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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO O CASO RUSSOMANNO NA IMPRENSA MARCELO TAVARES SÃO PAULO 2012 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO O CASO RUSSOMANNO NA IMPRENSA Trabalho apresentado na disciplina Tópicos em Teoria do Texto, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Lúcia da Cunha Victório de Oliveira Andrade SÃO PAULO 2012 Sumário Introdução...................................................................................... ......................3 Desenvolvimento.................................................................................................4 Considerações finais..........................................................................................11 Referências........................................................................................................12 Introdução Apresentaremos aqui a análise de textos opinativos acerca do candidato Celso Russomanno à prefeitura de São Paulo nas eleições do corrente ano. O presente trabalho é importante para compreendermos de modo prático as teorias expostas durante o curso. Deve servir para aqueles que desejam se aprofundar nas Teorias da Argumentação e Análise Crítica do Discurso. Inicialmente, exporemos os pressupostos teóricos. Depois, nós abordaremos o assunto proposto, e finalizaremos com as nossas considerações. Desenvolvimento De tempo em tempos, revistas e jornais veiculam em campanhas publicitárias mensagens dizendo que são independentes. Vale lembrar um caso famoso que assim termina: “Folha de São Paulo, o jornal que mais se compra e o que nunca se vende”. Em um tempo bem mais recente, a revista “Isto é”, apresentou imagens de seus colunistas invocando também “o mito da neutralidade jornalís tica”, conforme assinala Citelli (1985, p. 5), desejando afastar a ideia de persuasão – aqui entendida como mentira, fraude – e buscando transmitir uma mensagem de meio comunicativo digno de confiança. Na Grécia Antiga, o exercício de exposição da palavra era vista como uma forma de expressar a sabedoria. As regras de boa argumentação eram enquadradas como retórica. Aristóteles trouxe bastante luz a esse tema. Ele prenuncia processos e formas para que um texto ganhe ares de verdade, seja mais bonito, tenha estilo elevado. O objetivo não é saber se o que está sendo veiculado é verdadeiro. Para o fi lósofo, existem duas formas argumentativas: o pensamento que vai do particular para o geral (indução), e o oposto, aquilo que vai do geral para o particular (dedução). Para se contestar uma argumentação dum fato, devem-se buscar opiniões de pessoas competentes e outros fatos que comprovem incompatibilidade com fato em questão. Mas o que é argumento? Reboul (1998, p.92) afirma: “Pode-se definir o argumento como uma proposição destinada a levar à admissão de outra”. Um bom orador deve perceber que pode não estar apenas se dirigindo ao seu público particular, mas para um muito maior. Na construção lógica do discurso, o enunciador deve também estar atento às crenças e reações por ele imaginadas de seu público. Se o objetivo do discurso é fazer com que o outro aceite a ideia proposta, daí seu caráter autoritário. A partir de organização de sua estrutura lógica, deve-se buscar um efeito de verdade, de verossimilhança. Para que esse efeito ocorra deve-se presumir a confiança. No surgimento dos princípios liberais, cria-se a ideia de opinião pública, a qual se intitulava como uma reflexão acerca de um assunto de interesse a um grupo de pessoas. Era o uso público da razão e crença do direito de liberdade de expressão. Em estudos modernos, surge o conceito de ideologia. Os recursos linguísticos são desenvolvidos por relações sociais, passando a emitir valores, conceitos. Não há neutralidade. Segundo Cripa (2007 apud Citelli, 2006, p. 41-42), há certos procedimentos nas escolhas de termos (...) pouco afeitos à ingenuidade de identificar na palavra apenas um nomeador de coisas são estratégias de persuasão e convencimento que darão suporte à elaboração/manutenção/reformulação de entendimentos e compreensões, crenças e valores, jogos de revelação e ofuscamento de ideologias, mecanismos que acentuam ou obscurecem interesses, compromissos com grupos e classes; Chauí (2006, 75) escreve sobre a teoria do invisível: “A ideologia contemporânea, escreve Lefort1, é invisível porque não parece construída nem proferida por um agente determinado, convertendo-se em um discurso anônimo”. Recentemente, o ator Pedro Cardoso, numa entrevista fornecida a um programa da Rede Globo de Televisão, ao discutir o papel da mídia das celebridades, fala exatamente da tentativa dos donos dos meios em se afastarem daquilo que é veiculado em suas empresas, como se eles não tivessem poder de influência algum, e que o conteúdo mostrado existe graças apenas à demanda. Para se analisar um texto, devemos procurar saber quem é o autor do texto, quando o texto foi elaborado, contra quem, seus objetivos, como ocorre a manifestação. Não podemos esquecer também a quem se destina o discurso, o tamanho do público, as características (sexo, profissão, etc.), a ideologia. É preciso saber o que o interlocutor espera ouvir. Outrossim, nós devemos nos atentar para aquilo que não está dito no texto. A relação entre a mensagem é assimétrica: a pessoa que a recebe procura reconstruir seu sentido, que pode ser diferente do pensado pelo enunciador. O contexto que cerca o texto deve ser levado em consideração para a construção do sentido. É preciso que o enunciatário deixe marcas para que se chegue ao sentido mais provável. Deve apresentar pertinência para o ouvinte. 