Buscar

HERMENÊUTICA JURÍDICA EM CRISE - LÊNIO STRECK (2014)

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 323 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 323 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 323 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Sumário
Sumário
Ficha	catalográfica
Créditos
Agradecimentos
Epígrafe
Prefácio
Apresentação
Nota
Notas	introdutórias:	mais	de	uma	década	de	Hermenêutica	e(m)	Crise
Notas
1.	A	Modernidade	tardia	no	Brasil:	o	papel	do	Direito	e	as	promessas	da	modernidade	–	da	necessidade	de	uma	crítica
da	razão	ínica	no	Brasil	e	o	binômio	“estamentos-patrimonialismo”
Notas
2.	O	Estado	Democrático	de	Direito	e	a	(dis)funcionalidade	do	Direito
2.1.	Da	interindividualidade	à	transindividualidade	–	a	transição	de	modelos	de	Direito
2.2.	“O	Direito	importa	e	por	isso	é	que	nos	incomodamos	com	essa	história”
2.3.	Elementos	para	um	debate	acerca	do	papel	do	Direito	e	dos	Tribunais	no	Estado	Democrático	de	Direito
2.4.	A	Constituição	e	o	constituir	da	sociedade:	a	superação	da	crise	de	paradigmas	como	condição	de	possibilidade
Notas
3.	A	não	recepção	da	viragem	ontológico-linguística	pelo	modelo	interpretativo	(ainda)	dominante	em	terrae	brasilis
3.1.	A	crise	de	paradigma	(de	dupla	face)	e	o	senso	comum	teórico	dos	juristas	como	horizonte	de	sentido	da	dogmática
jurídica
Notas
4.	Dogmática	e	ensino	jurídico:	o	dito	e	o	não	dito	do	senso	comum	teórico	–	o	universo	do	silêncio	(eloquente)	do
imaginário	dos	juristas
Notas
5.	A	fetichização	do	discurso	e	o	discurso	da	fetichização:	a	dogmática	jurídica,	o	discurso	jurídico	e	a	interpretação	da
lei
5.1.	A	fetichização	do	discurso	jurídico	e	os	obstáculos	à	realização	dos	direitos:	uma	censura	significativa
5.2.	O	processo	de	(re)produção	do	sentido	jurídico	e	a	busca	do	“significante	primeiro”	ou	de	como	a	dogmática	jurídica
ainda	não	superou	os	paradigmas	que	se	sustentam	no	esquema	sujeito-objeto
5.3.	O	sentido	da	interpretação	e	a	interpretação	do	sentido	ou	de	como	a	dogmática	jurídica	(continua)	interpreta(ndo)	a
lei:	no	centro	do	debate,	a	história	do	positivismo	jurídico	e	as	tentativas	de	sua	superação	–	do	exegetismo	(e
pandectismo)	à	jurisprudência	dos	valores	(isto	é,	da	“razão”	à	“vontade”)
5.3.1.	Sobre	(alguns)	mal-entendidos	acerca	do	positivismo
5.3.2.	Voluntas	legis	versus	voluntas	legislatoris:	uma	discussão	ultrapassada
5.3.2.1.	Subjetivismo	e	objetivismo	e	o	problema	dos	paradigmas	filosóficos
5.3.2.1.1.	Objetivismo	e	subjetivismo	na	perspectiva	epistêmica	de	Ferraz	Jr.
5.3.2.1.2.	O	que	são	paradigmas	filosóficos?	De	que	modo	eles	condicionam	a	interpretação?
5.3.2.2.	O	dilema	Objetivismo	v.s.	Subjetivismo	no	âmbito	(hermenêutico)	da	aplicação	do	direito:	o	problema	dos
“cruzamentos	fundacionais”
5.3.2.3.	Objetivismo	e	Subjetivismo	–	voluntas	legis	v.s.	voluntas	legislatoris	e	o	senso	comum	teórico	dos	juristas
5.3.3.	As	lacunas	(hermenêuticas)	do	Direito
5.3.4.	As	técnicas	de	interpretação:	a	hermenêutica	normativa	bettiana	e	a	preocupação	na	fixação	de	regras
interpretativas.	O	método	em	debate
5.3.5.	Os	princípios	constitucionais	e	a	superação	dos	princípios	gerais	do	Direito	–	o	problema	do	pamprincipiologismo
Notas
6.	A	filosofia	e	a	linguagem	ou	de	como	tudo	começou	com	“o	Crátilo”
6.1.	A	primeira	filosofia	de	Aristóteles:	o	nascimento	da	metafísica	e	o	surgimento	de	seu	maior	adversário
6.2.	O	longo	caminho	até	o	século	XX	–	a	continuidade	da	tradição	metafísica	e	as	reações	à	busca	da	essência	e	da	coisa	em
si
6.3.	O	grande	acontecimento	ruptural:	o	surgimento	do	sujeito	–	a	modernidade	e	seu	legado
Notas
7.	Hamann-Herder-Humboldt	e	o	“primeiro”	giro	linguístico	–	as	fontes	gadamerianas	do	século	XIX	e	a	linguagem
como	abertura	e	acesso	ao	mundo
Notas
8.	Saussure	e	o	(re)nascimento	da	linguística.	Peirce	e	seu	projeto	semiótico	–	primeiridade	secundidade	e	terceiridade.
Os	caminhos	para	a	invasão	da	filosofia	pela	linguagem.	Rumo	à	linguagem	como	abertura	do	mundo.
8.1.	O	projeto	semiológico	de	Saussure
8.2.	O	projeto	semiótico-pragmático	de	Charles	S.	Peirce
8.3.	A	Semiótica	jurídica
Notas
9.	A	viragem	linguística	da	filosofia	e	o	rompimento	com	a	metafísica	ou	de	como	a	linguagem	não	é	uma	terceira	coisa
que	se	interpõe	entre	o	sujeito	e	o	objeto
9.1.	A	constituição	de	uma	razão	linguística	como	condição	de	possibilidade	para	o	rompimento	com	a	filosofia	da
consciência
9.2.	A	generalização	do	“giro”:	em	busca	de	superação	dos	Eingenschaften	(atributos)	dos	paradigmas	anteriores
Notas
10.	A	interpretação	do	Direito	no	interior	da	viragem	linguística	(lato	sensu)
10.1.	A	hermenêutica	como	uma	“questão	moderna”
10.2.	A	hermenêutica	e	seus	três	estágios:	técnica	especial	para	interpretação;	teoria	geral	da	interpretação	e	hermenêutica
fundamental
10.2.1.	Hermenêutica	especial
10.2.2.	Teoria	geral	da	interpretação
10.2.3.	Hermenêutica	fundamental
10.3.	A	hermenêutica	jurídica	diante	dessa	intrincada	tessitura
10.4.	A	hermenêutica	filosófica:	abrindo	caminho	para	uma	hermenêutica	jurídica	crítica
10.4.1.	Da	filosofia	hermenêutica	(Heidegger)	à	hermenêutica	filosófica	(Gadamer)
10.4.2.	A	hermenêutica	jurídica	gadameriana:	a	tarefa	criativa	e	produtiva	do	Direito
10.5.	A	diferença	(ontológica)	entre	“texto	e	norma”	e	“vigência	e	validade”:	a	ruptura	com	a	tradição	(metafísica)	da
dogmática	jurídica	–	o	necessário	combate	ao	solipsismo
10.5.1.	Hermenêutica	versus	crítica:	uma	questão	secundária
10.5.2.	A	hermenêutica	jurídico-filosófica,	e	o	rompimento	hermenêutico	com	os	”conceitos-em-si-mesmos-das-normas”	e
o	crime	de	“porte	ilegal	da	fala”
10.5.3.	A	hermenêutica	e	o	combate	ao	solipsismo
Notas
11.	Hermenêutica	jurídica	e(m)	crise:	caminhando	na	direção	de	novos	paradigmas
11.1.	A	modernidade,	seu	legado	e	seu	resgate
11.2.	O	labor	dogmático:	uma	(nova)	forma	de	divisão	do	trabalho?
11.3.	Dogmática	e	Hermenêutica:	a	tarefa	da	(razão)	crítica	do	Direito
11.4.	Hermenêutica	jurídica	e	a	relevância	do	horizonte	de	sentido	proporcionado	pela	Constituição	e	sua	principiologia
11.5.	A	proposição	da	nova	postura	hermenêutica:	um	modo-de-ser	(condição	de	possibilidade)	para	a	exploração
hermenêutica	da	construção	jurídica
Notas
12.	O	abrir	de	uma	clareira	e	a	busca	do	acontecer	do	Direito:	a	hermenêutica	e	a	resistência	constitucional	–	um
(necessário)	posfácio
12.1.	A	abertura	para	a	claridade
12.2.	A	busca	do	acontecimento	(Ereignis)	do	Direito
12.3.	A	necessária	ruptura	com	a	tradição	inautêntica
12.4.	Como	enfrentar	a	crise?	O	“estranho”	representado	pela	Constituição
12.5.	Pode	o	novo	(o	estranho)	triunfar?	A	tarefa	do	des-vela-	mento	hermenêutico
12.6.	O	caráter	não	relativista	da	hermenêutica
12.7.	A	surgência	constitucionalizante:	o-vir-à-presença-do-fenômeno-do-Direito
Notas
Pós-posfácio	–	A	resistência	do	positivismo	–	ainda	o	problema	da	discricionariedade	interpretativa
I.	Uma	advertência	necessária:	a	necessidade	da	preservação	da	Constituição.	A	democracia	como	condição	de
possibilidade.
II.	O	velho	e	o	novo	na	hermenêutica:	o	problema	da	efetividade	da	Constituição	em	um	país	de	modernidade	tardia
III.	Hermenêutica	e	democracia:	discricionariedades	interpretativas,	suas	decorrências	e	consequências.	De	como	o
problema	é	paradigmático
IV.	O	necessário	repto	à	discricionariedade	e	aos	decisionismos.	De	como	as	súmulas	não	devem	ser	entendidas	como	um
“mal	em	si”.
V.	A	resposta	correta	(adequada	à	Constituição)	como	direito	fundamental	do	cidadão
VI.	Fazendo	justiça	a	Dworkin	e	Gadamer.	De	como	o	juiz	Hércules	não	é	subjetivista	(solipsista).	As	razões	pelas	quais
“não	se	pode	dizer	qualquer	coisa	sobre	qualquer	coisa”
Notas
Bibliografia
Lenio	Luiz	Streck
	
Procurador	de	Justiça	–	RS
Doutor	em	Direito	pela	Universidade	Federal	de	Santa	Catarina	–	UFSC
Pós-Doutor	em	Direito	Constitucional	e	Hermenêutica	pela	Universidade	de	Lisboa
Professor	Titular	da	Unisinos	-	RS	(Mestrado	e	Doutorado)	e	Unesa-RJ;	Professor	Visitante	e
Convidado	de	Universidades	brasileiras	e	estrangeiras	(Faculdade	de	Direito	de	Coimbra-PT;	Faculdade	de
Direito	de	Lisboa-PT;	Universidad	Javeriana-CO);	membro	catedrático	da	Academia	Brasileira	de
Direito	Constitucional;	Presidente	de	Honra	do	IHJ	–	Instituto	de	Hermenêutica	Jurídica.
	
	
	
	
	
HERMENÊUTICA	JURÍDICA	E(M)	CRISE
	
Uma	exploração	hermenêutica	da	construção	do	Direito
	
	
	
	
11ª	EDIÇÃO
revista,atualizada	e	ampliada
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
Ficha	catalográfica
Conselho	Editorial
André	Luís	Callegari
Carlos	Alberto	Alvaro	de	Oliveira
Carlos	Alberto	Molinaro
Daniel	Francisco	Mitidiero
Darci	Guimarães	Ribeiro
Draiton	Gonzaga	de	Souza
Elaine	Harzheim	Macedo
Eugênio	Facchini	Neto
Giovani	Agostini	Saavedra
Ingo	Wolfgang	Sarlet
Jose	Luis	Bolzan	de	Morais
José	Maria	Rosa	Tesheiner
Leandro	Paulsen
Lenio	Luiz	Streck
Paulo	Antônio	Caliendo	Velloso	da	Silveira
	
	
	
___________________________________________________________________
	
	
	
S914h	Streck,	Lenio	Luiz
Hermenêutica	jurídica	e(m)	crise:	uma	exploração	hermenêutica	da	construção	do	Direito	/	Lenio	Luiz	Streck.	11.	ed.	rev.,	atual.	e
ampl.	–	Porto	Alegre:	Livraria	do	Advogado	Editora,	2014.
	
ISBN	978-85-7350-139-1
	
1.	Direito.	2.	Dogmática	jurídica
	
(Bibliotecária	responsável:	Marta	Roberto,	CRB-10/652)
	
	
	
Créditos
©	Lenio	Luiz	Streck,	2014
	
	
	
	
Revisão
Rosane	Marques	Borba
	
	
Projeto	gráfico	e	diagramação
Livraria	do	Advogado	Editora
	
	
Gravura	da	capa
Honoré	Daumier	–	Advogado	de	Lesender
	
	
	
	
	
	
Direitos	desta	edição	reservados	por
Livraria	do	Advogado	Editora	Ltda.
Rua	Riachuelo,	1300
90010-273	Porto	Alegre	RS
Fone/fax:	0800-51-7522
editora@livrariadoadvogado.com.br
www.doadvogado.com.br
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
Impresso	no	Brasil	/	Printed	in	Brazil
Agradecimentos
O	presente	livro,	já	em	sua	décima	primeira	edição,	é	resultado	de	projeto	de	pesquisa
patrocinado	pela	UNISINOS	–	Universidade	do	Vale	do	Rio	dos	Sinos	–,	 através	do
Programa	de	Pós-Graduação	em	Direito	–	Mestrado	e	Doutorado,	ligado	ao	Centro	de
Ciências	 Jurídicas	 e	 Sociais.	 Também	 foram	 fundamentais	 os	 diálogos	 com	 meus
amigos	Ernildo	Stein	(Porto	Alegre)	e	Albano	Marcos	Bastos	Pepe	(Recife).
Não	posso	 olvidar	 a	 colaboração	dos	meus	 alunos	dos	 Seminários	de	Hermenêutica
Jurídica,	dos	Cursos	de	Mestrado	e	Doutorado	em	Direito,	além	dos	participantes	do
DASEIN	 –	 Núcleo	 de	 Estudos	 Hermenêuticos	 (Rafael	 Tomaz	 de	 Oliveira,	 André
Karam	Trindade,	 Clarissa	 Tassinari,	 Rafael	 Köche,	 Fabiano	Müller	 e	 Santiago	Artur
Berger	 Sito).	 Nesta	 11ª	 edição,	 colaboraram	 Adriano	 Obach	 Lepper,	 André	 Karam
Trindade,	Clarissa	Tassinari,	Daniel	Ortiz	Matos,	Danilo	Pereira	Lima,	Fabiano	Müller,
Edson	 Vieira,	 Guilherme	 Mariani,	 Luis	 Henrique	 Braga	 Madalena,	 Rafael	 Giorgio
Dalla	Barba,	Rafael	Köche,	Rafael	Tomaz	de	Oliveira,	Rosivaldo	Toscano	dos	 Santos
Júnior,	Santiago	Artur	Berger	Sito,	Saulo	Salvador	Salomão,	Vinicius	de	Melo	Lima,
Marcelo	Cacinotti	e	Victoria	Santos	de	Azevedo.	Coaches	do	projeto:	Clarissa,	Daniel	e
Adriano.
	
