Buscar

Resenha - O Resgate da Legitimidade da Não-Intervenção

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 6 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 6 páginas

Prévia do material em texto

JUBILUT, Liliana Lyra. Não intervenção e legitimidade internacional. São Paulo: Saraiva, 2010. Título III, Capítulos 1 e 2.
	A tentativa de resgate da legitimidade internacional da não intervenção vem sendo desenvolvida pelas Nações Unidas em duas frentes: na busca do equilíbrio axiológico, no bojo da Carta de São Francisco, entre soberania e proteção aos direitos humanos; bem como mediante uma reforma institucional da Organização, a fim de aprimorar as atividades por ela desenvolvidas após as intervenções humanitárias.
	Ao analisar a dimensão axiológica da crise de legitimidade da não intervenção, Liliana Jubilut reconhece que, em que pese sua crescente flexibilização, principalmente em face das questões humanitárias, o princípio da não intervenção continua a ser um dos principais corolários da ordem internacional estatal, de modo que seria impraticável a sua remoção do Direito Internacional. Nesta esteira, a melhor maneira de superar o choque de valores entre os conceitos de soberania e de direitos humanos seria mediante a busca de seu equilíbrio a partir de uma abordagem holística do sistema internacional.
	Neste sentido, desenvolveu-se, no âmbito da Assembleia Geral da ONU, uma comissão para estudar esse assunto, a International Commission on Intervation and State Sovereignty (ICISS), cujo trabalho resultou na proposta da doutrina da “responsabilidade de proteger”. Essa doutrina propõe o estabelecimento de diretrizes para o uso da força em questões humanitárias, partindo de duas alterações retóricas nesse instituto: a relativização do conceito de soberania e a transformação do direito de proteção dos direitos humanos em um dever.
	A relativização da soberania, de um direito absoluto para uma soberania com responsabilidade, implica no reconhecimento de que a competência primária pela proteção dos direitos humanos cabe aos Estados, e que, somente diante de falha ou falta de vontade estatal em exercê-la, é que a responsabilidade passa a ser da comunidade internacional.
	Quanto à segunda alteração, a doutrina da “responsabilidade de proteger” teria como escopo uma mudança de foco, do direito de ação dos Estados para o interesse dos beneficiários da ação, isto é, para as pessoas que tenham seus direitos humanos gravemente violados. Além disso, essa nova perspectiva amplia as possibilidades de ações necessárias à solução das crises, na medida em que abrange não apenas a responsabilidade de reagir às violações de direitos humanos, mas também de preveni-las e de garantir a reconstrução da paz após a sua ocorrência.
	Por outro lado, o estabelecimento de critérios para as intervenções humanitárias –como justas causas baseadas em “perdas de vida em grande escala”, “produto da ação deliberada de um Estado ou de sua inabilidade ou negligência em agir” ou em “limpeza étnica” – visa dotar as intervenções militares de uma maior segurança jurídica, impedindo seu uso como pretexto para intervenções com interesses econômicos, por exemplo, e diminuindo a seletividade que tem caracterizado a atuação do Conselho de Segurança na matéria.
	Em que pese a importância da doutrina normativa desenvolvida pela aludida Comissão para conciliar o choque axiológico em torno da não intervenção, Liliana Jubilut observa algumas falhas nas suas propostas, tanto doutrinárias quanto práticas, as quais podem vir a impedir o alcance das metas a que a doutrina da “responsabilidade de proteger” se propõe.
	Em primeiro lugar, a autora chama a atenção para o fato de que a transformação do direito de proteger em um dever pode vir a ser interpretada como uma maior restrição à soberania dos Estados. Isso porque a margem de escolha, existente quanto ao exercício de um direito, inexistiria no tocante ao cumprimento de uma obrigação, implicando, portanto, numa verdadeira limitação à autonomia da vontade estatal. Caso interpretada dessa maneira, dificilmente haverá a adesão da comunidade de Estados à referida doutrina, o que a tornará, por sua vez, juridicamente inócua.
	Em segundo lugar, diante da eventual adoção dessa doutrina, a responsabilidade de proteger implicaria a necessidade do estabelecimento de um sistema de controle da atuação dos Estados, que permita a verificação da existência de falha ou negligência estatal quanto à proteção dos direitos humanos; bem como da atuação do próprio Conselho de Segurança, responsável pelo dever de proteção quando este passa à comunidade internacional. Isso, na prática, é de difícil implementação, principalmente no que tange ao CSNU, como bem lembra a autora, visto que é um órgão contra o qual o judicial review tem sido bastante limitado.
