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O AFASTAMENTO CAUTELAR DO AGENTE PÚBLICO ÍMPROBO SOB NOVO PANORAMA "Diante da possibilidade da ocorrência de danos irreparáveis ou de difícil reparação à coisa pública pela manutenção do agente público a que se imputa ato de improbidade no exercício de suas atribuições, o provimento judicial reparatório dado na ação de improbidade será ineficaz, sendo necessária a tomada de providência preventiva que evite a ocorrência dos danos, a qual não pode ser outra senão o afastamento do agente público do cargo, emprego ou função." • POR ALTECIR BERTUOL JÚNIOR A Lei n° 8.429/92, batizada de "Lei de ImprobidadeAdministrativa", tem assento constitucional no§ 4° do art. 37 do Texto Político, dispositivo locali-zado em parte da Constituição reservada às dire- tivas gerais da Administração Pública, e representa grande avanço para o ordenamento jurídico pátrio, não apenas por fornecer ares de moralidade à Administração, mas porque reflete o estágio mais avançado da República enquanto forma de governo, já que sua finalidade é, por excelência, a proteção da coisa pública. Esta compreensão a respeito da Lei de Improbidade - que ora se busca anunciar- é primordial para entendê-la e inter- pretá-la, devendo a sua essência de manifestação do princípio republicano ser o ângulo de análise dos seus institutos. Sob esta pespectiva, convém fazer alguns apontamentos a respeito das hipóteses de afastamento cautelar do agente público da Administração Pública sob o enfoque da Lei de Improbidade enquanto manifestação da "República" e, assim, demonstrar que a providência poderá ser ordenada para impedir que o agente ímprobo continue a praticar condutas ilícitas contra o patrimônio público. DO AFASTAMENTO CAUTELAR DO AGENTE PÚBLICO ÍMPROBO O instituto em foco é previsto no parágrafo único do art. 20 da Lei n° 8.429/92, que dispõe que a autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afasta- mento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual. A literalidade da Lei, para a maioria acadêmica, informa que a medida do afastamento do agente público somente pode ser decretada quando a produção da prova puder ser prejudicada pela sua atuação na Administração Pública. Nesta direção, é comum a afirmação de que "não há no regime de improbidade administrativa, como há no processo penal (art. 312, CPP), hipótese de afastamento cautelar para preservação da ordem pública ou para garantir a aplicação da futura pena (de demissão)"1. O afastamento cautelar do agente público do cargo, emprego ou função para evitar a reiteração de atos lesivos ao patrimônio público não tem sido aceito também sob o argumento de que a medida é tratada pela Lei n° 8.429/92 em seu art. 20 em conjunto com as penas de perda do cargo e de suspensão dos direitos políticos, que somente podem ser efe- tivadas após o trânsito em julgado da sentença, o que revela o caráter excepcional não só destas penas, mas, também, da providência de afastamento do agente público, já que esta poderia produzir na prática o mesmo efeito daquelas, de modo que a interpretação a ser dada ao dispositivo deve ser restritiva e, neste sentido, a medida do afastamento somente poderia ocorrer no único caso expressamente previsto na lei: para garantia da instrução processual.2 Não obstante se tenha negado a possibilidade do afasta- mento do agente público do exercício de suas atividades junto à Administração Pública por fundamento diverso da necessi- dade da instrução processual, se tem admitido na seara aca- dêmica algumas variantes deste requisito. Nesta esteira, a possibilidade de repetição de atos lesivos ao patrimônio público pelo agente poderia ser interpretada como necessidade da instrução quando os novos danos "pudessem estar enquadrados no objeto da demanda, vale dizer, consubs- tanciando reiteração de atos cuja repressão já se ambicionava no próprio processo"3. Sob essa perspectiva, a "necessidade da instrução" restaria configurada quando se pudesse verificar no caso concreto a, mutatis mutandis, continuidade delitiva. Por outro lado, o fundamento da "garantia da ordem pública administrativa" tem sido utilizado para sustentar a possibili- dade de se determinar medida cautelar voltada à restrição do círculo de atribuições do agente público, das quais se vale para a prática de atos lesivos ao patrimônio público, tolhendo-lhe assim a ferramenta de que se utiliza para a prática de ilícitos, de maneira a evitar que possa dar continuidade à atuação ímproba, medida embasada suporte no poder geral de cautela.4 REVISTA JURÍDICA CONSULEX - ANO XVII - N° 405 - 1° DE DEZEMBRO/2013 Embora sem enfoque voltado à possibilidade de afasta- mento do agente público do cargo, emprego ou função, a tutela inibitória - aquela que, desvinculada da necessidade da ocorrência do dano, se volta a impedir a ocorrência do ato ilícito - é apontada como ferramenta para obstar a continui- dade da prática de