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A Herança dos descaminhos da formação do estado de Roraima

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 
 
 
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS 
HUMANAS 
 
 
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA 
 
 
 
 
 
 
A herança dos descaminhos na formação do 
Estado de Roraima 
 
 
 
 
 
Reginaldo Gomes de Oliveira 
 
 
 
 
 
 
São Paulo 
 
2003 
 2 
Reginaldo Gomes de Oliveira 
 
 
 
 
 
 
 
 
A herança dos descaminhos na formação do 
Estado de Roraima 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Tese apresentada ao Programa de 
História Social da Faculdade de 
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 
da Universidade de São Paulo, como 
requisito parcial à obtenção do título 
de Doutor em História. 
 
 
 
Orientadora: Professora Dra. Marlene Suano 
 
 
 
 
 
São Paulo, 2003 
 
 
 3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Para minha avó materna, 
Lucinda Amélia Bezerra (in memoriam) 
com quem aprendi as primeiras letras. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FICHA CATALOGRÁFICA 
 
 
 
OLIVEIRA, Reginaldo Gomes de. 
 
 A herança dos descaminhos na formação do Estado de Roraima. São Paulo, Universidade 
de São Paulo/ Reginaldo Gomes de Oliveira. São Paulo. Programa de Pós-Graduação em 
História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. USP, 2003. 
 xv, 405 pp.: il., mapas e fotos. 
 
 Fontes e Bibliografia pp. 327-358 
 
 1. Roraima. 2. Amazônia Contemporânea. 3. História Cultural. 4. História das 
Representações Políticas. 5. Geopolítica. 6. Relações Interétnicas. 7. Etno-história. I. Teses. II. 
Título. 
 
 
 
 
CAPA – Coletânea de fotos (da direita para esquerda) Cachoeira na região de Uiramutã, Monumento 
ao Garimpeiro, Cruzamento das avenidas Santos Dumont e Ville Roy, jovem índio de Roraima. 
Fotos do Guia Turismo em Roraima 2000. Boa Vista/RR. Publicação do Instituto FECOR. 
Abril de 2000. Montagem em Scan pelo autor. 
 
 5 
Agradecimentos 
 
 
 O presente trabalho encerra uma fase de vida repleta de satisfações, 
saudades, inquietações, conquistas e percalços. Nesse percurso muitas pessoas 
foram importantes e a elas expresso meu reconhecimento. 
 Ao apoio financeiro da CAPES, através de bolsa do Programa de Incentivo 
a Capacitação e Desenvolvimento Tecnológico (PICDT), para a concretização 
deste trabalho. 
 Ao Reitor da Universidade Federal de Roraima (UFRR), através da Pró-
Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, que me proporcionou o afastamento 
integral das atividades de docência. 
 Aos funcionários e professores do Centro de Ciências Sociais e 
Geociências, do Departamento de História da UFRR, pela convivência e 
incentivos que viabilizaram a realização desta tarefa. 
 Aos funcionários e professores do Departamento de História, do Núcleo 
de Estudos de História Oral e da Coordenação de Pós-Graduação da 
Universidade de São Paulo (USP), pela forma carinhosa que me acolheram. Pelas 
várias oportunidades de diálogos com os professores Ulpiano T. Bezerra de 
Menezes, Maria Helena R. Capelato, José Carlos S. Bom Meihy, Maria Aparecida 
de Aquino (DH/USP), Dominique T. Gallois (DA/USP) e Francisco Carlos T. Silva 
(DH/UFRJ), cujas discussões e sugestões durante o curso foram esclarecedoras 
para o trabalho. 
 A todos os funcionários de Bibliotecas pela atenção especial, indicação e 
localização dos documentos. O acolhimento na Biblioteca e Arquivo da Fundação S.O.S 
Mata Atlântica e do Instituto SocioAmbiental também foi significativo. 
 Os senhores Jerônimo Pereira da Silva (Coordenador do Conselho Indígena de 
Roraima), Martinho Alves de Andrade Júnior (Administrador Regional da FUNAI/RR) e 
 6 
Artur Nobre Mendes (Secretário Técnico do PPTAL-Brasília/DF) foram solícitos e suas 
contribuições encurtaram o caminho da pesquisa. 
 Aos membros da Banca de Qualificação Professores Ulysses Telles 
Guariba Neto e Marcos Antonio Silva (DH/USP), com observações críticas e 
sugestões ajudaram a definir, com maior precisão, a forma e o conteúdo do 
trabalho. 
 Essa tese deve muito aos amigos pela colaboração e afeto. Minha gratidão 
a Claudia Alves, Déborah Freitas, Heloisa Marques, Maria Helena Oyama, Sonia 
Lobato, Maria Helena Bezzi (in memoriam), Antônio Lobo Stevens, Lourival Néto, 
Paulo Silva, Ricardo Vagner Oliveira e Roberto Ramos, que contribuíram de 
várias formas e cada uma à sua maneira para que o projeto se realizasse. A leitura 
e sugestões de Júlio Galharte foram valiosas. 
 Aos membros da Banca de Defesa Professores Dalmo de Abreu Dallari 
(FD/USP), Ulysses Telles Guariba Neto, Lincol Ferreira Secco (DH/USP) e Paulo 
Henrique Martinez (convidado), com observações críticas e sugestões para estudos 
futuros. 
 Marlene Suano (DH/USP), orientadora e amiga, acompanhou este trabalho 
lendo-o inúmeras vezes com paciência inesgotável. Durante todo esse percurso 
manteve diálogo, fez sugestões, mais do que isso, em sua convivência tomei mais 
gosto pela história. 
Um agradecimento particular aos meus pais, Paulino e Delzira, de quem 
tenho recebido nestes anos de tantos esforços, seu carinho, apoio e 
compreensão. Compartilho com eles as alegrias do final; aos queridos irmãos, 
Rinaldo, Ranieri e Richard (in memoriam) e irmãs, Rosângela, Rossinete e Rosanir, 
com quem compartilho a vida; aos demais familiares pela demonstração de afeto. 
 
 
 
 7 
SUMÁRIO 
 
 
Lista de Mapas, Figuras, Fotos e Quadros 09 
 
Lista de Abreviaturas 11 
 
INTRODUÇÃO 18 
 
CAPÍTULO 1 
RORAIMA: um olhar histórico e sócio-político do XVI ao XIX 35 
 
 1.1 Amazônia Setentrional, perspectivas históricas dos séculos XVI 
e XVII 
 
36 
 
 1.2 Rio Branco, a expansão política e econômica portuguesa com o 
Maranhão e Grão-Pará 
 
58 
 
 1.3 A construção da Amazônia brasileira, séculos XVIII e XIX 
 
69 
 1.4 As Tropas de Resgates e as Aldeias Missionárias na conquista 
da rota fluvial e povoamento 
 
75 
 
 1.5 Forte São Joaquim e a consolidação da conquista do Rio 
Branco 
 
90 
 
 1.6 A reação indígena contra o Estado português e a denominada 
“Praia do Sangue” 
 
96 
 
 1.7 As fazendas na bacia do Rio Branco 
 
101 
 
 1.8 Roraima no Império 109 
 
CAPÍTULO 2 
RORAIMA no século XX: perspectivas históricas, culturais, e políticas 118 
 
 2.1 O retorno das expedições científicas ao Rio Branco 128 
 
 2.2 O retorno do mito “El Dorado” 131 
 2.3 A Igreja Católica de Roraima e a causa indígena 139 
 
 8 
 2.4 Organização e reação indígena 150 
 
 2.5 Ação do Estado, organização e reação da sociedade não-
indígena 
 
166 
 
 2.6 Povoamento e meios de comunicação 171 
 
CAPÍTULO 3 
A gênese do Estado: do Território Federal à Constituição Federal 
 
175 
 
 3.1 Rio Branco, a criação do Território Federal 177 
 
 3.2 Os municípios e as áreas indígenas: desencontros dos 
caminhos da memória 
 
 
208 
 3.3 A Constituição Federal de 1988 
 
219 
 3.4 A criação do Estado de Roraima 230 
 
CAPÍTULO 4 
A primeira década do novo Estado 
 
239 
 4.1 
 
4.2 
Os legisladores estaduais e suas propostas 
 
Os novos municípios 
241 
 
263 
 
CAPÍTULO 5 
Um laboratório de História Social a céu aberto: lideranças e suas ações 
 
276 
5.1 As lideranças e seus projetos 
 
278 
5.2 Questões emanentes 
 
283 
CAPÍTULO 6 
Considerações Finais 
 
 
325 
 6.1 Ruptura da monoconsciência indígena 
 
326 
6.2 O Estado proprietário 331 
 6.3 Soluções possíveis?/ Possíveis destinos? 335 
 
 9 
FONTES E BIBLIOGRAFIA 347 
 
 
MAPAS, FIGURAS, FOTOS E QUADROS 
 
Mapa 01 - Forte de São Joaquim93 
 
Mapa 02 - Antigos e Novos Fortes na Amazônia, século XVIII 95 
 
Mapa 03 - Migração Indígena, século XVIII 99 
 
Mapa 04 - Territórios atribuídos ao Brasil e à Grã-Bretanha, em 1904 113 
 
Mapa 05 - 
 
Mapa 06 - 
Geopolítica de Roraima, em 1995 
 
Áreas Indígenas em Roraima, em 1993 
269 
 
270 
 
Mapa 07 - Projeto Calha Norte 296 
 
FIGURA 
 
Figura 01 - Vista aérea do Rio Branco 74 
 
Figura 02 - Maloca Macu 89 
 
Figura 03 - Forte São Joaquim e Povoamento 92 
 
Figura 04 - Bacia do Rio Branco: cenas de trabalho indígena 115 
 
Figura 05 - Escola em Boa Vista, professores e alunos 126 
 
Figura 06 - Seminário de Educação Indígena 164 
 
Figura 07 - Reivindicação indígena 165 
 
Figura 08 - Reivindicação dos não-indígenas 170 
 
Figura 09 - Vista aérea de Boa Vista 187 
 
FOTO 
 
Foto 1 - Município de Alto Alegre 213 
Foto 2 - Município de Bonfim 213 
 
Foto 3 - Município de Caracaraí 214 
 10 
 
Foto 4 - Município do Mucajaí 215 
 
Foto 5 - Município de Normandia 215 
 
Foto 6 - Município de São João da Baliza 216 
 
Foto 7 - Município de São Luiz do Anauá 217 
 
Foto 8 - Município de Amajari 264 
 
Foto 9 - Município de Cantá 265 
 
Foto 10 - Município de Caroebe 265 
 
Foto 11 - Município de Iracema 266 
 
Foto 12 - Município de Pacaraima 266 
 
Foto 13 - Município de Rorainópolis 267 
 
Foto 14 - Município de Uiramutã 268 
 
Quadro Demonstrativo 
 
Quadro 01 - Estado de Roraima. Estimativa da população indígena 154 
 
Quadro 02 - Roraima, população residente 201 
 
Quadro 03 - Roraima, população rural e urbana: importância relativa (%) 
1940/1950/1960/1970/1980/1991 
 