	Quanto aos critérios estabelecidos pela ICISS, Liliana Jubilut apresenta forte crítica em relação aos conceitos utilizados, pois tratam-se de termos vagos, cujas delimitações são imprecisas, podendo levar, assim, à seletividade, que é justamente o que se pretende evitar. 
	Com efeito, a utilização de conceitos vagos na construção das normas jurídicas implica no risco de que seu conteúdo seja estendido de tal maneira que, ao final, a norma acabe por significar tudo e, em consequência disso, nada, perdendo então o seu valor jurídico. Como bem expõe a autora, a falta de determinação do que a Comissão entende por “perdas de vida em grande escala”, que a princípio serviria de critério geral para uma ação militar, acabaria por gerar tantas dúvidas que, por fim, voltar-se-ia à análise casuística das oportunidades de ação.
	Já no que toca ao pragmaticismo da doutrina da “responsabilidade de proteger”, a autora verifica que seu reconhecimento pelos órgãos das Nações Unidas vem sendo feito de modo gradual – primeiro por parte do Secretário Geral; em seguida, por parte da AGNU –, contudo, a cada etapa conquistada para a sua implementação há uma tendência de enfraquecimento da doutrina, uma vez que a “responsabilidade de proteger” por eles adotada é mais limitada do que a proposta pela ICSS, na medida em que são utilizados termos ainda mais gerais, deixando transparecer que a preocupação da ONU se limita à ideia de proteção de vidas humanas.
	Neste ínterim, a autora conclui que, quando e se for adotada pelo CSNU, a aludida doutrina já estará reduzida a critérios tão amplos, que terão pouco valor na sua aplicação prática. Assim, não haverá maiores diferenças entre a conduta do Conselho de Segurança após a adoção da doutrina da “responsabilidade de proteger”, e a sua postura atual com relação à matéria.
	Liliana Jubilut termina por concluir, dessa forma, que apenas sob a perspectiva ética é que a doutrina da “responsabilidade de proteger” tem possibilidade de contribuir para resgatar a legitimidade da não intervenção. Isso porque “ainda que contenha falhas, por um lado, ela tenta criar uma maneira principiológica de se analisar e avaliar a tomada de decisões relativas a intervenções; e, por outro lado, tenta equilibrar os valores dos direitos humanos e da soberania estatal, mas deixando claro que, em caso de choque, aqueles devem prevalecer, resgatando assim o imperativo kantiano de que os indivíduos devem ser tratados como fins em si mesmos e não como meios”. (JUBILUT, 2010, p. 174)
	Essa dimensão ética é de imensa importância, por sua vez, visto que representa todo um conjunto de valores compartilhados pela sociedade internacional atual e que, não obstante não tenha força para gerar alterações profundas e imediatas na ordem jurídica internacional, a longo prazo consolidará um posicionamento axiológico que superará a questão envolvendo o choque da soberania e dos direitos humanos, podendo tornar obsoleta, inclusive, a necessidade de uma reforma normativa da Carta de São Francisco.
	Com relação ao resgate da legitimidade da não intervenção sob uma perspectiva sistêmica, a ONU promoveu, em 2005, quando da realização da Cimeira Mundial, uma reforma institucional com o fim de criar um novo órgão para tratar da situação dos Estados após a ocorrência de um conflito armado: a Comissão da Construção da Paz.
	Havia então o reconhecimentoda ausência de um sistema nas Nações Unidas diretamente responsável por ajudar os países a fazer a transição de uma situação de guerra para um estado de paz duradoura. A Comissão de Construção da Paz foi então criada para suprir essa lacuna, colaborando com o desenvolvimento de um direito pós-guerra moderno, com o estabelecimento de princípios e regras a serem aplicados nos esforços pós-conflitos armados, bem como aprimorando um sistema de apuração da responsabilidade (accountability) dos países envolvidos, conferindo transparência às discussões relacionadas ao tema, e estabelecendo critérios axiológicos para analisá-las.
	A proposta é que a Comissão atue de duas formas, mediante um comitê organizacional permanente e comitês sobre Estados específicos, a serem estabelecidos quando intervenções pós-conflitos se façam necessárias. Contam com uma composição diversificada, em que se fazem presentes representantes tanto de membros da ONU (como os P-5 do CSNU) como de outras organizações internacionais, principalmente as econômicas, como o Banco Mundial e o FMI, uma vez que visa englobar todos aquelas atores relevantes para a tomada de decisões no contexto de reconstrução da paz.
