koch (2004, p. 41) que “um 
texto que contenha apenas informação conhecida caminha em círculos, é 
inócuo, pois lhe falta a progressão necessária à construção do mundo atual”. 
Nesse texto, há um grau médio de informatividade, pois a informação é em 
parte esperada e previsível. 
 Ela também busca formar a imagem de Celso com algo externo ao texto, 
conforme expressa em: “que se tornou conhecido por bolinar mulheres na 
cobertura de bailes de carnaval”. Ela remete ao fato que durante a campanha 
veiculou-se vídeos na rede mundial de computadores, em que o candidato, no 
começo dos anos 90, entrevistava mulheres seminuas durante a festa popular 
tupiniquim na TV Gazeta. 
 Em “como se define um povo? De várias maneiras. A principal, me 
parece” (grifo nosso) e também em “ao ascender economicamente, a ‘nova 
classe média’ parece” (grifo nosso), a autora mostra um certo distanciamento 
de suas afirmações, utilizando-se de modalizadoresno decorrer de seu escrito. 
 “Acredito que parte da resposta possa estar no desejo. Na vulgaridade 
do nosso desejo” (grifo nosso). Ela faz uso da primeira pessoa no singular do 
verbo acreditar ao dialogar com o leitor e do pronome “nosso” a fim de 
apresentar que o desejo vulgarizado é dela e do leitor também. 
 Utiliza novamente o efeito de intertextualidade para afirmar como 
exemplo de sua argumentação, citando uma reportagem apresentada pela 
própria “Época”, onde nas letras dum estilo de música são apresentadas o 
pensamento individualista consumista de boa parte da juventude da classe 
emergente. Ela denomina esse estilo como “funk da ostentação”. Ela também 
se lembra de “rappers” que eram contra a lógica tal ostentação, não obstante 
que agora estão participando de campanhas publicitárias. Lembramos aqui o 
Mano Brown que fez comercial para a Nike e aparições na MTV. 
 A jornalista faz um jogo de sentidos com a palavra “marcas”: “as marcas 
de uma vida não se dão pela experiência, mas se adquirem pela compra: as 
marcas da vida são grifes de luxo”. O uso plural do vocábulo colabora com a 
coerência textual, em propagar a ideia de que, basicamente, o sentido da vida 
está no ato de consumir. 
 Ela ressalta a pregação das igrejas neopentecostais associadas ao 
consumo. Ressaltamos que uma boa parte dos seguidores de tais instituições 
pertence à “nova classe média”. Basta observar os bairros mais distantes. 
Interessante que, posteriormente, ela critica a Igreja Católica, por ter sufocado 
um movimento de seu próprio interior, de ideologia de esquerda, de luta 
coletiva, que é o da Teologia da Libertação. 
 “Nesta eleição de São Paulo, testemunhamos uma aliança e uma 
síntese da nova configuração do Brasil – possivelmente menos transitória do 
que alguns acreditam ser” (grifo nosso). O termo que indica transitoriedade 
está também presente no texto do docente da USP. 
 Ela ressalta que as trocas políticas também estão vulgarizadas, onde se 
busca apenas um maior número de votos, como no caso dos candidatos José 
Serra, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), e Fernando Haddad, 
do PT, sendo que este se atrelou ao partido de Paulo Maluf, já citado por 
Safatle, para ter mais espaço na televisão, onde “os produtos são ‘vendidos’ 
aos consumidores”, assinala Eliane. Lembra também da relação de troca feita 
pela Presidente Dilma Roussef a Marta Suplicy, dando a esta o cargo de 
Ministra da Cultura para que apoiasse Haddad. 
 A escritora utiliza-se duma interrogação oratória, onde ela pede ao seu 
auditório que pense junto com ela, confundindo-se com ele: “diante do que está 
aí, feito e dito, por que o eleitor vai achar que Russomanno é pior? Ou que as 
alternativas a ele são de fato diferentes?” 
 Em “e tudo piora quando Marta invoca uma trindade político-religiosa no 
palanque de Haddad” (grifo nosso), a autora utiliza -se, novamente, dum duplo 
sentido, referindo-se ao “Pai, Filho e Espírito Santo” da fé católica, com a união 
de Marta, Lula e Dilma para prestar socorro a Haddad. 
 “E talvez o fenômeno Russomanno possa ensinar aos futuros 
governantes que um povo se define pela qualidade do seu desejo. E desejo só 
se qualifica com educação” (grifo nosso), Eliane em ao utilizar o modalizador 
“talvez”, deixando-nos a impressão de que não quer se comprometer em 
demasia, mas surge de forma contundente e decidida na frase final. 
 O que ela deseja transmitir é que o desejo, a todo custo, pelo 
enriquecimento material despolitizou as ações e políticas públicas, e isso não é 
um efeito causado por essa nova classe consumidora. 
 Eliane se dirige ao leitor de forma contundente: “preste atenção na 
abertura da matéria, que reproduzo aqui: ‘Vida é ter um Hyundai e uma 
Hornet/10 mil pra gastar, Rolex e Juliet’, canta o paulista MC Danado no funk 
‘Top do momento’.” (grifo do autor). O termo “aqui” busca estabelecer uma 
ordenação entre partes do texto. Nesse trecho percebemos um caso de 
polifonia, onde Maingueneau (2004, p. 138) diz que “quando o enunciador cita 
no discurso direto a fala de alguém, não se coloca como responsável por essa 
fala”. Com isso, a autora busca se eximir de qualquer responsabilidade, 
mostra-se séria e cria uma cisão enunciativa: a do discurso citado e a do 
discurso citante. 
 