1 LEFORT, Claude. “Esboço de uma gênese da ideologia das sociedades modernas”. In: As formas da história. São Paulo, Brasiliense, 1982. Para se dominar um discurso deve-se estar apto para produzi-lo e interpretá-lo. Para tal, necessita-se de dominar a língua e ter conhecimento em relação ao mundo. Ele sempre tem a interação entre o enunciador e o coenunciador. O discurso tem finalidade, busca uma alteração nos interlocutores. Para se entender o papel dum texto, devem-se levar em consideração as formas de estocagem das informações nele inserido, o seu suporte (oral, escrito etc.), bem como as suas formas de difusão. Esses parâmetros também participam da constituição do texto. A imprensa, de forma geral, procura legitimar-se, apresentando-se como imparcial, independente, buscadora da verdade, objetiva e prestadora de serviço público e um dos pilares da democracia. O jornalismo seria um retrato condensado da sociedade. No Brasil, os veículos de comunicação de massa são controlados a alguns grupos familiares. Cripa (2006, p. 41) defende que o controle restrito de tais meios, impossibilita uma propagação plural discursiva em assuntos econômicos, políticos, culturais e sociais, obtendo o efeito de padronização de assuntos, de fotos e de formas gráficas. O efeito gerado pela imprensa é o de instrumentalizar as notícias selecionadas e veiculadas num tom ideológico, dando espaço àquelas que, de alguma forma, tenham repercussão, interesse e consequência sociais. Num texto de jornal, não se espera que o leitor esteja no mesmo espaço físico do escritor,sendo que este não possui controle sobre a recepção de seu texto. Num texto escrito, o leitor pode variar a forma e velocidade de leitura, com interrupções, podendo também fazer análises ao que foi lido. O texto escrito pode ser copiado e arquivado. Num texto impresso, as formas tipográficas sobre o papel levam a uma maior distância entre enunciador e enunciatário, dando margem de alguma forma ao anonimato. Como todo texto tem um sujeito que o elabora é possível depreender através dele sua personalidade (ethos). A maneira pela qual o escritor se expressa permite ao leitor que imagine uma maneira de ser daquele. Um texto é eficiente em sua capacidade de persuasão quando faz com que o receptor se deixe levar pelo mesmo movimento do texto, assimilando seu esquema, sua organização, sua interpretação, sua finalidade. Aqui, a revista “Época”, e os jornais “Folha de S. Paulo” e “O Estado de S. Paulo” foram escolhidos pela importância à sociedade letrada brasileira, configurando, até certo ponto, as formas de expressão política e econômica dos grupos empresarias a que pertencem tais publicações. Escolhemos os textos que se referem ao então candidato Celso Russomanno, por ele ter se destacado no pleito último e como tais escritos buscaram construir/desconstruir sua imagem ante os leitores. Ressaltamos que o Partido Republicano Brasi leiro (PRB), do qual Celso é afiliado, possui diversos membros da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), bem como inúmeros dirigentes do conglomerado da Rede Record, que também possui pessoas ligadas à aludida instituição religiosa. Celso Russomanno começou sua carreira na televisão nos anos oitenta, num programa exibido às madrugadas onde entrevistava celebridades. Ganhou notoriedade ao fazer reportagens no programa “Aqui Agora”, exibido pelo Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), defendendo consumidores que alegavam ter seus direitos lesados por empresas. Seguiu carreira política como deputado federal a partir dos anos noventa. Os textos estudados são artigos de opinião. Marcuschi (2002, p. 27) assinala que “quando se nomeia um certo texto como ‘narrativo’, ‘descritivo’ ou ‘argumentativo’, não se está nomeando o gênero e sim o predomínio de um tipo de sequência de base.” Inicialmente, apresentamos o texto do professor Vladimir Safatle, publicado em 04 de setembro de 2012 na “Folha de S. Paulo”. Ele tem graduação em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) no ano de 1994 e obteve o título de Doutor pela Université de Paris VIII oito anos depois. Atualmente é professor livre docente do departamento de filosofia da USP. Entre os seus objetos de estudos estão psicologia e filosofia da música. Segue seu texto. O filho bastardo O fenômeno Celso Russomanno poderia ser colocado na conta da inquebrantável tradição do populismo conservador paulistano. Tradição que já deu para a cidade prefeitos como Adhemar de Barros, Jânio Quadros e Paulo Maluf (com suas emulações tecnocratas, Pitta e Kassab). Políticos conservadores que, cada um à sua maneira, encontraram alguma forma de se colocar como caixa de ressonância dos medos populares. Porém é provável que seja necessária uma variável a mais para compreendermos um fenômeno eleitoral sobre o qual todos, até agora, quiseram acreditar que era transitório. Pois se existe alguma coisa em Russomanno que nos remete aos arcaísmos de São Paulo, há algo que deve ser compreendido em outra chave. Na verdade, ele é uma expressão mais bem-acabada de um certo conservadorismo pós- lulista ou, se quisermos, um conservadorismo que aparece como filho bastardo do lulismo. Entre outras características, o lulismo definiu-se pela aliança política de setores da esquerda brasileira e alas de políticos conservadores à procura de sobrevida ou em rota de colisão com a hegemonia PSDB-DEM. Tal aliança permitiu, por um lado, a constituição de um sistema de seguridade social de extensão até então inédita no Brasil. Por outro, ela consolidou a ascensão econômica de largas parcelas da população brasileira por meio, principalmente, da ampliação das possibilidades de consumo. Note-se que tal ascensão econômica, com seu consequente sentimento de cidadania conquistada, não passou pelo acesso a serviços sociais ampliados e consolidados em sua qualidade. Afora a importante expansão das universidades federais, ascensão significou poder pagar escola privada, plano de saúde privado, celular, eletrodomésticos e frequentar universidade privada. Ou seja, os direitos da cidadania foram traduzidos