201 
 
Quadro 04- Terras da União em Roraima 206 
 
Quadro 05 - População do Estado de Roraima 260 
 
Quadro 06 - Eleitorado de Roraima entre 1990 a 2001 
 
271 
 
Quadro 07 - Distribuição do Eleitorado por municípios 272 
 
Quadro 08 – 
 
Quadro 09 – 
 
Quadro 10 - 
 
Quadro 11 - 
Distribuição do Eleitorado no Estado 
 
Organização Não-Governamental Indígena (ligadas ao CIR) 
 
Organização Não-Governamental Indígena (não ligadas ao CIR) 
 
Organização Não-Governamental Não-Indígena (a favor do índio) 
272 
 
278 
 
279 
 
279 
 11 
 
Quadro 12 - 
 
Quadro 13 - 
 
Quadro 14 - 
 
Quadro 15 - 
 
Quadro 16 - 
 
Organização Não-Governamental Nacional 
 
Organização Não-Governamental Internacional 
 
Igreja ou Instituição Religiosa 
 
Área Federal 
 
Representantes da sociedade roraimense 
 
279 
 
280 
 
280 
 
281 
 
283 
 
Quadro 17 - Terras indígenas em Roraima 332 
 
 
 
ABREVIATURAS 
 
ABA : Associação Brasileira de Antropólogos. 
 
ADCT : Atos das Disposições Constitucionais Transitórias. 
 
AMBTEC : Fundação do Meio Ambiente e Tecnologia de Roraima. 
 
BID : Banco Interamericano de Desenvolvimento. 
 
BIRD : Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento. 
 
BN 
 
: Jornal Brasil Norte (Boa Vista/RR). 
 
CAPH/USP : Centro de Apoio à Pesquisa em História da Universidade de São Paulo. 
 
CEDI : Centro Ecumênico de Documentação e Informação. 
 
CIDR : Centro de Informação Diocese de Roraima. 
 
CIMI : Conselho Indigenista Missionário. 
 
CIR : Conselho Indígena de Roraima. 
 
CNBB : Conselho Nacional dos Bispos do Brasil. 
 
COIAB : Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira. 
 
CPI : Comissão Parlamentar de Inquérito. 
 
CSN : Conselho de Segurança Nacional. 
 
DNPM : Departamento Nacional de Produção Mineral. 
 
DOU : Diário Oficial da União. 
 
EMBRAPA : Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. 
 
 12 
FBV 
(grifo nosso) 
: Jornal Folha de Boa Vista (Boa Vista/RR) 
 
FLONA : Floresta Nacional. 
 
FOIRN : Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro. 
 
FUNAI : Fundação Nacional do Índio. 
 
GTA : Grupo de Trabalho Amazônico. 
 
IBAMA : Instituto Nacional do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis. 
 
IBGE : Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístico. 
 
INCRA : Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. 
 
INPA : Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. 
 
ISA : Instituto SocioAmbiental. 
 
JB : Jornal do Brasil 
 
MEAF : Ministério Especial de Assuntos Fundiários. 
 
MEVA : Missionários Evangélicos da Amazônia. 
 
MINTER : Ministério do Interior. 
 
MMA : Ministério do Meio Ambiente. 
 
NDI : Núcleo de Direito Indígena. 
 
OAB : Ordem dos Advogados do Brasil. 
 
OD 
(grifo nosso) 
: Jornal O Diário (Boa Vista/RR) 
 
OIT : Organização Internacional do Trabalho. 
 
ONG : Organização Não-Governamental. 
 
ONU : Organização das Nações Unidas. 
 
OPAN : Operação Anchieta. 
 
PCN : Projeto Calha Norte. 
 
PND : Plano Nacional de Desenvolvimento. 
 
PUC/SP : Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 
 
RBG : Royal Botanical Gardens. 
 
SADEN : Secretaria de Assessoramento de Defesa Nacional. 
 
SAE : Secretaria de Assuntos Estratégicos. 
 
SEBRAE : Serviço de Apoio ao Micro e Pequenas Empresas. 
 13 
 
SEPLAN/RR : Secretaria de Planejamento do Governo de Roraima. 
 
SIPAM : Sistema de Proteção da Amazônia. 
 
SIVAM : Sistema de Vigilância da Amazônia. 
 
SPI : Serviço de Proteção ao Índio. 
 
SUDAM : Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia. 
 
SUFRAMA : Superintendência da Zona Franca de Manaus. 
 
UFRR : Universidade Federal de Roraima. 
 
UNESCO : Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. 
 
WWF : Fundo Mundial para a Natureza. 
 
ZFM : Zona Franca de Manaus. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 14 
RESUMO 
 
O Estado de Roraima, que faz fronteira com a Venezuela e a Guiana, 
apresenta um relevo acidentado e localiza-se entre ambientes com problemáticas 
ecológicas distintas: serra, lavrado e floresta. Existe nessa região uma 
multiplicidade social e cultural indígena e não-indígena em que as relações se 
mostram marcadas por violências culturais, políticas, sociais, extorsão econômica 
e deterioração ambiental. 
Roraima foi transformado de Território Federal em Estado da União com 
a promulgação da Constituição Federal do Brasil de 1988. A partir da década de 
1980, com o processo de “Abertura Política” e as manifestações sociais 
vinculadas ao movimento das “Diretas Já”, surgiu no Estado uma discussão 
sobre cidadania, direitos civis, demarcação de reservas indígenas e implantação de 
novos municípios, com a participação de Organizações Não-Governamentais 
(ONGs) indígenas e não-indígenas, como também de instituições governamentais. 
O objetivo deste trabalho é analisar como essa sociedade roraimense 
incorporou essas transformações sócio-culturais e políticas, caracterizadas por 
inovações previstas na nova Carta Magna brasileira, por mudanças de posturas e 
concepções não apenas em relação à infra-estrutura do novo Estado mas pelas 
exigências de novos comportamentos da população local frente à presença do 
índio (pró-tradição e pró-nacional), o qual tem reivindicado o reconhecimento de 
seus direitos (Arts. 231 e 232 da CF/88 e art. 173 da CE/91), respeitando o tratamento 
diferente entre os índios e não-índios tanto na construção da nova sociedade 
como na formação do Estado de Roraima. 
Ao se analisar os confrontos estabelecidos dentro da pluralidade sócio-
cultural e geopolítica de Roraima, não se destaca um certo e um errado, mas o 
que atende ao movimento de construção do conhecimento e do exercício da 
cidadania, conseqüente à busca de valores permanentes no contexto sócio-
 15 
cultural e na nova ordem institucional surgidacom a Constituição Federal de 
1988 e, depois, com a Constituição Estadual de 1991. 
Nesse sentido, considerou-se fundamental a publicação na imprensa local 
das idéias dos atores sociais e sujeitos políticos de Roraima que se constituíram 
como uma de nossas fontes. Analisamos suas visões e posturas associadas às 
novas formas de relações e vivências, identificando os conflitos presentes entre 
os vários segmentos sociais roraimenses. Esses discursos veiculados na imprensa, 
justamente por serem ideológicos, mostraram-se importantes na compreensão 
dos dois projetos, o da cultura “branca”, de integração nacional, e o das nações 
indígenas, divididas inelutavelmente entre a manutenção de seu estatuto original e 
a integração nacional, nas últimas décadas da história de Roraima. 
Esse confronto da história “branca” com a história nativa que, ao mesmo 
tempo, mesclou-se e dividiu-se etnicamente, por interferência da administração 
econômica do Estado, pela ação religiosa da Igreja, gerando conflitos entre o 
cristianismo e as religiões tribais e, também, pela ação educativa “branca” que 
perduram na história do tempo presente roraimense. Dessa maneira, as 
conseqüências advindas de tal confronto, que historicamente favoreceu o poder 
do Estado “branco”, mostra-se em uma situação de verdadeiro “laboratório” 
para entendermos a formação tanto de Roraima como do Brasil contemporâneo. 
 
PALAVRAS-CHAVE: 
 Roraima; Amazônia Contemporânea; História Cultural; História das 
Representações Políticas; Geopolítica; Relações Interétnicas. 
 