ilícitos contra o patrimônio público.5 Sobre essa hipótese, é preciso acrescentar que, diante da ineficácia da medida coercitiva por excelência - a multa diária - no acautelamento da ocorrência de novos danos ao patrimônio público, a utilização da técnica executiva pelo emprego de medidas de sub-rogação se faz indispensável, campo em que se enquadra o afastamento cautelar. Nos termos acima, não é difícil constatar que se tem negado ao patrimônio público a tutela efetiva que lhe é devida, seja pelo fetíche da analogia à ordem pública como requisito autori- zador do afastamento cautelar, seja pelo sofisma da vinculação do afastamento à sanção da perda da função pública. Aliás, o temor, face a estes argumentos, tem levado a uma atividade acadêmica criativa no sentido de mascarar o fundamento da necessidade de se evitar a continuidade da prática de ilícitos contra o patrimônio público, na qual se acaba por colocar a hipótese em uma "cama de Procrusto", a fim de que caiba na necessidade da instrução processual. Com efeito, "é necessário o desenvolvimento de técnicas processuais objetivando reforçar a prevenção, antecipando a proteção do patrimônio público"6, de modo que não há, data venia, razão para negar o afastamento cautelar do agente da improbidade quando evidenciado que ele continuará a pra- ticar condutas lesivas ao patrimônio público. Não obstante tenha sido previsto no mesmo dispositivo que disciplina a sanção da perda da função pública, o afas- tamento preventivo do agente não se confunde com ela. De fato, o segundo não é sanção, mas providência cautelar7, ao passo que a primeira tem feição puramente satisfatória do direito material. Com efeito, este tratamento conjunto das duas medidas tem colhido fundadas críticas. Neste sentido, se tem asseverado, com razão, que, no art 20 da Lei n° 8.429/92, "A falta de técnica do legislador é mais uma vez confirmada. O parágrafo, nada tem a ver com o caput. A medida não se reveste de caráter punitivo, mas instrumental, e como tal deve ser entendida e manejada"8. Além do mais, não há qualquer razão para se vincular a pos- sibilidade do afastamento do agente público da Administração Pública para evitar que ele se valha do cargo para continuar a praticar ilícitos contra o patrimônio público à hipótese prevista na lei processual penal - necessidade da prisão preventiva para garantia da ordem pública -, já que essa referência faz alusão a uma idéia restritiva relativa ao direito de liberdade que não encontra qualquer respaldo na ação coletiva relativa à tutela do patrimônio público. Certamente, a prisão preven- tiva na hipótese em questão não visa assegurar o provimento judicial perseguido no processo penal - condenação do réu e imputação de uma pena a ele -, mas a própria ordem social, indispensável à manutenção do Estado, que resta abalada pelo alvoroço causado pela repetição de crimes.Por outro lado, o afastamento do agente público de suas atividades busca asse- gurar a integral proteção da coisa pública. Embora se possa dizer que a providência do afastamento temporário vai de encontro ao interesse público na medida em que o agente público continuará a perceber sua remuneração enquanto estiver privado do exercício de suas funções9, não se pode esquecer que, a depender do caso concreto, o pagamento do vencimento do agente, sem que ele dê a contraprestação, é menos oneroso ao Estado do que suportar a continuidade de atos de improbidade que importem enriquecimento ilícito e prejuízo ao Erário. > Com efeito, a essência cautelar da medida do afastamento temporário reside no fato de que ela visa à proteção da coisa pública, provimento jurisdicional buscado na ação coletiva. Neste sentido, não se pode olvidar que, a depender do caso concreto, até o trânsito em julgado da sentença poderá haver um dano irreparável ao patrimônio público, ou de dificílima reparação, decorrente da reiteração da prática de atos de improbidade, os quais, inclusive, não poderão ser coibidos na ação de improbidade eventualmente já em curso por não serem presentes no momento do seu ajuizamento. Não se pode negar que a lesão aos cofres públicos pode chegar a valor inestimável a depender do "esquema de corrupção" engendrado dentro da Administração Pública por agentes públicos ímprobos, o que torna a reparação do dano deveras difícil, uma vez que, ordinariamente, se faz necessário anos de investigação a fim de se produzir provas das condutas ilícitas - atividade homérica no Brasil, onde imperam ideais extrema- mente garantistas que, em razão da falta de ponderação, coti- dianamente, asseguram a impunidade -, as quais deverão ser confirmadas em procedimento judicial, cuja delonga, não se pode refutar, é também comum. Ademais, como se pode reparar o dano causado pelos atos de improbidade que atentam contra os princípios da Admi- nistração Pública (art. 11 da Lei n" 8.429/92)? Assim, diante da impossibilidade prática da reparação integral de