E	para	Rosane	e	Malu,	que	sabem	por	quê!
	
Lenio	Luiz	Streck
lenios@globo.com
http://www.leniostreck.com.br
http://www.facebook.com/LenioStreck
Epígrafe
Quando	as	águas	da	enchente	derrubam	as	ca-
sas,	e	o	rio	transborda	arrasando	tudo,	quer
dizer	que	há	muitos	dias	começou	a	chover	na
serra,	ainda	que	não	nos	déssemos	conta.
	
ERACLIO	ZEPEDA
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
	
Prefácio
Sobre	 certos	 temas	 só	 deveríamos	 escrever	 quando	 com	 nossas	 análises	 conseguíssemos
abrir	um	espaço	novo.	Caso	contrário,	caímos	na	repetição,	na	glosa	ou	mesmo	na	paródia.
No	campo	do	direito,	tal	situação	tem	acontecido	com	escandalosa	frequência.	Por	isso	nos
alegramos	 sempre	 que	 uma	 perspectiva	 nova	 se	 apresenta,	 quer	 seja	 para	 ampliar	 a	 visão
teórica,	 quer	 seja	 para	 levantar	 hipóteses	 sobre	 casuística,	 quer	 seja	 para	 trazer	 um	 aporte
novo	no	universo	epistêmico.
Com	o	 livro	Hermenêutica	 jurídica	 e(m)	 crise:	 uma	 exploração	 hermenêutica	 da	 construção	 do
Direito,	 foram	ultrapassadas	muitas	expectativas	que	poderíamos	alimentar	entre	nós	neste
setor.	LENIO	 STRECK	não	 se	 limitou	 àquilo	 que	poderia	 trazer	 um	bom	 livro	de	 teoria	 ou	de
crítica.	A	análise	que	nos	é	apresentada	inaugura	um	universo	teórico	que	certamente	nos	traz
novos	parâmetros	para	o	exame	da	crise	do	direito	e	sua	superação.	Mas	a	moldura	teórica
não	se	constitui	simplesmente	de	uma	apresentação	brilhante	de	argumentos	contra	diversos
grupos	de	autores.	Nem	se	resume	em	introduzir	uma	nova	alternativa	para	alguma	área	da
ciência	do	direito	ou	da	filosofia,	partindo	de	determinados	grupos	de	autores	clássicos.
Temos	diante	de	nós	um	livro	que	revoluciona	a	própria	concepção	do	direito	positivo	atual	e	da
história	do	direito.	Tal	obra	exige	uma	base	muito	ampla,	uma	arquitetônica	inovadora	e	uma
combinação	de	conceitos	 filosóficos	novos	e	atuais.	A	obra	de	LENIO	 STRECK	 traz	 tudo	 isso	e
acrescenta	ainda	três	dimensões	absolutamente	raras	a	se	combinar:	uma	visão	das	questões
concretas	de	direito	e	 sua	aplicação	no	conflituado	 terreno	entre	o	 social	 e	o	 jurídico;	uma
análise	 crítica	 das	 teorias	 jurídicas	 principais	 que	 foram	 produzidas	 durante	 séculos,	 no
empenho	 de	 encontrar	 soluções	 novas	 que,	 combinando	 o	 social,	 o	 político	 e	 o	 jurídico,
afirmaram	 ter	 descoberto	 uma	 nova	 coordenação	 teórica	 harmônica	 num	 estado
democrático;	e	os	contornos	de	uma	matriz	teórica	que	permita	situar	todo	o	debate	em	torno
da	crise	do	direito,	no	contexto	de	um	novo	paradigma.
O	autor	desenvolve	em	seu	livro	elementos	centrais	para	uma	hermenêutica	jurídica	que
sirva	de	vetor	e	de	moldura	para	todo	o	debate	sobre	a	mudança	de	paradigma	no	universo
jurídico.	 Hermenêutica	 perde	 aqui	 seu	 significado	 de	 rotina	 e	 de	 capa	 formal	 que	 vinha
reforçar	 a	 aplicação	 conservadora	da	dogmática	 jurídica.	Hermenêutica	 passa	 a	 nos	 remeter	 a
uma	nova	matriz	de	racionalidade,	em	que	se	possa	desenvolver	toda	crítica	ao	direito	vigente	e
todo	 esforço	 na	 construção	 de	 um	 horizonte	 novo	 para	 pensarmos	 os	 fundamentos	 do
conhecimento	jurídico.
Quem	acompanhou	o	nascimento	do	paradigma	hermenêutico	seguiu	em	muitos	passos	o
desenvolvimento	 da	 hermenêutica	 clássica	 e	 se	 deixou	 empolgar	 pelo	 novo	 trazido	 pela
filosofia	hermenêutica	de	Heidegger	e	pela	hermenêutica	filosófica	de	Gadamer,	de	um	lado,
e	 quem	 se	 aprofundou	 nas	 teorias	 contemporâneas	 do	 significado	 e	 da	 linguagem	 e	 nas
diversas	direções	desenvolvidas	pelas	discussões	linguísticas	e	da	pragmática,	de	outro	lado,
pode	 avaliar	 o	 que	 o	 autor	 conseguiu	 articular	 no	 seu	 livro,	 a	 partir	 da	 filosofia	 atual	 da
linguagem,	na	exploração	da	construção	do	direito.
Não	é	simplesmente	repetir	o	autor	quando	se	procura	ver	na	sua	hermenêutica	crítica	o
instrumento	de	ruptura	do	objetivismo	ingênuo	em	que	se	funda	toda	construção	jurídica	na
sua	visão	positivista,	partindo	da	relação	sujeito-objeto	na	fundamentação	do	conhecimento.
A	 grande	 novidade	 da	 obra	 de	 STRECK	nos	 leva	 para	 um	 território	 situado	 além	 das	 ontologias
ingênuas	que	em	geral	sustentam	a	dogmática	jurídica	até	hoje	e	lhe	dão,	assim,	um	irrenunciável
caráter	ideológico.
Somente	quando	percebemos	que	tudo	se	 funda	na	 linguagem,	que	direito	é	 linguagem,
que	seu	funcionamento	desliza	sobre	pressupostos	linguísticos,	é	que	começamos	a	perceber
os	 contornos	da	profunda	 inovação	que	 traz	para	a	 ciência	e	a	 filosofia	do	direito	e	para	a
hermenêutica	jurídica,	essa	obra	surpreendente.
Mas	o	autor	nos	leva	um	passo	adiante	e	com	ele	nos	situa	diante	do	desafio	mais	criativo:
no	 direito,	 a	 hermenêutica	 filosófica	 nos	 leva	 a	 uma	 resolução	 da	 crise	 da	 representação
através	da	superação	das	 teorias	da	consciência.	Todo	o	conteúdo	epistêmico	do	direito	 até
agora	era	apresentado	através	de	múltiplas	e	aleatórias	epistemologias	jurídicas	baseadas	nas
teorias	 da	 representação	 e	 orientadas	 na	 fundamentação,	 no	 esquema	 da	 relação	 sujeito-
objeto.
LENIO	STRECK	nos	remete	a	um	universo	em	que	a	hermenêutica	se	refere	ao	mundo	prático,	o
mundo	 da	 pré-compreensão,	 em	 que	 já	 sempre	 somos	 no	 mundo	 e	 nos	 compreendemos
como	ser-no-mundo	a	partir	e	na	estrutura	prévia	de	sentido.	É	ela	que	nos	carrega	e	é	dela
que	surgimos	enquanto	estrutura	quenos	precede,	e	toda	teoria	da	consciência	chega	tarde
com	sua	pretensão	de	fundar.	A	linguagem	torna-se	aí	o	meio	especulativo	a	partir	do	qual	se
determina	a	linguisticidade	de	todo	o	nosso	conhecimento.
Uma	vez	estabelecida	 tal	matriz	 linguística	que,	ao	mesmo	 tempo,	nos	sustenta,	na	qual
nos	movemos	e	de	quem	nunca	somos	proprietários,	temos	as	condições	para	a	instauração
do	 diálogo.	 Todo	 conhecimento	 jurídico	 é	 situado	 inovadoramente	 pelo	 autor	 no	 quadro
dessa	matriz.
É	nesse	contexto	que	o	livro	passa	a	definir	sua	forma	e	sua	dinâmica	interna.	É	no	quadro
da	 matriz	 hermenêutico-linguística	 que	 então	 terá	 que	 ser	 compreendida	 a	 condição
essencial	 do	 direito	 na	 sua	 relação	 com	 a	 sociedade.	 Só	 assim	 a	 solução	 para	 sua	 crise	 se
apresentará	com	um	potencial	de	constante	revisão	e	ajustamento.
A	 crise	do	direito	 é	 crise	de	 fundamento,	 e	 STRECK	 nos	mostra	 isso	 através	da	 crítica	do
paradigma	 que	 sustentou	 o	 direito	 até	 agora,	 introduzindo	 o	 paradigma	 hermenêutico-
linguístico	em	que	situa	o	direito	e	a	todos	os	que	com	ele	trabalham,	no	universo	do	sentido	e
da	compreensão.
O	direito	não	trabalha	com	objetos,	não	opera	com	normas	objetificadas,	não	se	confronta
com	pessoas	 coaguladas	 em	 coisas,	 nem	maneja	 a	 linguagem	 como	 instrumental	 rígido	de
retórica.	 O	 direito	 se	 sustenta	 na	 palavra	 plena,	 produz	 sentido,	 dialoga	 na	 sua	 aplicação,
desde	que	a	hermenêutica	nos	mostrou	que	“somos	um	diálogo”.
O	autor	não	nos	apresenta	simplesmente	as	teorias	da	compreensão	e	da	interpretação,	e
filósofos	como	Heidegger	e	Gadamer,	que	estão,	entre	outros,	na	base	de	sua	discussão.	Ele
luta	 por	 encontrar	 um	 caminho	 para	 o	 problema	 da	 hermenêutica	 jurídica	 que	 circule	 no
discurso	 contemporâneo.	Ele	 sabe	da	 tarefa	da	 filosofia	 que	 consiste	 em	 clarear	 expressões
linguísticas	 e	 manter	 uma	 visão	 sobre	 o	 todo	 de	 nosso	 compreender,	 que	 também	 é
autocompreensão	e	autocrítica.
Mas,	para	além	duma	simples	questão	 linguística,	o	 autor	 redescobriu	 o	 lugar	 propriamente
filosófico	 –	 que	 é	 a	 questão	 do	 sentido	 e	 do	 significado	 –	 e	 que	 se	 estabelece,	 não	 desde	 um	 sujeito
soberano	e	um	discurso	dogmático,	mas	assume	a	sua	historicidade	como	um	acontecimento.	É	desse
acontecimento	 que	 nos	 fala	 a	 hermenêutica	 existencial	 quando	 fala	 na	 história	 do	 ser.	 É	 a
partir	 dela	 que	 podemos	 compreender	 os	 limites	 da	 interpretação	 e,	 ao	mesmo	 tempo,	 as
condições	da	filosofia	hermenêutica	que	nos	dá	as	bases	para	a	hermenêutica	filosófica,	em
que	 aprendemos	 a	 escutar	 aquilo	 “que	 para	 além	 de	 nós,	 para	 além	 do	 que	 queremos	 e
fazemos,	acontece	conosco”.
	