em direitos do consumidor. Nesse contexto, nada mais compreensível do que um pretenso "patrulheiro do consumidor" aparecer como representante dos anseios da nova classe média. Para quem alcançou a cidadania por meio do consumo (animado por uma igreja que é a representante maior da Teologia da Prosperidade), a defesa dos direitos segue a lógica do Procon. Por outro lado, como parlamentar de partidos da base aliada, Russomanno não precisa carregar o peso morto de ser um candidato anti-Lula: o calcanhar de aquiles da política brasileira. De toda forma, como o lulismo foi o resultado de acordos políticos heteróclitos, nenhum basteamento ideológico foi possível. Sempre houve um conservadorismo que cresceu sob as asas do novo governo. Agora, ele se apresenta em voo próprio, como um filho bastardo do lulismo com o populismo conservador. Safatle não escreve um artigo científico, mas para um jornal diário e de forma meramente opinativa, apesar de algumas manifestações serem sustentadas por fatos reais. Como professor universitário da área de filosofia, ele possui autoridade de argumentação. Seu posicionamento é sabidamente de esquerda, apresentando-se também na revista “Carta Capital”. O professor atesta que Celso Russomanno (PRB) não é um fenômeno novo no contexto eleitoral paulistano, sendo nada mais que um continuísmo de figuras como Adhemar de Barros, Jânio Quadros e Paulo Maluf, os quais utilizavam a bandeira da ordem pública para o combate à criminalidade, da melhoria dos serviços públicos e do fazimento de grandes obras. Para qualificar o candidato Celso, o autor o considera um fenômeno transitório: “porém é provável que seja necessária uma variável a mais para compreendermos um fenômeno eleitoral sobre o qual todos, até agora, quiseram acreditar que era transitório” (grifo nosso). O termo grifado é um modalizador. Mais forte é a qualificação que dá o título ao seu texto “filho bastardo do lulismo”. Em “fenômeno” e “transitório”, ele faz avaliação não axiológica. Ao chamar Celso como “bastardo” e que “nos remete aos arcaísmos” (grifo nosso) fornece um julgamento implícito negativo. A partícula “nos” busca aproximar o leitor ao autor. O interessante é que Safatle relaciona o conservadorismo paulistano com o cenário da política nacional, após o governo do Ex-Presidente Lula, que foi eleito em 2002 pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Tais elementos em ordem sequencial pelo texto acabam fornecendo a coesão necessária. No segundo parágrafo, em “é provável que seja necessária uma variável a mais para compreendermos”, o termo “provável” denota alguma forma de distanciamento do enunciador em sua afirmação. No terceiro parágrafo, o uspiano explica que o lulismo foi um conluio entre setores da esquerda com políticos conservadores a fim de ganhar espaço político. O que houve foi o chamado, no senso comum, pragmatismo, sem preocupação ideológica. Ele cunha tal política como “o resultado de acordos políticos heteróclitos”. Segundo ele, no governo de Lula houve uma inédita “ascensão econômica de largas parcelas da população” que geraramum “sentimento de cidadania” pelo consumo e não a serviços públicos de qualidade. Os críticos dessa política assinalam que a “expansão do consumo” diminui o confli to de classes e o ímpeto de politização das pessoas, através duma falsa sensação de bem-estar. Daí, um “patrulheiro do consumidor”, adjetiva ele novamente Celso Russomanno, a fim de representar os sabores da “nova classe média”: “para quem alcançou a cidadania por meio do consumo (animado por uma igreja que é a representante maior da teologia da prosperidade), a defesa dos direitos segue a lógica do Procon.” Há sociólogos e economistas que criticam essa expressão “nova classe média”. Para eles, o que há é apenas uma faixa de renda, não se configurando uma “classe” no sentido marxista, que é um conjunto de pessoas que compartilham valores. O uso desse termo seria para fins de propaganda política somente. Safatle não traz dados estatísticos para comprovar essa ascensão econômica, ratificando-se com aquilo que foi exaustivamente divulgado pela imprensa. Procon é a Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor. O autor ao dizer que “a defesa dos direitos segue a lógica do Procon” exercita uma perífrase. O intelectual relaciona Russomanno à Igreja Universal do Reino de Deus a qual profetiza a Teologia da Prosperidade. Tal posicionamento teológico defende que aqueles que realmente acreditam na palavra de Deus não passam por dificuldades financeiras. Safatle mais uma vez relaciona o candidato ao acesso a bens materiais. Safatle segue o pensamento de muitos cientistas políticos que avaliam ser uma posição incômoda a aqueles que manifestarem sua oposição à Lula, alguém que, segundo pesquisas, possui bastante popularidade. O docente cita isso, para fazer uma sequência expositiva: o PRB foi e continua sendo um dos partidos da base aliada do PT no cenário nacional, tendo como Ministro da Pesca e Aquicultura, o bispo da Igreja Universal, Marcelo Crivella. Sendo assim, Russomanno está livre do “calcanhar de aquiles da política brasi leira”. Há um caso de coesão referencial expresso em: ”sempre houve um conservadorismo que cresceu sob as asas do novo governo. Agora, ele se apresenta em voo próprio, como um filho bastardo do lulismo com o populismo conservador. (grifo nosso)” O modalizador “sempre” sustenta a defesa de existência tradicional de valores conservadores paulistanos. Ele critica abertamente a política lulista de não incluir as pessoas por serviços públicos dignos, mas pelo consumo, e, ao final do texto, faz novamente menção aos acordos com políticos conservadores utilizando o epíteto “heteróclito”, mantenedor da coerência textual. Eis os dois motivos que pariram o filho bastardo. Uma coisa que não está no texto, mas que vale ser citada, é que ao preparar da campanha eleitoral