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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE DIREITO DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO E FILOSOFIA DO DIREITO PEDRO HENRIQUE MAGALHÃES MARCOLIN ALGUNS ASPECTOS CONTROVERSOS DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: uma visão da jurisprudência Porto Alegre 2018 PEDRO HENRIQUE MAGALHÃES MARCOLIN ALGUNS ASPECTOS CONTROVERSOS DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: uma visão da jurisprudência Monografia apresentada ao Departamento de Direito Público e Filosofia da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel. Orientador: José Guilherme Giacomuzzi Porto Alegre 2018 PEDRO HENRIQUE MAGALHÃES MARCOLIN ALGUNS ASPECTOS CONTROVERSOS DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: uma visão da jurisprudência Monografia apresentada ao Departamento de Direito Público e Filosofia do Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel. Aprovada em 11 de janeiro de 2018. BANCA EXAMINADORA: ______________________________________ Professor Doutor José Guilherme Giacomuzzi Orientador ______________________________________ Professor Doutor Rafael da Cás Maffini _______________________________________ Professora Mestra Eunice Ferreira Nequete RESUMO O presente trabalho procura estudar a jurisprudência dos Tribunais brasileiros acerca de alguns aspectos controversos da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), quais sejam: tentativa de improbidade administrativa, a condenação por improbidade administrativa com base em danos presumidos em casos de fraudes à licitação e o ajuizamento de ações de improbidade apenas em face de particular. Os três pontos serão abordados em capítulos distintos, os quais serão iniciados com a análise da doutrina brasileira, e finalizados com a análise de julgados selecionados, a fim de demonstrar o entendimento dos Tribunais. Palavras-chave: Improbidade Administrativa. Tentativa. Dano presumido. Ação de Improbidade sem agente público. Jurisprudência. ABSTRACT The presente work aims studying the Brazilian Courts precedents on some controversial aspects of the Administrative Improbity Law (Law nº 8.429/1992), which are: attempted administrative improbiety, the pealty based on presumed damages in cases regarding public bidding frauds and the filing of an administrative improbity lawsuit exlusively against private defendants. The three aspects will be approached in three distinct chapters, which will begin with the study of the brazilian doctrine, and will be finalized with the study of selected decisions, for the purpose of demonstrating the Courts positions. Key-words: Adminsitrative Improbity. Attempt. Presumed damages. Improbity lawswit against private defendants. Precedents. LISTA DE ABREVIAÇÕES AC – Apelação Cível ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade AgInt – Agravo Interno AgREsp – Agravo em Recurso Especial AgRg – Agravo Regimental AI – Agravo de Instrumento AIA – Ação de Improbidade Administrativa CC – Código Civil CP - Código Penal CPP – Código de Processo Penal EI – Embargos Infringentes FINAM – Fundo de Investimentos da Amazônia ISS– Imposto Sobre Serviços LC – Lei Complementar LIA – Lei de Improbidade Administrativa LGL – Lei Geral de Licitações MP – Ministério Público Estadual MPF – Ministério Público Federal Rcl – Reclamação RE – Recurso Extraordinário RMS – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça TCE – Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul TJRJ – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro TJRS – Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul TJSP – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo TRF – Tribunal Regional Federal SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9 1. O PROBLEMA DA SANÇÃO POR TENTATIVA DE ATO DE IMPROBIDADE À LUZ DA LEI Nº 8.429/1992 ................................................................................................... 12 1.1. A NATUREZA DAS SANÇÕES DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA . 12 1.1.1. Os atos de improbidade previstos pela LIA .................................................................... 15 1.2. O ENQUADRAMENTO DA TENTATIVA DE ATO DE IMPROBIDADE .................. 20 1.3. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ..................................................................................... 24 1.3.1. Apelação Cível nº 0095181-82.2010.8.26.0000/SP ....................................................... 24 1.3.2. Recurso Especial nº 1.014.161/SC ................................................................................. 27 1.3.3. Embargos Infringentes nº 0266349-06.2014.8.21.7000/RS ........................................... 28 2. POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO AO RESSARCIMENTO POR DANOS PRESUMIDOS NOS CASOS DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO ................. 32 2.1. A “SANÇÃO” DE RESSARCIMENTO DA LIA ............................................................ 32 2.2. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DOS DANOS NO ÂMBITO DO ART. 10 DA LIA............................................................................................................................................ 34 2.3. O ART. 10, VIII, DA LEI DE IMPROBIDADE .............................................................. 37 2.4. ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA ................................................................................. 40 2.4.1. Recurso Especial nº 1.376.524/RJ .................................................................................. 40 2.4.2. Apelação Cível nº 0298219-11.2010.8.21.7000/RS ....................................................... 42 2.4.3. Posicionamento Divergente: Recurso Especial nº 1.169.153/SP ................................... 44 3. A POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE IMPROBIDADE APENAS EM FACE DE PARTICULAR .............................................................................................. 46 3.1. A RESPONSABILIZAÇÃO DE TERCEIROS PARTICULARES À LUZ DA LIA ...... 46 3.2. A AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE AGENTE PÚBLICO PELA LIA ....................... 49 3.3. ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA ................................................................................. 52 3.3.1 Precedentes entendendo pela impossibilidade de ampliação do conceito de agente público.......................................................................................................................................53 3.3.2 Precedentes entendendo pela possibilidade de responsabilização dos particulares que recebem subvenção do erário. .................................................................................................. 58 CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 62 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 65 LEGISLAÇÃO CONSULTADA .......................................................................................... 68 PROCESSOS E DECISÕES JUDICIAIS CONSULTADOS ............................................. 70 9 INTRODUÇÃO O presente estudo versará sobre improbidade administrativa. A escolha do tema decorre da importância da matéria no cenário nacional. Afinal, o fenômeno da corrupção, que sempre esteve presente em todas as nações,1 no Brasil também se vislumbra desde os tempos das caravelas. De acordo com Emerson Garcia, a práticareiterada da corrupção, desde o nascimento do país, entretanto, acabou criando a concepção arraigada na cultura de que “a coisa pública é coisa de ninguém”, é reduzida a preocupação com a preservação das instituições e da sua integridade, o que acaba por ameaçar o próprio funcionamento da democracia, uma vez que os detentores do poder acabam todos sendo encarados como corruptos e maliciosos, o que representa campo fértil para os regimes antidemocráticos e ditatoriais: A reiteração de tais práticas e a inevitável sedimentação da concepção de que, além de inevitáveis, são toleráveis, possibilita a “institucionalização da corrupção”, o que tende a atenuar a consciência coletiva e associar a corrupção às instituições, implementando uma simbiose que dificilmente será mudada.2 Em face da arraigada prática do descaso com o bem público, a Constituição Federal de 1988 (CF) tratou expressamente da improbidade administrativa,3 prevendo, em seu art. 37, § 1 “A corrupção, no exercício do Poder, sempre existiu. Não há nação onde o fenômeno não esteja presente, em maior ou menor intensidade. Do mesmo modo, na impossibilidade de extirpá-la, sempre se procurou contê-la, em limites toleráveis. Maquiavel achava que a corrupção se toma endêmica em toda sociedade bem-sucedida que desfruta de paz e prosperidade por um longo período; isenta, portanto, do conflito, ao qual o florentino atribuía efeito saneador. Para evitá-la, o melhor remédio seria a volta aos primeiros princípios, a renovação periódica da ordem cívica. Montesquieu buscou a corrupção igualmente nos princípios de cada tipo de governo, seja na república, na aristocracia ou na monarquia. A corrupção seria a deterioração da virtude essencial de cada regime. Vários os sentidos e as perspectivas para uma análise do fenômeno da corrupção. Genericamente, despreocupados com o rigor científico, podemos dizer que pratica corrupção o agente que abusa de seu cargo, visando a ganhos ou vantagens pessoais ou grupais. A corrupção pressupõe, de um modo geral, uma transação que envolve duas partes, o agente público e o representante do interesse particular.” (FIGUEIREDO, Marcelo. Responsabilidade por atos de improbidade administrativa. Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 19, 1997, p. 01 [citação da versão digital, a qual será utilizada ao longo do trabalho]). 2 GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 9ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 51. 3 “A improbidade administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e Republicano), revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo "tráfico de influência" nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos.” (PAZZAGLINI FILHO, Marino. A improbidade administrativa e a reforma do Estado. Revista dos Tribunais, v. 747, 1998, p. 03 [01 [citação da versão digital, a qual será utilizada ao longo do trabalho]). 10 4º, a aplicação e sanções aplicáveis aos que a praticam. Sobreveio, então, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992 – “LIA”), a fim de regular a matéria trazida na CF. A exposição de motivos da LIA,4 de redação do Ministro Jarbas Passarinho, apesar de passados 26 anos da sua elaboração, parece ainda tratar de um problema atual no cenário nacional, pois ainda aflige o País a prática da corrupção e do descaso com o dinheiro público, em todas as camadas do Poder. Ademais, em tempos de Operação Lava-Jato, que já repatriou mais de 800 milhões de reais5 desde 2014, salta aos olhos tamanho dos rombos causados pelos partícipes do alto escalão do país. A corrupção, em qualquer nível da administração, inevitavelmente, acaba afetando a vida de todos os cidadãos, comprometendo não só o seu bem-estar como também o das futuras gerações, bem como inviabilizando o exercício pleno da democracia.6 Reconhecida a importância e a atualidade do tema, foram destacados três aspectos controversos da LIA, os quais serão abordados em três capítulos distintos: 1) Há possibilidade de sanção por tentativa de prática de atos de improbidade administrativa? 2) É possível a condenação ao com base em danos presumidos decorrentes de dispensa indevida ou fraudes à licitação? 3) Admite-se o ajuizamento de Ação de improbidade administrativa (AIA) em face de particular, sem a presença de um agente público no polo passivo da ação? A escolha dos três tópicos abordados decorre da dificuldade em serem responsabilizados os agentes ímprobos nas situações estudadas, o que, por vezes, pode servir de válvula de escape dos autores dos ilícitos previstos na LIA. Em que pese existam outros pontos controversos sobre o assunto abordado, por se tratar de um Trabalho de Conclusão de Graduação, não há a 4 “Sabendo Vossa Excelência que uma das maiores mazelas que, infelizmente, ainda afligem o País, é a prática desenfreada e impune de atos de corrupção, no trato com os dinheiros públicos, e que a sua repressão, para ser legítima, depende de procedimento legal adequado - o devido processo legal - impõe-se criar meios próprios à consecução daquele objetivo sem, no entanto, suprimir as garantias constitucionais pertinentes, caracterizadoras do estado de Direito.” Exposição de Motivos do PL 1.446/1991. Diário do Congresso Nacional, Seção I, 17 ago., 1991, p. 14.124. Disponível em <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1992/lei-8429-2-junho-1992-357452- exposicaodemotivos-149644-pl.html> 5 Valores estimados entre 2014 e outubro de 2017. Disponível em <https://istoe.com.br/acordos-devolveram-a- petrobras-r-800-milhoes-desde-o-inicio-da-lava-jato/> 6 “[...] não é difícil constatar que a consolidação das democracias, sobretudo no mundo ocidental, com a transparência inerente a estes regimes políticos, determina uma exposição da forma espúria como por vezes é conduzida a coisa pública e uma conseqüente cobrança por métodos de controle da imoralidade administrativa.” (MELLO, Cláudio Ari. Improbidade Administrativa – considerações sobre a Lei 8.429/92. Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 44, 1995, p. 01 [citação da versão digital, a qual será utilizada ao longo do trabalho]). 11 pretensão de esgotamento da matéria, mas sim de analisar a doutrina e a jurisprudência acerca dos aspectos escolhidos, a fim de colaborar com o estudo da improbidade administrativa. No primeiro capítulo, será abordada a hipótese de sanção por tentativa de improbidade administrativa. Inicialmente, demonstrar-se-á a natureza jurídica da ação de improbidade administrativa. Posteriormente, será realizado estudo acerca dos atos de improbidade trazidos pela LIA. Em um terceiro momento, utilizando-se as observações das etapas anteriores, far-se- á a análise do posicionamento da doutrina a respeito do cabimento da tentativa no âmbito da LIA. E, por fim, será realizada análise do entendimento dos Tribunais a respeito da matéria. No capítulo seguinte será estudada a possibilidade de condenação por improbidade administrativa com base em danos presumidos decorrentes de dispensa indevida ou fraudes à licitação. A análise inicia com um estudo acerca da Teoria do Risco Integral no âmbito da LIA, a fim de estabelecer algumas premissas necessárias à compreensão do problema. Posteriormente, realizar-se-á uma análise da necessidade de comprovação da ocorrência de danos para fins de responsabilização por improbidade administrativa. E, num terceiro momento, será elaborado estudo a respeito das previsões da LIA para casos de fraude oudispensa indevida de licitação. Em um último momento será abordada a matéria da perspectiva da jurisprudência. O terceiro e último capítulo do estudo versará sobre a possibilidade de ser ajuizada AIA em face de particulares sem a presença de agentes públicos no polo passivo da demanda. De início, será analisada a previsão da LIA no tocante à responsabilização de particulares. Já na segunda parte do capítulo será estudado o entendimento da doutrina a respeito do conceito de agente público trazido pela LIA. E, por fim, será realizado estudo da jurisprudência acerca da matéria. Não pretende o estudo esgotar a matéria em toda a sua extensão. O que se espera, ao final do trabalho, é identificar a interpretação dada pela doutrina a cada uma das limitações constatadas da leitura do texto da LIA, para então analisar o posicionamento assumido pelos Tribunais quando deparados com situações não previstas expressamente na LIA. 12 1. O PROBLEMA DA SANÇÃO POR TENTATIVA DE ATO DE IMPROBIDADE À LUZ DA LEI Nº 8.429/1992 1.1. A NATUREZA DAS SANÇÕES DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Após a entrada em vigor da (LIA), 3 de junho de 1992, houve o debate acerca de qual seria a natureza da Lei e das suas sanções, isto é, se penalidades listadas no art. 121 da LIA teriam um caráter penal, civil ou administrativo. O mencionado dispositivo salienta que as sanções decorrentes de uma eventual ação de improbidade administrativa (AIA) independeriam “das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica”, não deixando claro qual a real natureza das sanções da LIA. Logo, a compreensão do problema proposto, isto é, a possibilidade de aplicação das sanções pela tentativa de prática de atos de improbidade passa, necessariamente, pela análise na natureza jurídica deste instituto. As colocações por vezes formuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) colocaram em dúvida a natureza das sanções da LIA. Em mais de uma oportunidade, ainda que a título de obter dictum, afirmou-se não existir consenso – nem mesmo entre os próprios membros dos tribunais – a respeito da natureza jurídica das sanções dispostas na LIA.2 A doutrina3 considera que, em que pese a natureza jurídica das sanções previstas no art. 12 da LIA tenha gerado debates, não se pode considerar que sua natureza seja penal, dada a 1 “Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: [...]” [grifo nosso]. 2 A título exemplificativo, já mencionou o Min. Luiz Fux o seguinte: “O art. 12, caput, porém, estabelece que o responsável pela prática de ato de improbidade está sujeito às penalidades previstas na Lei n. 8.429/92, independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica. Embora haja controvérsia na doutrina e na jurisprudência --- inclusive desta Corte --- sobre a natureza jurídica da sanção pela prática de atos de improbidade administrativa --- penal, civil, político-administrativa, entre outras ---, é certo que as sanções --- civis, penais ou políticas --- previstas na LIA não se confundem com as sanções de natureza administrativa aplicadas aos servidores pela prática dos ilícitos funcionais previstos na Lei n. 8.112/90” (STF, 1ª Turma, RMS 24.194/DF, Rel. Min. Luiz Fux, j. 13.11.2011, DJ 07/10/2011, p. 09-10.) [grifo nosso]. O excerto acima salientado foi reproduzido, em sua íntegra, pelo Min. Roberto Barroso no julgamento do AgRg no RE 736.351/SC. Neste caso, o julgador ainda inicia o voto sugerindo a existência de uma classificação própria das sanções decorrentes de atos de improbidade, ao afirmar que “é firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a aplicação de penalidade na instância administrativa é independente das esferas penal, cível e de improbidade administrativa.” (STF, Primeira Turma, AgRg no RE 736.351/SC. Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 12/11/2013, DJ 11.12.2013, p. 09, grifo nosso). 3 Exemplificativamente: OSÓRIO, Fábio Medina. As sanções da Lei 8.429/92 aos atos de improbidade administrativa. Revista dos Tribunais, v. 766, 1999, p. 01 [citação da versão digital, a qual será utilizada ao longo do trabalho]; PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei da Improbidade Administrativa Comentada. 6ª Edição. São Paulo: Atlas, 2015, pp. 154-155; e DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 1010. 13 redação do art. 37, § 4º da CF,4 que expressamente distingue as sanções penais das punições por atos de improbidade. A doutrina de Marçal Justen Filho, no entanto, afirma que o instituto, de fato, uma “forte carga penal, uma vez que as sanções têm cunho punitivo, traduzindo a repressão a condutas reputadas como dotadas da mais elevada gravidade”.5 Marçal, entretanto, reconhece que não é só penal o caráter da LIA, pois contém sanções administrativas, como a perda do cargo público pelo agente, e também busca responsabilizar o agente ímprobo na seara civil, por meio do ressarcimento dos danos causados. O instituto seria, então, administrativo-penal-civil:6 Em suma, a peculiaridade marcante do instituto da improbidade administrativa reside nessa integração de institutos de diversa natureza, produzindo um conjunto heterogêneo, dotado de função de defesa dos valores essenciais à gestão administrativa. A improbidade é não apenas civil ou administrativa, nem somente penal, mas um instituto administrativo-penal-civil. Essa linha de entendimento foi adotada no âmbito do STF, tal como se extrai da decisão proferida na Reclamação 2.138,7 em que longamente se examinou a natureza jurídica do sancionamento à improbidade. Ainda que se tenha feito alusão à ação civil de improbidade, ficou evidente a submissão do instituto também às normas próprias de direito penal.8 Para Marçal, a matéria possui uma natureza própria, complexa, porém similar à dos crimes de responsabilidade. Isso porque, ao analisar o acórdão da Reclamação (Rcl) nº 2.138/DF, afirma o autor que o reconhecimento, por maioria, é verdade, pelo STF, da 4 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível [grifo nosso]. 5 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 12ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 938. 6 JUSTEN FILHO, loc. cit. 7 RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. AGENTES POLÍTICOS[...] II.1. Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade. Os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei n° 1.079/1950, [...] A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei n° 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, "c", (disciplinado pela Lei n° 1.079/1950). [...] Os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102, I, "c"; Lei n° 1.079/1950), não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n° 8.429/1992). II.4. Crimes de responsabilidade. Competência do Supremo Tribunal Federal. Compete exclusivamenteao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os delitos político- administrativos, na hipótese do art. 102, I, "c", da Constituição. Somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos. [...] III. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. (STF, Tribunal Pleno, Rcl 2.138/DF. Rel. Min. Nelson Jobim, Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 13.06.2017, DJ 18.04.2008) [grifo nosso]. 8 JUSTEN FILHO, op. cit., pp. 938-939. 14 impossibilidade de cumulação do regime de improbidade administrativa com o dos crimes de responsabilidade (Lei nº 1.079/1950) somente poderia decorrer da similitude entre os dois institutos. Afinal, de acordo com Marçal, se fosse outra a natureza do instituto (apenas civil ou apenas administrativa), não haveria impedimento para o processamento em outra esfera jurisdicional. 9 Em virtude do foco deste trabalho, não cabe pormenorizar a tese esposada no julgado, até mesmo porque não encontrou maior repercussão na jurisprudência, no entanto, é de se salientar que a tese construída pelo STF não encontrou “pouco prestígio na doutrina, e nenhuma adesão na jurisprudência”.10 Tampouco possuiria o instituto natureza administrativa. Neste sentido, Emerson Garcia menciona que, uma vez que as sanções por improbidade “serão aplicadas por um órgão jurisdicional, com abstração de qualquer concepção de natureza hierárquica”, restaria descaracterizada eventual natureza administrativa, pois não se trata de uma sanção disciplinar.11 Emerson Garcia ainda afirma que, se as sanções do art. 12 da LIA fossem de natureza administrativa, não poderia a União, por lei federal, legislar acerca da matéria.12 Consequentemente, não possuindo natureza penal, e tampouco administrativa, por consequência lógica, afirma o autor, e neste ponto converge com Di Pietro,13 que as sanções da LIA são de natureza civil, matéria de competência legislativa da União14 e com maior amplitude em relação às demais.15 Mas é na própria sistemática processual trazida pela LIA que se evidencia o caráter civil do instituto. É o que nos mostra Emerson Garcia: A partir desses fatores, poderemos concluir que o ilícito de improbidade administrativa não tem natureza administrativa e suas sanções não são administrativas. Pelo contrário, ostentam características de natureza cível, restrições na esfera jurídica do ímprobo a partir de uma metodologia de igual natureza: juiz com 9 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 12ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 939. 10 GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 9ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 632. Emerson Garcia critica duramente o posicionamento do STF na Rcl 2.138/DF. Afirma o doutrinador que a decisão é “uma página negra na história da Suprema Corte brasileira”, uma vez que, sendo os membros dos altos escalões imunes à LIA, somente seriam responsabilizáveis nas searas política e criminal, “cuja eficácia não precisa ser lembrada ou explicada”, salientando o voto divergente do Ministro Joaquim Barbosa, o qual considerou que, por esta razão, a decisão “propõe, nada mais, nada menos, do que o retorno à barbárie do absolutismo”. (Ibidem, pp. 639-640) 11 Ibidem, p. 621. 12 Ibidem, p. 626. 13 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 1010. 14 Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; 15 GARCIA, op. cit., p. 626. 15 competência cível, utilizando o Código de Processo Civil, ressalvadas, obviamente, as singularidades da Lei nº 8.429/92, aplica determinadas sanções com observância das garantias prevalecentes nessa seara e com o necessário influxo do direito penal, fonte mor do direito sancionador.16 E tal entendimento, ressalvado o teor acórdão do STF proferido nos autos da Rcl 2.138/DF, é o que tem sido adotado pela jurisprudência pátria. O STF, ao discutir a constitucionalidade do art. 84, § 2º, do CPP17, que estendia o foro por prerrogativa de função às ações de improbidade, nos autos da Ação direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 2.797/DF, em 15.09.2005, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, consignou, na própria ementa do julgado, o que segue: De outro lado, pretende a lei questionada equiparar a ação de improbidade administrativa, de natureza civil (CF, art. 37, § 4º), à ação penal contra os mais altos dignitários da República, para o fim de estabelecer competência originária do Supremo Tribunal, em relação à qual a jurisprudência do Tribunal sempre estabeleceu nítida distinção entre as duas espécies.18 É possível extrair, portanto, tomando o entendimento de Rodrigo Janot e de Amorim Júnior, que a LIA, por mais que a sua “natureza particularíssima” possa causar alguma confusão em razão da sua nomenclatura aproximada do Direito Penal, não possui o instituto caráter penal, e nem mesmo administrativo. Isso porque, em síntese, a natureza jurídica da LIA se encontra no Direito Civil. 19 Destacado o caráter civil do diploma, o que trará implicações ao objeto do presente estudo, cabe uma análise das condutas consideradas atos de improbidade pela LIA. 1.1.1. Os atos de improbidade previstos pela LIA Uma vez que as sanções previstas pela LIA possuem natureza civil, conforme o entendimento mais aceito pela doutrina e pela jurisprudência, ainda antes da análise do 16 GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 9ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2017, pp. 626-627. 17 Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade. § 2ª A ação de improbidade, de que trata a Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o disposto no § 1o. (inconstitucionalidade reconhecida pelo STF na ADIN nº 2.797/DF). 18 STF. ADIN nº 2.797/DF. Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, julgado em 15.09.2005, DJ 19.12.2006 (grifo nosso). Entendimento aplicado, ainda, no AgRg no AI 786.438/MG, de relatoria do Min. Dias Toffoli, e no AgRg no RE 377.144/SP, de relatoria do Min. Marco Aurélio Mello. 19 JANOT, Rodrigo Monteiro de Barros. AMORIM JÚNIOR, Silvio Roberto Oliveira de. Cabimento da tentativa e aplicação do princípio da insignificância. In: MARQUES, Mauro Campbell (Coord.). Improbidade Administrativa: temas atuais e controvertidos. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 318. 