	
ERNILDO	STEIN
	
Apresentação
LENIO	 LUIZ	 STRECK	 faz	 a	 autêntica	 crítica	 do	 Direito	 neste	 livro	 que	 tenho	 a	 honra	 de
apresentar.	Ademais,	o	fenômeno	jurídico	nele	se	apresenta	como	força	viva,	como	um	plano
da	realidade	social	que	é.	Por	isso	mesmo	se	pode	dizer	que	o	ritmo	da	linguagem	do	autor,
solta	e	livre,	assim	se	manifesta	porque	referida	a	essa	força	viva,	plena	de	movimento.
Muito	se	escreveu,	e	ainda	se	escreve,	nesta	última	década	do	século,	a	propósito	da	crise
do	Direito,	apresentada	agora,	definidamente	–	e	sobretudo	entre	nós,	brasileiros	–	sob	feição
particular,	vale	dizer,	como	crise	do	Poder	Judiciário.
É	 inegável	 a	 existência	 dessa	 crise.	 Não	 podemos	 deixar	 de	 apontar,	 contudo,	 duas
evidências.	Uma,	a	de	que	essa	peculiar	“crise	do	Direito”	não	é,	originariamente,	dele,	senão
de	 que	 o	 produz,	 o	 Estado.	 Vivemos,	 nesta	 última	 década,	 sob	 deliberado	 processo	 de
enfraquecimento	 do	 Estado,	 patrocinado	 pelos	 governos	 neoliberais	 globalizantes	 dos
Presidentes	Collor	 e	Cardoso.	O	 exame	das	 propostas	 frustradas	de	 reforma	 constitucional
pretendidas	 pelo	 primeiro	 e	 daquelas	 logradas	 pelo	 segundo	 evidencia	 a	 identidade	 de
valores	nos	programas	de	um	e	de	outro.	Ora,	obtida	a	fragilização	do	Estado,	todos	os	seus
produtos	 passam	 a	 exibir	 as	 marcas	 dessa	 fragilização.	 O	 Direito	 que	 imediatamente
conhecemos	e	aplicamos,	posto	pelo	Estado,	dele	dizemos	ser	“posto”	pelo	Estado	não	apenas
porque	 seus	 textos	 são	 escritos	 pelo	 Legislativo,	 mas	 também	 porque	 suas	 normas	 são
produzidas	pelo	Judiciário.1
Em	 segundo	 lugar,	 cumpre	 observar	 que	 a	 fragilização	 do	 Poder	 Judiciário	 atende	 a
interesses	 bem	marcados	dos	Executivos	 fortes,	 que	 se	 nutrem	de	projetos	desdobrados	de
uma	nítida	transposição,	hoje,	dos	quadros	do	privado	para	os	do	público,	do	individualismo
possessivo.	Penso	podermos	afirmar	que,	se	de	um	lado	o	capitalismo	já	não	padece	do	temor
da	contestação	social,	os	executivos	já	não	têm	pejo	de	violar	as	Constituições	e	de	violentar
as	exigências	de	harmonia	entre	os	Poderes.	A	América	Latina	tem	sido	profusa	e	generosa
em	exemplos...
O	desconforto	provocado	por	essa	 crise	 coloca	os	 estudiosos	do	Direito	 sob	o	desafio	do
descobrimento	de	caminhos	que	conduzem	à	produção	de	justiça	material,	no	mínimo	a	uma
reeticização	do	Direito.
LENIO	 STRECK	 cria	 suas	 próprias	 trilhas	 nessa	 busca,	 penetrando	 fundo	 pela	 análise	 da
linguagem,	 especialmente	da	 “viragem	 linguística	 da	 filosofia”,	 até	 alcançar,	 intensamente
também,	 a	 semiótica	 e	 a	 hermenêutica	 filosófica,	 que	 abrem	 o	 caminho	 para	 uma
hermenêutica	 jurídica	 crítica,	 no	 bojo	 da	 qual	 se	 põe	 em	 dinamismo	 uma	 razão	 crítica	 do
Direito.
Visualizada	 como	 processo	 de	 produção	 de	 sentido,	 a	 interpretação	 apresenta-se	 então
como	 ponto	 de	 partida	 desde	 o	 qual	 não	 apenas	 a	 crítica	 é	 feita,	 mas	 também	 se	 pode
empreender	a	construção	de	uma	razão	emancipatória	para	o	Direito.	O	Direito,	note-se	bem,
é	um	discurso	constitutivo	na	medida	em	que	designa/atribui	significados	a	fatos	e	palavras,
como	mostra	CARLOS	CÁRCOVA.
A	 concepção	 da	 interpretação	 como	 um	 processo	 criativo	 –	 que,	 de	 outra	 forma,	 tomo
quando	a	qualifico	de	alográfica	–	conduz	não	apenas	a	uma	nova	hermenêutica,	mas	a	um
novo	conjunto	de	possibilidades	de	produção	de	justiça	material.
Daí	 a	 importância	 deste	 livro.	 Necessitamos	 de	 novas	 trilhas,	 voltadas	 à	 reconstrução	 de
conceitos,	 critérios	 e	princípios,	 indispensáveis	 à	 superação	da	 crise	 –	 o	 livro	de	 LENIO	 LUIZ
STRECK	abre	caminhos	que	devem,	necessariamente,	ser	percorridos.
Tiradentes,	janeiro	de	2004.
	
	
EROS	ROBERTO	GRAU
	
	
Nota
1	 Permito-me	 remeter	 o	 leitor	 aos	 meus	Direito	 posto	 e	 direito	 pressuposto,	 2.	 ed.	 São	 Paulo:	 Malheiros,	 1998,	 e	 La	 doble
desestructuración	y	la	interpretación	del	derecho,	mencionado	na	bibliografia	indicativa	por	LENIO	STRECK.
Notas	introdutórias:	mais	de	uma	década	de	Hermenêutica	e(m)
Crise
Há	mais	de	uma	década	resolvi	 fazer	uma	viragem	na	 interpretação	do	Direito.	De	uma
trajetória	 inicial	 ligada	 às	 teorias	 analíticas,	 iniciei	 a	 incursão	 nas	 trilhas	 da	 hermenêutica
filosófica,	pavimentada	pela	filosofia	hermenêutica.	Isto	porque	me	convenci,	ainda	nos	anos
90,	que	perscrutar	a	linguagem	no	plano	de	um	semantic	sense	não	era	suficiente	para	albergar
a	complexidade	do	Direito	em	terrae	brasilis.
O	ponto	central	–	 inicial	–	 foi	a	discussão	da	crise	do	Direito,	do	Estado	e	da	dogmática
jurídica,	e	seus	reflexos	na	sociedade.	Dizia	então	que	o	Direito	e	a	dogmática	jurídica	(que	o
instrumentaliza),	 preparado/engendrado	 para	 o	 enfrentamento	 dos	 conflitos
interindividuais,	 não	 conseguiam	 atender	 as	 especificidades	 das	 demandas	 originadas	 de
uma	sociedade	complexa	e	conflituosa	(J.	E.	Faria).	O	paradigma	(modelo/modo	de	produção
de	 Direito)	 liberal-individualista-normativista	 estava	 esgotado.	 O	 crescimento	 dos	 direitos
transindividuais	 e	 a	 crescente	 complexidade	 social	 reclama(va)m	 novas	 posturas	 dos
operadores	jurídicos.
Passados	 tantos	 anos,	 penso	 que	 isso,	 em	 grande	 medida,	 continua	 atual.	 A	 crise	 do
modeloliberal-individualista	 não	 foi	 superada.	 Entretanto,	 o	 decorrer	 do	 tempo	 foi
mostrando	que	o	problema	da	 inefetividade	do	Direito	–	 compreendido	a	partir	do	Estado
Democrático	 de	 Direito	 –	 não	 estava	 apenas	 na	 umbilical	 ligação	 do	 modelo	 liberal-
individualista	com	o	exegetismo	ainda	fortemente	presente	na	doutrina	e	na	jurisprudência,
mas	 também	 no	 fenômeno	 que	 foi	 crescendo	 especialmente	 na	 última	 década:	 as	 teorias
voluntaristas,	 que,	 sob	 pretexto	 de	 superar	 o	 “juiz	 boca	 da	 lei”,	 apostaram	 na	 liberdade
interpretativa	dos	juízes	e	tribunais.	Resultado:	o	establishment	passou	a	investir	em	projetos
de	vinculação	jurisprudencial.
Essas	novas	questões	foram	recebendo	atenção	na	presente	obra,	na	medida	em	que	novas
edições	 foram	surgindo.	Pode-se	dizer,	 assim,	que	a	presente	 edição	busca	 reunir	os	vários
elementos	 da	 crise	 que	 atravessa	 o	 Direito,	 especialmente	 nestes	 vinte	 e	 cinco	 anos	 de
Constituição	compromissória	e	dirigente.
O	caminho	passa	pela	(re)discussão	das	práticas	discursivas/argumentativas	dos	juristas,	a
partir	do	questionamento	das	suas	condições	de	produção,	circulação	e	consumo.	Isto	porque,
como	diz	Veron,	“entre	as	lições	de	Marx,	uma	é	mister	não	abandonar:	ele	nos	ensinou	que,
se	se	souber	olhar	bem,	todo	produto	traz	os	traços	do	sistema	produtivo	que	o	engendrou.
Esses	 traços	 lá	 estão,	mas	não	 são	vistos,	 por	 ‘invisíveis’.	Uma	 certa	 análise	pode	 torná-los
visíveis:	a	que	consiste	em	postular	que	a	natureza	de	um	produto	só	é	 inteligível	em	relação	às
regras	sociais	de	seu	engendramento”.
O	enorme	fosso	ainda	existente	entre	o	Direito	e	a	sociedade,	que	é	instituído	e	instituinte
da/dessa	 crise	 de	 paradigmas,	 retrata	 a	 incapacidade	 histórica	 da	 dogmática	 jurídica
(discurso	oficial	do	Direito)	em	lidar	com	a	realidade	social.	Afinal,	o	establishment	 jurídico-
dogmático	brasileiro	produz	doutrina	e	jurisprudência	para	que	tipo	de	país?	Para	que	e	para
quem	 o	 Direito	 tem	 servido?	 Para	 se	 ter	 uma	 ideia	 da	 dimensão	 do	 problema,	 ainda	 não
conseguimos	 sequer	 entender	 que	 Kelsen	 não	 foi	 um	 positivista	 exegético	 e,	 sim,	 um
positivista	normativista...!
Esse	hiato	e	a	crise	de	paradigma	do	modelo	liberal-individualista-normativista	retratam	a
incapacidade	histórica	da	dogmática	jurídica	em	lidar	com	os	problemas	decorrentes	de	uma
sociedade	díspar	como	a	nossa.	Na	verdade,	tais	problemas	são	deslocados	no	e	pelo	discurso
dogmático,	estabelecendo-se	uma	espécie	de	transparência	discursiva.	Pode-se	dizer,	a	partir
das	 lições	 de	A.	 Sercovich,	 que	 o	 discurso	 dogmático	 dominante	 é	 transparente	 porque	 as
sequências	discursivas	remetem	diretamente	à	“realidade”,	ocultando	as	condições	de	produção
do	sentido	do	discurso.	A	este	fenômeno	podemos	denominar	de	fetichização	do	discurso	jurídico,
é	 dizer,	 através	 do	 discurso	 dogmático,	 a	 lei	 passa	 a	 ser	 vista	 como	 sendo	 uma-lei-em-si,
abstraída	das	condições	(histórico-sociais)	que	a	engendra(ra)m,	como	se	a	sua	condição-de-
lei	fosse	uma	propriedade	“natural”.
Parte-se,	pois,	da	premissa	de	que	as	práticas	argumentativas	do	Judiciário,	da	dogmática
jurídica	e	das	escolas	de	Direito	são	consubstanciadas	pelo	que	se	pode	denominar	de	senso
comum	teórico	dos	juristas	ou	campo	jurídico	(Warat-Bourdieu),	o	qual	se	insere	no	contexto
da	crise	do	modelo	de	Direito	de	cunho	liberal-individualista.	Para	tanto,	basta	um	passar	d’olhos
no	Direito	penal	e	a	cultura	manualesca-estandartizada	que	domina	a	aplicação	desse	ramo
do	Direito.	Essa	crise	do	modelo	(dominante)	de	Direito	(ou	modo	de	produção	de	Direito)
institui	 e	 é	 instituída	 por	 uma	 outra	 crise,	 aqui	 denominada/trabalhada	 como	 crise	 dos
paradigmas	 aristotélico-tomista	 e	 da	 filosofia	 da	 consciência,	 bases	 desse	 modelo	 liberal-
individualista	de	 interpretação/aplicação	do	Direito	 ainda	dominante	no	 “campo	 jurídico”
vigorante	no	Brasil.
Isto	 porque	 as	 práticas	 hermenêutico-interpretativas	 vigorantes/hegemônicas	 no	 campo
da	operacionalidade	–	incluindo	aí	doutrina	e	jurisprudência	–	ainda	estão	presas	à	dicotomia
sujeito-objeto,	 carentes	 e/ou	 refratárias	 à	 viragem	 linguística	 de	 cunho	 pragmatista-ontológico