do corrente ano, houve uma foto bastante divulgada de cumprimentos entre o ex-operário de esquerda Lula e o conservador Maluf a fim dum acordo político. Celso Russomanno pertencia ao partido de Maluf, o Partido Progressista (PP). Agora, exporemos o texto da jornalista Eliane Brum de 17 de setembro em sua coluna no sítio da “Época”. Ela é escritora de um romance e documentarista. Russomanno e a vulgaridade do desejo O “patrulheiro do consumidor” lidera em São Paulo porque, se a política é de mercado, ele pode convencer como mercadoria Como se define um povo? De várias maneiras. A principal, me parece, é pela qualidade do seu desejo. É por este viés que também podemos compreender o fenômeno Celso Russomanno (PRB). Como um homem que se tornou conhecido por bolinar mulheres na cobertura de bailes de carnaval e como “patrulheiro do consumidor” em programa da TV Record, apoiado pela Igreja Universal do Reino de Deus, torna-se líder de intenções de votos na maior cidade do Brasil? Acredito que parte da resposta possa estar no desejo. Na vulgaridade do nosso desejo. No que consiste o desejo das diferentes camadas da população, seja o topo da pirâmide, a classe média tradicional, o que tem sido chamado de “nova classe média” ou classe C. Para além das diferenças, que são muitas, há algo que tem igualado a socialite que faz compras no Shopping Cidade Jardim, um dos mais luxuosos de São Paulo, ao jovem das periferias paulistanas carentes de serviços públicos de qualidade. E o que é? A identificação como consumidor, acima de todas as maneiras de olhar para si mesmo – e para o outro. É para consumir que boa parte da população não só de São Paulo quanto do Brasil urbano tem conduzido o movimento da vida – e se consumido neste movimento. Dois textos recentes são especialmente reveladores para nos ajudar a compreender o Brasil atual. Em sua coluna de 4/9, na Folha de S. Paulo, o filósofo Vladimir Safatle faz uma análise interessantíssima do caso Russomanno. Ele parte do fato de que a ascensão econômica de larga parcela da população no lulismo se dá principalmente pela ampliação das possibilidades de consumo – e não pela ampliação do acesso a serviços sociais de qualidade. Logo, para essa camada da população, os direitos da cidadania são decodificados como direitos do consumidor. Nada mais lógico para representá- la e defender seus interesses do que um prefeito que seja um pretenso “patrulheiro do consumidor”, bancado por uma das igrejas líderes da “teologia da prosperidade”. Russomanno seria, na definição de Safatle, “o filho bastardo do lulismo com o populismo conservador”. Na ótima reportagem intitulada “O Funk da Ostentação em São Paulo”, o repórter de Época Rafael de Pino conta como se dá a apropriação do funk carioca nas periferias de São Paulo. Preste atenção na abertura da matéria, que reproduzo aqui: “‘Vida é ter um Hyundai e uma Hornet/10 mil pra gastar, Rolex e Juliet’, canta o paulista MC Danado no funk ‘Top do momento’. Para quem não entendeu, ele fala, na ordem, de um carro, uma moto, dinheiro, um relógio e um par de óculos – um refrão avaliado em R$ 400 mil. Na plateia do show na Zona Leste, região que concentra bairros populares de São Paulo, os versos são repetidos aos berros pelas quase 1.000 pessoas presentes, que pagaram ingressos a R$ 30. O público da sexta- feira é jovem, etnicamente diverso e poderia ser descrito em três palavras: ‘classe C emergente’.” MC Danado, como nos conta Rafael de Pino, antes de se tornar um astro, trabalhou como office-boy e auxiliar de escritório. Ele diz o seguinte: “Gosto da ostentação, gosto de ostentar. Parte do que canto, eu tenho. Outra parte, desejo e vou conquistar com meu trabalho”. Vale a pena conferir os refrões de outros funkeiros da ostentação, como MC Guimê: “Ta-pa-ta-pa tá patrão, ta-pa-ta-pa tá patrão/Tênis Nike Shox, Bermuda da Oakley, Olha a situação”. Ou MCs BackDi e Bio-G3: “É classe A, é classe A/quando o bonde passa nas pistas geral, tá ligado que é ruim de aturar/É classe A, é classe A/Nós tem carro, tem moto e dinheiro”. MC Menor, outra estrela ascendente, explica: “Enxergo o mundo como meu público enxerga. Nasci na comunidade, sei que lá ninguém quer cantar pobreza e miséria”. Não por acaso, é em São Paulo que o funk se torna uma expressão do desejo de consumo da juventude emergente das periferias. Ao ascender economicamente, a “nova classe média” parece se apropriar da visão de mundo da classe média tradicional – talvez com mais pragmatismo e certamente com muito mais pressa. Em vez de lutar coletivamente por escola pública de qualidade, saúde pública de qualidade, transporte público de qualidade, o caminho é individual, via consumo: escola privada e plano de saúde privado, mesmo que sem qualidade, e carro para se livrar do ônibus, mesmo quefique parado no trânsito. O núcleo a partir do qual são eleitas as prioridades não é a comunidade, mas a família. Se no passado recente o rap arrastou multidões nas periferias de São Paulo com um discurso fortemente ideológico contra o mercado, hoje o espaço é parcialmente ocupado pelo “funk da ostentação” e seu discurso de que uma vida só ganha sentido no consumo. As marcas de uma vida não se dão pela experiência, mas se adquirem pela compra: as marcas da vida são grifes de luxo, segundo nos informam as letras do funk paulista. Alguns dos grandes nomes do rap engajado do passado também podem ser vistos hoje anunciando produtos na TV com desembaraço – o que também quer dizer alguma coisa. É importante observar, porém, que aquilo que eu tenho chamado aqui de vulgaridade do desejo não é uma novidade trazida pela “nova classe média”. Ao contrário, a influência tem sinal trocado. O que os emergentes da classe C tem feito é se apropriar da vulgaridade do desejo das elites. O funk da ostentação de MC Danado, ao recitar grifes e fazer uma ode ao consumo, pode estar na boca de qualquer