 
 
 
 
 16 
ABSTRACT 
 
Sharing borders with Venezuela and Guyana, the State of Roraima 
presents an uneven topography as it is located among areas with distinctive 
ecological problems such as hills, valleys and forests. There exists a social and 
cultural multiplicity involving indigenous and non-indigenous people, with the 
relationships being marked by cultural violence, political and social problems, 
economic extortion, and environmental deterioration. 
In 1988, along with the Brazilian Federal Constitution, Roraima was 
transformed from a Federal territory into a Union State. At the beginning of the 
1980's, a discussion regarding citizenship, civil laws, demarcating of Indian 
reserves and the establishment of municipal districts came about as a result of the 
"Political Opening" process and social manifestations associated with the 
movement for direct elections during the colonel years. Along with this, there 
was the participation of non-governmental organizations (indigenous and non-
indigenous) as well as governmental institutions. 
 This work intends to analyze how the Roraima society incorporated those 
socio-cultural and political transformations characterized by the innovations in 
the new 1988 Brazilian Charter. The changing conceptions and postures not only 
related to the new State's infrastructure, but also the demands of the local 
population's behavior regarding the presence of the Indian, now demanding the 
recognition of the indigenous right for the construction of the new society. 
 Analyzing the confrontations established inside the socio-cultural and 
geopolitical plurality of Roraima, there does not appear to be a right and a wrong 
side. Consequently, in the search of permanent values in the socio-cultural 
context and in the new institution order, there is an increase in knowledge and 
the exercise of citizenship. 
 17 
 In that sense, it was considered fundamental the local press publication of 
the social and political ideas of roraimense citizens as one of our sources. We 
analyzed their visions and postures associated with the new form of relationships 
and existences, identifying the existing conflicts among the several segments 
social roraimenses. Those speeches published in the press, because of their 
ideological connotations, are very important for the understanding of the last two 
decades of the history of Roraima. A history of the present time roraimense as a 
true "laboratory" for our fundamental understanding of the establishment and 
process of the mentality and of political institutions in Roraima and in 
contemporary Brazil. 
 
Key Words: 
Roraima, Contemporary Amazon, Cultural history, History of the Political 
Representations, Geopolitical, Interethnic relationships. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 18 
Introdução 
 
... a posse da terra gerou o poder 
e a propriedade gerou o Estado. 
DALLARI, 2002:55 
 
 Este trabalho tem por finalidade apresentar investigações sobre o mundo 
amazônico no qual o atual Estado de Roraima vem sendo sedimentado. Ele 
surgiu da ansiedade peculiar em si de lançar um olhar histórico-cultural e sócio-
político do século XVI ao século XX sobre o Estado supracitado. 
 O mesmo foi desenvolvido por meio de estudos, depoimentos e pesquisas 
realizadas em livros, revistas, jornais e outros documentos ligados ao contexto 
histórico ou sócio-político-econômico e cultural de Roraima. 
 Sua divisão abrange os seguintes passos: metodologia e fontes usadas no 
processo de investigação, ênfase na trajetória histórica e sócio-política do século 
XVI ao XIX; as perspectivas históricas, culturais e política de Roraima no século 
XX; a gênese do Estado, as lideranças sociais e suas ações e enfoques finais. 
 O estudo justifica-se pela possibilidade de reinterpretar as contradições 
envolvendo o Estado, os índios e os não-índios e de revisar importantes 
questões, como o desenvolvimento e as estratégias políticas na condução dessa 
situação de conflito, das forças constituintes do Estado e das ONGs indígenas e 
não-indígenas. Essa questão se dá não só em Roraima, mas em várias regiões do 
Brasil contemporâneo, que após a Constituição Federal de 1988 se abriram num 
espaço de novas reordenações políticas e econômicas na construção da cidadania, 
influenciadas pelo processo de redemocratização do país. 
De início, é importante ressaltar que, embora promova uma discussão a 
respeito do comportamento das diferentes formas de representação e 
organização na formação do Estado e da sociedade roraimense, a nossa 
 19 
investigação não privilegia o estudo mais complexo de suas organizações internas 
(índios e não-índios), mas sua trajetória na construção do Estado e da sociedade 
local entre 1988 a 2002, quando Roraima se transforma em Estado Federado, 
vivenciando suas três primeiras legislaturas. 
Nesse processo de construção, tanto do Estado como da sociedade, como 
momento “histórico imediato”, os representantes do Estado e da sociedade local 
ampliaram seu poder, possibilitado pelo exercício democrático do novo tempo. 
Trata-se, portanto, de uma realidade histórica interagindo na experiência de vida 
que implica no reconhecimento de si mesmo como objeto e sujeito da história. 
“Ela quer se elaborar a partir desses arquivos vivos que são os homens” 
(LACOUTURE, 1993:217). 
Assim sendo, estuda-se aqui o tempo presente e um momento emerso da 
multiplicidade sócio-cultural em conflito, que abrange uma população indígena 
(constituída por diferentes etnias), uma população não-indígena (formada por fazendeiros, 
empresários produtores, pequenos agricultores, garimpeiros, militares, religiosos, políticos, 
administradores, funcionários públicos, entre outros grupos brancos e já mestiçados, mas com 
titulatura de brancos) e considerável massa de mestiços que, via de regra, se 
identificam como brancos. 
Nesse espaço de tempo (1998 a 2002), investigou-se Relatórios do Grupo 
de Trabalhos Amazônicos (GTA) e de outros grupos que abriram debates em 
Seminários e Fóruns no tratamento dessa questão indígenana Amazônia Legal. 
Apesar dos resultados apresentarem sugestões com certos avanços nas reflexões 
políticas e sociais, direcionadas para processos produtivos auto-sustentáveis, os 
depoimentos dos participantes índios e não-índios ainda se mostravam presos às 
dificuldades financeiras e aos problemas conceituais e metodológicos, ditados 
pelas regras técnicas de um mercado local mundializado. 
 20 
Por isso, ao interpretarmos o significado da contemporaneidade 
roraimense, seguimos os caminhos indicados por certo viés da historiografia 
francesa associada à história imediata, social, cultural e política, como também de 
historiadores que enfatizando a importância da cultura na ação social, 
preocupados em recuperar as experiências da vida contemporânea1. 
 Tudo isto aponta formas de interpretação histórica que marcaram o 
aparecimento de uma nova visão formulada pela percepção de que, em uma 
determinada realidade social, a população experimenta suas situações cotidianas e 
relações “instantâneas em sua apreensão, simultânea em sua produção do fazer a 
história imediata” (LACOUTURE, 1993:214). Esse domínio “imediatista”, ligado a 
um objeto de estudo bastante recente, coloca o historiador e seu campo de 
pesquisa, como “arquivos humanos”. 
Esse novo enfoque, no processo histórico, voltado sobretudo para o nosso 
campo de estudo em Roraima, mostrou indícios significativos entre as situações 
sócio-culturais e as relações políticas e econômicas, no processo de formação do 
Estado. Tal como a percebemos, essas situações aparecem determinadas por 
diferentes necessidades e interesses que se mesclaram em antagonismos, inseridos 
em um dinamismo de apreensão simultânea. E, em seguida, observamos que 
essas “situações e relações não param de se mexer, recusando um verdadeiro 
enquadramento, bem como uma acomodação satisfatória” (LACOUTURE, 
1993:222). 
Jean Lacouture (1993) sugere que o historiador desse processo do tempo 
presente, como é o caso citado acima, seja, ao mesmo tempo, um “coletor” de 
situações e “produtor de efeitos”, ou seja, o pesquisador é, ao mesmo tempo, 
sujeito e objeto da história. Portanto, podemos dizer que, para o historiador 
 