todos os danos causados ao patrimônio público, a única alternativa é a prevenção da sua ocorrência, de modo que, a despeito da ausência de previsão na Lei n° 8.429/92, não há como negar que seja possível o afastamento do agente público de suas atividades para evitar que ele continue a pra- ticar condutas lesivas ao patrimônio público com base no poder geral de cautela do magistrado, prerrogativa prevista no art. 798 do Código de Processo Civil que integra a garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição prevista no art. 5°, inciso XXXV da Constituição da República, o qual assegura que o Poder Judiciário possa fazer cessar ou evitar a ocorrência de lesão ou ameaça a direito10, plenamente aplicável à hipótese. Mais a mais, o afastamento cautelar do agente para impedir a reiteração de atos lesivos ao patrimônio público se mostra em consonância com o princípio constitucional da razoabili- dade, de obrigatória observação no caso em tela por se tratar de medida restritiva à esfera individual do agente público. Por certo, ressalvada a possibilidade de restrição das atribuições do agente público, conforme sugerido pela doutrina e alhures demonstrado, o afastamento será providência necessária, eis que não há outra medida menos grave que possa atingir o mesmo objetivo. Além disso, a medida se mostra apta à finali- dade que se busca - proteção integral da coisa pública -, bem como proporcional, já que o benefício trazido à sociedade é maior do que o ônus imposto ao agente público -valendo lem- brar, neste ponto, que, por expressa disposição da lei, o agente continuará a perceber sua remuneração enquanto afastado. Assim, se mostra plenamente possível o afastamento cau- telar do agente público para evitar que ele continue a investir contra o patrimônio público. CONCLUSÃO Deveras, a compreensão de que a Lei de Improbidade decorre diretamente da forma republicana de governo é imprescindível para compreender seus institutos. Portanto, à luz deste entendimento, é possível enxergar cla- ramente que, diante da possibilidade da ocorrência de danos irreparáveis ou de difícil reparação à coisa pública pela manu- tenção do agente público a que se imputa ato de improbidade no exercício de suas atribuições, quando estiver evidenciado que ele continuará a praticar condutas lesivas ao patrimônio público durante o processo, o provimento judicial reparatório dado na ação de improbidade será ineficaz, sendo necessária a tomada de providência preventiva que evite a ocorrência dos danos, a qual não pode ser outra senão o afastamento do agente público do cargo, emprego ou função. m NOTAS 1 GAJARDONI, Fernando da Fonseca et ai. Comentários à Lei de Improbidade Administrativa. 2. ed. São Paulo: RT, 2012, p. 331. No mes- mo sentido: DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade administrativa. São Paulo: Dialética, 2007, p. 289; e ALVES, Rogério Pacheco. In: GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2011, p. 906. 2 ALVES, Rogério Pacheco. In: GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Op. cit, p. 905. 3 OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade administrativa: observações sobre a Lei n° 8.429/92. 2. ed. Porto Alegre: Síntese, 1998, p. 243 apud ALVES, Rogério Pacheco. In: GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Op. cit., p. 905. 4 ALVES, Rogério Pacheco. Op. cit., p. 906-907. 5 MACHADO NETO, Manoel Cabral; VIEIRA JÚNIOR, Nilzir Soares. A cumulação de pedidos nas ações de improbidade administrativa. In: OLIVEIRA, Alexandre Albagli; CHAVES, Cristiano; GHIGNONE, Luciano (Org.). Estudos sobre improbidade administrativa em home- nagem ao Professor J. J. Calmon de Passos. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010, p. 313-315. 6 MACHADO NETO, Manoel Cabral; VIEIRA JÚNIOR, Nilzir Soares. Op. cit., p. 313. 7 ALEXANDRINO, Marcelo; VICENTE, Paulo. Direito administrativo descomplicado. 17. ed. São Paulo: Método, 2009, p. 840. 8 MEDEIROS, Sérgio Monteiro. Lei de Improbidade Administrativa: comentários e anotações jurisprudenciais. São Paulo: Juarez de Oli- veira, 2003, p. 214. 9 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei n° 8.429/92. 2. ed. Rio de Janeiro: América Latina, 2005, p. 681 -682. 10 NERY JÚNIOR, Nelson. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 11. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 1161. ALTECIR BERTUOL JÚNIOR é Assistente Ministerial do Ministério Público Estadual de Mato Grosso. Ex-Assessor Jurídico do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. Especialista em Direito Público pelo Instituto Cuiabano de Educação (ICE), em curso oferecido em parceria com a Assem- bléia Legislativa de Mato Grosso, e especializando em Direito Eleitoral e Improbidade Administrativa pela Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso. 50 REVISTA JURÍDICA CONSULEX - ANO XVII - N° 405 - 1° DE DEZEMBRO/2013
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