socialite que possamos entrevistar agora no corredor de um dos shoppings de luxo. Neste contexto, a vulgaridade do desejo tem em Russomanno sua expressão mais bem acabada na política. Assim como na religião encontra expressão em parte das igrejas evangélicas neopentecostais e sua teologia do compre agora para ganhar agora. Nesta eleição de São Paulo, testemunhamos uma aliança e uma síntese da nova configuração do Brasil – possivelmente menos transitória do que alguns acreditam ser. Russomanno não inventou a vulgaridade do desejo – apenas a explicitou e tratou de encarná- la. Seus oponentes têm uma biografia muito mais relevante, assim como partidos mais sólidos. Mas parecem ter perdido essa vantagem junto a setores da população no momento em que se renderem à lógica do consumo e viraram também eles um produto eleitoral. Pela adesão à política de mercado, perderam a chance de representar uma alternativa, inclusive moral. José Serra (PSDB) tem feito quase qualquer coisa para conquistar o apoio das igrejas na tentativa de vencer as disputas eleitorais. Basta lembrar como um dos exemplos mais contundentes o falso debate do aborto estimulado por ele na última eleição presidencial, na ânsia de ganhar o voto religioso. E Fernando Haddad (PT), que se pretende “novo ”, antes do início oficial da campanha já tinha abraçado o velho Maluf. Para quê? Para ter mais tempo de TV – o lugar por excelência no qual os produtos são “vendidos” aos consumidores. Quem transformou eleitores em consumidores de produtos eleitorais não foi Celso Russomanno. Ele apenas aproveitou-se da conjuntura propícia – e não perdeu a oportunidade ao perceber que os outros reduziram-se a ponto de jogar no seu campo. Afinal, de mercadoria Russomanno entende. É bastante interessante que entre os mais perplexos diante deste novo Brasil, representado pelo fenômeno Russomanno, estejam o PT e a Igreja Católica. Ambos, porém, estão no cerne da mudança que agora se desenha com maior clareza. A “era” Lula marcou e segue marcando sua atuação também pelo esvaziamento dos movimentos sociais – e da saída coletiva, construída e conquistada que foi decisiva para a formação do PT. Também estimulou sem qualquer prurido o personalismo populista na figura do líder/pai. Assim como na campanha que elegeu Dilma Rousseff, a sucessora de Lula no governo foi apresentada como filha do pai/mãe do povo. Em nenhum momento, nem o PT nem Lula pareceram se importar de verdade com o fato de que os numerosos militantes que no passado ocupavam os espaços públicos com suas bandeiras e seu idealismo foram gradualmente sendo substituídos por cabos eleitorais pagos, em mais uma adesão à lógica de mercado. A cúpula da Igreja Católica no Brasil, por sua vez, atendendo às diretrizes do Vaticano, esforçou-se nas últimas décadas para esvaziar movimentos como a Teologia da Libertação, que representavam uma inserção do evangelho na política pelo caminho coletivo e pela formação de base. Esforçou-se com tanto afinco que perseguiu alguns de seus representantes mais importantes – e marginalizou outros. Mas parece que nem o PT de Lula nem a CNBB têm compreendido que o fenômeno Russomanno também foi gerado no ventre de suas guinadas conservadoras – e, no caso do PT, de suas alianças pragmáticas e da sua atuação para transformar a política num balcão de negócios. Sem esquecer, claro, que o PRB de Russomanno é da base de apoio do governo Dilma. Quando a presidente do país dá o Ministério da Cultura para Marta Suplicy, para que ela suba no palanque do candidato do PT à prefeitura de São Paulo, por mais que os protagonistas aleguem apenas coincidência, é só política de mercado que enxergamos. E tudo piora quando Marta invoca uma trindade político-religiosa no palanque de Haddad: “O trio é capaz de alavancar (a candidatura de Haddad): a presidente Dilma, o Lula e eu. Eu, porque tenho o apelo de quem fez; eu sou a pessoa que faz. O Lula porque é um ‘deus’ e a presidente Dilma porque é bem avaliada. Então, com a entrada desse trio, vai dar certo”. Diante do que está aí, feito e dito, por que o eleitor vai achar que Russomanno é pior? Ou que as alternativas a ele são de fato diferentes? O mais importante não é atacar Celso Russomanno, mas compreender o que ele revela do Brasil atual. O fenômeno Russomanno pode ter algo a nos ensinar. Quem sabe sua liderança nas pesquisas eleitorais possa mostrar aos futuros candidatos que ética e coerência na política valem a pena se quiserem se tornar alternativas reais para uma parcela do eleitorado. Ou que se nivelar por baixo em nome dos fins pode ser um tiro no pé – tanto quanto se aliar com qualquer um. E talvez o fenômeno Russomanno possa ensinar aos futuros governantes que um povo se define pela qualidade do seu desejo. E desejo só se qualifica com educação. Sempre se pode lamentar que o eleitor deseje o que deseja, mas o eleito r – em geral subestimado – sabe o que quer. Se a maioria acredita que tudo o que dá sentido a uma vida humana pode ser comprado num shopping, então São Paulo – e o Brasil – merecem Celso Russomanno. A autora busca entender também o “fenômeno Celso Russomanno” (grifo nosso). Eliane vai de forma mais aprofundada que o professor Safatle, citando o texto dele como mote para o seu. A começar pelo termo “patrulheiro do consumidor” que está presente também nos escritos do filósofo. Na verdade, esse termo é em virtude dum quadro apresentado por Celso Russomanno no programa “Balanço Geral”, chamado “Patrulha do Consumidor” da TV Record. Essa explanação não está presente no texto do filósofo, algo que Eliane procura elucidar. Lembra Koch (2004, p. 41) que “um texto que contenha apenas informação conhecida caminha em círculos, é inócuo, pois lhe falta a progressão necessária à construção do mundo atual”. Nesse texto, há um grau médio de informatividade, pois a informação é em parte esperada e previsível. Ela também busca