1. Como Edward H. Carr (1996) que exprime certa preocupação em termos de desenvolvimento humano 
numa abordagem mais ampla da história. Nessa linha de ação temos também as obras de THOMPSON (1998) que 
desmistificam a história e mostram que o uso de entrevistas, como fonte oral, pode ser utilizado juntamente com 
as fontes tradicionais da história, na construção de uma memória mais democrática do passado. 
 21 
contemporâneo, é muito mais difícil situar e entender a realidade de seu próprio 
tempo do que a do século XVIII, por exemplo. Desse modo, os “efeitos” 
reveladores dos conflitos sócio-culturais e políticos podem ser analisados como 
“bibliotecas vivas”, o que torna um desafio para se escrever a história de hoje. 
Essa percepção histórica associada à contemporaneidade, com caminhos teórico-
metodológicos dividindo-se em muitas direções, fez com que nossas experiências 
locais contribuíssem para as descobertas da pesquisa, mesclando a relação 
“sujeito-objeto” desse dinamismo da história contemporânea. 
Outra possibilidade de análise que condiz com o estudo em questão é de 
Roger Chartier (1988), que propõe levar-se em consideração as experiências 
humanas, em que os estudiosos buscam seus argumentos teóricos. O autor 
apresentou reflexões que apontaram para concepções mais sensíveis às 
desigualdades sócio-culturais, tomando como ponto central da apreensão 
histórica a cultura de um determinado contexto social. Tal apreensão se dá por 
meio das lutas e suas formas de organizações e representações sócio-culturais, 
cujos mecanismos de atuação contribuem para o entendimento da concepção e 
do mundo social investigado. Nesse contexto, acreditamos que “as percepções 
do social não são de forma alguma discursos neutros (...). Por isso esta 
investigação sobre as representações supõe-nas como estando sempre colocadas 
num campo de concorrências e de competição” (CHARTIER, 1988:17). 
Todos esses aspectos deram origem a um conjunto de situações 
problemáticas na história atual, em que a História de Roraima não é a exceção e 
que permitiu a inclusão de novos instrumentos da vida cotidiana suscitados pelas 
diferentes práticas sócio-culturais e do novo enfoque teórico-metodológico no 
processo da História Contemporânea. Após a década de 1980, intensificaram-se 
trabalhos de historiadores que retomaram aspectos do domínio tradicional da 
história e deram novos enfoques metodológicos no campo historiográfico, 
 22 
incluindo os “novos objetos” que foram definindo a denominada História Nova 
(LE GOFF, 1993:44). 
 Essa nova concepção historiográfica de exploração aberta das experiências 
da cultura humana propõe um diálogo mais próximo com as outras áreas do 
conhecimento científico. Nesse sentido, as representações mentais ganharam 
importância nessa mediação da história nova, ampliando condições ao aprendizado 
e conhecimento histórico. Essa orientação de pesquisa histórica, em diálogo com 
as outras áreas das ciências humanas, influencia determinados estudos que, nesse 
modelo, escolhem um procedimento teórico-metodológico adequado ao seu 
corpus documentário (ARIÈS, 1993:161). 
Há quem considere que o historiador não precisa fazer uma “escolha 
definitiva” entre as estratégias interpretativas para conduzir a sua pesquisa 
(HUNT, 1992:21). Embora existam muitas diferenças, tanto nas tendências teóricas 
como nas metodológicas, a ênfase na história da cultura está no exame minucioso 
dos documentos (textos, imagens, práticas sociais, etc.) e da abertura crítica 
diante do que será mostrado por esse exame. 
 Assim, tanto Chartier (1988) quanto Hunt (1992) enfatizam a importância 
do significado e dinamismo sócio-cultural revelando e recuperando as expressões 
e interpretações do passado-presente no processo contemporâneo da história 
cultural. Na verdade, eles apresentaram uma linha de pesquisa que expõe um 
campo novo de apreensão histórica, intimamente relacionada num diálogo com 
as outras áreas do conhecimento humano. Nesse sentido, os autores mostraram 
que as concepções das quais partimos não são apenas teorias, mas também novos 
problemas da nossa história contemporânea que devem ser recuperados nos 
movimentos históricos do tempo presente. 
Tais contribuições historiográficas reiteram nossa crença na necessidade de 
estudos mais aprofundados do contexto contemporâneo da história de Roraima, 
 23 
que vivencia múltiplas organizações e formas de representações sociais e políticas 
(indígenas e não-indígenas), entre práticas e apropriações de novos paradigmas da 
cultura política na criação desse novo Estado amazônico. 
Essa temática intrigante remete à questão do conceito de nação que foi 
pensado, sobretudo, em meio às efervescências da Revolução Francesa, como um 
“conceito político territorial, cuja base era a existência de uma lei comum e de um 
corpus de cidadania...” (SALIBA, 1993:310). Tal lei de caráter universal 
proporcionaria aos indivíduos uma unidade mais ampla que propiciaria benefícios 
comuns a todos os cidadãos. No entanto, percebe-se que existe um prejuízo, em 
termo de direitos, com relação aos índios que perderiam sua identidade específica 
relativa a cada grupo indígena. 
A isto se contrapôs a uma outra interpretação da nação, fruto de reflexões 
contemporâneas, pelas diferentes correntes da história e da antropologia, de 
nação pensada pela memória cultural. Tal concepção formula uma unidade mais 
ampla à qual o coletivo, como fonte de valor e conduta, desfrutariade muitas 
coisas em coesão: terra e cosmo (ANDERSON, 1989; CANETTI, 1995; SALIBA, 1993; 
CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000; VIVEIROS DE CASTRO, 1998). Nesse contexto, de 
caráter peculiar e de um povo organizado culturalmente em uma relação de 
parentesco com a terra interligada ao cosmo, revivificada nos mitos e ritos da 
coletividade e da memória, estão as etnias indígenas. 
Existem autores, entre eles Berta Becker (1994), que se esforçam por 
mostrar esse conceito partindo da idéia “Nação & Região” num cenário de 
fragmentação contemporânea: 
O conceito de Região é bem mais antigo, mas foi redefinido com a formação do Estado 
Territorial Moderno. Corresponde à territorialização do Estado-Nação: a nação se 
concretiza em combinações diferenciadas de frações de classes e de grupos no território 
nacional, constituindo sociedades locais variadas. E a Região passa a ser esta dimensão 
territorializada do Estado-Nação (BECKER, 1994:103). 
 
 24 
Considerando o posicionamento dos pensadores anteriormente 
mencionados e as temáticas pesquisadas nos capítulos, em função de suas 
especificidades, apresentam recortes entre os séculos XVI até o início do XXI. 
Assim, o tempo geo-histórico, geo-político e as relações etno-históricas do nosso 
estudo estão marcados por três momentos: o primeiro conjunto de problemas 
diz respeito aos séculos XVI e XVII que registraram os primeiros contatos entre 
índios e europeus nessa região das Américas, sob o poderio da Coroa da Espanha 
e depois de Portugal com os séculos XVIII e XIX dentro de um conjunto de 
problemas sócio-políticos, econômicos e fundiários; o segundo relaciona-se aos 
impactos sociais, culturais, políticos, econômicos, relativos à construção do 
espaço social roraimense com a criação do Território Federal do Rio Branco e a 
transformação em Estado Federado; o terceiro se liga às questões sociais e 
étnicas relativas aos conflitos envolvendo o Estado/União, os índios e os não-
índios no século XX e começo do XXI, que registraram diferentes momentos de 
modelos desenvolvimentistas para a região, definindo objetivos na geopolítica 
administrativa e defesa da região pelo governo local e governo Federal. 
Procura-se, também, desvendar o processo político vivido pela sociedade 
local (índios e não-índios), atrelada a diversas esferas governamentais do poder 
central. Como tais esferas fizeram da região Território Federal (Constituição 
Federal de 1937, no período conhecido como Estado Novo) e, 45 anos depois, 
Estado Federado, por meio da Constituição brasileira de 1988 (durante o 
processo de redemocratização do país). 
Além disso, deseja-se avaliar o conflito das forças constituintes do Estado 
de Roraima frente a questões da terra e dos confrontos envolvendo o 
Estado/União, os índios e os brancos, no decorrer das duas últimas décadas do 
século XX e como tal assunto vem sendo tratado na esfera do Estado e pela 
sociedade roraimense (índios e não-índios). 
 25 
 Nesse sentido, nosso recorte abrange até a segunda metade dos anos de 
1990, quando houve, de forma mais intensa, a comunicação rodoviária nacional e 
internacional na região, o movimento de imigração não-indígenas e indígenas, o 
posicionamento dos líderes e representantes da sociedade local (índios e não-
índios), com a marcante presença do índio pró-tradição (vinculada à Diocese de 
Roraima) e do índio pró-nacional (ligado ao Estado), que reivindicaram direitos 
segundo os princípios da Constituição brasileira/88 e da Estadual/91. 
Almeja-se que esta pesquisa venha abrir caminho para que novos estudos 
sejam realizados neste foco histórico do Brasil setentrional e que não fiquem 
só em caracterização e análises, mas busquem soluções efetivas em escala 
abrangente; levando, desta forma, este trabalho a contribuir um pouco mais 
com o desenvolvimento histórico deste Estado. 
 
Fontes e Métodos 
 
Um dos elementos de desvelamento desse processo histórico 
contemporâneo de Roraima em expansão e intimamente vinculado ao 
pensamento nacional será um exame da imagem do índio e do não-índio como 
texto narrativo, incorporado nas múltiplas explicações em forma de 
documento escrito e entre outras publicações sobre o tema em estudo. Para 
situar essa visão do índio e branco na trajetória histórica, a partir do século 
XVI até o XX, buscar-se-á, nas fontes escritas, evidências de dados portadores 
desses aspectos registrados pelos viajantes, expedições exploratórias, referentes 
tanto ao processo histórico de Roraima como associados às narrativas 
presentes nos diferentes interesses com a terra que estão representados na 
cultura e na consciência indígena e não-indígena roraimense. 
 26 
Por outro lado, constituem nossa base documental, todos os textos 
produzidos e veiculados na região nesse período que faz referência à questão 
proposta que é analisar a formação desse Estado e da sociedade nacional local 
(multicultural), indicando aspectos que podem ter provocado o conflito das 
forças constituintes e a questão da terra entre Estado e União, os índios e a 
sociedade local. 
Trata-se de entender a política integracionista, que deu, pela primeira vez, 
com a Constituição brasileira de 1934 sendo reiterado com a de 1988, o status 
jurídico ao índio. Daí, os territórios das nações indígenas poderiam ser utilizados 
como usufruto, em seus benefícios. Contudo, tais normas jurídicas que tratam 
dos direitos dos índios geraram entre as famílias indígenas (pró-tradição e pró-
nacional) e a sociedade nacional local, violentos conflitos e distintas posturas 
políticas em relação a essa situação de reivindicação de direitos que ganharam 
proporções nacionais e internacionais. 
Diante de tal diversidade, nesse contexto sócio-cultural, devemos fazer um 
balanço dos dez anos da transformação de Território Federal em Estado da 
União, ao longo desse processo de redemocratização do sistema político 
brasileiro, tanto na estrutura do Estado como do país, com o fim de 
compreender qual é a dinâmica social do índio e do não-índio nesse processo 
político e econômico que foi reordenando a construção de Roraima. Como 
exemplo, identificamos, nos programas de desenvolvimentos para Roraima, 
discutidos nos fóruns em Boa Vista, ações voltadas para incentivos fiscais, 
tributários e de créditos beneficiando empresários decididos a investir no Estado. 
Dessa forma, percebemos como o poder executivo estadual teve grande 
 27 
influência nos fóruns em favor da elite, sem se comprometer com uma política 
indigenista2. 
Essa problemática ganhou novos significados políticos e se destacou como 
importante tema de debates em fóruns realizados por distintas organizações 
(oficiais e não-governamentais) locais, nacionais e internacionais. Tais debates 
produziram documentos3 que buscamos em algumas bibliotecas, arquivos de 
órgãos oficiais e não-governamentais, na imprensa local e em sites na internet 
envolvidos com essa questão social, cultural e ambiental amazônica. 
Nesses documentos, buscar-se-á dados para a compreensão dos discursos 
dos representantes das organizações governamentais e não-governamentais, 
como fontes que aproximem as múltiplas concepções e a plural experiência de 
vida da população roraimense. 
Para estudar tal questão, reexaminar-se-á todos os dados de algumas 
propostas e documentos relacionados às políticas públicas, sociais e ambientais, 
que procuraram incorporar em seus conteúdos os elementos dessa tendência 
contemporânea. Essas propostas, de interesse do governo federal para a 
Amazônia tendo o apoio de ONGs nacionais e internacionais, apresentaram 
objetivos vinculados aos interesses do Grupo dos Sete4 na questão dos povos 
indígenas e das florestas tropicais do Brasil.Citamos algumas: 
 
