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1 TEORIA DOS PRINCÍPIOS 2 INTRODUÇÃO: Desde o final da Segunda Guerra Mundial e, principalmente, após o processo de Nuremberg (1945-1946), uma nova ideologia jurídica deu lugar ao positivismo, o pós- positivismo, que reintroduziu a necessidade de relacionar o conceito de direito com o conceito de justiça, defendendo a existência de princípios gerais do direito, aos quais todas as decisões judiciárias deveriam sempre remontar. Os princípios gerais do direito seriam enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico no que diz respeito a sua aplicação e integração ou até mesmo na elaboração de novas normas 1 . A partir de 1945, tais princípios se revestiram de tamanha importância que o legislador passou a conferir-lhes força de lei, incorporando-os, principalmente no plano constitucional, sob a forma de direitos fundamentais. Sobre tal fato, Miguel Reale cita Simonius, quando este afirma que “o direito vigente está impregnado de princípios até as suas últimas ramificações” 2. Essa importância dada aos princípios jurídicos estimulou a produção de diversas obras sobre o assunto, sendo bastante comuns as que tratam da distinção entre princípios e normas jurídicas. Humberto Ávila, no entanto, considera que a separação entre as espécies normativas já virou uma espécie de moda, de forma que a maior parte dessas obras dispensa maiores aprofundamentos e “termina por semear não mais o conhecimento crítico das espécies normativas, mas a crença de que elas são dessa maneira, e pronto” 3. Em sua obra Teoria dos Princípios, Humberto Ávila se dispõe a criticar as principais teorias defendidas pela doutrina em geral a fim de que uma argumentação sobre o assunto ajude a estimular maiores debates no meio jurídico, permitindo um maior desenvolvimento do conhecimento sobre as espécies normativas. DO POSTIVISMO AO PÓS-POSITIVISMO: O positivismo, surgido com a Revolução Francesa, foi a ideologia predominante no século XIX e na primeira metade do século XX, e concebia o direito basicamente como um sistema de regras. Várias foram as escolas positivistas que surgiram durante esse período. No entanto, por mais que cada uma delas tenha suas características próprias, para Dworkin, todas 1 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito.15ª edição. São Paulo: Saraiva, 1987. p.300 2 Idem. p.300 3 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5ª edição. Rio de Janeiro: Malheiros, 2006. p. 26 3 possuem em comum um esqueleto com os seguintes preceitos chaves: a) o direito de uma comunidade é um conjunto de regras especiais por ela utilizado direta ou indiretamente, com o propósito de determinar qual comportamento será punido ou coagido pelo poder público; b) o conjunto dessas regras equivale ao direito, de modo que, se o caso de alguma pessoa não estiver regulado no ordenamento jurídico, então esse caso não pode ser resolvido mediante a aplicação do direito. Ele deve ser decidido por alguma autoridade pública que vai buscar “além do direito” algum outro tipo de padrão que o oriente na criação dessa nova regra jurídica, ou que complemente outra já existente; c) “obrigação jurídica” é quando um caso se enquadra em uma regra jurídica válida, a qual exige que se faça ou que se abstenha de fazer alguma coisa 4 . Na versão do positivismo de H. L. A. Hart, as regras distinguem-se em dois tipos lógicos: regras primárias e regras secundárias. As regras primárias são aquelas que concedem direitos ou impõe obrigações aos membros da comunidade, como as que estão presentes no direito penal, enquanto as secundárias são aquelas que determinam como e por quem tais regras podem ser estabelecidas, declaradas legais, modificadas ou abolidas. Algumas regras são imperativas no sentido de que exigem que as pessoas se comportem de certas maneiras, (...) outras regras, como as que prescrevem os procedimentos, formalidades e condições para a celebração de casamentos, testamentos ou contratos, indicam o que as pessoas devem fazer para efetivarem os seus desejos 5 . Hart chama as regras secundárias de “regras de reconhecimento”, pois são o único tipo de regra em um sistema jurídico cuja obrigatoriedade depende de sua aceitação. Essa questão da aceitação é importante para que não se confunda uma convergência de comportamentos com uma regra social: “uma prática contém a aceitação de uma regra somente quando os que seguem essa prática reconhecem a regra como sendo obrigatória e como uma razão para criticar o comportamento daqueles que não a obedecem” 6. O positivismo, no entanto, como um modelo de e para um sistema de regras, nos força a ignorar os papéis importantes desempenhados pelos padrões que não são regras, como os princípios, favorecendo e dando embasamento legal a sistemas autoritários de poder, como foi o caso do Estado Nacional-Socialista Alemão, visto que Hitler operara num sistema reconhecidamente jurídico segundo a doutrina do positivismo. Esse fato levou a uma necessidade da comunidade internacional de romper com esse positivismo exacerbado, 4 DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 27-8 5 HART, H. L. A. O Conceito de Direito. Lisboa, 2005. 6 HART, H. L. A. Apud. DWORKIN, Ronald. Op. Cit. p. 32 4 expressão arbitrária de um poder soberano, que nenhuma norma limita e não é submetido a nenhum valor. Desde o processo de Nuremberg, que pôs em evidência o fato de que um Estado e sua legislação podiam ser iníquos, e mesmo criminosos, notamos na maioria dos teóricos do direito, e não apenas entre os partidários tradicionais do direito natural, uma orientação antipositivista que abre um espaço crescente, na interpretação e aplicação da lei, para a busca de uma solução que seja não só conforme à lei, mas também eqüitativa, razoável, aceitável, em uma palavra, que possa ser, ao mesmo tempo, justa e conciliável com o direito em vigor. 