formar a imagem de Celso com algo externo ao texto, conforme expressa em: “que se tornou conhecido por bolinar mulheres na cobertura de bailes de carnaval”. Ela remete ao fato que durante a campanha veiculou-se vídeos na rede mundial de computadores, em que o candidato, no começo dos anos 90, entrevistava mulheres seminuas durante a festa popular tupiniquim na TV Gazeta. Em “como se define um povo? De várias maneiras. A principal, me parece” (grifo nosso) e também em “ao ascender economicamente, a ‘nova classe média’ parece” (grifo nosso), a autora mostra um certo distanciamento de suas afirmações, utilizando-se de modalizadoresno decorrer de seu escrito. “Acredito que parte da resposta possa estar no desejo. Na vulgaridade do nosso desejo” (grifo nosso). Ela faz uso da primeira pessoa no singular do verbo acreditar ao dialogar com o leitor e do pronome “nosso” a fim de apresentar que o desejo vulgarizado é dela e do leitor também. Utiliza novamente o efeito de intertextualidade para afirmar como exemplo de sua argumentação, citando uma reportagem apresentada pela própria “Época”, onde nas letras dum estilo de música são apresentadas o pensamento individualista consumista de boa parte da juventude da classe emergente. Ela denomina esse estilo como “funk da ostentação”. Ela também se lembra de “rappers” que eram contra a lógica tal ostentação, não obstante que agora estão participando de campanhas publicitárias. Lembramos aqui o Mano Brown que fez comercial para a Nike e aparições na MTV. A jornalista faz um jogo de sentidos com a palavra “marcas”: “as marcas de uma vida não se dão pela experiência, mas se adquirem pela compra: as marcas da vida são grifes de luxo”. O uso plural do vocábulo colabora com a coerência textual, em propagar a ideia de que, basicamente, o sentido da vida está no ato de consumir. Ela ressalta a pregação das igrejas neopentecostais associadas ao consumo. Ressaltamos que uma boa parte dos seguidores de tais instituições pertence à “nova classe média”. Basta observar os bairros mais distantes. Interessante que, posteriormente, ela critica a Igreja Católica, por ter sufocado um movimento de seu próprio interior, de ideologia de esquerda, de luta coletiva, que é o da Teologia da Libertação. “Nesta eleição de São Paulo, testemunhamos uma aliança e uma síntese da nova configuração do Brasil – possivelmente menos transitória do que alguns acreditam ser” (grifo nosso). O termo que indica transitoriedade está também presente no texto do docente da USP. Ela ressalta que as trocas políticas também estão vulgarizadas, onde se busca apenas um maior número de votos, como no caso dos candidatos José Serra, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), e Fernando Haddad, do PT, sendo que este se atrelou ao partido de Paulo Maluf, já citado por Safatle, para ter mais espaço na televisão, onde “os produtos são ‘vendidos’ aos consumidores”, assinala Eliane. Lembra também da relação de troca feita pela Presidente Dilma Roussef a Marta Suplicy, dando a esta o cargo de Ministra da Cultura para que apoiasse Haddad. A escritora utiliza-se duma interrogação oratória, onde ela pede ao seu auditório que pense junto com ela, confundindo-se com ele: “diante do que está aí, feito e dito, por que o eleitor vai achar que Russomanno é pior? Ou que as alternativas a ele são de fato diferentes?” Em “e tudo piora quando Marta invoca uma trindade político-religiosa no palanque de Haddad” (grifo nosso), a autora utiliza -se, novamente, dum duplo sentido, referindo-se ao “Pai, Filho e Espírito Santo” da fé católica, com a união de Marta, Lula e Dilma para prestar socorro a Haddad. “E talvez o fenômeno Russomanno possa ensinar aos futuros governantes que um povo se define pela qualidade do seu desejo. E desejo só se qualifica com educação” (grifo nosso), Eliane em ao utilizar o modalizador “talvez”, deixando-nos a impressão de que não quer se comprometer em demasia, mas surge de forma contundente e decidida na frase final. O que ela deseja transmitir é que o desejo, a todo custo, pelo enriquecimento material despolitizou as ações e políticas públicas, e isso não é um efeito causado por essa nova classe consumidora. Eliane se dirige ao leitor de forma contundente: “preste atenção na abertura da matéria, que reproduzo aqui: ‘Vida é ter um Hyundai e uma Hornet/10 mil pra gastar, Rolex e Juliet’, canta o paulista MC Danado no funk ‘Top do momento’.” (grifo do autor). O termo “aqui” busca estabelecer uma ordenação entre partes do texto. Nesse trecho percebemos um caso de polifonia, onde Maingueneau (2004, p. 138) diz que “quando o enunciador cita no discurso direto a fala de alguém, não se coloca como responsável por essa fala”. Com isso, a autora busca se eximir de qualquer responsabilidade, mostra-se séria e cria uma cisão enunciativa: a do discurso citado e a do discurso citante. Finalmente, apresentamos as ideias de Cláudio Gonçalves Couto, que é professor de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Graduou-se em Ciências Sociais pela USP em 1991, obtendo os títulos de Mestre e de Doutor pela aludida instituição. Escreveu artigos para o jornal “Valor Econômico”. Estuda política brasileira. O texto foi publicado em “O Estado de S. Paulo” no dia 18 de setembro. Russomanno, o católico Diante do questionamento sobre seus vínculos com a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), o candidato do PRB à Prefeitura de São Paulo, Celso Russomanno, replica ser católico fervoroso. Diz que católico é não apenas ele, mas 80% de seu partido, que teria apenas 6% de membros da Igreja Universal. Não informa a fonte dos números, mas, mesmo admitindo sua correção, ainda é o caso de questionar sua relevância. Afinal, as características do conjunto de filiados de um partido diz pouco sobre seus rumos ou propósitos gerais. Agremiações partidárias são organizações de poder