 Finalmente, apresentamos as ideias de Cláudio Gonçalves Couto, que é 
professor de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. 
Graduou-se em Ciências Sociais pela USP em 1991, obtendo os títulos de 
Mestre e de Doutor pela aludida instituição. Escreveu artigos para o jornal 
“Valor Econômico”. Estuda política brasileira. O texto foi publicado em “O 
Estado de S. Paulo” no dia 18 de setembro. 
 
 
Russomanno, o católico 
Diante do questionamento sobre seus vínculos com a Igreja Universal do Reino de Deus 
(Iurd), o candidato do PRB à Prefeitura de São Paulo, Celso Russomanno, replica ser 
católico fervoroso. Diz que católico é não apenas ele, mas 80% de seu partido, que teria 
apenas 6% de membros da Igreja Universal. Não informa a fonte dos números, mas, 
mesmo admitindo sua correção, ainda é o caso de questionar sua relevância. 
Afinal, as características do conjunto de filiados de um partido diz pouco sobre seus 
rumos ou propósitos gerais. Agremiações partidárias são organizações de poder 
concentrado, decisões centralizadas e relações hierárquicas. Isso não é característica do 
PRB, mas de quaisquer partidos políticos relevantes, mundo afora. Mesmo agremiações 
originalmente abertas à participação da base militante, como PT e PSDB, se tornaram 
partidos de poder concentrado. 
A concentração decorre da profissionalização da política em geral e dos partidos, em 
especial. Tal como as empresas, agremiações não profissionalizadas não prosperam: não 
vencem eleições, não gerem bem suas finanças, não elaboram estratégias vitoriosas de 
conquista e manutenção do poder. E é para isso que os partidos servem - ainda que 
acalentemos fins mais nobres para eles. 
É fundamental compreender o que realmente importa no funcionamento dos partidos e 
na definição dos reais interesses por eles defendidos, a saber: a composição de seu 
grupo dirigente. Logo, tanto faz se de fato houver 80% de católicos entre os filiados do 
PRB, pois o que, na verdade, conta é a composição dos ocupantes dos cargos de 
comando na organização. 
Levantei estes dados do partido de Russomanno, observando dois tipos de informação: 
1) a composição da Executiva Nacional e 2) a presidência dos órgãos estaduais. 
Ressalte-se ainda que, no que concerne aos Estados, o PRB está organizado (sem 
nenhuma exceção) em "Comissões Provisórias", um tipo de estrutura que priva os 
órgãos estaduais de autonomia em relação à direção nacional (como poderia haver no 
caso de diretórios); assim, pode-se afirmar que os presidentes estaduais são prepostos da 
Executiva Nacional. Em alguns Estados, como Roraima, tal "provisoriedade" dura 
desde 2007 e em todos os casos seu prazo de vigência é indeterminado. Assim, o partido 
reflete nos Estados a diretriz dada pelo centro. 
A Executiva Nacional é composta por 18 membros, sendo dez deles (55%) oriundos da 
Igreja Universal do Reino de Deus ou da Record (em alguns casos, de ambas). No caso 
dos sete cargos hierarquicamente mais importantes na Executiva, todos os membros são 
igualmente oriundos da Iurd ou da Record. É bom frisar que essa é uma estimativa 
modesta, pois não foi possível obter informações sobre sete dos membros (que, 
aparentemente, não têm uma vida pública de relevo). 
Nos órgãos estaduais os números são mais impressionantes. Dos 27 presidentes, só 
quatro (15%) não têm ou não tiveram vínculo formal aparente com a Igreja Universalou 
a Record. Todos os demais ou são eclesiásticos da Iurd ou foram funcionários da 
Record, ou ambas as coisas. Se Russomanno considera que um partido com 80% de 
católicos não é vinculado a uma denominação neopentecostal específica, o que dizer de 
uma agremiação em que nada menos que 85% dos dirigentes estaduais são não apenas 
fiéis de uma igreja, mas seus funcionários e dirigentes? 
Não há como ignorar os vínculos orgânicos entre a igreja, o grupo de comunicação e o 
partido. A presença simultânea e/ou a circulação de dirigentes nas três organizações 
evidenciam haver um mesmo grande empreendimento. Iniciado nos anos 70 por Edir 
Macedo, teve tanto sucesso no acúmulo de recursos que logrou comprar a Rede Record 
no início dos anos 90 e, após a eleição esparsa de parlamentares por diversos partidos, 
encampar uma agremiação própria nos anos 2000. 
A presença de não membros da Iurd tanto na Record como no partido não desmente a 
lógica de conglomerado empresarial. Ora, por que motivo uma emissora vinculada a 
uma igreja evangélica tem em sua grade de programação um programa de forte apelo 
erótico como A Fazenda? Simples: porque dá audiência e, consequentemente, lucro. E 
por que um partido controlado por essa igreja evangélica tem como candidato na maior 
cidade do País um "católico fervoroso"? Simples: porque viu nele a opção mais 
competitiva para disputar (e, talvez, ganhar) a eleição. Nos dois casos, trata-se de lançar 
mão do melhor instrumento disponível para alavancar o empreendimento. É de negócios 
que se trata. 
Para que ninguém se iluda, a própria Igreja Universal, por meio de seu veículo próprio 
de imprensa, a Folha Universal, deu boa mostra de como operam as relações de lealdade 
entre a direção da organização e seu corpo de funcionários. Desde 30 de agosto, em 
diferentes cidades do País, foi lançado um livro que traz a autobiografia do bispo Edir 
Macedo - com o sugestivo título Nada a Perder. Ao lançamento compareceram e 
adquiriram a obra, prestigiando o patrão, leais funcionários cuja trajetória não tem nada 
de fidelidade religiosa à Iurd: os jornalistas Paulo Henrique Amorim e Jorge Pontual, a 
modelo e apresentadora Ana Hickmann - para quem "o bispo Edir Macedo é uma 
inspiração pelas lutas que enfrentou e venceu" - e a atriz Bianca Rinaldi. 
Celso Russomanno é também empregado da Record, cujos funcionários demonstraram 
sua lealdade ao bispo, chefe maior da igreja, que controla o grupo de comunicação. 
Tendo em vista que vínculo equivalente há entre igreja e partido, que conduta se pode 
esperar dos membros da agremiação que forem eleitos? Certamente, mandatários em 
cargos importantes, como o prefeito de São Paulo, podem gozar de autonomia política 
considerável. Desde que, claro, estejam dispostos a exercê- la. Será o caso aqui? 
 
