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Guilherme Monti Silva SOUZA NETO, Claudio Pereira; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: Teoria, História e Métodos de Trabalho. 3a ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012. capítulo 10 - Interpretação constitucional - 10.1 e 10.2). Resumo de 2 a 4 páginas, Arial 11, justificado, espaço entre linhas de 1,5. 10 Interpretação Constitucional O texto discorre sobre a interpretação da norma jurídica, que por conta da vagueza e do conteúdo politico dá-se espaço pra variadas interpretações da norma, ainda mais em sociedades complexas e plurais como a brasileira. Destaca-se ainda a importância do papel da constituição em tempos contemporâneos, pois a interpretação constitucional é importante para todos além de juristas. Logo, cada vez mais aplicada as normas jurídicas para resolução de conflitos no Poder Judiciário, observa-se que seu papel vai além da aplicação direta nas relações sociais, pois serve como parâmetro para o controle de constitucionalidade e como diretriz para interpretação de outras normas. A Constituição incide diretamente sobre a realidade social, regulando determinados fatos e comportamentos. Além de atuar no Poder Judiciário e na Administração Pública, a Constituição também é interpretada no exercicio do controle de constitucionalidade para invalidar um ato normativo, ou afastar sua aplicação. Logo, cabe ao Poder Judiciário a interpretação da Constituição e das normas infraconstitucionais e ao Poder Legislativo a interpretação das normas constitucionais deve ser utilizada na elaboração das normas jurídicas. Essas interpretações não são exclusivas dos juristas pois os cidadãos quando debatem temas controvertidos, invocam argumentos com base nos princípios constitucionais. A interpretação constitucional é uma atividade prática assim como a interpretação jurídica pois não ocorrem voltadas principalmente a resolução de casos concretos de matérias importantes, complexas e controvertidas na vida das pessoas. Contudo, ainda há uma abordagem patrimonialista (subjetividade) na base da interpretação da Constituição, pois o peso politico e econômico dos litigantes é capaz de interferir nos desfechos que envolvem matéria constitucional no âmbito do Poder Judiciário. Urge então a necessidade dos princípios e métodos de interpretação constitucional desempenharem o papel de racionalizar a incidência da Constituição sobre a vida politico e social. 10.2 Notas históricas: do formalismo legalista ao pós positivismo De acordo com o método da subsunção, é atividade do juiz verificar se os fatos se encaixam com a hipótese prevista na lei (facti species). Portanto, sendo este o caso deve ser aplicado a norma e as consequências jurídicas estabelecidas pelo texto normativo. Há ainda, o formalismo mais estrito, onde a atividade do juiz deve se restringir a essa operação entre Lógica e forma, onde a norma deve imperar sobre o fato. Todavia, o problema não está em utilizar o método, mas pretender que toda atividade interpretativa seja subjugada por ele. Pois, para o positivismo formalista, o intérprete da lei não poderia atuar fora desses padrões, sendo assim caberia ao Legislativo a mudança nas leis e ao Judiciário sua mera aplicação. E a partir dessa premissa caberia somente ao magistrado a aplicação exata da lei a fim de evitar que o arbítrio dos juízes prevalecesse sobre a vontade do legislador. O formalismo jurídico tem sua origem na França e é ligado ao Código de Napoleão cuja elaboração serviu para sistematizar o ordenamento jurídico francês, em que sempre estaria contida uma resposta para as questões judiciais. Logo, a edição do Código se seguiu o surgimento da Escola da Exegese, segundo essa Escola, todo o Direito estaria compreendido no sistema composto pelas normas ditadas pelo legislador, e o papel do intérprete se resumiria a fazer com que a vontade legislativa, gravada nos textos legais, incidisse nos casos concretos. Não se concebia, portanto, que a interpretação operasse construtivamente. Esta concepção baseava-se numa teoria rígida de separação de poderes, que por outro lado dava ênfase no principio da legalidade como expressão da vontade geral do povo. Revelando assim a preocupação com a previsibilidade estatal que garantiria a segurança jurídica. Já na Alemanha desenvolveu-se a Jurisprudência dos Conceitos onde não se dedicava espaço para a criação judicial do direito, em que esta caberia a Ciência do Direito e não ao legislador. Essa ideia desenvolveu-se num cenário onde pretendia-se igualar o conhecimento jurídico ao das ciências exatas, pois dessa forma não haveria espaços para subjetivismos e os atos de interpretação seriam vistos como atos de conhecimento e não de vontade. O formalismo entra em crise a partir do momento em que ocorre ampliação da intervenção do Estado e inflação Legislativa, onde essa profusão de leis torna impossível a visão tão rígida de separação de poderes e perde terreno para compreensões que reconheciam, com intensidade variável, o papel judicial na criação do Direito. Desmistificou-se a ideia que o processo de interpretação e aplicação do Direito poderia ser neutro, asséptico e apolítico, pois a negação da interpretação imunizava o interprete de críticas. E com o avanço das ciências sociais notou-se a impossibilidade do interprete do direito ser apenas uma máquina de fazer subsunções. Portanto, a partir desses fatos surge a adoção da perspectiva da jurisprudência dos interesses de Phillip Heck, que sem se afastar do positivismo dava mais atenção as lacunas do ordenamento e sua integração, bem como abria espaço para o desenvolvimento do Direito diante das necessidades sociais. Outras correntes do pensamento jurídico romperam radicalmente com o formalismo, chegando até a negar qualquer vinculação entre juiz e direito posto, devendo a solução do caso ser a tida como mais correta pelo julgador. Exemplos: Escola de Livre Pesquisa do Direito, de François Geny e