2. Alguns conceitos relacionados ao histórico da situação do índio aparecem com freqüência no objeto da 
pesquisa como: Indigenista, segundo estudos antropológicos, significa política de atuação adotada pelo governo 
ou organização não-governamental em relação aos índios. Indigenismo, conjunto de idéias e valores favoráveis em 
relação ao índio dentro da política Indigenista. 
3. Relatórios, projetos, dossiês, anais, artigos, notas, pareceres, cartas abertas, discursos, revistas, boletins, 
jornais, sites (Internet), entre outras publicações sobre o tema em estudo. Esse material foi levantado, entre 1998 a 
2002, na Biblioteca da Universidade Federal de Roraima, Biblioteca Pública de Roraima, Biblioteca Pública do 
Amazonas, do Instituto Nacional de Pesquisa do Amazonas, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, 
Biblioteca da Universidade de São Paulo e no Centro de Apoio à Pesquisa em História (CAPH/USP), Biblioteca da 
PUC/SP, Biblioteca do Centro Cultural São Paulo. Coletamos informações na Secretaria de Planejamento de 
Roraima, Coordenadoria de Turismo de Roraima, Secretaria do Trabalho e Bem Estar Social (RR), Fundação 
Nacional do Índio em Roraima, Diocese de Roraima, Conselho Indígena de Roraima, Grupo de Trabalho 
Amazônico, Instituto SocioAmbiental (SP), Fundação S. 0 . S. Mata Atlântica (SP). 
4. G-7, representa os sete países mais ricos do mundo e lidera políticas públicas sociais e ambientais no 
planeta: Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Itália, Reino Unido e Japão. O interesse pelas florestas 
 28 
a) Proposta Preliminar para um Programa Piloto para a Conservação da 
Floresta Amazônica. IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos 
Recursos Naturais Renováveis). Brasileira. Brasília-DF: Editor IBAMA, 
novembro de 1990; 
 
b) Projeto Piloto para o Programa de Proteção das Florestas Tropicais do 
Brasil. FUNAI (Fundação Nacional do Índio). Brasília-DF: FUNAI, 1992; 
 
c) Projeto do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais 
Brasileiras: projetos demonstrativos – PD/A. Governo do Brasil, Banco 
Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), Comunidade 
Européia. Brasília-DF, dezembro de 1992; 
 
d) Projeto Piloto Ambiental de Desenvolvimento Auto-Sustentado para a 
Área Indígena Raposa Serra do Sol. PPTAL5. Brasília-DF: FUNAI, abril de 
1994. 
 
e) Pilot Program to Conserve the Brazilian Rain Forest: Indigenous Lands 
Project. World Bank. Washington-USA/World Bank, June 6,1995; 
 
f) Projeto de Apoio ao Manejo Florestal na Amazônia. Projeto de Apoio ao 
Manejo Florestal na Amazônia. IBAMA. Brasília-DF: IBAMA, jan/1996; 
 
g) Projeto de “Capacitação em questões Indígenas”. PPTAL. Brasília-DF: 
PPTAL, 1997. 
 
tropicais do Brasil surgiu durante uma reunião do G-7, em julho de 1990 em Houston, na qual a cúpula do G-7 e 
os representantes do Brasil desencadearam entendimentos para propostas ambientais e sociais em parcerias: 
Governo do Brasil, a Comissão das Comunidades Européias e o Banco Mundial. 
5. PPTAL, termo que passou a identificar o projeto do “Programa Piloto para Proteção das Florestas 
Tropicais para toda a Amazônia Legal”. A Comissão do PPTAL, composta por representantes nacionais e 
internacionais ligados ao G-7 e o governo federal tem sede em Brasília-DF, analisa os interesses em jogo e dá o 
parecer aprovando ou não os projetos elaborados com propostas de desenvolvimento social e ambiental que são 
de responsabilidades do PPTAL. 
 29 
h) Projeto de “Gestão Integrada do Estado de Roraima”. Governo de 
Roraima/Secretaria de Planejamento. Boa Vista-RR: SEPLAN, setembro de 
1997. 
 
Esse universo de fontes apresentavam metas de interesse única e 
exclusivamente voltadas para o ambiente como se este estivesse apartado da 
questão social. No entanto, depois, surgiram Relatórios de Avaliação dessas 
fontes com preocupação tanto ambiental quanto social. Estudaremos alguns: 
 
a) Relatório Anual com o título: “Políticas Públicas para a Amazônia”. 
Instituto de Estudos Amazônicos e Ambientais (IEA). Brasília-DF, janeiro. 1993; 
 
b) Relatório da Segunda Reunião dos Participantes do “Programa Piloto para a 
Proteção das Florestas Tropicais do Brasil”. Ministério do Meio Ambiente, 
dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA). Belém/Pará, 6-
7.julho.1995. 
 
c) Relatório com sugestões para um Projeto Integrado de “Proteção das Terras 
Indígenas e Populações Indígenas na Amazônia Legal”. Oficina de 
Trabalho/FUNAI/GTZ6. Brasília-DF, setembro.1995. 
 
d) Report of the International Advisory Group (IAG) of the G7 Pilot 
Programme to Conserve The Brazilian Rainforest (PPG7), Eighth Meeting. 
Brazil: Brasília-DF, 7-8.July.1997. Relatório do Grupo Assessor Internacional 
para acompanhar e orientar a implementação dos programas governamentais 
voltados para questões ambientais e questões indígenas. 
 
 Entre essas fontes, circularam também outras informações (anais, dossiês, 
carta aberta, atas, jornais de Roraima, boletins informativos, revistas, etc.) 
revelando a posição dos atores sociais e sujeitos políticos envolvidos nas 
propostas de políticas públicas para a Amazônia: 
 
6. GTZ, German Agency for Technical Cooperation. Os participantes desse evento (representantes 
indígenas, da sociedade nacional, de órgãos oficiais e não-governamentais nacionais e internacionais) 
estabeleceram sugestões de possível cooperação em Projetos Integrados na Amazônia Legal, com apoio de 
Cooperação Técnica alemã. 
 30 
a) Anais do Seminário de Estudos sobre o Programa Piloto para a 
Amazônia. Belém/Pará: FASE/IBASE, fevereiro. 1993. O documento 
apresentou discussões para melhor compreensão do “Programa Piloto” (PPG7) 
direcionado para os problemas sociais e ambientais amazônicos; 
 
b) Ofício n. 541/DAF/97, de 22 de julho de 1997. Políticas Indigenistas e 
Demarcação de Terras Indígenas com a contratação de ONGs sem licitação. 
FALEIROS, Áureo Araújo. Dossiê. Brasília-DF: FUNAI, 22.julho.1997. O 
documento apresentou anexos (Memorando n. 181/PPTAL/97) relacionados à 
complexa realidade dos direitos dos índios e de suas terras; 
 
c) Carta Aberta dos Índios de Roraima sobre “Demarcação de Terras 
Indígenas”. Boa Vista/RR, janeiro. 1981. Assembléia Geral dos Tuxauas, na 
região do Surumu/RR; 
 
d) Carta Aberta. “Posição do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA)”. 
Brasília-DF: GTA, 27.agosto.1991. “Programa Piloto” (PPG7) para a proteção 
das florestas tropicais do Brasil, especialmente, associadas à idéia de uma 
transformação sócio-cultural e ambiental amazônica; 
 
e) The Indian Declaration Against The Pilot Plan. “A Conference about the 
Pilot Plan was held in Luxemburg, 8-9.June.1991”. (It was promoted by Action, 
Third World Solidarity and mediated by allies of Earth International). Foi 
apresentada, pelos representantes indígenas do Brasil, no referido evento; 
 
f) Declaração “Desafios para o sucesso do Programa Piloto” (PPG7). 
Documento elaborado durante o “Terceiro Encontro dos Participantes do 
Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil”. 
Bonn/Alemanha, 10-12.setembro.1996; 
 
g) Resolução n. 68, de 1993, publicada no DOU, Brasília-DF, 30 de agosto de 
1993, p. 12823, do Senado Federal/Brasil. O documento fez um breve relato da 
autorização do “acordo-quadro” entre o Brasil e o BIRD relativo ao PPG7; 
h) Atas da Assembléia Geral dos Tuxauas, realizadas na região do 
Surumu/RR, em janeiro de 1981/82/85. Fazem referência aos temas conflitantes 
entre índios e não-índios: demarcação de terras, reorientação educacional dos 
jovens, propostas de desenvolvimentosustentável em terras indígenas, o 
problema do alcoolismo e da prostituição entre outras medidas políticas para o 
 31 
reconhecimento da organização social e cultural do índio diferenciado do 
nacional. 
 
 Coletar-se-á, nas fontes escritas, referências às múltiplas relações culturais 
e interesses políticos no contexto da gestão do novo Estado, a questão central em 
torno da qual se organiza a nossa análise, num diálogo entre história, cultura, 
política, direito, economia e sociedade, evidenciando a formação de Roraima 
como Estado da União. Tal questão, não apenas pode oferecer possibilidades de 
apreensão do aspecto cultural e social na história contemporânea como, também, 
elucidar disputas geopolíticas e econômicas do novo Estado. 
 A utilização do material publicado pela mídia roraimense (jornais, rádio, 
televisão, entre 1980/90), como um dos vieses de nossas fontes, evidencia 
situações em que as vozes do Estado e da população (indígena e não-indígena) 
oferecem suas idéias à análise e, por sua participação no debate, podemos melhor 
compreender o universo do Estado em formação. 
 Os jornais locais de maior circulação na capital Boa Vista são: Folha de 
Boa Vista (FBV) que é de propriedade da Editora Boa Vista Ltda (do 
empresário e fazendeiro Getúlio Cruz) e o Brasil Norte (BN) que é vinculado ao 
governo do Estado. A Crítica de Manaus é o mais conhecido jornal regional, 
além dos nacionais como o Jornal do Brasil (JB), O Globo, O Estado de São 
Paulo, a Folha de São Paulo, que ampliam a discussão do conflito local por 
meio da publicação de textos dos editores, dos jornalistas e dos líderes e 
representantes da política e da sociedade local e nacional. 
 Grande parte das publicações analisadas foi retirada do jornal FBV, 
motivamos as nossas escolhas por esse jornal, pela sua proposta de tentar 
democratizar o registro das opiniões nos artigos, entrevistas que apresenta 
diariamente ao leitor dessa região. A edição do jornal FBV é composta por dois 
cadernos: 
 32 
 