ocorrida	contemporaneamente,	em	que	a	relação	passa	a	ser	sujeito-sujeito.	Dito	de	outro	modo,
no	campo	jurídico	brasileiro,	a	linguagem	ainda	tem	um	caráter	secundário,	uma	terceira	coisa
que	se	interpõe	entre	o	sujeito	e	o	objeto,	enfim,	uma	espécie	de	instrumento	ou	veículo	condutor
de	“essências”	e	“corretas	exegeses”	dos	textos	legais.	Ou,	na	outra	ponta	do	problema,	sob
pretexto	da	superação	das	posturas	objetivistas,vê-se	o	surgimento	das	diversas	(neo)teorias,
como	o	neoconstitucionalismo	e	o	neoprocessualismo,	que	apostam	no	protagonismo	judicial
e	 no	 instrumentalismo	 processual,	 dando	 azo	 a	 uma	 verdadeira	 fábrica	 de	 princípios.	 Isso
para	dizer	o	mínimo.
Daí	a	necessidade	da	elaboração	de	uma	crítica	à	hermenêutica	jurídica	tradicional	–	ainda
(fortemente)	 assentada	 nesses	 dois	 paradigmas	 filosóficos	 (metafísica	 clássica	 e	 filosofia	 da
consciência)	 –	 através	da	 fenomenologia	hermenêutica,	 pela	 qual	 o	horizonte	do	 sentido	 é
dado	 pela	 compreensão	 (Heidegger)	 e	 ser	 que	 pode	 ser	 compreendido	 é	 linguagem
(Gadamer),	onde	a	 linguagem	não	é	 simplesmente	objeto,	 e	 sim,	horizonte	aberto	e	 estruturado	e	a
interpretação	faz	surgir	o	sentido.
Por	isso,	o	processo	de	produção	do	sentido	(daquilo	que	é	sentido/pensado/apreendido
pelo	sujeito)	do	discurso	jurídico,	sua	circulação	e	seu	consumo	não	podem	ser	guardados	sob
um	hermético	segredo,	como	se	sua	holding	fosse	uma	abadia	do	medievo.	Isto	porque	o	que
rege	o	processo	de	interpretação	dos	textos	legais	são	as	suas	condições	de	produção,	as	quais,
devidamente	difusas	e	oculta(da)s,	 “aparecem”	como	se	 fossem	provenientes	de	um	“lugar
virtual”,	ou	de	um	“lugar	 fundamental”.	Esse	é	o	problema	fulcral	da	dogmática	 jurídica	e
que	procuro	desmi(s)tificar	 ao	 longo	destes	 anos.	Ora,	 as	palavras	da	 lei	 não	 são	unívocas;
são,	 sim,	 plurívocas,	 questão	 que	 o	 próprio	Kelsen	 já	 detectara	 de	 há	muito.	Mas	 isso	 não
significa	que	o	processo	hermenêutico	admita	discricionariedades	e	decisionismos.	É	possível
encontrar	 respostas	 corretas	 em	 direito,	 justamente	 pelo	 caráter	 antirrelativista	 da
hermenêutica	filosófica,	que	retrabalho	na	obra	como	uma	Nova	Crítica	do	Direito	ou	Crítica
Hermenêutica	do	Direito.
Venho	procurando	demonstrar,	enfim,	que	a	lei	e	o	saber	do	Direito	constituem	um	nível
de	 relações	 simbólicas	 de	 poder	 (Warat).	 Consequentemente,	 visando	 a	 superar	 a	 crise	 de
paradigma	de	dupla	face	antes	delineada,	faz-se	necessário	um	trabalho	de	interrogação	sobre	o
discurso	jurídico,	utilizando	a	lei	e	o	saber	contra	eles	mesmos,	fazendo	deles	um	lugar	vazio,
onde	 o	 sujeito	 necessariamente	 não	 seja	 (ou	 necessite	 ser)	 um	 transgressor,	 mas,	 sim,	 o
protagonista	que	legitima	a	democracia	(Warat).
Buscando	 apresentar	 um	 ferramental	 para	 a	 interpretação	 do	 Direito,	 desde	 a	 primeira
edição,	 venho	 utilizando,	 como	 fio	 condutor,	 o	 “método”	 fenomenológico-hermenêutico,
visto,	a	partir	de	Heidegger,2	como	“interpretação	ou	hermenêutica	universal”,	é	dizer,	como
revisão	crítica	dos	temas	centrais	transmitidos	pela	tradição	filosófica	através	da	linguagem,
como	destruição	e	revolvimento	do	chão	linguístico	da	metafísica	ocidental,	mediante	o	qual
é	 possível	 descobrir	 um	 indisfarçável	 projeto	 de	 analítica	 da	 linguagem,	 numa	 imediata
proximidade	com	a	praxis	humana,	como	existência	e	faticidade,	em	que	a	linguagem	–	o	sentido,	a
denotação	 –	 não	 é	 analisada	 num	 sistema	 fechado	 de	 referências,	 mas,	 sim,	 no	 plano	 da
historicidade.	Enquanto	baseado	no	método	hermenêutico-linguístico,	o	texto	procura	não	se
desligar	da	existência	concreta,	nem	da	carga	pré-ontológica	que	na	existência	 já	vem	sempre
antecipada.
Nesse	 período,	 construí	 as	 basesdaquilo	 que	 chamei	 inicialmente	 de	 Nova	 Crítica	 do
Direito	 (NCD)	–	e	que	está	desenvolvida	 também	no	meu	 Jurisdição	Constitucional	 e	Decisão
Jurídica	–,	e	que	deve	ser	entendida	como	processo	de	desconstrução	da	metafísica	vigorante
no	 pensamento	 dogmático	 do	 direito	 (senso	 comum	 teórico).	A	 tarefa	 da	Nova	Crítica	 do
Direito,	que	doravante	passo	a	denominar	de	Crítica	Hermenêutica	do	Direito	–	CHD	–,	é	a
de	“desenraizar	aquilo	que	tendencialmente	encobrimos”	(Heidegger-Stein).
É,	 em	 síntese,	 o	 desenrolar	 do	 método	 hermenêutico	 de	 que	 falei	 anteriormente.	 A
metafísica	pensa	o	ser	e	se	detém	no	ente;	ao	equiparar	o	ser	ao	ente,	entifica	o	ser,	através	de
um	pensamento	objetificador.3	Ou	seja,	a	metafísica,	que	na	modernidade	recebeu	o	nome	de
teoria	 do	 conhecimento	 (filosofia	 da	 consciência),	 faz	 com	 que	 se	 esqueça	 justamente	 da
diferença	que	separa	ser	e	ente.	No	campo	jurídico,	esse	esquecimento	corrompe	a	atividade
interpretativa,	mediante	uma	espécie	de	extração	de	mais-valia	do	ser	(sentido)	do	Direito.	O
resultado	 disso	 é	 o	 predomínio	 do	 método,	 do	 dispositivo,	 da	 tecnicização	 e	 da
especialização,	 que	 na	 sua	 forma	 simplificada	 redundou	 em	 uma	 cultura	 jurídica
estandardizada,	na	qual	o	direito	não	é	mais	pensado	em	seu	acontecer.	Há	que	se	retomar,
assim,	 a	 crítica	 ao	 pensamento	 jurídico	 objetificador,	 refém	 de	 uma	 prática	 dedutivista	 e
subsuntiva,	rompendo-se	com	o	paradigma	metafísico-objetificante	(aristotélico-tomista	e	da
subjetividade),	 que	 impede	 o	 aparecer	 do	 direito	 naquilo	 que	 ele	 tem	 (deve	 ter)	 de
transformador.
A	 Crítica	 Hermenêutica	 do	 Direito,	 fincada	 na	 matriz	 teórica	 originária	 da	 ontologia
fundamental,	 busca,	 através	 de	 uma	 análise	 fenomenológica,	 o	 des-velamento
(Unverborgenheit)	 daquilo	 que,	 no	 comportamento	 cotidiano,	 ocultamos	 de	 nós	 mesmos
(Heidegger):	o	exercício	da	transcendência,	no	qual	não	apenas	somos,	mas	percebemos	que
somos	(Dasein)	e	somos	aquilo	que	nos	tornamos	através	da	tradição	(pré-juízos	que	abarcam
a	 faticidade	 e	 historicidade	 de	 nosso	 ser-no-mundo,	 no	 interior	 do	 qual	 não	 se	 separa	 o
direito	da	sociedade,	 isto	porque	o	ser	é	sempre	o	ser	de	um	ente,	e	o	ente	só	é	no	seu	ser,
sendo	 o	 direito	 entendido	 como	 a	 sociedade	 em	 movimento),	 e	 onde	 o	 sentido	 já	 vem
antecipado	 (círculo	 hermenêutico).	 Afinal,	 conforme	 ensina	 Heidegger,	 “o	 ente	 somente
pode	 ser	 descoberto	 seja	 pelo	 caminho	 da	 percepção,	 seja	 por	 qualquer	 outro	 caminho	 de
acesso,	quando	o	ser	do	ente	já	está	revelado”.
Trata-se,	 enfim,	 da	 elaboração	 de	 uma	 análise	 antimetafísica,	 isto	 porque,	 a	 partir	 da
viragem	linguística	e	do	rompimento	com	o	paradigma	metafísico	aristotélico-tomista	e	da
filosofia	da	consciência,	a	linguagem	deixa	de	ser	uma	terceira	coisa	que	se	interpõe	entre	um
sujeito	e	um	objeto,	passando	a	ser	condição	de	possibilidade.	Melhor	dizendo,	a	linguagem,
mais	do	que	condição	de	possibilidade,	é,	como	bem	assinala	Luiz	Rohden,4	“constituinte	e
constituidora	do	nosso	saber,	conhecer	e	agir”.	Ao	mesmo	tempo,	o	processo	interpretativo
deixa	de	 ser	 reprodutivo	 (Auslegung)	 e	passa	 a	 ser	produtivo	 (Sinngebung).	 É	 impossível	 ao
intérprete	 desprender-se	 da	 circularidade	 da	 compreensão,	 isto	 é,	 como	 aduz	 com
pertinência	Stein,	nós,	que	dizemos	o	ser,	devemos	primeiro	escutar	o	que	diz	a	linguagem.	A
compreensão	e	explicitação	do	ser	já	exige	uma	compreensão	anterior.	Há	sempre	um	sentido
que	 nos	 é	 antecipado.	 Opta-se,	 desse	modo,	 por	 adotar	 a	matriz	 heideggeriana,	 enquanto
superação	do	esquema	sujeito-objeto,	representada	pela	busca	na	filosofia	de	um	fundamento
para	 o	 conhecimento,	 a	 partir	 do	 discurso	 em	 que	 impera	 a	 ideia	 de	 juízo	 (Stein).	 O
privilegiamento	da	ontologia	fundamental	heideggeriana	radica	na	construção	das	condições
de	 possibilidades	 que	 esse	 ferramental	 representa	 para	 uma	 crítica	 ao	 pensamento
objetificador	 que	 domina	 o	 pensamento	 dogmático	 do	 direito.	 A	 ontologia	 fundamental
rompe	com	o	processo	de	entificação	do	ser	próprio	do	pensamento	dogmático-jurídico.	Dito
de	outro	modo,	enquanto	a	dogmática	 jurídica	 tenta	explicar	o	direito,	a	partir	da	 ideia	de
que	o	ser	 (o	sentido)	é	um	ente	 (isto	é,	 como	se	o	conceito	de	“coisa	 julgada”	ou	“legítima
defesa”	fosse	um	ente	apreensível	como	ente),	a	partir	de	Heidegger	pretendo	mostrar	que
há	 uma	 clivagem	 entre	 nós	 e	 o	mundo,	 porque	 nunca	 atingimos	 o	mundo	 dos	 objetos	 de
maneira	direta,	mas,	sim,	sempre	pelo	discurso.5
A	Crítica	Hermenêutica	do	Direito	 (CHD)	sustenta-se	na	noção	de	“método”	 formulado
por	 Heidegger,	 pelo	 qual	 a	 linguagem	 é	 comandada	 pela	 coisa	 mesma,	 torna-se
absolutamente	relevante	sua	inserção	no	direito,	exatamente	pelo	fato	de	que	o	pensamento
dogmático	 do	 direito,	 por	 ser	 objetificador	 e	 pensar	 o	 direito	 metafisicamente,	 esconde	 a
coisa	 mesma,	 obnubilando	 o	 processo	 de	 interpretação	 jurídica.	 Essa	 coisa	 mesma	 que
Heidegger	persegue	é	a	questão	do	ser	no	horizonte	da	diferença	ontológica	(Stein).	Por	isso,
todo	o	trabalho	de	desconstrução	do	pensamento	dogmático-objetificador	do	direito	é	feito,
no	 interior	 da	 Crítica	 Hermenêutica	 do	 Direito,	 sob	 o	 signo	 desse	 fundamental	 teorema
heideggeriano:	a	diferença	ontológica.
Assim,	 é	para	 esta	 incursão	hermenêutica	 que	o	 leitor	 é	 convidado.	Numa	palavra:	 esta
edição	 tem	 também	 um	 caráter	 comemorativo.	 Mas,	 fundamentalmente,	 a	 pretensão	 é
atualizar	o	meu	próprio	pensamento	e	a	minha	trajetória.
Da	Dacha	de	São	José	do	Herval,	no	verão	tórrido	de	2010/2011	e	no	início	do	inverno	de
2013.
	