16 cabimento da punição por tentativa de prática de ato de improbidade, é necessário analisar as condutas ímprobas previstas pelo diploma. Nos arts. 9º, 10 e 11 da LIA, foram elencadas diversas condutas consideradas atos de improbidade administrativa. Conforme José Dos Santos Carvalho Filho, a LIA “fixou no caput, o núcleo principal da conduta e nos incisos enumerou outras condutas que representam exemplos da enunciada no caput”, o que, nos termos do autor, “é um método incomum para relacionar as condutas que configuram improbidade administrativa”, razão pela qual o rol não pode ser considerado taxativo.20 É importante perceber que o caput de todos os artigos se encerra com a palavra “notadamente”, o que denota que os dispositivos trazem um rol exemplificativo de condutas, a fim de “capturar a diversidade de atos contrários à ética administrativa, dentre os quais avultaa boa-fé, considerada como um modelo ideal de conduta social, ou a conduta social que se considera paradigmática”.21 Passa-se então, a analisar cada um dos tipos de atos de improbidade: O art. 9º tipifica os atos que importam enriquecimento ilícito ao agente ímprobo: Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:22 A prática de atos que importam enriquecimento ilícito é considerada a modalidade mais grave de improbidade administrativa. Para a efetiva configuração da prática de alguma das condutas exemplificadas no dispositivo, seja no caput ou em algum dos seus 21 incisos, é necessário que o agente ímprobo aja efetivamente com o intuito de perceber vantagem economicamente apreciável,23 mediante “afronta às normas que regem a atuação do 20 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Controle da administração pública. In: DI PIETRO, Maria Sylvia (Coord.). Tratado de Direito Administrativo; v. 7. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 124. 21 MELLO, Cláudio Ari. Improbidade Administrativa – considerações sobre a Lei 8.429/92. Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 44, 1995, p. 06 [citação da versão digital, a qual será utilizada ao longo do trabalho]. 22 Conforme Emerson Garcia, “as situações fáticas consubstanciadoras do enriquecimento ilícito ensejarão a responsabilidade penal do agente e do terceiro que concorreu para a referida prática ou delas se beneficiou", uma vez que é possível identificar a prática dos crimes previstos nos arts. 312, 313, 316, 3317, 318 e 321, todos do CP. (GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 9ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 381). 23 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Controle da administração pública. In: DI PIETRO, Maria Sylvia (Coord.). Tratado de Direito Administrativo; v. 7. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 125. 17 administrador público”24 independentemente dos danos ao erário,25 uma vez que os valores comumente serão desembolsados por terceiros, e não extraídos dos cofres públicos.26 Não apenas deve o administrador agir de maneira dolosa, como também deve estar presente o “nexo causal ou etiológico entre o recebimento da vantagem e a conduta daquele que ocupa cargo ou emprego”.27 Já o art. 10 da LIA configura como ato de improbidade as condutas que causam prejuízo ao erário: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: Para que seja possível o enquadramento de um ato nas previsões do art. 10, além de ser imprescindível que a ação do agente “seja antijurídica, viole o Direito por excesso de poder ou desvio de finalidade”,28 é necessário que, dolosa ou culposamente, seja causado algum prejuízo ao erário.29 Introduzido pela LC nº 157/16, o art. 10-A da LIA configura como ato de improbidade administrativa “qualquer ação ou omissão para conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõem o caput e o § 1º do art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003”. Nestes casos, exclusivamente a concessão de benefícios tributários relativos ao Imposto sobre Serviços (ISSQN) fora dos ditames legais configurará 24PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei da Improbidade Administrativa Comentada. 6ª Edição. São Paulo: Atlas, 2015, pp. 50-51. 25 “Não há como enriquecer sem que haja repercussão patrimonial. Vantagens não patrimoniais não servem para acarretar a incidência do tipo. Não é necessário, no entanto, que se configure um prejuízo para o erário. Basta o enriquecimento ilícito.” (HARGER, Marcelo. Improbidade administrativa: comentários à Lei nº 8.429/92. In: NOHARA, Irene Patrícia; MORAES FILHO, Marco Antonio Praxedes (Coord.). Coleção direito administrativo positivo; v. 7. São Paulo: Atlas, 2015, p. 106). 26 (GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 9ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 379. 27 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Improbidade Aministrativa. 5ª Edição. São Paulo: Método, 2017, p. 78. 28PAZZAGLINI FILHO, op. cit., p. 69. 29 “3. Os atos de improbidade só são punidos à título de dolo, indagando-se da boa ou má fé do agente, nas hipóteses dos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92. 4. Embora mereçam acirradas críticas da doutrina, os atos de improbidade do art. 10, como está no próprio caput, são também punidos à título de culpa, mas deve estar presente na configuração do tipo a prova inequívoca do prejuízo ao erário.” (STJ. REsp. nº 842.428/ES. Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, Julgado em 24.04.2007. DJ 21.05.2007) [grifo nosso]. 18 improbidade administrativa,30 ao passo que, em se tratando de outro imposto, poderão os atos serem enquadrados nas previsões dos demais dispositivos da LIA.31 Ocorrendo enriquecimento do agente ímprobo, incorrerá o mesmo na prática de algum dos incisos ou do caput do art. 9º da LIA. Do contrário, caso não se vislumbre enriquecimento ilícito do agente, e tampouco tenha sofrido o erário qualquer prejuízo, o ato se enquadrará nas previsões do art. 11 da LIA. Isto porque o art. 11 da LIA versa sobre os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública previstos no art. 37, caput, da CF: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: O objeto da tutela do art. 11 da LIA, portanto, é a proteção aos princípios regentes da Administração Pública. O dispositivo não considera os valores patrimoniais perdidos pela Administração ou percebidos pelo administrador, a exemplo dos arts. 9º e 10, mas sim busca proteger “valores éticos e morais da estrutura administrativa brasileira, independentemente da ocorrência de efetiva lesão ao erário no seu aspecto material “,32 sempre que estes forem objeto de conduta dolosa do administrador.33 Cabe ressaltar que todo o ato de improbidade importa em violação de princípios da administração. O art. 11 da LIA funciona, na realidade, como uma regra de reserva34, a fim de proteger estes princípios nos casos em que os atos de improbidade não forem acompanhados de enriquecimento ilícito do agente, ou de prejuízos ao erário, será enquadrável a conduta nos artigos 9º e 10 da LIA. Neste sentido, cumpre salientar a explicação de Emerson Garcia: 30 “Em suma, a improbidade será caracterizada nas seguintes hipóteses: a) fixação da alíquota mínima do ISS em patamar inferior a 2%; e b) concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários ou financeiros relativos ao ISS, que resultem em carga tributária menor que a decorrente da aplicação da alíquota mínima de 2%. O objetivo do legislador é evitar a denominada “guerra fiscal” entre os municípios. Trata-se, desta forma, de ato de improbidade direcionado, basicamente, aos prefeitos e vereadores dos municípios, bem como ao governador e deputados distritais, que são os responsáveis pela fixação de alíquotas do ISS e respectivos benefícios financeiros ou tributários. Nada impede, todavia, que terceiros também sejam responsabilizados quando contribuírem para o ato de improbidade ou dele se beneficiarem, direta ou indiretamente.” (OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Breves considerações sobre novo ato de improbidade incluso na Lei 8.429/1992. Riode Janeiro, 2017, p. 01). 31 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 1021. 32 STJ, REsp 695.718/SP, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 16.08.2005, DJ 12.09.2005. 33 “É pacífico na doutrina e jurisprudência que a tipificação do ato de improbidade descrito nessa norma exige o dolo, uma vez que diferentemente do artigo 10 da LIA não prevê a forma culposa. Portanto, diante da ausência de comprovação de atuação do apelado de forma livre e consciente, descarta-se a configuração do ilícito descrito nesse dispositivo legal.” (TRF3. AC Nº 0001906-71.2007.4.03.6107/SP. Rel. Des. André Nabarrete, Quarta Turma, Julgado em 10.10.2013, DJ 04.11.2013). 34 PAZZAGLINI FILHO, Marino. Princípios constitucionais e improbidade administrativa ambiental. Revista de Direito Ambiental, v. 17, 2000, p. 09 [citação da versão digital, a qual será utilizada ao longo do trabalho]. 19 Como foi visto, todo ato de improbidade importará em violação aos princípios regentes da atividade estatal, o que, ipso facto, resultaria na aplicação das sanções previstas no inciso III do art. 12. Em sendo identificado o dano ao erário ou o enriquecimento ilícito, ter-se-á um plus que justificará a ascensão para um feixe de sanções mais severo. Havendo múltipla subsunção, normalmente serão aplicadas as sanções do inciso I do art. 12, cujos valores relativos são mais elevados, terminando por absorver as demais sanções; não sendo identificado o enriquecimento ilícito, mas tão-somente o dano ao patrimônio público, aplicar-se-á o feixe do art. 12, II, com grau de severidade intermédio. Desta forma, a simultânea violação dos preceitos proibitivos implícitos nos arts. 9.