 
 O cientista político Cláudio Couto inicia seu artigo expondo os números 
emitidos pelo próprio candidato Russomanno, na forma de discurso relatado e 
indireto: “diz que católico é não apenas ele [Celso Russomanno], mas 80% de 
seu partido, que teria apenas 6% de membros da Igreja Universal”. O candidato 
ao fazer esse parecer no meio televisivo, deseja construir uma imagem distante 
da influência religiosa. Couto vai desconstruir essa tentativa. Os dados 
numéricos é um diferencial em seu texto e garante maior credibilidade ao 
argumentador. 
 Como um estudioso experiente, o professor assinala que os partidos 
políticos profissionalizaram-se numa forma empresarial onde o resultado é o 
que importa, no caso, vencer as eleições, deixando de lado “fins mais nobres”, 
como ele salienta. O autor procura revelar a “composição dos ocupantes dos 
cargos” do partido através de dados estatísticos, onde 55% dos membros da 
Executiva Nacional são ligados à igreja e a Rede Record e 85% dos dirigentes 
estaduais são membros da instituição religiosa. Diante disso, ele conclui: “não 
há como ignorar os vínculos orgânicos entre a igreja, o grupo de comunicação 
e o partido”. 
 A reunião de membros da empresa de comunicação na estrutura do 
PRB, significa, para ele, que “é de negócios que se trata”. Com isso, o cientista 
defende, vagamente, de que o partido é uma forma usada pelo proprietário da 
Record, o bispo Edir Macedo, como uma ferramenta de influência no jogo 
lucrativo do mercado. 
 Utiliza-se do conteúdo duma publicação do grupo religioso, “Folha 
Universal”, onde atores, apresentadores e jornalistas do conglomerado 
comunicativo, mas distantes da igreja, prestigiam o lançamento duma 
“autobiografia do bispo Edir Macedo – com o sugestivo título Nada a Perder” 
(grifo nosso). O termo que grifamos dá-nos pista de como Couto encara a 
relação entre o partido, a igreja e a empresa e colabora com a coerência de 
seu pensamento. Ele lembra que Russomanno, também distante da igreja, é 
empregado de Macedo, sendo que de forma pública “funcionários 
demonstraram sua lealdade ao bispo”. Assim, ele questiona a conduta de Celso 
em se mostrar independente da igreja de Macedo. 
 Encontramos um caso de paralelismo sintático, que dá força ao 
argumentador e apresenta que os objetivos da emissora de televisão e do 
partido político são os mesmos: 
Ora, por que motivo uma emissora vinculada a uma igreja evangélica tem em sua grade 
de programação um programa de forte apelo erótico como A Fazenda? Simples: porque 
dá audiência e, consequentemente, lucro. E por que um partido controlado por essa 
igreja evangélica tem como candidato na maior cidade do País um "católico fervoroso"? 
Simples: porque viu nele a opção mais competit iva para disputar (e, talvez, ganhar) a 
eleição. (grifo nosso) 
 No período acima, há uma prolepse, onde o autor apresenta questões 
para que ele mesmo responda. 
 Couto mostra-se sério, através do discurso direto, relatando palavras 
realmente ditas no trecho que segue: 
Ao lançamento compareceram e adquiriram a obra, prestigiando o patrão, leais 
funcionários cuja trajetória não tem nada de fidelidade religiosa à Iurd: os 
jornalistas Paulo Henrique Amorim e Jorge Pontual, a modelo e apresentadora 
Ana Hickmann - para quem ‘o bispo Edir Macedo é uma inspiração pelas lutas 
que enfrentou e venceu’ - e a atriz Bianca Rinaldi. 
O texto termina numa interrogação oratória: 
tendo em vista que vínculo equivalente há entre igreja e partido, que conduta 
se pode esperar dos membros da agremiação que forem eleitos? Certamente, 
mandatários em cargos importantes, como o prefeito de São Paulo, podem 
gozar de autonomia política considerável. Desde que, claro, estejam dispostos 
a exercê-la. Será o caso aqui? 
 O escrito de Cláudio Couto não questiona a imagem anterior de 
Russomanno, a de um mediador-defensor entre consumidores e empresas. 
Para nós, o texto tem elevada informatividade, sobretudo daquilo que decorre 
em seu dizer: “levantei estes dados do partido de Russomanno”. 
 