Notas
2	Para	tanto,	ver	Stein,	Ernildo.	A	questão	do	método	na	filosofia.	Um	estudo	do	modelo	heideggeriano.	Porto	Alegre:	Movimento,
1983,	p.	100	e	101.
3	Cf.	Stein,	Ernildo.	Diferença	e	Metafísica:	ensaios	sobre	a	desconstrução.	Porto	Alegre:	Edipucrs,	2000,	p.	67	e	segs.
4	Cf.	Rohden,	Luis.	Hermenêutica	e	Linguagem.	In:	Hermenêutica	Filosófica	nas	Trilhas	de	Hans-Georg	Gadamer.	Porto	Alegre:
Edipucrs,	2000,	p.	160.
5	Cf	Stein,	Diferença,	op.	cit.,	p.	48.
1.	A	Modernidade	tardia	no	Brasil:	o	papel	do	Direito	e	as
promessas	da	modernidade	–	da	necessidade	de	uma	crítica	da
razão	ínica	no	Brasil	e	o	binômio	“estamentos-
patrimonialismo”
	
Em	tempos	de	globalização,	é	inexorável	que	a	questão	da	função	do	Estado	e	do	Direito
seja	(re)discutida,	 assim	 como	 as	 condições	 de	 possibilidade	da	 realização	da	democracia	 e
dos	direitos	fundamentais	em	países	saídos	de	regimes	autoritários,	carentes,	talvez,	de	uma
segunda	transição	(Guillermo	O’Donnell).
O	 (dominante)	discurso	desregulamentador	 –	 atravessado/impulsionado	pelo	 fenômeno
da	democracia	delegativa6	–	adjudica	sentidos	em	nosso	cotidiano,	tentando	nos	convencer	de
que	a	modernidade	acabou.	Pois	é	justamente	neste	contexto	que	estas	reflexões	se	inserem,
buscando	 a	 construção	 de	 um	 discurso	 que	 aborde	 criticamente	 o	 papel	 do	 Direito,	 do
discurso	 jurídico	 e	 a	 justificação	do	poder	oficial	por	meio	do	discurso	 jurídico	 em	 face	da
problemática	da	relação	Direito-Estado-Dogmática	Jurídica.
Para	grande	parte	das	elites	brasileiras,	a	modernidade	acabou.	Tudo	isto	parece	estranho
e	 ao	 mesmo	 tempo	 paradoxal.	 A	 modernidade	 nos	 legou	 a	 noção	 de	 sujeito,	 o	 Estado,	 o
Direito	 e	 as	 instituições.	 Rompendo	 com	 o	 medievo,	 o	 Estado	 Moderno	 surge	 como	 um
avanço.	 Em	um	primeiro	momento,	 como	 absolutista	 e,	 depois,	 como	 liberal;	mais	 tarde	 o
Estado	se	transforma,	surgindo	o	Estado	Contemporâneo	sob	as	suas	mais	variadas	faces.	Essa
transformação	 decorre	 justamente	 do	 acirramento	 das	 contradições	 sociais	 proporcionadas
pelo	 liberalismo	 (ou	 aquilo	que	 representava	um	modelo	de	Estado	que	 atravessa	o	 século
XIX	 e,	 no	 século	 XX,	 “dá	 de	 frente	 com	 as	 revoluções”).	 Veja-se	 que	 esse	 “Estado
intervencionista	nãoé	uma	 concessão	do	 capital,	mas	 a	 única	 forma	 de	 a	 sociedade	 capitalista
preservar-se,	 necessariamente	 mediante	 empenho	 na	 promoção	 da	 diminuição	 das	 desigualdades
socioeconômicas.	A	ampliação	das	funções	do	Estado,	tornando-o	tutor	e	suporte	da	economia,
agora	sob	conotação	pública,	presta-se	a	objetivos	contraditórios:	a	defesa	da	acumulação	do
capital,	em	conformidade	com	os	propósitos	da	classe	burguesa,	e	a	proteção	dos	interesses
dos	 trabalhadores”.7	 Além	 disto,	 é	 bom	 frisar	 que	 “o	 intervencionismo	 estatal	 também	 se
constitui	 em	 defesa	 do	 capital	 contra	 as	 insurreições	 operárias,	 opondo-se	 à	 ilusão	 de
igualdade	de	todos	os	indivíduos	diante	da	lei”.8
Nessa	linha,	vem	bem	a	propósito	o	dizer	de	Boaventura	de	Sousa	Santos,	para	quem	esse
Estado,	também	chamado	de	Estado	Providência	ou	Social,	foi	a	instituição	política	inventada
nas	 sociedades	 capitalistas	 para	 compatibilizar	 as	 promessas	 da	 Modernidade	 com	 o
desenvolvimento	capitalista.	Este	tipo	de	Estado,9	segundo	as	perspectivas	“desreguladoras”,
foi	algo	que	passou,	desapareceu,	 e	o	Estado	simplesmente	 tem,	agora,	de	 se	enxugar	 cada
vez	mais	(embora	–	lembremos	–	na	crise	do	setor	financeiro	mundial	de	2008,	quem	tenha
salvado	 a	 economia	 tenha	 sido	 justamente	 o	 “malsinado”	 Estado).	 Alguns	 dados	 podem
auxiliar	 na	 compreensão	 desse	 fenômeno:	 em	 junho	 de	 2009,	 a	 General	 Motors	 (GM),
empresa	que	–	ainda	na	década	de	1970	–	criou	o	ideal	de	“obsolecência	programada”,	dando
início	a	uma	nova	fase	do	capitalismo,	 teve	sua	concordata	decretada	pelo	Poder	 Judiciário
estadunidense.	A	crise	econômica	gerada	pela	“bolha	especulativa”	que	estourou	em	2008	–	a
chamada	 “crise	 do	 sub	 prime”	 que	 contaminou	 as	 principais	 economias	 do	mundo	 –10,	 fez
com	que	a	GM	chegasse	ao	fim	com	uma	dívida	acumulada	em	176	bilhões	de	dólares.	Para
que	o	desastre	não	fosse	ainda	maior,	o	governo	dos	Estados	Unidos	decidiu	comprar	60%	das
ações	 da	 empresa.	 Ironicamente,	 uma	 das	 empresas	 responsáveis	 pela	 fustigante	 onda
daquilo	que,	com	Michel	Foucault,	podemos	chamar	de	“fobia	de	Estado”,	tem	agora	como
efetivo	“dono”	o	Estado	estadunidense.11	Pouco	antes,	em	março	de	2009,	importante	revista
brasileira	 (Carta	Capital)	 trazia	 como	matéria	de	 capa	a	notícia	de	que	havia	aumentado	o
consenso	entre	os	economistas	no	sentido	de	que	o	“resgate”	do	sistema	bancário12	–	o	campo
econômico	afetado	diretamente	pela	atual	 crise	–	passaria	 inevitavelmente	por	políticas	de
estatização.13
Essa	 fenomenologia	 pode	 ser	 corroborada	 por	 uma	 série	 de	 autores	 que	 também
vislumbram	o	momento	da	crise	econômica	mundial	–	provocada	por	um	excessivo	ímpeto
desregulamentador	 por	 parte	 dos	 agentes	 econômicos	 –	 como	 um	 retorno	 às	 propostas
keynesianas.	Nesse	sentido,	Fernando	Cardim	de	Carvalho	afirma	que	“a	crise	que	começou
como	financeira	no	início	de	2007	e	transformou-se	em	uma	crise	da	economia	real	ao	final
de	 2008	 e	 cuja	 resolução	 ainda	 se	 mostra	 extremamente	 incerta	 tem	 dado	 novo	 eco	 a
proposições	feitas	por	Keynes	e	lembradas	por	praticantes	dessa	nas	muitas	décadas	em	que
ela	ficou	relegada	ao	submundo	dos	heréticos”.14	Em	linha	similar,	também	Bresser	Pereira15
entende	 que	 essa	 crise	 enseja	 uma	 remodelação	 do	 capitalismo	 que	 deverá	 trazer	 consigo
uma	retomada	das	tendências	econômicas	presentes	nos	anos	dourados	do	capitalismo	–	que
vão	do	final	da	Segunda	Guerra	até	o	rompimento	do	acordo	de	Bretton	Woods,	que	acabou
com	a	paridade	ouro-dólar	–	quando	o	domínio	das	políticas	macroeconômicas	propostas	por
Keynes	fazia	parte	da	cartilha	dos	economistas.
Observe-se	 que,	 para	 os	 mesmos	 que,	 quando	 precisam,	 buscam	 socorro	 no	 Estado	 –
inclusive	por	 intermédio	de	políticas	de	welfare	state	ou,	porque	não	dizer,	keynesianas	–	o
Estado	continua	sendo	uma	 instituição	anacrônica	 (sic),	porque	é	uma	entidade	nacional,	 e
tudo	o	mais	está	globalizado.	Ora,	paradoxalmente,	a	globalização	sempre	se	colocou	como	o
contraponto	 das	 políticas	 de	 intervenção	 do	 Estado	 e,	 principalmente,	 das	 políticas	 de
regulação	da	economia.	Nesse	 sentido,	não	 surpreende	que	a	 falta	de	 regula(menta)ção	do
sistema	financeiro	nos	Estados	Unidos	tenha	sido	o	principal	motivo	do	desencadeamento	da
crise	de	2008.16
Não	 é	 possível	 ainda	 saber	 se	 o	 capitalismo	 globalizado	 tirou	 lições	 dos	 episódios	 que
abalaram	a	primeira	década	do	século	XXI.	De	todo	modo,	é	possível	dizer	que	“a	lógica	geral
da	competição	globalizante	[continua	a	ser]	inequivocamente	concentradora.	Daí	não	apenas
fusões,	mas,	 sobretudo,	 a	 exclusão	de	grandes	massas	de	 trabalhadores	da	possibilidade	de
inserção	 apta	 no	 mundo	 econômico,	 o	 desemprego	 e	 a	 precarização	 do	 trabalho,	 a
desigualdade	social	crescente	mesmo	nos	países	em	que	o	desemprego	é	comparativamente
reduzido,	e	os	indicadores	exibem	saúde	e	pujança	econômica	–	em	suma,	aquilo	que	alguns
têm	chamado	de	‘brasilianização’	do	capitalismo	avançado.	No	caso	brasileiro,	acresce	o	fato
de	 que	 nos	 inserimos	mais	 precariamente	 no	 jogo,	não	 só	 porque	 já	 somos	 o	 Brasil	 da	 pesada
herança	 escravista	 e	 do	 fosso	 social,	 mas	 também	 porque	 nossas	 fragilidades	 nos	 tornam	 vítimas
preferenciais,	 sempre	 prontas	 a	 surgir	 como	 ‘bola	 da	 vez’	 nas	 perversidades	 da	 dinâmica
transnacional”.17
A	globalização	aparece	como	a	nova	face/roupagem	do	capitalismo	internacional.	Nesse
contexto,	André-Noël	Roth18	alerta	para	o	fato	de	que	a	globalização	nos	empurra	rumo	a	um
modelo	 de	 regulação	 social	 neofeudal,	 através	 da	 constatação	 do	 debilitamento	 das
especificidades	que	diferenciam	o	Estado	moderno	do	feudalismo:	a)	a	distinção	entre	esfera
privada	 e	 esfera	 pública;	 b)	 a	 dissociação	 entre	 o	 poderio	 político	 e	 o	 econômico;	 e	 c)	 a
separação	entre	as	funções	administrativas,	políticas	e	a	sociedade	civil.	Para	Roth,	o	caráter
neofeudal	 da	 regulamentação	 social	 reside	 em	 parte	 nessa	 evolução	 e	 em	 parte	 em	 uma
leitura	pessimista	da	forma	decisória	–	a	infinidade	de	foros	de	negociações	descentralizados
–	sugerida	pelo	direito	reflexivo	(de	cunho	autopoiético).
Evidentemente,	 a	minimização	do	Estado	 em	países	que	passaram	pela	 etapa	do	Estado
Providência	 ou	 welfare	 state	 tem	 consequências	 absolutamente	 diversas	 da	 minimização	 do
Estado	 em	 países	 como	 o	 Brasil,	 onde	 não	 houve	 o	 Estado	 Social.19	 O	 Estado	 interventor-
desenvolvimentista-regulador,	 que	 deveria	 fazer	 esta	 função	 social,	 foi	 –	 especialmente	 no
Brasil	–	pródigo	 (somente)	para	com	as	elites,	 enfim,	para	as	camadas	médio-superiores	da
sociedade,	 que	 se	 apropriaram/aproveitaram	 de	 tudo	 desse	 Estado,	 privatizando-o,
dividindo/loteando	com	o	capital	internacional	os	monopólios	e	os	oligopólios	da	economia
e,	entre	outras	coisas,	construindo	empreendimentos	 imobiliários	com	o	dinheiro	do	 fundo
de	 garantia	 (FGTS)	 dos	 trabalhadores,	 fundo	 esse	 que,	 em	 1966,	 custou	 a	 estabilidade	 no
emprego	 para	 os	 milhões	 de	 brasileiros!	 Exemplo	 disto	 é	 que,	 enquanto	 os	 reais
detentores/destinatários	do	dinheiro	do	FGTS	não	 têm	onde	morar	 (ou	 se	moram,	moram
em	favelas	ou	bairros	distantes),	nossas	classes	médio-superiores	obtiveram	financiamentos
(a	 juros	subsidiados)	do	Banco	Nacional	da	Habitação	 (sic)	–	depositário	dos	recolhimentos
do	 FGTS	 –	 para	 construir	 casas	 e	 apartamentos	 na	 cidade	 e	 na	 praia...	 Isso	 para	 dizer	 o
mínimo!	Desnecessário	 lembrar	 que	parcela	 considerável	dos	 financiamentos	 realizados	na
década	de	 70	do	 século	passado	 sequer	 foram	pagos	 até	 o	 final	 dos	 contratos,	 pela	 singela
circunstância	 de	 que	 as	 prestações	 ficaram	 tão	 baixas	 que	 não	 valia	 a	 pena	 a	 emissão	 dos
carnês	de	cobrança.
Existe,	 ainda,	um	 imenso	défice	 social	 em	nosso	país,	 e,	por	 isso,	 temos	que	defender	as
instituições	 da	 modernidade.	 Por	 isso,	 o	 Estado	 não	 pode	 pretenderser	 fraco,	 lembra
Boaventura	Sousa	Santos:20	“Precisamos	de	um	Estado	cada	vez	mais	forte	para	garantir	os
direitos	num	contexto	hostil	de	globalização	neoliberal”.	E	acrescenta:	“Fica	evidente	que	o
conceito	de	um	Estado	fraco	é	um	conceito	fraco.(...)	Hoje,	forças	políticas	se	confrontam	com
diferentes	concepções	de	reforma”.
Como	 resultado,	 temos	 que,	 em	 terrae	 brasilis,	 as	 promessas	 da	 modernidade	 só	 são
aproveitadas	 por	 um	 certo	 tipo	 de	 brasileiros.	 Para	 os	 demais,	 o	 atraso!	O	 apartheid	 social!
Para	exemplificar,	lembremos	que	um	grupo	de	5.000	famílias	“muito	ricas”	–	ou	0,001%	do
total	de	famílias	do	país	–	reúne	um	patrimônio	que	representa	46%	do	PIB.21	Mais:	segundo
dados	divulgados	em	2011	pela	Associação	Brasileira	das	Entidades	dos	Mercados	Financeiro
e	 de	 Capitais	 (ANBIMA),	 os	 brasileiros	 de	 alta	 renda	 –	 aqueles	 (63.000	 pessoas)	 com	 pelo
menos	R$	1	milhão	em	aplicações,	fecharam	o	ano	de	2010	com	R$	371	bilhões	investidos	nos
bancos.	 Por	 isso	 não	 surpreende	 a	 existência	 no	 Brasil	 de	 duas	 espécies	 de	 pessoas:	 o
sobreintegrado	 ou	 sobrecidadão,	 que	 dispõe	 do	 sistema,	 mas	 a	 ele	 não	 se	 subordina,	 e	 o
subintegrado	ou	subcidadão,	que	depende	do	sistema,	mas	a	ele	não	tem	acesso.22
Por	 que	 atingimos	 esse	 grau	 de	 desigualdade?	 E	 por	 que	 o	 Estado	 brasileiro	 é	 lócus	 da
dilapidação	 da	 res	 publica?	 Uma	 das	 formas	 de	 explicar	 esse	 problema	 reside	 no	 binômio
patrimonialismo-estamento,	que	Raymundo	Faoro	apresenta	para	construir	sua	interpretação
do	 Brasil	 (desde	 as	 feitorias	 até	 a	 Era	 Vargas).	 Com	 efeito,	 em	 reduzida	 síntese,	 a	 tese	 de
Faoro	 vai	 no	 sentido	 de	 que	 o	 poder	 político	 no	 Brasil	 se	 articula,	 devido	 a	 uma	 herança