º, 10 e 11 somente sujeitará o agente a um feixe de sanções.35 As condutas tipificadas receberam uma gradação pelo legislador, de modo que as previstas pelo art. 9º são mais graves que as elencadas no art. 10, ao passo que as mais brandas estão tipificadas no art. 11 da LIA, conforme se percebe pela sanção aplicável a cada “tipo”, elencada nos incisos do art. 12. Entretanto, conforme Rodrigo Janot e Silvio Roberto Oliveira de Amorim Júnior, tal classificação leva mais em conta “um aspecto econômico-subjetivo do que, propriamente, moral”: As três espécies de atos ímprobos são, igualmente, uma violação aos preceitos éticos e morais de atuação de um gestor honesto, pelo que não deveria haver gradação com os olhos voltados, estrita e precipuamente, ao ponto de vista financeiro. Veja-se que, por vezes, o dano ao Erário é mais grave do que o enriquecimento ilícito e, no entanto, a possibilidade de aplicação de penalidades maiores para o primeiro fato é reduzida, já que as sanções para quem gera prejuízo ao patrimônio do Estado são, por expressa disposição legal, menores do que as previstas para quem enriquece indevidamente. 36 Desta forma, ainda que a violação a princípio da administração resulte em penas menos severas, é de se destacar a importância da inserção da previsão na LIA, dada a relevância da matéria, conforme se extrai da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ): 3. A violação de princípio é o mais grave atentado cometido contra a Administração Pública porque é a completa e subversiva maneira frontal de ofender as bases orgânicas do complexo administrativo. A inobservância dos princípios acarreta responsabilidade, pois o art. 11 da Lei 8.429/92 censura “condutas que não implicam necessariamente locupletamento de caráter financeiro ou material” (Wallace Paiva Martins Júnior, “Probidade Administrativa”, Ed. Saraiva, 2ª ed., 2002). 4. O que deve inspirar o administrador público é a vontade de fazer justiça para os cidadãos, sendo eficiente para com a própria administração. O cumprimento dos princípios administrativos, além de se constituir um dever do administrador, apresenta-se como um direito subjetivo de cada cidadão. Não satisfaz mais às aspirações da Nação a atuação do Estado de modo compatível apenas com a mera ordem legal, exige-se muito mais: necessário se torna que a gestão da coisa pública 35 GARCIA, Emerson. A lei de improbidade e a dosimetria de suas sanções. Revista Brasileira de Ciências Criminais; v. 58, 2006, p. 14 [citação da versão digital, a qual será utilizada ao longo do trabalho]. 36JANOT, Rodrigo Monteiro de Barros. AMORIM JÚNIOR, Silvio Roberto Oliveira de. Cabimento da tentativa e aplicação do princípio da insignificância. In: MARQUES, Mauro Campbell (Coord.). Improbidade Administrativa: temas atuais e controvertidos. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 322. 20 obedeça a determinados princípios que conduzam à valorização da dignidade humana, ao respeito à cidadania e à construção de uma sociedade justa e solidária.[...] 6. A tutela específica do art. 11 da Lei 8.429/92 é dirigida às bases axiológicas e éticas da Administração, realçando o aspecto da proteção de valores imateriais integrantes de seu acervo com a censura do dano moral. Para a caracterização dessa espécie de improbidade dispensa-se o prejuízo material na medida em que censurado é o prejuízo moral37[grifos nossos]. Discriminadas as condutas listadas – exemplificativamente, conforme demonstrado – como atos de improbidade administrativa pela LIA, cumpre passar a análise efetiva do cabimento da sanção dos agentes ímprobos por tentativa de prática de improbidade, em especial levando em conta o caráter residual do art. 11 do diploma, cuja aplicação é subordinada à não aplicação das hipóteses mais graves.38 1.2. O ENQUADRAMENTO DA TENTATIVA DE ATO DE IMPROBIDADE O problema central analisado, qual seja, o cabimento de uma sanção pela “mera” tentativa de prática de ato de improbidade administrativa, demandou a análise da natureza jurídica da LIA, bem como um breve estudo da redação dos “tipos” elencados no diploma. Isso porque, estabelecido que o instituto possui natureza cível, não se mostra pertinente a transposição do instituto previsto para a esfera penal e todas as suas peculiaridades. A peculiaridade característica em comento, no caso, é a interpretação ampliativa (ou extensiva) dos tipos penais, a qual, naquela seara, somente se aplica em caso de exceção, em razão da sua formulação restritiva.39 Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangelli assim descrevem a tentativa no Direito Penal: [...] a lei amplia a tipicidade com a fórmula da tentativa, até abarcar os atos que implicam um começo da execução do delito. [...] A caracterização que temos feito deixa claro que nos inclinamos pela posição que sustenta sua natureza de delito incompleto – que é defendida pela maioria da doutrina nacional e estrangeira – e de acordo com a qual a fórmula do art. 14, II, 40 do CP constitui um dispositivo ampliador da tipicidade penal.41 37 STJ, REsp 695.718/SP, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 16.08.2005, DJ 12.09.2005. 38 PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei da Improbidade Administrativa Comentada. 6ª Edição. São Paulo: Atlas, 2015, p. 114. 39 JANOT, Rodrigo Monteiro de Barros. AMORIM JÚNIOR, Silvio Roberto Oliveira de. Cabimento da tentativa e aplicação do princípio da insignificância. In: MARQUES, Mauro Campbell (Coord.). Improbidade Administrativa: temas atuais e controvertidos. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p.329. 40 Art. 14 - Diz-se o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) 41 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELLI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 1ª edição em e-book baseada na 11ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pp.623-624. 21 A tentativa, assim como prevista pelo Direito Penal, não se mostra adequada aos casos de improbidade administrativa. Emerson Garciaafirma que falta à LIA elemento semelhante ao art. 14 do Código Penal (CP), de modo que a punição pela tentativa não pode ser espelhada da sistemática criminal: Diferentemente da esfera penal, a Lei nº 8.429/1992 não possui uma norma de adequação típica semelhante ao art. 14 do Código Penal, o que inviabiliza a ampliação da tipologia prevista nos arts. 9º, 10 e 11 daquele diploma legal às hipóteses em que seja identificada a incompleta concreção do tipo objetivo, vale dizer às situações em que resulte clara a vontade do agente mas não seja constatada a efetiva violação do bem jurídico tutelado.42 Afinal, os tipos penais são essencialmente redigidos taxativamente (numerus clausus), “marcando exatamente a conduta que objetivam punir, remontando à parêmia nullum crimen, nulla poena sine lege certa (não há crime nem pena sem lei certa)”.43 E, conforme demonstrado, os atos previstos pela LIA, por sua redação, em especial pelo termo “notadamente”, possuem tipificação aberta e o rol de condutas descritas é meramente exemplificativo (numerus apertus).44 E é esse o motivo pelo qual deve ser observada a tentativa de ato de improbidade de modo distinto à maneira das previsões da lei penal, na medida em que condutas não previstas em lei podem ser enquadradas e sancionadas pela LIA, dadas as suas normas de extensão.45 A resposta ao problema deve ser buscada, portanto, nos demais elementos da LIA, a fim de esclarecer qual a previsão do diploma para a responsabilização dos atos que, por motivos alheios à vontade do agente, não se concretizaram. O primeiro elemento a ser considerado é que, nos termos do art. 21, I, da LIA, a sanção por atos de improbidade independe de qualquer ocorrência efetiva de dano, à exceção, naturalmente do ressarcimento.46 A própria redação do artigo, portanto, indica a desnecessidade de danos para que possa ser configurada a improbidade. 42 GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 9ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 451. 43 DELMANTO JÚNIOR, Roberto. Garantismo, legalidade e interpretação da lei penal. Revista Brasileira de Ciências Criminias, v. 67, 2007, p. 06 [citação da versão digital, a qual será utilizada ao longo do trabalho]. 44 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Improbidade Aministrativa. 5ª Edição. São Paulo: Método, 2017, p. 75. 45 JANOT, Rodrigo Monteiro de Barros. AMORIM JÚNIOR, Silvio Roberto Oliveira de. Cabimento da tentativa e aplicação do princípio da insignificância. In: MARQUES, Mauro Campbell (Coord.). Improbidade Administrativa: temas atuais e controvertidos. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 329. 