 
Três em um 
 
 
 Todos os artigos procuraram apresentar que Celso Russomanno não 
tem nada de bom moço, como ele próprio procurou apresentar sua 
propaganda. 
 Buscou-se sempre lembrar as relações do partido de Russomanno com 
a instituição religiosa do bispo Macedo. Para quem defende o Estado 
Democrático de Direito, um Estado laico, é sempre temerosa uma insurreição 
de valores religiosos. Não obstante, não podemos nos esquecer de que o PT 
tem na sua base uma origem católica, através da Teologia da Libertação, mas 
isso não aparece nos escritos. 
 Também fazem ver a questão de como as eleições estão dentro das 
relações de livre mercado. Safatle e Brum lembram que Russomanno obteve 
sucesso em ser conhecido como um mediador nas relações de consumo entre 
clientes e empresas. Couto assevera que a administraçãoempresarial dominou 
os partidos, onde vencer é o que importa. De qualquer forma, as propostas 
para governar São Paulo, as discussões do bem comum, o espaço político, não 
são os mais importantes. 
 Não podemos nos esquecer de que os proprietários de tais veículos, 
“Época”, ligada a Globo Comunicações, principal concorrente do conglomerado 
Record, “O Estado de S. Paulo” e “Folha de S. Paulo”, possuem seus próprios 
interesses. Parece-nos que atacar Russomanno, um candidato destacado no 
último pleito, é atacar outro concorrente também dos negócios de 
comunicação, Edir Macedo. 
Considerações finais 
 
 
 É lícito que alguém que escreve um texto queira persuadir o seu 
destinatário, através de suas reais crenças ou não. O mais importante é 
descobrir suas reais intenções, quando possível. Sem dúvida, o texto é troca 
de experiências. Em nossos exemplos, tentamos mostrar que o texto opinativo 
disposto na mídia impressa é um local de debates, podendo compreender 
interpretações diversas. Tal plataforma enriquece a Análise Crítica do Discurso. 
 O tema dos três textos estudados, em virtude da ascensão inesperada 
de Celso Russomanno nas pesquisas eleitorais, era pertinente. Eles dão uma 
ideia de como o candidato foi atacado pelos meios de comunicação. A pressão 
sobre Russomanno utilizou-se de muitos argumentos – de qualidade 
consistente, questionando sua relação com religiosos de determinada 
instituição. De qualquer forma, voltamos a sustentar, que o ataque visava 
também a atingir a figura do empresário e religioso Edir Macedo. 
 
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