lusitana,	a	partir	de	um	estado	que	é	patrimonialista	em	seu	conteúdo	e	estamental	na	forma.
Patrimonialista	porque	os	titulares	do	poder	se	apoderam	do	aparelhamento	estatal	de	tal
forma	que	acaba	por	gerar	uma	quase	indistinção	entre	o	que	é	bem	público	(Estado)	e	o	que
é	 o	 bem	 privado;	 ou	 seja,	 trata-se	 da	 utilização	 dos	 espaços	 estatais	 para	 realização	 e
administração	de	interesses	de	origem	privada.	Isso	tem	consequências	sérias.	O	estamento,
por	outro	lado,	é	o	que	dá	forma	a	esse	exercício	patrimonialista	do	poder.
Trata-se	 de	 uma	 verdadeira	 casta	 que	 assume	 o	 controle	 do	 Estado,	 governando-o	 de
acordo	 com	 seus	 interesses.	 Portanto,	 os	 estamentos,	 vistos	 a	 partir	 de	Os	 Donos	 do	 Poder,
mostra-nos	que,	em	determinadas	circunstâncias,	o	Brasil	é	ainda	pré-moderno.	Temos	uma
sociedade	de	estamentos,	que	“ficam	de	fora”	da	classificação	tradicional	de	classes	sociais.
Nas	palavras	de	Faoro:	“sobre	a	sociedade,	acima	das	classes,	o	aparelhamento	político	–
uma	 camada	 social,	 comunitária	 embora	 nem	 sempre	 articulada,	 amorfa	 muitas	 vezes	 –
impera,	 rege	 e	 governa,	 em	 nome	 próprio,	 num	 círculo	 impermeável	 de	 comando.	 Esta
camada	muda	e	se	renova,	mas	não	representa	a	nação,	senão	que,	forçada	pela	lei	do	tempo,
substitui	moços	por	velhos,	aptos	por	inaptos,	num	processo	que	cunha	e	nobilita	os	recém-
vindos,	 imprimindo-lhes	 os	 seus	 valores”.23	 Há,	 assim,	 brasileiros	 “diferentes”	 de	 outros
brasileiros,	circunstância	reconhecida	pela	mais	alta	autoridade	da	nação	(o	então	Presidente
Luís	 Inácio	Lula	da	Silva),	ao	sugerir	que	o	Ministério	Público,	antes	de	denunciar	alguém,
examine	antes	o	seu	curriculum...!24
O	 binômio	 estamento-patrimonialismo	 pode	 ser	 detectado	 facilmente	 nos	 processos	 de
privatização	 no	Brasil.	A	partir	 deles,	 pode-se	 ver	 o	modo	 como	 a	 res	 publica	 é	 vista	 pelos
governantes	 e	 pelas	 elites.	 Em	 detalhado	 estudo	 trazido	 a	 lume	 em	 primeira	 mão	 pelo
jornalista	Elio	Gaspari,	Sérgio	Lazzarino	mostra	que	entre	1996	e	2009	a	rede	do	Estado	e	dos
burocratas	 de	 caixas	 de	 pensão	 (Petrobrás,	 Banco	 do	 Brasil,	 Caixa	 Econômica	 Federal	 etc.)
expandiu-se.	Em	1996,	num	universo	de	516	grandes	empresas,	o	BNDES	e	os	fundos	PREVI
(Banco	do	Brasil),	Petros	(Petrobrás)	e	Funcef	(Caixa	Federal)	participaram	de	72	sociedades.
Em	2003,	numa	amostra	de	494	companhias,	o	Estado	fazia-se	presente	em	95.	Em	2009,	num
universo	de	624,	o	Estado	tinha	um	pé	em	199	empresas.	O	livro	de	Lazzarini	leva	o	sugestivo
nome	de	Capitalismo	de	Laços,	mostrando	a	herança	patrimonialista	presente	nas	diversas
camadas	do	establishment.	A	obra	inicia	contando	a	investida	do	Governo	no	fundo	de	pensão
Previ	e	do	empresário	Eike	Batista	sobre	os	administradores	da	Vale	do	Rio	Doce,	empresa
privatizada	no	governo	Fernando	Henrique	Cardoso	por	um	valor	simbólico.	Em	tese,	a	Vale
é	 uma	 empresa	 privada.	 Na	 prática,	 pelo	 “capitalismo	 de	 laços”,	 o	 governo	 é	 seu	 maior
acionista	e,	na	ocasião,	Eike	Batista	era	o	melhor	amigo.	Em	2008,	foi	o	maior	financiador	do
filme	 “Lula,	 o	 Filho	 do	 Brasil”	 e,	 em	 2006,	 o	 maior	 doador	 individual	 da	 campanha	 que
reelegeu	Lula.	E	o	maior	doador	corporativo	foi	a	empresa	“privada”	Vale	do	Rio	Doce.25
O	 mesmo	 estudo	 de	 Lazzarini	 mostra	 que	 o	 governo	 Fernando	 Henrique	 ajudou	 a
sedimentar	 essa	 “capitalismo	de	 laços”	 em	 terrae	brasilis.	Atualmente,	 esse	 “capitalismo	de
laços”	 pode	 ser	 visto,	 por	 exemplo,	 pela	 estrutura	 das	 grandes	 empresas:	 11	 grandes
empresários	participam	de	66	conselhos	de	empresas.
Como	 se	 pode	 perceber,	 não	 bastasse	 o	 modo	 como	 as	 empresas	 estatais	 foram
privatizadas	–	aquilo	que	Gaspari	vem	chamando	de	“privataria”	–	construiu-se	um	segundo
estágio	 nesse	 processo	 de	 “entrelaçamento	 entre	 o	 público	 e	 o	 privado”,	 isto	 é,	 o	 velho
patrimonialismo	tão	bem	denunciado	por	Raymundo	Faoro.
A	 pergunta	 que	 se	 faz	 é:	 em	 que	 medida	 o	 país	 avança	 no	 tocante	 à	 redução	 das
desigualdades?	Se	no	âmbito	do	“andar	de	cima”	as	elites	conseguem	se	agrupar	e	reagrupar
em	 todos	 os	 segmentos	 econômicos	 e	 financeiros,	 no	 “andar	 de	 baixo”	 os	 indicadores,
mormente	os	da	última	década,	de	redução	da	pobreza	e	inclusão	social	decorrem	de	fortes
investimentos	governamentais.	Ou	seja,	parece	haver	dois	“mundos”	separados:	o	“mundo”
dos	estamentos,	para	usar	aqui	a	expressão	de	Raymundo	Faoro,	que	funciona	paralelamente
ao	“mundo”	de	baixo,	que	depende	de	políticas	governamentais	como	o	“bolsa-família”.
Assim,	 paralelamente	 ao	 “capitalismo	 de	 laços”,	 que	 concentra	 mais	 e	 mais	 a	 riqueza
nacional,	não	se	pode	deixar	de	assinalar	uma	melhora	nos	 indicadores	sociais.	Com	efeito,
foram	 divulgados	 resultados	 do	 Censo	 de	 2010,	 realizado	 pelo	 IBGE,	 de	 que	 98,2%	 das
crianças	 e	 adolescentes	 entre	 6	 e	 14	 anos	 frequentam	 regularmente	 escolas,26	 o	 que
representa,	 certamente,	 um	 salto	 decisivo	 em	 direção	 à	 universalização	 do	 ensino
preconizada	no	art.	208	da	CF.	Ao	mesmo	tempo,	também	com	relação	ao	Ensino	Superior,
de	1998	a	2008,	o	número	de	jovens	entre	18	e	24	anos	cursando	alguma	Faculdade	passou	de
6,9%	 para	 13,9%.	 Porém,	 se	 considerarmos	 o	 índice	 de	 brasileiros	 que	 frequentam	 a
universidade,	independente	da	idade,	o	índice	chega	em	30%.
Assim,	 de	 um	 lado	 temos	 um	 forte	 componente	 estamental,	 fruto	 de	 uma	 herança
patrimonialista	e,	na	mesma	linha,	o	“capitalismo	de	laços”.	Não	é	difícil	perceber	o	quadro
de	desigualdade	social	gerado	no	decorrer	da	história27	e,	de	certo	modo,	“aprimorado”	nos
anos	de	maior	concentração	de	renda	(período	da	ditadura	militar).
Um	dos	maiores	problemas	do	país	–	e	 isso	decorre	da	própria	 tradição	patrimonialista-
estamental	 –	 está	na	 corrupção	 e	nos	desvios	de	dinheiro	público	 lato	 sensu.	 Efetivamente,
basta	 uma	 amostragem	 de	 menos	 de	 dez	 edições	 da	 Folha	 de	 São	 Paulo	 –	 e	 utilizo
deliberadamente	apenas	um	veículo	de	comunicação	e	em	um	curtíssimo	espaço	de	tempo	–
para	se	ter	uma	ideia	do	grau	de	apropriação/privatização	da	res	publica.	Uma	auditoria	na
Funasa,	ligada	ao	Ministério	da	Saúde,	constatou	o	desvio	deaté	R$	500	milhões	(mais	de	300
milhões	de	dólares)	somente	no	período	de	2007	a	2010.28	Ao	mesmo	tempo,	 lê-se	que,	em
Porto	Alegre,	o	atendimento	à	saúde	(hospitais	da	rede	pública)	entrou	em	colapso,	em	um
quadro	 aterrador,	 em	 que	 centenas	 de	 pessoas	 aguardaram	 nos	 corredores,	 em	 macas
improvisadas,	vagas	para	 internação.29	Outro	dado	que	torna	manifesto	a	mixagem	entre	o
público	e	o	privado,	deixando	sempre	para	o	primeiro	(o	Estado)	o	pagamento	da	conta,	diz
respeito	 ao	 fato	 de	 os	 planos	 de	 saúde	 de	 terrae	 brasilis	 não	 restituírem	 ao	 SUS	 os
atendimentos	 feitos	 na	 rede	 pública	 aos	 usuários	 dos	 planos	 privados.30	 O	 valor	 devido	 é
suficiente	 para	 a	 construção	 de	 dezenas	 de	 hospitais	 ou	 para	 equipar	 as	 emergências	 nas
quais	 os	 pacientes	 são	 atendidos	 em	 macas	 improvisadas	 ou	 tomam	 soro	 em	 pé,	 como
ocorreu,	nos	últimos	anos,	nos	casos	de	surto	de	dengue	no	Rio	de	Janeiro	e	em	Porto	Seguro.
Na	mesma	linha,	foi	noticiado	que	“documentos	mostram	falhas	em	escolha	de	agência	de
publicidade	 que	 vai	 gerir	 conta	 do	 Ministério	 da	 Saúde”,	 e	 que	 a	 maior	 licitação	 de
publicidade	de	2010	tem	indício	de	fraude.31	Ainda	do	mês	de	janeiro	de	2011	é	a	notícia	de
que	Ministros	e	Procuradores	do	Tribunal	de	Contas	utilizam	verba	pública	para	viajar	aos
seus	Estados	de	origem.	De	todas	as	passagens	emitidas	em	2010,	68%	foram	usadas	em	fins
de	 semana	 e	 feriados.	 Foram	 emitidas	 no	 ano	 334	passagens	 aéreas.	 Somente	um	Ministro
utilizou	65	passagens,	das	quais	54	foram	para	a	sua	cidade	natal,	Recife.32	Também	os	jornais
dão	conta	de	que	“cliente	do	governo	vende	curso	de	presidente	do	Tribunal	de	Contas	da
União,	chegando	o	valor,	nos	últimos	dois	anos,	a	R$	2,1	milhões”.33
Estudo	 realizado	 pela	 OCDE	 (Organização	 para	 Cooperação	 e	 Desenvolvimento
Econômico)	mostra	que	o	Poder	Executivo	brasileiro	dispõe	de	número	exagerado	de	cargos
de	 livre	 nomeação	 em	 comparação	 com	 outros	 países.	 São	 22	 mil,34	 cerca	 do	 dobro	 dos
existentes	 nos	 Estados	 Unidos.	 Para	 essas	 vagas	 não	 há	 critérios	 transparentes	 de	 escolha,
tampouco	descrição	de	funções	e	avaliação	dos	nomeados.	Segundo	editorial	do	jornal	Folha
de	 São	 Paulo,	 esse	 quadro	 é	 em	 tudo	 propício	 à	 indicação	 de	 apaniguados	 de	 políticos	 e
governantes.	Para	 agravar	 a	 situação,	 foi	 aprovada	no	 ano	de	 2010	uma	 lei	 que	 aumenta	 a
oferta	 de	 cargos	 em	 conselhos	 de	 administração	 de	 empresas	 estatais.	 Ministros	 e
funcionários	 encontram	 nesses	 órgãos,	 em	 geral	 ornamentais,	 uma	 oportunidade	 para
engordar	seus	vencimentos.	O	pagamento	a	esses	“conselheiros”	chega	ao	valor	de	9	milhões
de	reais	por	ano.35
Há	questões	que	vão	do	atacado	ao	varejo.	Na	verdade,	o	imaginário	patrimonialista	está
incrustado	 na	 administração	 pública	 a	 ponto	 de	 ninguém	 se	 surpreender	 com	 o	 fato	 de	 a
esposa	de	um	 secretário	da	 Saúde	do	Distrito	Federal,	 proprietária	de	uma	 clínica	médica,
receber	1,1	milhão	de	reais	–	do	próprio	Estado	onde	ele,	o	marido,	é	secretário	–	por	serviços
prestados.36	 Não	 há	 limites,	 efetivamente,	 para	 a	 “invasão	 do	 público	 pelo	 privado”.	 Os
deputados	dos	Estados	de	Goiás	e	Rondônia	receberam,	ao	custo	de	R$	506	mil	no	primeiro	e
R$	217	mil	no	segundo,	para	uma	sessão	extra.37	Legislar	em	causa	própria	é	forte	sintoma	da
prevalência	de	um	imaginário	estamental.	Exemplo	disso	é	um	deputado	estadual	que,	por
ter	governado	um	Estado	da	federação	por	dez	dias,	passou	a	receber	pensão	vitalícia	de	R$
15	 mil.	 Na	 verdade,	 somente	 em	 pensão	 para	 ex-governadores	 o	 Estado	 brasileiro	 gasta
anualmente	 mais	 de	 R$	 30	 milhões,	 o	 equivalente	 ao	 pagamento	 do	 benefício	 de	 Bolsa-
Família	 para	 mais	 de	 30	 mil	 famílias	 ou	 construir	 800	 casas	 populares	 (para	 acrescentar:
somente	 no	 Estado	 de	 São	 Paulo	 são	 gastos	mais	 de	 R$	 35	milhões	 para	 o	 pagamento	 de
pensões	a	ex-deputados	estaduais).	Em	2010,	o	governo	federal38	gastou	R$	80	milhões	com
cartões	 corporativos,	 dos	 quais	 R$	 11,2	 milhões	 são	 com	 “gastos	 secretos”,	 volume	 que
cresceu	 67%	 em	 relação	 ao	 ano	 anterior.	 O	 Estado	 acaba	 sendo	 o	 lócus	 da	 apropriação
privada,	sob	as	mais	variadas	“rubricas”.	Veja-se	um	dado	curioso:	durante	doze	meses,	entre
2008	e	2009,	a	Petrobrás	gastou	R$	609	milhões	com	patrocínios,	festas,	ONGs	e	congressos.	E
as	cinco	maiores	empresas	estatais	doaram,	entre	os	anos	de	2006	e	2010,	o	montante	de	R$
7,4	milhões	para	a	comemoração	do	dia	do	trabalho,	ocasião,	aliás,	em	que	são	feitos	sempre
vigorosos	discursos	a	favor	da	transparência,	da	ética	e	da	função	social	do	capital	público...!
Veja-se	 que	 se	 trata	 de	 uma	 pequeníssima	 amostra.	 Deliberadamente	 pequena	 para
mostrar	 o	 conjunto	 de	 notícias	 transmitidas	 diariamente	 no	 país.	 Poder-se-ia	 acrescentar
ainda	outra	faceta	do	imaginário	estamental,39	por	exemplo,	noticiando	que,	de	1998	–	ano	que
entrou	em	vigor	a	Lei	de	Lavagem	de	Dinheiro	–	até	2010,	não	mais	de	17	processos	tiveram
resultado	condenatório	(paradoxalmente,	mantemos	presos	em	terrae	brasilis	mais	de	80.000
pessoas	 pelo	 crime	 de	 furto...!).	 Também	 não	 podemos	 olvidar	 da	 sonegação	 de	 tributos
(somente	no	ano	de	2010	o	valor	apontado	pela	Receita	Federal,	apenas	em	multas,	chegou
quase	 à	 casa	 dos	 100	 bilhões	 de	 reais).	 Na	 verdade,	 os	 índices	 mais	 otimistas	 acerca	 da
sonegação	dão	conta	de	que,	para	cada	real	arrecadado,	um	é	sonegado.
Tudo	isso,	à	evidência,	somente	se	mantém	a	partir	de	um	forte	componente	 ideológico.
Ou	seja,	a	maior	parte	da	sociedade	passa	a	acreditar	que	existe	uma	ordem	de	verdade,	na
qual	 cada	 um	 tem	o	 seu	 “lugar	 (de)marcado”.40	 Vejamos	 a	 complexidade	 do	 problema	 da