Direito Livre de Eugen Ehrlich e Herman Kantorowicz. Surge então nos EUA a mais influente teoria não-formalista sobre interpretação, o realismo jurídico, sendo esta uma teoria racionalista, formal e abstrata associada principalmente a jurisprudência da Suprema Corta daquele periodo em que reinava a defesa incondicional dos valores do liberalismo econômico. O realismo sustentava, portanto, que o Direito consiste naquilo que dizem os juízes. Logo, o realismo voltava-se contra o formalismo demonstrando que os juízes decidiam com base em uma série de fatores psicológicos ou sociológicos sem nenhuma relação com as fontes normativas reconhecidas. Essas concepções radicalmente anti-formalista incorriam em dois erros: descritivo e prescritivo. Sob o primeiro acabavam negando qualquer diferença entre as esferas política e a jurídica, e essas, nas sociedades modernas, não se confundem plenamente, já que incidem sobre os juízes impedimentos que lhe tolhem a possibilidade de ignorar os limites da sua atividade. Exemplo: O poder judiciário estender o mandato do presidente para um prazo além do estabelecido claramente na Constituição. Do ponto de vista prescritivo, o anti-formalismo radical também peca, por não dar o devido peso à segurança jurídica e à necessidade de legitimação democrática da atividade jurisdicional, que deriva da submissão dos juízes às normas legais elaboradas por representantes eleitos pelo povo. Num ponto intermediário entre o formalismo e anti-formalismo se encontram as teorias da interpretação de Hans Kelsen e Herber Hart. Para Kelsen, o ordenamento se estrutura como uma pirâmide, em que as normas de patamares inferiores têm validade nas de degrau superior, sendo a máxima a Constituição. Tendo as normas superiores capacidade de condicionar a produção de normas inferiores, fixando limites e poderes dos legisladores. Para Kelsen, a decisão judicial não se limita à aplicação do Direito, mas também envolve a criação. A norma jurídica funciona como uma moldura que permite diferentes interpretações, e o juiz, ao decidir, preenche essa moldura, escolhendo uma das interpretações possíveis. Dessa forma, o magistradoaplica a lei dentro de seus limites, mas também a cria ao definir seu significado concreto. Herbert Hart, assim como Kelsen, propôs uma teoria da interpretação que reconhece tanto aspectos cognitivos quanto volitivos na aplicação do Direito. Para Hart, as normas jurídicas possuem uma “textura aberta”, característica da linguagem humana, o que significa que há casos em que a aplicação da norma é clara e outros em que sua incidência é incerta. Essa incerteza gera uma “zona de penumbra”, onde surgem os chamados “casos difíceis”, nos quais o juiz exerce discricionariedade, pois o Direito não oferece uma resposta definitiva. Hart critica tanto a ideia de que juízes apenas descobrem soluções preexistentes quanto a visão de que possuem total liberdade para decidir, defendendo um meio-termo entre essas duas perspectivas. O debate contemporâneo sobre a interpretação jurídica é influenciado por duas mudanças filosóficas: a "virada kantiana" e o "giro linguístico". A "virada kantiana" marcou o retorno da Ética normativa à Filosofia, contestando o relativismo ético que predominou na primeira metade do século XX. Esse relativismo, que via as questões morais como subjetivas e irracionais, foi questionado após a II Guerra Mundial, quando a experiência do nazismo trouxe a necessidade de reafirmar princípios universais de justiça. Esse movimento aproximou o Direito da Moral, tornando a interpretação jurídica mais permeável à argumentação baseada em valores e princípios. O "giro linguístico", por sua vez, reformulou a maneira de compreender o conhecimento, enfatizando o papel da linguagem na interpretação. Duas correntes principais se destacam nesse contexto: a analítica, dominante no mundo anglo-saxão, que busca resolver problemas filosóficos esclarecendo o uso da linguagem; e a hermenêutica, predominante na Europa, que vê a interpretação como um processo contínuo e inevitável, realizado por indivíduos inseridos em um contexto cultural e histórico. Na hermenêutica, a interpretação jurídica não se limita à extração do significado de um texto legal, mas reflete os valores compartilhados por uma comunidade. O pós-positivismo surge como uma resposta ao formalismo estrito e ao subjetivismo interpretativo, buscando um equilíbrio entre esses extremos. Ele rejeita tanto a ideia de que o juiz deve ser um mero aplicador da lei quanto a noção de que pode decidir livremente com base em suas preferências pessoais. No novo paradigma, a interpretação jurídica se torna mais complexa, incorporando influências de áreas como Filosofia Política, Sociologia e Economia. Além disso, surgem novas metodologias, como as teorias da argumentação, que propõem critérios racionais para justificar as decisões jurídicas. Contudo, diante da predominância do pós-positivismo, há uma reação do formalismo, que se apresenta de forma mais sofisticada do que no passado. Os defensores dessa abordagem argumentam que, embora o formalismo não seja uma exigência lógica, ele pode trazer melhores resultados práticos, ao reduzir a margem de erro dos juízes, aumentar a previsibilidade das decisões e evitar o arbítrio. Em vez de basear-se em argumentos sobre a essência do Direito, essa nova defesa do formalismo se apoia em uma análise pragmática, considerando os efeitos da interpretação sobre o funcionamento do sistema jurídico. O debate atual sobre interpretação jurídica busca um modelo que leve em conta tanto a capacidade dos intérpretes quanto os impactos institucionais das decisões. Se, por um lado, o juiz não deve ser um mero executor automático da lei, por outro, a idealização do magistrado como um sábio infalível também é problemática. O desafio está em desenvolver uma abordagem hermenêutica que equilibre a discricionariedade judicial com parâmetros que garantam justiça e coerência no processo de aplicação do Direito.