	Fazendo uma análise sobre a questão, Liliana Jubilut ressalta alguns pontos que ratificam a escolha da ONU pela criação de um órgão para lidar especificamente com as situações pós-conflitos armados. O primeiro deles diz respeito à legitimidade das Nações Unidas em levar adiante essa tarefa, visto que ela é dotada da responsabilidade internacional primária pela manutenção da paz e da segurança internacionais, bem como possui responsabilidade sobre a questão de direitos humanos, mostrando-se, portanto, um fórum adequado para tratar da matéria, sendo válidos seus esforços em buscar medidas institucionais para poder agir de modo eficiente nessas situações.
	Sob um prisma político, pode-se dizer que o envolvimento da ONU nessas questões também embasa os esforços pós-conflitos realizados pelos Estados individualmente, na medida em que estes podem ser interpretados como atos de agressão à soberania nacional do país a ser administrado no período de transição para a paz. Além disso, sua composição multifacetada faz com que a ONU seja o organismo mais idôneo do cenário internacional à percepção dos aspectos culturais e normativos que devem ser levados em consideração no período de reconstrução da paz, de modo que a sua escolha por assumir essa responsabilidade não poderia ser mais elogiável.
	A autora levanta, ademais, como argumento para discussão, a questão de se o Conselho de Tutela não seria mais adequado para a assunção dessa competência, no lugar da criação de um novo órgão, tendo-se em vista a semelhança entre os temas de tutela dos Estados durante o seu período de descolonização e dos esforços pós-conflitos armados. No entanto, em que pese a experiência desse órgão com os países descolonizados, é de se reconhecer que a correlação das duas situações poderia gerar uma conotação deturpada dos esforços pós-conflitos, levantando suspeitas quanto à atuação da ONU, no que tange a uma possível ação colonialista disfarçada. Seria necessária, ademais, uma emenda na Carta de São Francisco, uma vez que esse documento impõe claros limites à atuação do Conselho de Tutela em relação aos Estados membros da ONU.
	Diante disso, Jubilut demonstra que a opção pela criação de um novo órgão foi, de fato, a melhor opção a ser escolhida, configurando, portanto, mais um acerto da ONU no que tange à matéria.
	Quanto às críticas a serem feitas, a autora chama a atenção para o fato de que a Comissão tem apenas poderes recomendatórios, de modo que depende da vontade política dos Estados ou do Conselho de Segurança para ver seu posicionamento aplicado na prática, o que acaba por diminuir a força política de seus atos. Nada obstante, é de se reconhecer que, dentre os Estados que compõem seus comitês, estão os membros permanentes do CSNU, o que leva a supor que, havendo aprovado uma ação no âmbito da Comissão para a Construção da Paz, esses países não adotariam posicionamento contrário quando da análise do tema pelo Conselho de Segurança. Além disso, mesmo que os Estados não sigam suas recomendações, em razão da ausência de força coercitiva das mesmas, isso não quer dizer que elas não tenham relevância política, principalmente no que diz respeito à opinião pública, de modo que a Comissão pode acabar por atingir seus objetivos, mesmo que o caminho a ser seguido não seja o do hard law.
	Uma crítica válida apresentada pela autora, entretanto, diz respeito ao processo de tomada de decisões do órgão, visto que se exige, para a aprovação de uma medida, a unanimidade de votos, o que pode dificultar o seu funcionamento, devido às grandes chances de desentendimentos em um fórum tão eclético como o dos comitês. Mais indicado, portanto, seria a adoção de um critério mais flexível, como o da maioria (mesmo que qualificada).
	De um modo geral, pode-se dizer então que a criação da Comissão de Construção da Paz consolida uma reforma institucional há muito necessária no âmbito das Nações Unidas, e que apresenta todas as condições necessárias para alcançar seus objetivos, desde a possibilidade do desenvolvimento de um quadro normativo e principiológico para reger os esforços pós-conflitos, isto é, para criar um jus post bellum atual nos limites de suas atribuições, bem como pelo estabelecimento de um sistema de accountability, seja supervisional, fiscal ou público.
	A criação dessa Comissão constitui, portanto, uma nova fase do Direito Internacional, cujas normas refletem os valores atuais da comunidade internacional, e não mais aqueles presentes no contexto pós-Segunda Guerra. Contribui, ainda, para o resgate da legitimidade da não intervenção, uma vez que parte de uma visão holística do sistema onusiano, permitindo o equilíbrio dos valores consagrados na Carta de São Francisco.

Continue navegando