46 Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe: I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento; 22 Conforme Emerson Garcia, a redação do dispositivo, ainda que dispensável, uma vez que os arts. 9º e 11 da LIA já esclarecem que a ocorrência de danos não é essencial à caracterização do ato de improbidade, encontra sentido na sistemática da norma porque esta não busca apenas proteger o patrimônio público, mas os próprios valores constitucionais da Administração:47 À luz da sistemática adotada pela Lei de Improbidade, tal dispositivo seria plenamente dispensável, pois, como deflui da própria tipologia legal, a presença do dano não é da essência de todos os atos que importem em enriquecimento ilícito (art. 9º) ou que atentem contra os princípios regentes da atividade estatal (art. 11). Essa constatação é robustecida pelos feixes de sanções cominados a tais ilícitos, sendo claros os incisos I e III do art. 12 ao falarem em ressarcimento integral do dano, quando houver, o que demonstra de forma induvidosa a sua dispensabilidade. De qualquer modo, a previsão normativa é justificável, pois a objetividade jurídica tutelada pela Lei de Improbidade não se encontra delimitada pela concepção de patrimônio público, possuindo amplitude condizente com os valores constitucionais que informam a atividade estatal, garantindo a sua credibilidade. Observe-se no entanto, que o disposto no art. 21, I, deve ser interpretado em harmonia com os demais preceitos da Lei de Improbidade, em especial o art. 10, já que para a subsunção de determinada conduta às figuras previstas neste dispositivo, é imprescindível a subsunção de dano ao patrimônio público, o que, por evidente, não pode ser dispensado.48 Portanto, à exceção do art. 10º, que possui como pressuposto a existência de efetivos danos ao erário, as previsões do art. 9º e 11 da LIA podem se perfectibilizar sem qualquer subtração de valores. Entretanto, a própria redação do art. 9º também acaba por afastar a incidência da sanção pela mera tentativa, uma vez que a ocorrência de resultado efetivo decorrente do ato de improbidade nesta hipótese, qual seja, o enriquecimento ilícito do agente, ainda que este seja o enriquecimento ilícito por valores provenientes de terceiros, e não subtraídos do erário.49 Resta, então, o art. 11 da LIA, para o enquadramento da tentativa de prática de improbidade. Isso porque, conforme salientado, procura o dispositivo sancionar as condutas 47 Di Pietro não chega a divergir dessa afirmação, porém considera a violação de valores da administração como danos ao patrimônio público que, por sua vez, merecem indenização: “Assim, o que quis dizer o legislador, com a norma do art. 21, I, é que as sanções podem ser aplicadas mesmo que não ocorra dano ao patrimônio econômico. É exatamente o que ocorre ou pode ocorrer com os atos de improbidade previstos no art. 11, por atentado aos princípios da Administração Pública. A autoridade pode, por exemplo, praticar ato visando a fim proibido em lei ou diverso daquele previsto na regra de competência (inciso I do art. 11); esse ato pode não resultar em qualquer prejuízo para o patrimônio público, mas ainda assim constituir ato de improbidade, porque fere o patrimônio moral da instituição, que abrange as idéias de honestidade, boa-fé, lealdade, imparcialidade.” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 1023) 48 GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 9ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2017, pp. 425-426. 49 Ibidem, p. 379. 23 que revelem falta de retidão no tratar da coisa pública,50 e não necessariamente o ressarcimento de danos ou a punição pelo enriquecimento ilícito. E, neste tocante, Emerson Garcia afirma que, mesmo nos casos em que o enriquecimento ilícito ou os danos ao patrimônio público não puderem ser mensurados, por não ter o agente “avançado na utilização dos mecanismos que idealizara”, não há qualquer empecilho à sua responsabilização pela violação aos princípios da administração, nos termos do art. 9º da LIA, cometida até o impedimento da continuação da execução do ato pretendido.51 Janot e Amorim Júnior, na mesma esteira, salientam que art. 9º da LIA tem a peculiaridade de ser o único que possibilita sancionar o administrador naqueles casos em que sequer se vislumbra consequências materiais do ato ímprobo, de modo a responsabilizar aqueles agentes que, por qualquer circunstância, não tenham conseguido executar os atos de improbidade, senão vejamos: Surge o art. 11 da Lei 8.429/1992, em tal quadro como a saída normativa para os casos nos quais houve a tentativa de enriquecimento ilícito ou de dano ao Erário. Quer isso dizer que, havendo a presença do elemento subjetivo e da má-fé voltada à prática dos arts. 9º e 10, ambos da LIA, mas não sendo produzido o resultado exigido em tais figuras, ainda assim perdurará a afronta aos Princípios da Administração Pública, para os quais não se demanda consequência material no mundo fático.52 Configurar a tentativa de ato de improbidade como afronta aos princípios da administração,portanto, coaduna-se à sistemática da LIA, pois, conforme salientado, não se procura simplesmente proteger os valores patrimoniais da Administração, mas sim garantir a credibilidade da própria Administração, pela manutenção dos seus valores. Consequentemente, mostra-se inadequado punir os agentes ímprobos pelo mesmo cálculo da tentativa previsto pelo CP (pena correspondente ao do crime consumado, reduzida em dois terços – art. 14, II, parágrafo único, do CP), pois a LIA traz critérios de pena distintos, específicos para cada conduta. Uma vez que a tentativa se enquadra no art. 11 da LIA, deve haver a punição adequada, qual seja, a sanção prevista pelo art. 12, III, do diploma53, levando- se em conta os critérios de razoabilidade e de proporcionalidade, evitando-se excessos54. 50SANTOS, Lyts de Jesus. Há improbidade por violação a princípios sem dano ao patrimônio público?. Revista da AGU, v. 10, n. 30, 2002, p. 12 [citação da versão digital, a qual será utilizada ao longo do trabalho]. 51 GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 9ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 451. 52 JANOT, Rodrigo Monteiro de Barros. AMORIM JÚNIOR, Silvio Roberto Oliveira de. Cabimento da tentativa e aplicação do princípio da insignificância. In: MARQUES, Mauro Campbell (Coord.). Improbidade Administrativa: temas atuais e controvertidos. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 329-330. 53 Ibidem, p. 331. 54 PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei da Improbidade Administrativa Comentada. 6ª Edição. São Paulo: Atlas, 2015, p. 169. 24 E é este o entendimento que tem sido tomado pela maior parte jurisprudência pátria, sempre no sentido reconhecer que persiste o ato de improbidade por violação de princípios da Administração Pública, mesmo nos casos em que, por situações alheias ao controle do agente, o ato não se perfectibilizou. É o que se passa a demonstrar. 1.3. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL Observada a teoria envolvendo a punição das tentativas de prática de atos de improbidade, cabe a análise da resposta dada pelos tribunais nas distintas situações em que foi necessário apreciar a tentativa de prática de ato de improbidade. As pesquisas foram realizadas sistema de buscas unificado Jusbrasil.55 Os argumentos de pesquisa utilizados foram “tentativa”, “improbidade”, “princípio” e “conduta”. Em razão do número de resultados, foram utilizados filtros de pesquisa, para que os resultados apontassem apenas acórdãos exarados pelo STJ e pelos Tribunais dos Estados do Rio Grande do Sul (TJRS) e de São Paulo (TJSP) . Foram descartados todos os acórdãos que não analisaram o mérito dos recursos, seja por inadmissão do recurso, seja por análise de matéria prejudicial. Ademais, após a localização de acórdão do STJ, para o fim de evitar desnecessária repetição, foram descartados os julgados encontrados posteriormente, seja nas instâncias ordinárias ou no próprio STJ, cujos fundamentos espelhassem as razões exaradas no precedente. Restaram, portanto três acórdãos, cada um esposando uma situação distinta acerca do cabimento da sanção por tentativa de ato de improbidade. 1.3.1. Apelação Cível nº 0095181-82.2010.8.26.0000/SP O primeiro acórdão analisado foi proferido pela 5ª Câmara de Direito Público do TJSP, ao julgar Apelação Cível (AC) interposta pelo então Deputado Federal Antônio Palocci Filho56 em AIA movida pelo Ministério Público (MP) do Estado de São Paulo. No caso, conforme pode relatado no acórdão, o ato de improbidade praticado pelo apelante, ainda no ano de 2001, enquanto Prefeito de Ribeirão Preto, teria sido possibilitar que particulares regularizassem imóveis localizados no Município, por meio da alienação onerosa 55 https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/ 56 TJSP, AC nº 0095181-82.2010.8.26.0000, Rel. Des. Xavier de Aquino, 5ª Câmara de Direito Público, julgado em 04.07.2011. DJ 28.07.2011. O caso encontrou repercussão na imprensa nacional, com reportagem disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2011/07/939092-justica-mantem-condenacao-a-palocci-mas-reduz- valor-de-multa.shtml>. 