Caderno 1 Pág. Caderno 2 Pág. 
Capa 01 
Opinião 02 
Política 03 
Política 04 
Cidade 05 
Cidade 06 
Cidade 07 
Variedades 08 
Social 09 
Geral 10 
Editais 11 
Polícia 12 
Capa 01 
Política 02 
Indicador 03 
Classificados 04 
Classificados 05 
Classificados 06 
Classificados 07 
Classificados 08 
Classificados 09 
Brasil 10 
Esporte Nacional 11 
Esporte Local 12 
 Site: www.folhabv.com.br 
 
 
As seções e conteúdos analisados foram dos textos publicados7 no jornal 
Folha de Boa Vista (FBV) no seguinte período: 
 
As mudanças e transformações tanto sociais como políticas nessa região 
foram veiculadas nesse jornal que defendeu ora o não-índio, ora o índio, ora o 
Estado. Em geral, os textos registraram as experiências da imprensa local vividas 
de forma dialética e vistas com preocupação por parte dos intelectuais, escritores, 
jornalistas, editores, entre outros, que expressaram diferentes leituras acerca do 
conflito fundiário, valores culturais, políticos e sobre a situação em questão no 
Estado de Roraima. 
 
7. Além dos textos do jornal FBV, utilizamos outros textos que foram elaborados pelos jornais locais 
“Brasil Norte” (BN) em janeiro/99/00, em dezembro/01/02; pelo jornal “O Diário de Roraima” (OD), em 
agosto/97; pelo “Jornal do Brasil” (JB), em junho/99, pelo “O Estado de São Paulo”, maio/03; dando 
cobertura dos acontecimentos locais, referentes ao conflito fundiário e exploração dos recursos naturais. 
Componentes Seções Analisadas Jornal Publicado 
Demarcação de terras, conflito de terras, cidadania, 
autonomia, identidade étnica, autodesenvolvimento, 
Funai, Diocese de Roraima, Assembléias e 
Conselhos Indígenas, soberania nacional, Igreja, 
Ongs, entidades (CIMI), tutela, “royalties”, 
dizimação, resistências, território, reservas 
indígenas, municípios, eleições, empresários e 
entidades do comércio, governo de Roraima, 
Prefeito de Boa Vista, OAB/RR, Assembléia 
Legislativa, prefeitos, Constituição Federal/88 
Editorial e matéria 
assinada, artigos, 
reportagem, 
entrevista e geral. 
1992 – Outubro 
1996 - Novembro 
1997 – Ago/Nov/Dez 
1998 - Abr/Maio 
 Jun/Dez 
1999 – Jan/Fev/Nov/Dez 
2000 - Jan/Fev/Ago/Set 
 Out/Nov/Dez 
2001 – Jan/Fev/Abr/Nov 
2002 - Jan/Fev/Dez 
 33 
 Durante o mês de setembro de 2000, realizou-se entrevistas com o 
Administrador Regional da FUNAI/RR e com o Coordenador do Conselho 
Indígena de Roraima (CIR), nessa ocasião, as informações sobre essa temática 
política, econômica e sócio-cultural, sem uma efetiva definição fundiária, 
mostrou-se confusa e esparsa. Apesar das organizações indígenas participarem 
dos fóruns de discussões que buscam alternativas e soluções para essa questão 
em Roraima, seus representantes não deixaram claros os fundamentos e os 
recursos para implementação de programas8 indígenas em parcerias 
governamentais e não-governamentais, que almejam por meio dos projetos a 
melhoria social e exploração ambiental9. 
Desse modo, o presente trabalho foi dividido em seis capítulos. No 
primeiro capítulo, procuramos analisar as políticas governamentais vinculadas às 
idéias de expansão da fronteira e defesa da terra ocupada a partir, principalmente, 
das representações e suas atuações políticas administrativas nas transformações 
sócio-culturais da região, iniciadas no século XVI indo até o XIX. No segundo, 
discutimos as perspectivas históricas, culturais e políticas na montagem e na 
organização espacial e social da região, no século XX. No terceiro, procuramos 
mostrar, a gênese do Estado: do Território Federal ao Estado Federado com a 
promulgação da Constituição Federal de 1988 e, depois, com a instalação 
político-administrativa com a promulgação da Constituição Estadual de 1991. O 
principal enfoque está voltado tanto para os textos constitucionais, relacionados à 
problemática político-administrativa e sócio-cultural (índios e não-índios), como 
para o conflito fundiário. O quarto capítulo, analisa os dez anos do Estado de 
 
8. Propostas na área da educação, saúde, agricultura, piscicultura, pecuária, entre outros. 
9. Nos procedimentos do Projeto “Ambiental e Desenvolvimento Sustentável”, para a reserva indígena 
Raposa Serra do Sol, determinou para a região de serra a “recuperação ambiental concomitante a mineração no 
curso médio do igarapé Capim e imediações de sua confluência com o rio Maú, produzindo 1.500 quilates por 
ano ao final do terceiro ano do projeto”. PPTAL-FUNAI, Brasília-DF, abril de 1994. Por divergências políticas, 
econômicas e culturais, entre os representantes governamentais (locais, nacionais, internacionais) esse projeto não 
foi aplicado. 
 34 
Roraima, por meio das ações do executivo estadual e suas propostas para 
melhorar a vida da sociedade roraimense (índios e não-índios), a partir de 1991, 
com a instalação do Estado. O quinto, analisa a participação dos representantes e 
lideranças indígenas e não-indígenas e os seus projetos na questão fundiária, por 
intermédio da imprensa local. O sexto, apresenta nossas considerações finais 
sobre olevantamento de dados referentes ao nosso estudo, a ruptura da 
monoconsciência indígena (pró-tradição e pró-nacional) e a morfologia sócio-
cultural do novo Estado. 
Cumpre, assim, examinar algumas lacunas que marcaram esse processo 
histórico de Roraima. Tal estrutura instituiu, nas últimas décadas do século XX, 
novas idéias de direitos constitucionais, incorporando fundamentos de 
transformação do conteúdo ideológico de concepção do Estado e da sociedade 
local. É nossa intenção, nesta pesquisa, entender como o aparelho de Estado 
recém-criado, por exemplo, lida com as questões acima apontadas. Além disso, 
observar-se-á como se dão as relações atuais entre Estado, índios, brancos e terra, 
de acordo com os pressupostos de dois textos constitucionais: a Constituição 
Federal de 1988 e a Constituição Estadual de 1991. 
 Cabe ressaltar que, em se tratando de um processo histórico do tempo 
presente, é impossível detectar, com maior precisão, as fontes teóricas 
esclarecedoras dessas práticas e suas respectivas representações e formas de 
organizações em Roraima, de suas atuações intergovernamentais e dos setores da 
sociedade, na formação do novo Estado. 
 
 
 
 
 35 
CAPÍTULO 1 
RORAIMA: um olhar histórico e sócio-político do 
século XVI ao XIX 
 
A região de Roraima possui cerca de 230 mil quilômetros quadrados, com 
diversificado ecossistema na bacia do Rio Branco, é uma área maior do que a do 
Estado do Paraná e muitos países da Europa. Afigura-se entre terra com relevo 
acidentado e terra plana, situando-se acima da linha do equador (Hemisfério Norte), 
entre florestas amazônicas e as primeiras elevações do sistema orográfico das 
Guianas. Desse modo, seu espaço geográfico apresenta uma grande diversidade: 
floresta, savana, serras, rios, lagos, cachoeiras, fauna, etnias indígenas, homens da 
sociedade nacional que habitam distintos povoados ribeirinhos e povoados 
esparsos das terras firmes. 
O Rio Branco é considerado o mais importante afluente da margem 
esquerda do Rio Negro que, junto com o Rio Solimões, forma o Rio Amazonas 
desaguando no Atlântico. A bacia do Rio Branco é o divisor de águas entre as 
bacias dos rios Orinoco (Venezuela), Essequibo (Guiana) e Amazonas (Brasil). 
Em Roraima, existem áreas de rica tradição indígena e outras de plural 
manifestação não-indígena. As regiões de savana, de serras e de florestas, 
incontestavelmente, expressam formas de sociabilidade com traços semelhantes 
ao modo de ser da vida amazônica. Essas áreas, porém, convivem à sua maneira 
e, no campo das relações sócio-culturais, algumas foram ampliadas, outras 
modificadas e muitas desapareceram no processo de povoamento ou colonização 
“civilizada”10 iniciada no século XVI, alongando-se até o nosso tempo presente, 
início do século XXI. Esse processo histórico, de formação sócio-cultural e 
 
10. Estamos nos referindo ao conjunto de aspectos da cultura ocidental, das características de uma 
sociedade com o indivíduo bem-educado, cortês, civil, urbano, como elementos peculiares à vida intelectual, 
artística, moral e material, fruto de concepção da sociedade européia do século XIX. 
 36 
política do Estado, será o objeto de nossa reflexão nesse primeiro capítulo que 
tratará do momento da expansão. Para compreendermos tal questão, o contato 
entre índios e brancos acirrando a luta pela posse dessa terra, conduziremos 
nossas reflexões para os acontecimentos da primeira fase colonial européia, a 
partir do século XVI. 
 