concentrado, decisões centralizadas e relações hierárquicas. Isso não é característica do PRB, mas de quaisquer partidos políticos relevantes, mundo afora. Mesmo agremiações originalmente abertas à participação da base militante, como PT e PSDB, se tornaram partidos de poder concentrado. A concentração decorre da profissionalização da política em geral e dos partidos, em especial. Tal como as empresas, agremiações não profissionalizadas não prosperam: não vencem eleições, não gerem bem suas finanças, não elaboram estratégias vitoriosas de conquista e manutenção do poder. E é para isso que os partidos servem - ainda que acalentemos fins mais nobres para eles. É fundamental compreender o que realmente importa no funcionamento dos partidos e na definição dos reais interesses por eles defendidos, a saber: a composição de seu grupo dirigente. Logo, tanto faz se de fato houver 80% de católicos entre os filiados do PRB, pois o que, na verdade, conta é a composição dos ocupantes dos cargos de comando na organização. Levantei estes dados do partido de Russomanno, observando dois tipos de informação: 1) a composição da Executiva Nacional e 2) a presidência dos órgãos estaduais. Ressalte-se ainda que, no que concerne aos Estados, o PRB está organizado (sem nenhuma exceção) em "Comissões Provisórias", um tipo de estrutura que priva os órgãos estaduais de autonomia em relação à direção nacional (como poderia haver no caso de diretórios); assim, pode-se afirmar que os presidentes estaduais são prepostos da Executiva Nacional. Em alguns Estados, como Roraima, tal "provisoriedade" dura desde 2007 e em todos os casos seu prazo de vigência é indeterminado. Assim, o partido reflete nos Estados a diretriz dada pelo centro. A Executiva Nacional é composta por 18 membros, sendo dez deles (55%) oriundos da Igreja Universal do Reino de Deus ou da Record (em alguns casos, de ambas). No caso dos sete cargos hierarquicamente mais importantes na Executiva, todos os membros são igualmente oriundos da Iurd ou da Record. É bom frisar que essa é uma estimativa modesta, pois não foi possível obter informações sobre sete dos membros (que, aparentemente, não têm uma vida pública de relevo). Nos órgãos estaduais os números são mais impressionantes. Dos 27 presidentes, só quatro (15%) não têm ou não tiveram vínculo formal aparente com a Igreja Universalou a Record. Todos os demais ou são eclesiásticos da Iurd ou foram funcionários da Record, ou ambas as coisas. Se Russomanno considera que um partido com 80% de católicos não é vinculado a uma denominação neopentecostal específica, o que dizer de uma agremiação em que nada menos que 85% dos dirigentes estaduais são não apenas fiéis de uma igreja, mas seus funcionários e dirigentes? Não há como ignorar os vínculos orgânicos entre a igreja, o grupo de comunicação e o partido. A presença simultânea e/ou a circulação de dirigentes nas três organizações evidenciam haver um mesmo grande empreendimento. Iniciado nos anos 70 por Edir Macedo, teve tanto sucesso no acúmulo de recursos que logrou comprar a Rede Record no início dos anos 90 e, após a eleição esparsa de parlamentares por diversos partidos, encampar uma agremiação própria nos anos 2000. A presença de não membros da Iurd tanto na Record como no partido não desmente a lógica de conglomerado empresarial. Ora, por que motivo uma emissora vinculada a uma igreja evangélica tem em sua grade de programação um programa de forte apelo erótico como A Fazenda? Simples: porque dá audiência e, consequentemente, lucro. E por que um partido controlado por essa igreja evangélica tem como candidato na maior cidade do País um "católico fervoroso"? Simples: porque viu nele a opção mais competitiva para disputar (e, talvez, ganhar) a eleição. Nos dois casos, trata-se de lançar mão do melhor instrumento disponível para alavancar o empreendimento. É de negócios que se trata. Para que ninguém se iluda, a própria Igreja Universal, por meio de seu veículo próprio de imprensa, a Folha Universal, deu boa mostra de como operam as relações de lealdade entre a direção da organização e seu corpo de funcionários. Desde 30 de agosto, em diferentes cidades do País, foi lançado um livro que traz a autobiografia do bispo Edir Macedo - com o sugestivo título Nada a Perder. Ao lançamento compareceram e adquiriram a obra, prestigiando o patrão, leais funcionários cuja trajetória não tem nada de fidelidade religiosa à Iurd: os jornalistas Paulo Henrique Amorim e Jorge Pontual, a modelo e apresentadora Ana Hickmann - para quem "o bispo Edir Macedo é uma inspiração pelas lutas que enfrentou e venceu" - e a atriz Bianca Rinaldi. Celso Russomanno é também empregado da Record, cujos funcionários demonstraram sua lealdade ao bispo, chefe maior da igreja, que controla o grupo de comunicação. Tendo em vista que vínculo equivalente há entre igreja e partido, que conduta se pode esperar dos membros da agremiação que forem eleitos? Certamente, mandatários em cargos importantes, como o prefeito de São Paulo, podem gozar de autonomia política considerável. Desde que, claro, estejam dispostos a exercê- la. Será o caso aqui? O cientista político Cláudio Couto inicia seu artigo expondo os números emitidos pelo próprio candidato Russomanno, na forma de discurso relatado e indireto: “diz que católico é não apenas ele [Celso Russomanno], mas 80% de seu partido, que teria apenas 6% de membros da Igreja Universal”. O candidato ao fazer esse parecer no meio televisivo, deseja construir uma imagem distante da influência religiosa. Couto vai desconstruir essa tentativa. Os dados numéricos é um diferencial em seu texto e garante maior credibilidade ao argumentador. Como um estudioso experiente, o professor assinala que os partidos políticos profissionalizaram-se numa forma empresarial onde o resultado é o que importa, no caso, vencer as eleições, deixando de lado “fins mais nobres”, como