25 de bens públicos, em franco desatendimento aos ditames da Lei Complementar (LC) Municipal nº 670/1997, conforme se extrai da decisão: A seu talante: a) permitiu que obra já concluída antes da edição da lei, de uso desconforme, fosse beneficiada com a regularização, desatendendo ao disposto no art. 1º, e § 2º, alínea “b”; b) ignorou todas as exigências técnicas necessárias para regularização, privilegiando o interesse particular de proprietário de imóvel em situação de irregularidade, em detrimento do interesse geral da comunidade; c) deixou, injustificadamente, de exigir o pagamento da multa aplicável à espécie, sem dispensar a mesma providência a outros proprietários em igual situação, contrariando o postulado da isonomia.57 Após a assinatura dos termos, o Prefeito teria levado a transação irregular aos autos de ação de nunciação de obra58 movida pelo ente municipal em face de particulares, no intuito de ver homologado pelo juízo o negócio entabulado com os proprietários dos imóveis. Entretanto, uma vez que a transação não teria se mostrado benéfica ao interesse público, o ato não recebeu a chancela judicial, e acabou por motivar a instauração da AIA apreciada. Mostra-se pertinente ao problema estudado a alegação do apelante no que diz respeito à impossibilidade de condenação por improbidade administrativa no caso, uma vez que não se vislumbraram danos ao Erário. Em contraposição, sustentou o MP de São Paulo que as consequências do ato ilícito apenas não ocorreram por força da intervenção judicial, o que não poderia descaracterizar a improbidade administrativa, pois “substantivada a prática na conduta violadora dos deveres de probidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições”.59 Ao analisar a alegação, o acórdão proferido considerou procedente o argumento do MP, pois, conforme se extrai do corpo da decisão, observou-se que o apelante, ao deixar de seguir os ditames da legislação aplicável, acabou por se afastar dos princípios da legalidade e da probidade. Nos termos do acórdão, o então prefeito “fez o que quis, conduzindo-se com total indiferença em relação ao primado do estado democrático de direito que constitui o fundamento a República (CF, art. 1º)”.60 57 TJSP, AC nº 0095181-82.2010.8.26.0000, Rel. Des. Xavier de Aquino, 5ª Câmara de Direito Público, julgado em 04.07.2011. DJ 28.07.2011, p. 8. 58 A ação de nunciação de obra nova movida pelos entes municipais consistia em procedimento de embargo às construções que se apresentam em desconformidade às normas de edificação e urbanização (ASSIS, Araken de. Nunciação de obra nova. Revista de Processo, v. 128, 2005, p. 01 [citação da versão digital]). O antigo procedimento especial (previsto pelo art. 934, III, do PCPC de 1973) foi extinto com a entrada em vigor do novo CPC. Art. 934. Compete esta ação: III - ao Município, a fim de impedir que o particular construa em contravenção da lei, do regulamento ou de postura. 59 TJSP, op. cit., p. 06. 60 Ibidem, p. 08. 26 Quanto à tentativa do ato de improbidade, o acórdão ressalta a desnecessidade da ocorrência de danos ao erário para a eventual responsabilização do agente público ou do particular, e confirma a impossibilidade de transposição do instituto assim como previsto pelo CP: Em outra vertente, tenta o recorrente eximir-se de responsabilidade, sob a alegação de ausência de prejuízo ao erário, dado que o ato não se consumou, sendo obstado nos limites da tentativa. Ora, se fosse possível traçar um paralelo com o direito penal, não seria correto relacionar o ilícito em questão com a tentativa, que diz respeito à prática de crime material, de ação e resultado. A comparação só faria sentido se fosse adotadoo paradigma do delito formal ou “de mera conduta”, em que o resultado não precisa ocorrer para configuração do tipo, a tanto bastando a ação do agente e a vontade de concretizá-lo. Na hipótese analisada, art. 11, da Lei n. 8.429/92, é isso justamente o que ocorre, posto que o legislador descreve o comportamento do agente, sem se preocupar com o resultado lesivo, qualificando como de ímproba, posto que moralmente reprovável, a simples inobservância dos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.61 Reconhecido pelo acórdão que a mera tentativa de prática de ato de improbidade, independentemente da ocorrência efetiva de danos ao erário, configura violação aos princípios regentes da administração, restou condenado o apelante às sanções previstas pelo art. 12, III, da LIA, à exceção, logicamente, do ressarcimento de danos, uma vez que reconhecido que o ato de improbidade acabou não ocasionando prejuízos ao erário. Em que pese o apelante tenha interposto Recurso Especial,62 o Min. Herman Benjamin, monocraticamente, acabou chancelando que, no caso, houve efetiva violação aos princípios regentes da administração, reiterando que a responsabilização do agente independe da efetiva ocorrência de danos. O agente público ainda interpôs Agravo Interno63 em face da decisão monocrática proferida pela Corte Superior. A Segunda Turma acabou por manter integralmente a decisão proferida na instância ordinária, salientando, novamente, que, a tentativa de prática de ato de improbidade administrativa já configura violação aos princípios da administração, nos termos do art. 11 da LIA.64 61 TJSP, AC nº 0095181-82.2010.8.26.0000, Rel. Des. Xavier de Aquino, 5ª Câmara de Direito Público, julgado em 04.07.2011. DJ 28.07.2011, p. 09 62 STJ, REsp 1.435.208/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Decisão Monocrática, julgado em 21.10.2016, DJ 24.10.2016. 63 STJ, AgInt no REsp 1.435.208/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 21.03.2017, DJ 24.04.2017. 64 “[...] quanto à alegação de que houve tentativa de improbidade administrativa, que ocorreu lesão a princípios administrativos, nos termos do artigo 11 da Lei 8.429/92.” (TJSP, op. cit., p. 20). 27 1.3.2. Recurso Especial nº 1.014.161/SC O segundo acórdão objeto do presente estudo é o proferido nos autos do REsp 1.014.161/SC.65 No caso em tela, foi promovida AIA pelo Ministério Público de Santa Catarina em face do Deputado Estadual Nelson Goetten de Lima, à época dos fatos investigados Prefeito Municipal de Taió, e de empresa privada e seus dirigentes. A ação teria sido instaurada de modo preventivo, isto é, “na busca de evitar danos causados ao erário que poderiam ser causados por eventual desapropriação amigável levada a cabo pelos réus (ora recorrentes)”.66 Cumpre trazer excerto do relatório do acórdão para melhor ilustrar a controvérsia apreciada: Isto porque o terreno desapropriado foi originalmente adquirido pela empresa ré, em 1994, pelo valor aproximado de R$67.000,00 (sessenta e sete mil reais), tendo sido a escritura lavrada no valor de R$27.000,00 (vinte e sete mil reais, também arredondados). Ocorre que, em 1995, o ex-Prefeito recorrente, pretendendo doar a área a empresários, assinou decreto que declarava o imóvel como de utilidade pública para fins de desapropriação, tendo conseguido também que o Legislativo aprovasse lei municipal autorizando o Executivo a adquirir o bem imóvel pelo valor de R$200.000,00 (duzentos mil reais) - ganhando, aí, relevância que tudo ocorreu em período marcado por baixos índices de inflação. Frise-se, também, existirem provas robustas do conluio e da má-fé com que agiram todos as partes envolvidas. Pontue-se que, liminarmente, foi deferida medida judicial que limitava o valor a ser pago pela desapropriação à quantia inicial despendida pela empresa ré - i. e., sessenta e sete mil reais. E esta limitação, de fato, foi mantida pela sentença de parcial procedência e seguida pelos réus, os quais, todavia, vieram a ser condenados por improbidade administrativa [...].67 A razões de recurso dos agentes ímprobos não merece maiores considerações, uma vez que se limitaram a afirmar que não poderia haver condenação por improbidade administrativa conforme previsto pelo art. 10 da LIA, pois não ocorrera o efetivo dano (uma vez que, por força de liminar, a desapropriação teve de respeitar o real valor do imóvel68). Isso porque o enquadramento no dispositivo em questão dependeria da efetiva ocorrência de danos ao erário. Ocorre que, em que pese a AIA em questão tenha sido proposta com base no art. 10 da LIA, a decisão recorrida, à realidade, condenou os agentes ímprobos não pelos danos ao erário, mas pela violação de princípios da Administração Pública consubstanciada no art. 11 do diploma, corroborando o entendimento doutrinário esposado anteriormente. 65 STJ, REsp 1.014.161/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 17.08.2010, DJe 20.09.2010. 66 Ibidem, p. 09. 67 Ibidem, p. 09. 68 Ressalta-se que, na ação em tela, restou constatado que o então Prefeito Nelson Goettel de Lima era, na verdade, sócio da empresa corré “Lorenzetti Indústria Química Ltda.”, o que corroborou com a demonstração da má-fe apontada no acórdão do STJ. (AC 111789/SC, Rel. Des. Carlos Alberto Silveira Lenzi, Terceira Câmara de Direito Público, julgado em 11.08,1998, DJ 11.08.2008) 28 A maior relevância da decisão para o presente estudo, entretanto, está na análise realizada pelo Ministro Mauro Campbell Marques do art. 21, I, da LIA. O julgador afirma que a redação do dispositivo, ao mencionar que a punição pela LIA “independe da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento”, além de viabilizar a condenação dos agentes nos termos dos arts. 9º e 11 da LIA, teria a finalidade de possibilitar a responsabilização dos agentes ímprobos na hipótese da tentativa de ato de improbidade, fazendo alusão à tentativa do Direito Penal. É o que se extrai do voto proferido: [...] o art. 21, inc. I, da Lei n. 8.429/92, segundo o qual "[a] aplicação das sanções previstas nesta lei independe [...] da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento", tem como finalidade ampliar o espectro objetivo de incidência da Lei de Improbidade Administrativa para abarcar atos alegadamente ímprobos que, por algum motivo alheio à vontade dos agentes, não cheguem a consumar lesão aos bens jurídicos tutelados – o que, na esfera penal, equivaleria à punição pela tentativa. [grifos no original]69 De tal modo, não seria apenas o art. 11 da LIA a indicar a possibilidade de punição do agente da improbidade, até porque, conforme entendido pelo acórdão analisado, sequer seria punição compelir o agente ao ressarcimento integral dos danos, uma vez que se trata de condenação meramente ressarcitória70. Nos termos do voto proferido, portanto, conforme consignado na ementa do julgado, o próprio espectro objetivo da LIA deve ser ampliado, para que não restassem impunes os atos que, por circunstancias alheias à vontade do agente ímprobo, acabaram por não gerar todos os resultados inicialmente pretendidos71. 