1.1. Amazônia Setentrional11, perspectivas históricas dos séculos XVI e 
XVII 
 
Entre os séculos XVI e XVII devemos considerar as múltiplas tensões 
sociais e culturais que se fizeram presentes nas diferentes transformações do 
sistema político com aspirações de expansão territorial da cultura ocidental, 
cultivadas pelas monarquias ibéricas e pelas elites tanto da nobreza como da 
burguesia européia que disputavam a partilha do poder estatal e o monopólio do 
comércio no Atlântico. 
Esse período foi definido pelo abandono dos barcos a remo (as galeras) 
que circulavam no Mediterrâneo, para os navios atlânticos, para a navegação que 
se tornou à vela no mar aberto. Tais mudanças, alteraram o sistema político e 
econômico dominante na Europa, que, baseado no acúmulo de divisas e metais 
preciosos pelo Estado, por meio de um comércio exterior de caráter 
protecionista, resultou na disputa marítima entre as forças imperialistas em jogo, 
com as duas monarquias rivais impondo uma divisão do oceano e das terras 
“descobertas” no Novo Mundo. 
Assim, o Papa Alexandre VI expediu uma Bula, a 04 de maio de 1493, 
atribuindo ao Rei espanhol o domínio exclusivo de todas as ilhas e terras firmes, 
já descobertas ou que se viessem a descobrirem situadas a ocidente de uma linha 
meridiana traçada de pólo a pólo e que passasse cem léguas a oeste de qualquer 
 
11. Terras da Amazônia Legal que estão localizadas na parte norte, hoje, fazem parte do Estado de 
Roraima (Extremo Norte brasileiro). No século XVI, deu-se início ao processo civilizador dos nativos dessa 
região amazônica, sendo inseridos nos problemas do mundo moderno capitalista. 
 37 
das ilhas dos Açores e Cabo Verde. No entanto, o Monarca português (D. João 
II) recusou-se a aceitá-la e essa questão tornou-se um dos dilemas entre os reinos 
ibéricos, com concessões e recuos diplomáticos, na tentativa de aumentarem o 
poder no Atlântico. 
Para solucionar o embate entre as duas monarquias competidoras do 
mundo ultramarino foi assinado, em 07 de junho de 1494, o Tratado de 
Tordesilhas12. Esse acordo foi considerado um marco histórico nesse processo da 
partilha política e econômica de competição internacional crescente, na rota 
oceânica e nas terras que foram divulgadas pela expedição de Colombo. O 
referido Tratado, demarcando o litoral brasileiro por meio do meridiano que 
passa por Belém (ao Norte) e Laguna (ao Sul), deu ao Império português 
domínio de quase toda a bacia do Atlântico afro-brasileiro e parte de terra firme 
que ficava ao Leste da linha meridional (o Brasil só foi ocupado pelos 
portugueses seis anos depois, a partir de 1500). 
O final do século XV e todo o transcurso do XVI ofereceram ao Império 
português enormes possibilidades internacionais de expansão. Lisboa era 
considerada como um importante centro de renovações de conhecimentos e 
valores políticos e econômicos. Estava ligada à Índia e ao Extremo Oriente sem 
interrupção de comunicação pela rota oceânica, usada para exploração de 
especiarias asiáticas, e impunha-se ao domínio do Atlântico Sul, aos 
ancoradouros da costa afro-brasileira. 
Por sua vez, o Império espanhol desfrutava da expansão e conquista do 
mercado e matérias-primas (minerais e vegetais) no Atlântico Norte. Nessa 
perspectiva, a expansão dos reinos ibéricos se fez sob o signo do capitalismo 
comercial. Esses colonizadores tinham como meta fornecer ao mercado europeu 
 
12. Esse Tratado alterou a linha divisória dos territórios “descobertos” e explorados pelos espanhóis e 
portugueses, que fora promulgada pela Bula Inter Coetera de 1493. Com o Tratado de Tordesilhas o limite foi 
ampliado para 370 léguas. 
 38 
produtos exóticos e tropicais de valor comercial, principalmente os metais 
nobres, as pedras preciosas e os “paus de tinta” (pau-brasil, diferentes raízes e 
frutos usados na tintura pelos índios). 
Apesar da diversificação dos produtos tropicais comercializados pelos 
portugueses, as duas nações ibéricas constituíram instrumentos colonizadores 
semelhantes na Amazônia: aldeamentos e escravizaçãoindígena. Essa ação 
envolveu tanto o processo de povoamento como o de organização de uma 
economia complementar voltada para o mercado das metrópoles. 
A europeização do mundo amazônico aconteceu com a descoberta da rota 
fluvial interligada ao Rio Amazonas (com entradas pelo Oceano Pacífico, Atlântico e 
Mar do Caribe). Até o início do século XVI, o Rio Amazonas mal figurava na 
cartografia de expansão do homem europeu. A sistemática navegação 
fluvial/marítima entre o Rio Amazonas e o Atlântico foi de fundamental 
importância para as trocas e contatos entre os índios e os europeus. 
Na história do Brasil, quando se fala em região amazônica, são logo 
lembradas as Entradas e Bandeiras, ignorando-se todo esse dinamismo político e 
econômico internacional do século XVI, ligado ao Tratado de Tordesilhas e à 
União Ibérica13, por exemplo. Existe uma ausência ou um embate de paradigmas 
na historiografia brasileira, o que se relaciona às pendências fronteiriças entre os 
portugueses e as outras nações européias (Espanha, França, Holanda e Inglaterra) 
na Amazônia setentrional. 
Em geral, os documentos apenas relatam os feitos corajosos dos homens 
do Brasil colonial que abriram os caminhos do interior, criando novas formas de 
vida política e econômica, ampliando o espaço físico da terra portuguesa no 
Novo Mundo. Nesse processo histórico, as “entradas” e “bandeiras” com que se 
 
13. Relativo ao período histórico entre 1580 até 1640, quando da morte do cardeal Dom Henrique (1580), 
rei de Portugal, sem deixar herdeiros diretos, o reino português passou para o poder de Felipe II, rei de Espanha. 
A união entre as duas Coroas (portuguesa e espanhola) ampliou o poder político ibérico nas terras do Novo 
Mundo e despertou reação agressiva entre as outras nações européias, que disputavam o comércio internacional. 
 39 
procurava “desbravar” as zonas ignoradas do sertão aproximando a Amazônia do 
litoral, tornaram-se estratégias importantes tanto na busca de novas riquezas 
como na captura dos indígenas. 
Assim, do ponto de vista da política expansionista, do conhecimento dos 
pioneiros “desbravadores” servindo os interesses do poder colonial, os 
bandeirantes foram considerados “ícones autênticos” dos exploradores 
portugueses e paulistas (que vieram em busca de ouro no Mato Grosso e se fixaram no sul 
da bacia amazônica) favorecendo a penetração e a conquista do “Rio-Mar”, o 
Amazonas pela Coroa Lusa. 
Nessa perspectiva, o século XVI é visto como um período rico de relatos 
ou informações difundidas por viajantes e cronistas, que tinham como base essa 
curiosidade do homem europeu, e as sucessivas visões que circundavam a cultura 
e a natureza do Novo Mundo, atraindo homens em busca do metal aurífero na 
terra luso-americana. 
As primeiras notícias sobre essa região amazônica foram divulgadas em 
documentos que relatavam as viagens de aventureiros, militares, missionários, 
naturalistas, cronistas, geólogos, que procuravam atualizar seus conhecimentos 
científicos e cartográficos, percorrendo essas terras do Novo Mundo com 
viagens sistemáticas após os anos iniciais do século XVI. As obras configuradas 
por esses homens engendraram uma história de múltiplos pontos de vista do 
mundo natural e de seus habitantes indígenas. 
 Desse modo, a região foi divulgada pela primeira vez, sob o olhar da 
expedição do espanhol Francisco Orellana, ocorrida entre 1539 e 1542. O 
explorador espanhol buscava notícias que confirmassem a existência da Terra da 
Canela (o país do Príncipe El Dorado) ou da Cidade de Manoa14. Orellana foi o 
 
14. Mito que se fez presente no imaginário do homem europeu do século XVI, explicando a existência de 
uma cidade (com palácios cravejados de pedras preciosas, ruas e rios cobertos de ouro) governada por um 
príncipe que cobria todo o corpo de ouro (IBGE, 1981). Em outra publicação, o mito (El Dorado – homem de 
ouro) se refere ao príncipe inca, filho caçula de Huayanacapa, que conseguiu escapar dos espanhóis Francisco 
 40 
descobridor da rota fluvial integrada ao Rio Amazonas, percorrendo o rio desde a 
cabeceira até sua foz no Atlântico. 
A expedição de Orellana navegou por diferentes labirintos aquáticos entre 
rios e igapós, pretendendo elaborar uma carta topográfica com o mapa preciso da 
viagem, mas não descobriu qual dos rios navegados teria ligação com o caminho 
que o levaria para Manoa. Sem entender direito a língua dos índios, o chefe da 
expedição nunca tinha certeza do melhor caminho fluvial a ser seguido. Ao 
encontrar o rio de águas pretas, os homens de Orellana o denominaram de 
Negro. 
Gaspar Carvajal (1542), o cronista que fez os relatos da expedição de 
Orellana, descreveu com detalhes a existência de densas populações indígenas ao 
longo das margens do rio, dando notícias também da sofisticação de suas 
cerâmicas. Essa notícia envolvendo a região amazônica com o mito branco El 
Dorado atraiu imigrantes/aventureiros de nações européias que visavam não só a 
participação nesse mercado expansionista, mas derrubar o poderio econômico e 
marítimo internacional mantido pela Espanha no Atlântico Norte. 
Nesse percurso fluvial, um outro mito do imaginário europeu foi 
difundido por Orellana: o seu encontro com as “mulheres guerreiras”, as 
 