ele salienta. O autor procura revelar a “composição dos ocupantes dos cargos” do partido através de dados estatísticos, onde 55% dos membros da Executiva Nacional são ligados à igreja e a Rede Record e 85% dos dirigentes estaduais são membros da instituição religiosa. Diante disso, ele conclui: “não há como ignorar os vínculos orgânicos entre a igreja, o grupo de comunicação e o partido”. A reunião de membros da empresa de comunicação na estrutura do PRB, significa, para ele, que “é de negócios que se trata”. Com isso, o cientista defende, vagamente, de que o partido é uma forma usada pelo proprietário da Record, o bispo Edir Macedo, como uma ferramenta de influência no jogo lucrativo do mercado. Utiliza-se do conteúdo duma publicação do grupo religioso, “Folha Universal”, onde atores, apresentadores e jornalistas do conglomerado comunicativo, mas distantes da igreja, prestigiam o lançamento duma “autobiografia do bispo Edir Macedo – com o sugestivo título Nada a Perder” (grifo nosso). O termo que grifamos dá-nos pista de como Couto encara a relação entre o partido, a igreja e a empresa e colabora com a coerência de seu pensamento. Ele lembra que Russomanno, também distante da igreja, é empregado de Macedo, sendo que de forma pública “funcionários demonstraram sua lealdade ao bispo”. Assim, ele questiona a conduta de Celso em se mostrar independente da igreja de Macedo. Encontramos um caso de paralelismo sintático, que dá força ao argumentador e apresenta que os objetivos da emissora de televisão e do partido político são os mesmos: Ora, por que motivo uma emissora vinculada a uma igreja evangélica tem em sua grade de programação um programa de forte apelo erótico como A Fazenda? Simples: porque dá audiência e, consequentemente, lucro. E por que um partido controlado por essa igreja evangélica tem como candidato na maior cidade do País um "católico fervoroso"? Simples: porque viu nele a opção mais competit iva para disputar (e, talvez, ganhar) a eleição. (grifo nosso) No período acima, há uma prolepse, onde o autor apresenta questões para que ele mesmo responda. Couto mostra-se sério, através do discurso direto, relatando palavras realmente ditas no trecho que segue: Ao lançamento compareceram e adquiriram a obra, prestigiando o patrão, leais funcionários cuja trajetória não tem nada de fidelidade religiosa à Iurd: os jornalistas Paulo Henrique Amorim e Jorge Pontual, a modelo e apresentadora Ana Hickmann - para quem ‘o bispo Edir Macedo é uma inspiração pelas lutas que enfrentou e venceu’ - e a atriz Bianca Rinaldi. O texto termina numa interrogação oratória: tendo em vista que vínculo equivalente há entre igreja e partido, que conduta se pode esperar dos membros da agremiação que forem eleitos? Certamente, mandatários em cargos importantes, como o prefeito de São Paulo, podem gozar de autonomia política considerável. Desde que, claro, estejam dispostos a exercê-la. Será o caso aqui? O escrito de Cláudio Couto não questiona a imagem anterior de Russomanno, a de um mediador-defensor entre consumidores e empresas. Para nós, o texto tem elevada informatividade, sobretudo daquilo que decorre em seu dizer: “levantei estes dados do partido de Russomanno”. Três em um Todos os artigos procuraram apresentar que Celso Russomanno não tem nada de bom moço, como ele próprio procurou apresentar sua propaganda. Buscou-se sempre lembrar as relações do partido de Russomanno com a instituição religiosa do bispo Macedo. Para quem defende o Estado Democrático de Direito, um Estado laico, é sempre temerosa uma insurreição de valores religiosos. Não obstante, não podemos nos esquecer de que o PT tem na sua base uma origem católica, através da Teologia da Libertação, mas isso não aparece nos escritos. Também fazem ver a questão de como as eleições estão dentro das relações de livre mercado. Safatle e Brum lembram que Russomanno obteve sucesso em ser conhecido como um mediador nas relações de consumo entre clientes e empresas. Couto assevera que a administraçãoempresarial dominou os partidos, onde vencer é o que importa. De qualquer forma, as propostas para governar São Paulo, as discussões do bem comum, o espaço político, não são os mais importantes. Não podemos nos esquecer de que os proprietários de tais veículos, “Época”, ligada a Globo Comunicações, principal concorrente do conglomerado Record, “O Estado de S. Paulo” e “Folha de S. Paulo”, possuem seus próprios interesses. Parece-nos que atacar Russomanno, um candidato destacado no último pleito, é atacar outro concorrente também dos negócios de comunicação, Edir Macedo. Considerações finais É lícito que alguém que escreve um texto queira persuadir o seu destinatário, através de suas reais crenças ou não. O mais importante é descobrir suas reais intenções, quando possível. Sem dúvida, o texto é troca de experiências. Em nossos exemplos, tentamos mostrar que o texto opinativo disposto na mídia impressa é um local de debates, podendo compreender interpretações diversas. Tal plataforma enriquece a Análise Crítica do Discurso. O tema dos três textos estudados, em virtude da ascensão inesperada de Celso Russomanno nas pesquisas eleitorais, era pertinente. Eles dão uma ideia de como o candidato foi atacado pelos meios de comunicação. A pressão sobre Russomanno utilizou-se de muitos argumentos – de qualidade consistente, questionando sua relação com religiosos de determinada instituição. De qualquer forma, voltamos a sustentar, que o ataque visava também a atingir a figura do empresário e religioso Edir Macedo. Referências BRUM, Eliane. Russomanno e a vulgaridade do desejo. Época, 17 set. 2012. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane- brum/noticia/2012/09/russomanno-e-vulgaridade-do-desejo.html>. Acesso em: 07 out. 2012. CHAUI, Marilena. Simulacro e poder: uma análise da mídia. 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