1.3.3. Embargos Infringentes nº 0266349-06.2014.8.21.7000/RS Por fim, o terceiro acórdão a ser analisado, a fim de verificar a posição dos tribunais acerca da punição pela tentativa de prática de improbidade administrativa, é o proferido pelo 11º Grupo Cível do TJRS nos Embargos Infringentes (EI) nº 0266349-06.2014.8.21.700072. 69 STJ, REsp 1.014.161/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 17.08.2010, DJe 20.09.2010, p. 10. 70 Ibidem, p. 11 71 Ibidem, p. 01: [...] ABRANGÊNCIA DE CONDUTAS QUE NÃO CONSUMAM A EFETIVA LESÃO A BENS JURÍDICOS TUTELADOS PORINTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E/OU DO PODER JUDICIÁRIO. NECESSIDADE DE AMPLIAÇÃO DO ESPECTRO OBJETIVO DA LIA PARA PUNIR TAMBÉM A TENTATIVA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NOS CASOS EM QUE AS CONDUTAS NÃO SE REALIZAM POR MOTIVOS ALHEIOS AO AGENTE [...] 72TJRS, EI nº 0266349-06.2014.8.21.7000, Rel. Desª. Marilene Bonzanini, Décimo Primeiro Grupo Cível, julgado em 19.09.2014, DJ 17.10.2014. 29 O caso versa sobre AIA instaurada em 01.04.2005 pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul em face de José Mauro Guimarães Pinto, delegado de polícia da Delegacia de Nova Petrópolis-RS (falecido durante a tramitação do feito), e do advogado privado Marcos Roberto Narciso atuante no mesmo Município. A conduta ímproba em questão foi a exigência de valores pelo agente público, em negociações intermediada pelo corréu, com o intuito de perceber valores de um terceiro, no caso, diretor-financeiro da empresa Coopershoes, a fim de alterar os rumos de investigação policial. Vejamos o relatório do acórdão: O Ministério Público ajuizou ação civil pública por prática de ato de improbidade administrativa contra JOSÉ MAURO GIMARÃES PINTO e MARCOS ROBERTO NARCISO, dizendo que o primeiro é delegado de polícia, titular da Delegacia de Nova Petrópolis-RS, e o segundo advogado militante na Comarca. Informou que JOSÉ MAURO GUIMARÃES PINTO, na condição de delegado de polícia, manteve contato telefônico com o diretor-financeiro da Coopershoes, Sr. Paulo Ademir Sidegum, exigindo a entrega de uma quantia em dinheiro com o propósito de não adotar linha de investigação que se colocasse de encontro aos interesses dos representantes da empresa e, de igual forma, não aprofundasse na busca de elementos que viessem a comprovar a razão estampada no ofício ministerial requisitório que acompanhara expediente remetido pela Promotoria de Justiça Especializada no Combate aos Crimes contra a Ordem Tributária.73 Ao analisar a controvérsia em sede de apelação, a 21ª Câmara Cível, por maioria, havia reformado a sentença, decidindo pela improcedência da ação movida pelo MP, afirmando que não seria enquadrável a ação nas disposições da LIA, uma vez que o bem jurídico tutelado seria apenas o erário, que supostamente não fora atingido, já que os valores extorquidos não teriam sido integralmente recepcionados. Ao analisar o recurso, restou destacado que o próprio acórdão embargado reconheceu a gravidade dos atos praticados, entretanto, decidiu que “não houve efetivo recebimento desleal, e que as condutas não foram praticadas em desfavor da Administração Pública ou patrimônio público”.74 O MP apresentou Embargos Infringentes, arguindo que os valores que seriam subtraídos pelos réus apenas não foram entregues por circunstâncias alheias às suas vontades, pois teriam sido flagrados no momento do recebimento dos valores. Ademais, sustentou que não seria 73TJRS, EI nº 0266349-06.2014.8.21.7000, Rel. Desª. Marilene Bonzanini, Décimo Primeiro Grupo Cível, julgado em 19.09.2014, DJ 17.10.2014, pp. 05-06. 74 APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE. OS ATOS DE IMPROBIDADE PRATICADOS POR QUALQUER AGENTE PÚBLICO, SERVIDOR OU NAO, CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DIRETA OU INDIRETA SERÃO PUNIDOS NA FORMA DA LEI N. 8429/1992. LESÃO AO PATRIMÔNIO DE PARTICULAR. INEXISTÊNCIA DE QUALQUER UM DOS TIPOS DA LEI DE IMPROBIDADE. MORTE DO AGENTE. EXTINÇÃO. Conforme revela a prova dos autos, os réus mediante acordo de vontade pretendiam extorquir importância de cooperativa (COOPERSHOES), entidade particular. Ausência de tipificação na Lei n. 8.429/1.992. O bem jurídico protegido pela lei de improbidade é o erário. Improcedência da ação. Extinção pela morte de um dos demandados. Por maioria, deram provimento ao recurso de Marco Narciso e à unanimidade, extinguiram a ação com relação a José Mauro. (TJRS, AC nº 0023231-32.2012.8.21.7000, Rel. Des. Genaro José Baroni Borges, Vigésima Primeira Câmara Cível, Julgado em 30.10.2013, DJ 03.06.2014). 30 relevante o fato de os valores não terem sido recebidos pelos agentes, uma vez que o bem jurídico protegido pela LIA não seria apenas o erário, mas também a própria moralidade da Administração.75 Para o fim deste estudo, não se mostra relevante a análise da necessidade de efetiva ocorrência de danos para a caracterização do ato de improbidade, uma vez que a própria redação dos arts. 9º, 11 e 21, I, da LIA esclarece esta questão. O que importa é apenas o tratamento dado à tentativa da prática de ato ímprobo. A decisão apreciada ressaltou o voto proferido pelo Des. Francisco José Moesch, vencido no acórdão embargado, que havia entendido pela necessidade de punição da tentativa de improbidade, mesmo nas hipóteses de atos previstos pelo art. 9º da LIA, e não apenas pela violação de princípios: De se registrar que a vantagem patrimonial somente não chegou a ser incorporada ao patrimônio dos demandados/apelantes porque recolhida pelos investigadores no momento da flagrância, todavia, não há como negar que houve a prática da conduta descrita no dispositivo acima transcrito, na medida em que Marcos Roberto Narciso foi preso por ocasião do recebimento da primeira parcela do valor combinado. Ademais, Luiz Manoel Gomes Júnior e Rogério Favreto, na obra Comentários à lei de Improbidade Administrativa, admitem que deve ser objeto de punição inclusive a tentativa, nas hipóteses previstas no art. 9º da lei nº 8.429/92.76 Ademais, ao prolatar o voto vencedor, a Relatora Des.ª Marilene Bonzanini salientou que, em casos excepcionais, seria possível a sanção por tentativa de improbidade. Corroborando seu fundamento, é mencionada a lição de Emerson Garcia,77 a qual defende a possibilidade de verificação da responsabilidade do agente público pela violação de princípios da Administração Pública, nos termos do art. 11 da LIA, nas situações em que impossibilitado de dar continuidade ao ato por circunstâncias alheias à sua vontade. O acórdão ressalta, ainda, que, em que pese tenham sido os agentes ímprobos frustrados na sua tentativa de repasse dos valores, pois presos em flagrante, houve a efetiva transferência dos valores extorquidos, que posteriormente foram apreendidos.78 Deste modo, a situação discutida nos autos representaria um caso excepcional à mera violação de princípios, uma vez que o ato de “receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para 75 TJRS, EI nº 0266349-06.2014.8.21.7000, Rel. Desª. Marilene Bonzanini, Décimo Primeiro Grupo Cível, julgado em 19.09.2014, DJ 17.10.2014, pp. 04-05. 76 Ibidem, p. 26. 77 GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 9ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 451. 78 TJRS, op. cit., p. 28. 31 omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado”, previsto pelo inciso X do art. 9º da LIA já havia se concretizado. Restou consignado no acórdão, então, que não apenas os princípios da administração pública foram violados, mas, uma vez que houve o efetivo recebimento do valor ilícito pelo agente público, mesmo que diante de posterior apreensão, caracterizou-se a tentativa de prática do ato previsto no art. 9º, X, bem como a violação aos princípios da Administração Pública, conforme vedado pelo art. 11, I e II,79 da LIA. Uma vez que o acórdão expressamente concluiu pela tentativa de improbidade, e que, conforme apontado, inexiste na LIA um sistema similar ao da tentativa no âmbito do Direito Penal80, a decisão acabou por realizar a dosimetria das sanções levando em conta os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade81, a extensão do dano causado e o proveito patrimonial do agente ímprobo, conforme o art. 12, parágrafo único, da LIA.82 Consequentemente, uma vez que não houve proveito econômico, em razão da apreensão dos valores, não houve danos ao erário, dado que o montante era proveniente de recursos
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