Pizarro, Diego Almagro e outros durante a conquista do Império do Peru. Esse príncipe partiu protegido por um 
batalhão de guerreiros, de diferentes etnias indígenas, abrindo caminho pela floresta amazônica em direção ao mar 
do Caribe. Nessa região intransponível, entre as bacias do Amazonas, do Orinoco e do Essequibo, o príncipe inca 
fundou o Império da Guiana à beira de um lago salgado com duzentas léguas de comprimento. Esse Império 
seguiu as mesmas regras governamentais do antigo Império do Peru. Todo ano, durante um ritual mítico, o corpo 
do príncipe inca era coberto de ouro e, num cerimonial de revitalização dos súditos indígenas, era mergulhado em 
um lago para depois emergir (cf. MANTHORNE, 1996). A confirmação do mito e da existência de tal lago, nessa 
região setentrional da Amazônia, foi descrita pela expedição do inglês Walter Raleigh de 1594 a 1596, na 
publicação “The Discovery of the Large, Rich and Bewtiful Empire of Guyana”. Essa publicação teve 
diversas reimpressões e no ano de 1597 foi simultaneamente traduzida para o francês, holandês e italiano, 
tornando-se o primeiro best-seller internacional da cultura européia (cf. RALEIGH, Walter. O Caminho de 
Eldorado, adaptação e notas de E. San Martin, 2002). De acordo com as citações de Sir Raleigh, o caminho para 
o El Dorado conduzia para as planícies que circundavam as montanhas entre os rios Essequibo e Orinoco. Os 
registros faziam referência à região da bacia do Rio Branco (Roraima) como o possível lago denominado Parimé. 
No século XVIII, com a entrada dos portugueses na região, tal lago não foi encontrado, porém, depararam-se 
com um rio de nome Parimé. 
 41 
amazonas, caracterizadas como cruéis e sanguinárias, que teriam acumulado 
grande fortuna em pratos de ouro trazidos do El Dorado. 
Ao final do século XVI e começo do XVII, com o aumento da posse de 
terras no Novo Mundo e dos bens do poder real, tanto da Espanha como de 
Portugal, gerou intensas disputas pelo poder crescente e valioso mercado de 
exportação, em face de sua extensão do mar mediterrâneo para o mar aberto do 
Atlântico (dominado ao Norte pelos espanhóis e ao Sul pelos portugueses). Desse modo, 
os Estados-Nações em formação no velho mundo europeu, voltaram-se para a 
exploraçãomercantilista na região amazônica. 
Contudo, vários fatores dificultaram a conquista e a ocupação da terra 
amazônica (não só pelos espanhóis, como pelos seus inimigos ingleses, franceses e 
holandeses), entre os quais: 
 
a) a variedade lingüística indígena dificultando o entendimento entre os 
intérpretes; 
 
b) a imprecisão das informações cartográficas; 
 
c) as Cordilheiras dos Andes e o sistema Parimo-Guiano, formando uma espécie 
de muralha; 
 
d) o clima úmido e quente no vale, frio nas montanhas e o aumento do calor com 
a proximidade da imaginária linha do Equador; 
 
e) as diferentes bacias dos rios Orinoco, Essequibo e Branco com movimentação 
de suas águas controladas pelas duas estações: seca (período de verão entre 
outubro e abril) e chuva (período de inverno entre maio e setembro). 
 
Além disso, no período chuvoso, a correnteza dos rios fica mais forte, as 
praias desaparecem por conta da cheia do rio, as margens ficam cobertas por 
mata cerrada, os barcos parecem mais pesados e os remadores cansados 
dificilmente enxergam um lugar tranqüilo para ancorar. Havia o pavor sobre as 
doenças desconhecidas que dizimavam tripulações das expedições. 
 42 
A idéia de medo ou temor dos mistérios da Amazônia surgiu no período 
após a “Era dos Descobrimentos”. Depois da divulgação das notas de viagens de 
Sir Raleigh (1596), houve rumores de que muitos homens europeus morreram de 
“febrões misteriosos” e “constipações tropicais”. Outros, perderam a vida em 
combate com os índios, principalmente contra os guerreiros do grupo lingüístico 
Karib que eram considerados canibais. Além disso, as savanas estavam cheias de 
viveiros de “vermes constipantes” e serpentes de “peçonha sem remédio”. Em 
alguns locais, beber daquela água era suicídio porque causava “infecções com o 
mais aflitivo corrimento” (SAN MARTIN, 2002:67/69). Nesse sentido, os serviços 
de um guia indígena conhecedor da região era imprescindível para sobreviver 
nessa empreitada. 
Tais boatos coincidiram com o momento da implantação de estratégias 
para o controle territorial no Novo Mundo. Os holandeses e ingleses apareceram 
nesse cenário amazônico fazendo alianças comerciais com os índios, usando 
mecanismos políticos distintos dos espanhóis e portugueses que impunham a 
cultura e a religião, construindo uma sociedade amazônica com o trabalho 
escravo do índio. Nesse processo de colonização e disputa geopolítica, os 
protestantes holandeses e ingleses ofereciam “guarda militar” aos nativos, 
justamente contra as tentativas ibéricas de “escravizar e eliminar os hábitos e 
costumes dos índios em nome do cristianismo” (SAN MARTIN, 2002:13), 
percebidos claramente como mecanismos de conquista da terra pelos reinos 
ibéricos católicos. 
 Nessa vivência de confronto político-cultural, as incursões sociais e trocas 
comerciais na região eram quase exclusivamente indígenas por toda a primeira 
metade do século XVI. Diferentes famílias do grupo lingüístico Arawak 
(Wapixana) e do grupo Karib (Makuxi e outras pequenas etnias), que fugiam da 
 43 
colonização espanhola e depois dos portugueses, realizavam pactos inter-tribais e 
trocas, havendo também guerras entre si na disputa do território. 
O processo da “mundialização” sócio-econômica indígena, nessa fase 
histórica da região, encontrava-se sob a égide dos índios denominados 
“Caribes”15 que monopolizavam as relações inter-tribais e que: 
 
(...) desenvolveram, a partir do médio curso do Orinoco, uma enorme atividade comercial 
e, em muitos casos, verdadeiras conquistas. Navegadores incansáveis, eles já tinham 
alcançado não só os rios Caura, Paragua e Caroni, mas também o alto Orinoco, o rio 
Uraricoera, o Tacutu e Rupununi, (...) A partir do rio Orinoco, os Caribes deixavam o 
curso do Caura, desembocavam no Rio Paragua e, deste, penetravam nos rios Uraricoera e 
Branco. Pode-se supor que, em alguns casos, realizadas as trocas e os pactos inter-tribais 
que tinham motivado aquela viagem, voltavam atrás; ou, na maioria das vezes, prosseguiam 
a pé no “lavrado”, até chegarem no rio Tacutu, e depois deste, no Essequibo. Daí tornava-
se fácil voltar ao Orinoco (CIDR, 1989: 5). 
 
 O modo tradicional de apropriação do espaço coletivo, auxiliado pela 
relação mítica de parentesco com o ciclo da natureza (VIVEIROS DE CASTRO, 
1998), usado pelas etnias indígenas, era redimensionando e até reconstruído pelo 
coletivo de uma identidade única como os denominados “Caribes”. No processo 
das relações inter-tribais, os “Caribes” transformaram em território de seu 
domínio as vastas regiões pertencentes às bacias dos rios Orinoco (Venezuela), 
Essequibo (Guiana) e Branco (Brasil), dentro de um processo ecossistêmico 
distinto do modo de apropriação do mundo natural pelo branco, de modelo 
econômico e interesse individualista na relação com a terra. 
 Na visão do índio, essa área territorial amazônica definida pela inter-
relação entre os seres vivos e o ambiente, respeitando-se o espaço de tempo 
durante o qual ocorrem os fenômenos naturais relativos aos períodos cíclicos 
(chuvas, verão, caça, pesca, colheita, etc.), existia como se fosse totalmente uma imensa 
maloca. A unidade habitacional indígena era mudada de lugar seguindo o ciclo da 
 
15 Somente no século XIX, com auxilio dos textos antropológicos, o termo Karib ou “Caribes” passou a 
denominar de modo claro o grupo lingüístico e não o grupo étnico, como era difundido de maneira confusa nos 
textos etno-históricos referentes aos relatos dos viajantes e dos cronistas da fase colonial (CIDR, 1989; REIS, 
1989). 
 44 
natureza, desvinculado da idéia de posse de um determinado espaço físico para 
fixação e exploração, concepção esta da cultura do branco, que delimitou áreas 
territoriais particulares para usufruto dos espanhóis, portugueses, holandeses, 
ingleses, entre outros grupos da cultura européia. 
De acordo com o olhar dos primeiros brancos, os distintos habitantes da 
Amazônia eram denominados de “índios” e constituíam dois grandes grupos 
sociais: os caçadores-coletores, que eram nômades; e os agricultores que, com 
uma organização social mais complexa, eram fixos à terra. 
O conjunto de idéias do olhar cultural ocidental não alcançou, contudo, o 
sentido da dimensão simbólica e social indígena, que era distinto da dimensão 
simbólica e social ocidental. Desse modo, o povo ameríndio se diferenciava de 
tudo o que o europeu conhecia sobre organização social e cultural: 
Os espíritos xapiripê dançam para os xamãs desde os primórdios e assim o fazem até hoje. 
Eles parecem seres humanos, mas são tão minúsculos quanto partículas cintilantes de 
poeira. (...) Os espíritos são tão numerosos porque são as imagens dos animais da floresta. 
Todos na floresta têm uma imagem utupê: quem anda no chão, quem anda nas árvores, 
quem tem asas, quem mora na água (...). São essas imagens que os xamãs invocam e fazem 
descer para virar espíritos xapiripê. Essas imagens são o verdadeiro centro, o verdadeiro 
interior dos seres da floresta. As pessoas comuns não podem vê-los, só os xamãs. Mas não 
são imagens dos animais que conhecemos agora; são imagens dos pais desses animais, são 
imagens de nossos antepassados. Nos primórdios, quando a floresta ainda era jovem, 
nossos antepassados eram humanos com nomes de animais, e acabaram virando caça. São 
eles que flechamos e comemos hoje. Mas suas imagens não desapareceram, e são elas que 
agora dançam para nós como espíritos xapiripê. Esses antepassados são muito antigos. 
Viraram caça há muito tempo, mas seus fantasmas permanecem aqui (KOPENAWA 
YANOMAMI, 1998: 08)16. 
 
Esse pensamento simbólico, retirado de um depoimento do índio 
Yanomami, de final do século XX, foi

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