formação	do	Brasil.	Em	muitos	pontos	há	concordância	dos	pesquisadores.	Segundo	Antonio
Houaiss	e	Roberto	Amaral,	o	pressuposto	é	aceito	de	forma	geral:	1)	um	território	precioso,	2)
flora,	fauna	e	clima	esplêndidos,	3)	um	autoctonato	de	fácil	superação,	4)	uma	consolidação
linguística	 quase	 miraculosa,	 5)	 a	 gestação	 de	 uma	 cultura	 popular	 e	 ágrafa	 rica	 e
emocionante,	 6)	 uma	 expansão	 demográfica	 rara,	 pela	 multiplicação,	 pela	 miscigenação
tolerante	e	pela	democracia	empírica	convivial.	Eliminando	os	pontos	positivos,	restam,	ao	cabo
dos	quase	 cinco	 séculos	de	 operação	Brasil,	 os	 enigmas:	 a	dívida	 social	 crescente	 –	 fome,	 ensino
miserável,	 ausência	 de	 terra	 (guardada	 como	 “poupança”)	 para	 os	 aptos	 a	 trabalhá-la,
trabalho	no	campo	preferentemente	para	a	exportação,	a	 importação	preferentemente	para
gáudio	 dos	 exportadores.	 As	 chamadas	 elites	 brasileiras,	 bem	 pensadas,	 parecem	 ter	 tido,
excelente	ou	sobre-excelentemente,	o	mais	puro	sentido	de	autodefesa	e	sobrevivência:	1)	aos
trancos	 e	 barrancos,	 embora	 souberam	 reter	 para	 si	 o	 máximo	 dos	 bens	 materiais;	 2)
souberam	 harmonizar-se	 com	 os	 donos	 do	 mundo;	 conseguiram	 manter	 “seu”	 povo
admiravelmente	manietado,	pela	escravidão,	pelo	genocídio,	pela	ignorância,	pela	superstição	–	já	que
a	terra	lhes	foi	compensatoriamente	tão	generosa,	que	raros	foram	os	Palmares	e	os	Canudos	e	os
Caldeirões	em	que	criaram,	embora	efêmeras,	suas	pátrias	de	eleição	possível.41
É	nesse	contexto	que	cada	um	“assume”	o	“seu”	 lugar.	E	estes	compõem	a	maioria.	Essa
maioria,	 porém,	 não	 se	 dá	 conta	 de	 que	 essa	 “ordem”,	 esse	 “cada-um-tem-o-seu-lugar”
engendra	 a	 verdadeira	 violência	 simbólica42	 da	 ordem	 social,	 bem	 para	 além	 de	 todas	 as
correlações	de	forças	que	não	são	mais	do	que	a	sua	configuração	movente	e	indiferente	na
consciência	moral	e	política.
O	sistema	cultural	engendra	exatamente	um	 imaginário	no	qual,	principalmente	através
dos	meios	de	comunicação	de	massa,	se	faz	uma	amálgama	do	que	não	é	amalgamável.43	Por
isso,	por	exemplo,	é	possível	–	e	observe-se	a	relevância	dessa	questão	no	plano	simbólico	–	que	o
país	mantenha	impunemente	um	apartheid	em	elevadoressociais	e	de	serviço,	o	que	legitima
o	preconceito	social!
Não	 causa	 espanto,	 assim,	 em	 nossa	 “pós-modernidade”	 midiática,	 que,	 a	 exemplo	 de
tantas	pessoas,	a	dublê	de	atriz	e	modelo	Carolina	Ferraz	justifique	o	apartheid	nos	elevadores
de	 forma	 bastante	 solene:	 “As	 coisas	 estão	 tão	 misturadas,	 confusas,	 na	 sociedade	 moderna.
Algumas	coisas,	da	 tradição,	devem	ser	preservadas.	É	 importante	haver	hierarquia”.	 Já	a	promoter
paulista	Daniela	Diniz,	assídua	frequentadora	das	colunas	sociais,	não	“nos	deixa	esquecer”
que	“...	cada	um	deve	 ter	o	 seu	espaço.	Não	é	uma	questão	de	discriminação,	mas	de	respeito”.	Ou
seja,	 para	 elas	 –	 e	 para	 quantos	 mais	 (!?)	 –	 a	 patuleia	 deve	 (continuar	 a)	 “saber-o-seu-
lugar”...44
Discursos	deste	quilate	não	podem	(e	não	devem)	nos	surpreender,	até	porque	nada	mais
são	 do	 que	 reproduções	 do	 que	 ocorre	 cotidianamente	 ao	 nosso	 redor,	 reforçados	 pelos
estereótipos	produzidos	pela	mídia	em	larga	escala.45	Daí	que,	usando	como	pano	de	fundo
essa	 discussão,	 Contardo	 Calegaris46	 procura	 explicar	 a	 atitude	 e	 o	 discurso	 das	 classes
médias	 e	médio-superiores	brasileiras	 acerca	desta	problemática:	 “No	Brasil,	 talvez	por	 ele
ter	 sido	 e	 talvez	 por	 ser	 ainda	 o	 maior	 sistema	 escravagista	 do	 mundo	 ocidental,	 a
modernização	 aconteceu	 pela	 metade.	 Nas	 classes	 médias,	 geralmente	 a	 regra	 é	 o	 poder
moderno	sobre	e	pelas	coisas.	Podemos	comprar	o	trabalho	de	um	outro,	seus	serviços,	mas	não
dispomos	 de	 seu	 corpo.	 Mas	 na	 relação	 entre	 as	 classes	 médias	 e	 as	 classes	 ditas
eufemisticamente	não	favorecidas	o	poder	ainda	é	poder	sobre	os	corpos,	construído	no	modelo
da	escravatura.	As	classes	médias	brasileiras	não	abriram	as	portas	do	poder	sobre	as	coisas
para	metade	da	população	do	país.	Não	por	razões	econômicas:	a	manutenção	do	escravagismo
caseiro	 é	 um	 péssimo	 negócio	 que	 estrangula	 o	 mercado	 interno.	 Foi	 por	 tradição	 ou	 por	 gosto
atávico	escravocrata”.	Por	isso,	diz	Calegaris,	tanta	violência	no	Brasil:	o	ladrão	brasileiro	não
está	só	pedindo	posse	de	mais	coisas.	Quer	mais!	Quer	os	corpos...!47	São	eles	que	(os	corpos)
“é	bom	possuir”.	E	(de	forma	irônica)	Calegaris	acrescenta:	“a	violência	(na	sociedade)	já	reverte
se	os	elevadores	de	serviço	forem	suprimidos”.
A	 “aceitação”	 da	 exclusão	 social	 é	 cotidianamente	 reforçada/justificada	 pelos	meios	 de
comunicação.	 Veja-se,	 a	 propósito	 –	 e	 a	 crítica	 foi	 magnificamente	 feita	 pelo	 jornalista
Vinícius	Torres	Freire	em	matéria	intitulada	“Carro	grande	e	senzala”	–,48	comercial	veiculado
em	rede	nacional	de	televisão,	para	lançamento	de	um	certo	automóvel	“classe	A”,	onde	um
casal	branco	e	bem	vestido	escorrega	pelo	piso	ensaboado	de	uma	garagem,	em	direção	ao
carro	apregoado.	Três	faxineiros,	morenos	e	miúdos	como	quase	todo	o	povo,	fazem	pilhéria
dos	 ricos	 à	 beira	 do	 tombo.	Mas	 o	 casal	 classe	 “A”	 chega	 ao	 carro	 “A”	 e	 sai	 zunindo	 da
garagem	escorregadia	–	o	carro	é	estável,	é	o	que	se	vende.	Os	faxineiros	 ficam	para	trás	com
cara	de	besta.	Um	deles	escorrega	e	cai	feito	um	pateta.	Em	outro	anúncio,	novamente	aparece	a
dualidade	“elite	branca	e	elegante”	versus	“plebe	rude	e	ignara”:	desta	vez	um	engravatado
regateia	 com	um	mendigo	 flanelinha	 a	 lavagem	do	mesmo	 carro	 “classe	A”.	Condescende
com	riso	senhorial	da	esperteza	do	pedinte,	que	quer	“dez	real”,	pois	o	carro	aquele	é	grande
por	 dentro.	 Como	 bem	 complementa	 Torres	 Freire,	 os	 aludidos	 anúncios	 reproduzem	 um
clichê	 clássico	 do	 imaginário	 subdesenvolvido,	 em	 que	 os	 pobres	 são	 espertos,	 sensuais	 e
marotos...	“O	Brasil	jamais	foi	uma	república	de	fato,	ex-escravos	continuaram	pobres,	pobres
não	têm	direitos	e	são	demais.	O	comercial	de	carro	‘A’	não	os	fará	mais	pobres,	mas	a	naturalidade
inconsciente	com	que	mofa	da	patuleia	é	um	sintoma.	 ‘Os	nativos	estão	inquietos’,	eles	assaltam,
mas	são	uma	classe	de	gente	diferente,	que	ficou	para	trás	naturalmente,	ridícula	como	um
escravo	ou	um	primitivo	pateta”.
Outro	 exemplo	 interessante	 é	 de	 um	 anúncio	 publicitário	 (premiado)	 que	 conseguiu
transformar	 a	 exploração	 em	 “glamour”	 (ou	 consegue	 “justificar”	 a	 semiescravidão	 dos
“velhos	e	bons	tempos”).	O	cenário	era	uma	antiga	fazenda	de	café.	Os	personagens	são	dois
recém-casados,	que,	ao	acordarem,	se	encaminham	ao	café	da	manhã.	Entrementes,	a	câmera
mostra	 os	 empregados	 da	 Fazenda	 se	 encaminhando	 para	 a	 plantação,	 com	 ferramentas
rudimentares	(típicas	“daqueles	tempos”).	Enquanto	os	campesinos	se	afastam,	o	casal	senta-
se	à	mesa,	ornada	com	toalha	rendada	e	com	xícaras	de	fino	porcelanato.	A	cena	culminante
é	 o	 café	 sendo	 servido,	 fumegante,	 denso,	 saboroso...	 e	 uma	 voz	 em	 off	 anunciando:	 Café
“Pindorama	Casagrande”:49	a	volta	dos	bons	tempos!	Faltou	apenas	uma	frase:	bons	tempos
para	quem?
Tudo	isto	se	encaixa,	pois,	em	uma	espécie	de	razão	cínica	brasileira.	 Invertendo	a	famosa
frase	de	Marx	dita	em	o	Capital:	“Sie	wissen	das	nicht,	aber	sie	tun	es”,	que	significa	“disso	eles
não	sabem,	mas	o	fazem”,	Peter	Sloterdijk	nos	ajuda	a	explicar	a	fórmula	dessa	razão	cínica
traduzida	no	 comportamento	de	nossas	 classes	dirigentes:	 “eles	 sabem	muito	 bem	 o	 que	 estão
fazendo,	mas	fazem	assim	mesmo”.50	Nossas	classes	dirigentes	e	o	establishment	jurídico	sabem	o
que	 está	 ocorrendo,	 mas	 continuam	 a	 fazer	 as	 mesmas	 coisas	 que	 historicamente	 vêm
fazendo.	Não	nos	damos	conta	das	questões	mais	prosaicas	que	nos	rodeiam	e	que	permeiam
o	nosso	imaginário,	problemática	já	analisada	anteriormente.
Esse	estado	da	arte	do	binômio	estamentos-patrimonialismo	(além	da	razão	cínica)	pode
ser	 ainda	melhor	 ilustrado.	Vejamos.	Há	um	 filme	 sobre	uma	peça	de	 teatro	que	pretende
contar	 a	 Revolução	 Francesa.	 Na	 primeira	 cena,	 o	 Rei	 e	 a	 Rainha	 fogem	 da	 França	 e	 são
recapturados	na	 fronteira.	Alguém	 reclama,	dizendo	que	 a	Revolução	deve	 ser	 contada	de
outro	modo.	Na	nova	cena,	aparece	uma	bacia	com	água	quente,	uma	camponesa	pronta	para
dar	 à	 luz	 e	 a	 parteira.	 Na	 sequência,	 entra	 um	 aristocrata,	 que	 voltava	 da	 caçada.	 Vendo
aquela	água	límpida,	lava	as	suas	botas	sujas	na	bacia	destinada	ao	parto.	Desdém,	deboche	e
desprezo!	 Pronto:	 é	 assim	 que	 se	 conta	 a	 origem	 da	 Revolução.	 É	 assim	 que	 se	 resgata	 a
capacidade	 de	 indignação.	 Pois	 examinando	 o	 projeto	 de	 lei	 federal	 (Dep.	 José	 Mentor)
pretendendo	 conceder	 anistia	 a	 quem	 tenha	 remetido	dinheiro	 ao	 exterior	de	 forma	 ilegal
(criminosa),	 penso	 no	 despudor	 do	 caçador	 aristocrata	 e,	 consequentemente,	 na	 nossa
herança	 patrimonialista.	 É	 impossível	 não	 fazê-lo.	 Explico:	 nos	 últimos	 anos,	 bilhões	 de
dólares	foram	sonegados,	lavados	e	remetidos,	à	socapa	e	à	sorrelfa,	ao	exterior.51	Não	se	sabe
o	quantum,	mas	se	estima	em	mais	de	U$	150	bilhões.	É	tanto	dinheiro	para	retornar,	que,	se
viesse	 mesmo,	 poderia,	 segundo	 alguns	 empresários	 do	 ramo	 exportador,	 provocar	 uma
queda	no	câmbio	em	face	da	enxurrada	de	moeda	estrangeira.	O	que	não	está	dito	é	que	a
pesada	máquina	pública	se	mostrou	ineficiente	para	punir	os	criminosos	(afinal,	la	ley	es	como
la	serpiente;	solo	pica	a	los	descalzos...,	e,	é	claro,	as	leis	disfuncionais	colaboraram	para	esse	mau
resultado).	 Então,	 qual	 é	 a	 solução?	 Ora,	 segundo	 o	 projeto	 de	 lei,	 devemos	 anistiar	 os
criminosos	do	colarinho	branco;	e,	na	sequência,	um	bom	discurso	para	criarmos	mais	cargos
públicos	para	o	combate	à	sonegação	e	à	evasão	de	divisas;	e,	na	sequência,	outra	anistia...!
Lembremos	sempre	do	Dr.	Pangloss,	do	Cândido	(Voltaire):	vivemos	no	melhor	dos	mundos!
Na	verdade,	somos	eficientes	nisso.	De	há	muito	perseguimos	com	êxito	ladrões	de	galinha
e	de	sabonetes,	mas	não	somos	tão	bons	para	“pegar”	sonegadores	e	lavadores	de	dinheiro.
Por	todos,	lembremos	de	um	dos	personagens	mais	marcantes	da	criminalidade	do	colarinho
branco	 dos	 últimos	 tempos,	Marcos	 Valério,que,	 no	 ano	 de	 2008,	mesmo	 já	 condenado	 à
prisão,	pagou	o	valor	sonegado	e	teve	extinta	a	sua	punibilidade	(a	seu	favor,	a	bondosa	Lei
10.684	e	uma	generosa	interpretação	dada	ao	artigo	9º).	Se	não	fosse	trágico,	seria	engraçado,
porque,	ao	mesmo	tempo,	milhares	de	ladrões	(sic)	continuam	encarcerados	(lembremos	que
temos	mais	 de	 trezentos	mil	 presos	 no	 Brasil	 por	 crimes	 contra	 o	 patrimônio	 individual	 e
pouquíssimos	por	crimes	de	sonegação	ou	evasão	de	divisas).
Veja-se:	pelo	projeto	“anistiador”,	que	 teve	aprovação	no	Senado,	basta	que	o	“cidadão”
declare	o	valor	que	remeteu	ao	exterior,	pague	o	imposto	de	6%	e	estará	anistiado.	Portanto,
“vale	a	pena”	remeter	dinheiro	ilegal	para	o	exterior.	Ou	seja:	o	crime	compensa.	E,	atenção:
o	sigilo	será	preservado	(ainda	bem...	imagine-se	que	o	povo	saiba	o	nome	dessas	pessoas...!)!
Trata-se	da	institucionalização	da	impunidade	do	“andar	de	cima”,	para	usar	uma	expressão
de	 Elio	Gaspari.	 É	 a	 “função	 social	 do	 crime!”.	A	 questão	 é	 saber	 se	 o	 deputado	 autor	 do
projeto	concorda	em	fazer	uma	emenda,	com	base	nos	princípios	da	 isonomia	e	 igualdade,
concedendo	 anistia	 também	 a	 todos	 aqueles	 que	 devolverem	 o	 valor	 produto	 de	 furtos,
estelionatos	 e	 apropriações	 indébitas.	 Afinal,	 se	 vale	 para	 o	 “estamenteiros”,	 por	 que	 não
estender	a	benesse	à	“patuleia”?52
Numa	palavra	 final,	vem	bem	a	propósito	disso	o	dizer	de	 Jurandir	Freire	Costa,53	 para
quem	“hoje	aposentamos	os	Rousseau.	Em	vez	de	utopias,	(existem	os)	manuais	de	autoajuda,
psicofármacos,	 cocaína	 e	 terapêuticas	 diversas	 para	 os	 que	 têm	 dinheiro;	 banditismo,
vagabundagem,	mendicância	ou	religiosismo	fanático	para	os	que	apenas	sobrevivem”.
	
Notas
6	Segundo	O’Donnell,	 a	 transição	de	 regimes	 autoritários	para	governos	 eleitos	democraticamente	não	 encerra	 a	 tarefa	de
construção	democrática:	é	necessária	uma	segunda	transição,	até	o	estabelecimento	de	um	regime	democrático.	A	escassez	de
instituições	democráticas	e	o	estilo	de	governo	dos	presidentes	eleitos	em	vários	países	que	saíram	recentemente	de	regimes
autoritários	 –	 particularmente	 da	 América	 Latina	 –	 caracterizam	 uma	 situação	 em	 que,	 mesmo	 não	 havendo	 ameaças
iminentes	de	 regresso	 ao	 autoritarismo,	 é	difícil	 avançar	para	 a	 consolidação	 institucional	da	democracia.	O	 estudo	desses
casos	sugere	a	existência	de	um	tipo	peculiar	de	democracia	em	que	a	delegação	prevalece	sobre	a	representação,	 denominada
pelo	 autor	 de	 democracia	 delegativa,	 fortemente	 individualista,	 com	 um	 corte	 mais	 hobbesiano	 do	 que	 lockiano.	 Consultar
O’Donnell,	Guillermo.	Democracia	delegativa?	In:	Novos	Estudos	Cebrap,	n.31,	out/91,	p.	25	e	segs.
7	Cf.	Pereira	e	Silva,	Reinaldo.	O	mercado	de	trabalho	humano.	São	Paulo:	LTr,	1998,	p.	45.
8	Idem,	ibidem.	Ver	também	Carvalhosa,	Modesto.	Direito	Econômico.	São	Paulo:	Revista	dos	Tribunais,	1973,	p.	100.
9	 Sobre	 Estado	 Social,	 sua	 crise	 e	 suas	 transformações,	 ver:	 García-Pelayo,	 Manuel.	 Las	 transformaciones	 del	 Estado
contemporáneo.	Madrid:	Alianza	Editorial,	1997;	Capella,	Juan	Ramón.	Fruta	prohibida.	Una	aproximación	histórico-teorética	al
estudio	del	derecho	y	del	Estado.	Madrid:	Editorial	Trotta,	1997.	Sempre	é	bom	registrar	que	a	República	de	Weimar,	na	“fase
experimental”	após	a	Primeira	Grande	Guerra,	 iniciou	a	 implantação	dos	direitos	sociais,	 também	chamados	de	direitos	de
segunda	 geração.	 Em	 outros	 países,	 explica	 Capella,	 como	 Grã-Bretanha,	 França	 e	 Itália,	 teriam	 que	 aguardar	 ainda	 um
quarto	de	século.	Nos	anos	trinta,	nos	EUA,	mediante	métodos	não	legislativos,	foi	dado	um	passo	para	o	reconhecimento	dos
direitos	 dos	mais	 fracos,	 porém,	 apesar	 de	 ser	 a	 pátria	 do	New	Deal,	 os	 trabalhadores	 norte-americanos	 nunca	 tiveram	 a
cobertura	 de	 direitos	 sociais	 dos	 trabalhadores	 da	 Europa	 ocidental	 (se	 aproximaram	dos	 trabalhadores	 europeus	 por	 um
brevíssimo	momento,	 durante	 a	 administração	 Johnson,	 no	 final	 dos	 anos	 setenta).	 Em	 contrapartida,	 outros	 aspectos	 das
políticas	 keynesianas	 se	 iniciaram	 nos	 Estados	Unidos	 nos	 anos	 trinta,	 enquanto	 na	 Europa	 os	 trabalhadores	 tiveram	 que
esperar	até	o	 final	da	segunda	guerra	mundial.	Cf.	Capella,	op.	cit.,	p.	172.	Também	Rosanvallon,	Pierre.	A	 crise	 do	 estado-
providência.	Goiania,	Editora	UNB,	1997,	p.	38	e	segs.
10	Até	mesmo	 Richard	 Posner,	 o	 arauto	 do	 Law	 and	 Economics	 admitiu	 que	 a	macroeconomia	 foi	 pensada	 tendo	 poucas
interseções	 com	 o	 direito	 e,	 por	 isso,	 segundo	 ele,	 os	 teóricos	 da	 Análise	 Econômica	 do	 Direito	 –	 AED	 –	 não	 tinham
conhecimentos	de	macroeconomia	suficientes	e,	assim,	não	avaliaram	bem	o	lado	negativo	da	desregulamentação	financeira.
Admitiu	que	errou	em	suas	previsões	quanto	à	 crise	de	2008.	Cf.	Posner,	Richard.	On	 the	Receipt	of	 the	Ronald	H.	Coase
Medal:	Uncertainty,	the	Economic	Crisis,	and	the	Future	of	Law	and	Economics.	In	American	Law	&	Economics	Review,	 Vol.
12	 Issue	2,	2010,	p.	268.	Para	Posner,	a	AED	se	 tornou	muito	acadêmica	e	 incapaz,	assim,	de	prover	uma	resposta	 rápida
para	 a	 crise	 econômica.	Cf.	 Ibidem,	 p.	 270.	Mas,	 na	 verdade,	 a	 crise	 rompeu	 com	o	 discurso	 neoliberal	 e	 da	AED.	 Isto	 é,
liberalismo	 só	 quando	 interessa.	 Depois	 reconheceu	 que	 a	 crise	 surpreendeu	 até	mesmo	 os	 analistas	 econômicos,	 gerando
dúvidas	até	mesmo	sobre	alguns	pressupostos	que	norteiam	a	pesquisa	econômica	sobre	o	sistema	legal.	Para	ele,	seria	preciso
prestar	 atenção	 no	 fato	 de	 que	 a	 economia	 tem	 riscos	 que	 são	 racionalmente	 escolhidos	 economicamente.	 Seriam	 riscos
incalculáveis,	em	alguns	casos.	Cf.	Ibidem,	p.	272.
11	Cf.	GM,	1908-2009.	In:	Carta	Capital.	10.06.2009,	p.	50-52.
12	A	intervenção	do	Estado	para	salvar	determinado	setor	envolvido	em	crise	é	de	longa	data	na	História	do	Brasil,	como	o
caso	da	compra	de	café	na	República	Velha	em	1906	devido	a	superprodução	de	café.	Segundo	o	Convênio	de	Taubaté,	o
governo	brasileiro	 compraria	o	excedente	da	produção	para	que	a	quantidade	disponível	no	mercado	 fosse	 suficiente	para
garantir	o	preço	aos	cafeicultores.
13	Cf.	O	Capital	é	Vermelho.	In:	Carta	Capital.	04.03.2009,	p.	60/64.	Nos	termos	da	manchete:	“salvar	o	sistema	financeiro
capitalista	exigirá	a	estatização	dos	que	já	foram	os	maiores	bancos	do	mundo”.
14	Cf.	Carvalho,	Fernando	Cardim	de.	O	Retorno	a	Keynes.	In:	Novos	Estudos	–	CEBRAP,	nº	83,	março	de	2009,	p.	100.
15	Cf.	Bresser-Pereira,	Luiz	Carlos.	A	Crise	Financeira	Global	e	depois:	um	novo	capitalismo?	In:	Novos	Estudos	–	CEBRAP,	nº
86,	março	de	2010,	p.	51.
16	 A	 propósito,	 veja-se	 o	 documentário	 “Inside	 Job”,	 que	 conta	 a	 história	 da	 crise	 de	 2008/09	 (vencedor	 do	 Oscar),
mostrando	 “o	 comportamento	 dos	 agentes	 de	 mercado,	 com	 sua	 insolência,	 leviandade,	 irresponsabilidade	 e	 arrogância.
Capazes	até	de	roubar	as	próprias	firmas	para	as	quais	trabalham,	ao	lançar	como	despesas	de	serviço	gastos	com	cocaína	e
com	prostitutas	de	 luxo.	É	o	mercado,	enfim.	Dá	náusea	ver	a	omissão	dos	governantes,	a	promiscuidade	com	os	negócios
dessa	gente.	A	começar	de	Ronald	Reagan,	com	o	qual	se	inicia	o	trabalho	de	desmanche	da	regulação	que	acaba,	passados
vários	presidentes,	montando	o	palco	para	os	‘senhores	do	universo’	provocarem	o	colapso	que	custou	ao	mundo	dois	anos
de	 crescimento	 zero.	 (...)	 O	 sistema	 financeiro	 instalou	 portas	 giratórias	 no	 governo.	 Funcionários	 saem	 da	 banca	 para	 o
governo,	nada	fazem	para	controlar	o	sistema	de	que	saíram	e	voltam	a	ele,	ganhando	fábulas”.	O	documentário	denuncia,
com	toda	a	razão,	a	“colonização”	da	academia	pelos	agentes	de	mercado.	Professores	de	economia,	das	melhores	grifes,	têm
empregos	muito	bem	remunerados	em	conselhos	e	passam	a	produzir	apenas	a	ideologia	dos	que	lhes	pagam,	não	a	compilar
informações	 e	 analisá-las	 de	maneira	 tão	 objetiva	 quanto	 possível	 em	 se	 tratando	 de	 algo,	 a	 economia,	 que	 não

Continue navegando