7 A solução encontrada, portanto, foi a proposição de princípios gerais do direito, comuns a todos os povos civilizados, aos quais todos os textos normativos deveriam remontar. Esses princípios universais seriam aplicáveis mesmo na ausência de um texto, e estariam acima de qualquer legislador ou juiz, cabendo a este último declará-los, constatar- lhes a existência. Não são juízos de valor determinados de modo subjetivo, mas segundo critérios intersubjetivos, na medida em que correspondem às preocupações do meio que a deve aceitar. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADO: Segundo Humberto Ávila, para tentarmos compreender as diferenças entre princípios e regras, é necessário, antes de tudo, distinguir texto de norma. “Normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos” 8. Neste sentido, enquanto os dispositivos constituem o objeto da interpretação, o produto dela constitui a norma. No entanto, Ávila ressalta que não há correspondência biunívoca entre dispositivo e norma, ou seja, onde há um, não necessariamente há o outro, assim como a partir de um dispositivo se pode construir mais de uma norma, ou uma só norma ser construída a partir de vários dispositivos. Ao concordar com que a criação da norma provém de um ato interpretativo, aceita-se a ideia de que o significado não é algoincorporado ao significante, mas sim atribuído pelo intérprete de acordo com o contexto social no qual ele se encontra inserido, o que pode ser comprovado pela mudança de significado das palavras e dos termos no tempo e no espaço. Descartam-se então as concepções legalista e funcionalista do direito, para as quais o raciocínio judiciário consistia na subsunção (aplicação da norma – identificada como o texto - ao caso concreto a partir de um processo lógico-formal), e na busca da intenção original do 7 PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p.184 8 ÁVILA, Humberto. Op. Cit. p.30 5 legislador, respectivamente, pois a atividade do intérprete não consiste simplesmente em descrever o significado preexistente dos dispositivos, mas antes em construí-lo. Todavia, não se deve entender a atividade do intérprete como algo arbitrário, como se ele atribuísse da maneira que quisesse um significado ao texto. Isso não ocorre porque “há estruturas de compreensão existentes de antemão ou a priori, que permitem a compreensão mínima de cada sentença sob certo ponto de vista já incorporado ao uso comum da linguagem” 9, ou seja, a criação de significado por parte do intérprete tem que ficar dentro dos limites estabelecidos pela linguagem. Sobre esse significado incorporado à linguagem, vale comentar sobre os “jogos de linguagem” de Wittgenstein, para quem as palavras não correspondem a um retrato da realidade, isto é, não têm um significado em si, mas só podem ser compreendidas a partir do contexto em que são utilizadas (“formas de vida”) e das regras as quais obedecem (“jogos de linguagem”), regras essas que são estabelecidas pelas práticas coletivas cotidianas. Pode-se dizer, portanto, que a atividade judiciária não consiste em uma mera construção de sentido, mas sim de uma reconstrução, na medida em que o intérprete toma o texto como ponto de partida e se utiliza da linguagem para a construção do significado, a qual, por outro lado, já possui incorporados núcleos de sentidos que limitam a abrangência do significado a ser construído. Essa clara distinção entre texto e norma, coloca o Poder Judiciário numa nova posição com relação ao Poder Legislativo: nem subordinado, nem totalmente oposto a ele; antes, constituindo um papel complementar, com a tarefa de harmonizar a ordem jurídica legislativa com os princípios prevalentes no meio em que o direito é aplicado. “É por essa razão que a aplicação do direito, a passagem da regra abstrata ao caso concreto, não é um simples processo dedutivo, mas uma adaptação constante dos dispositivos legais aos valores em conflito nas controvérsias judiciais” 10. EVOLUÇÃO DA DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS: Vários foram os autores que se propuseram a enumerar as diferenças entre princípios e regras; dentre eles, Humberto Ávila selecionou aqueles que tiveram maior repercussão doutrinária, a fim de descrever seus trabalhos e analisar de forma crítica os critérios de distinção por eles utilizados. 9 HEIDEGGER. Apud. ÁVILA, Humberto. Op. Cit. p 32 10 J. ESSER. Apud. PERELMAN, Chaïm. Op. Cit. p.116 6 Para Josef Esser, os princípios funcionariam como fundamentos para auxiliar na interpretação dos dispositivos jurídicos, assim como na aplicação das normas. Segundo ele, os princípios fariam parte do direito positivo, porém seriam independentes dos textos normativos. “Como se vê, e é salientado por Josef Esser, enquanto são princípios, eles são eficazes independentemente de texto legal. Este, quando os consagra, dá-lhes força cogente, mas não lhes altera a substância, constituindo um jus prévio e exterior à lex.” Os princípios, ao contrário das regras, não contêm “nenhuma instrução vinculante de tipo imediato para um determinado campo de questões, senão que requer ou pressupõe a concretização judicial ou legislativa de ditas instruções” 11. O critério de diferenciação de princípio e norma não se baseava, portanto, na generalidade, no grau de abstração, mas na possibilidade de se precisar os casos de aplicação. Karl Larenz tem uma concepção semelhante à de Esser, visto que também estabelece como critério de diferenciação a fundamentação normativa para a interpretação e aplicação das normas. Os princípios seriam um vínculo entre os ideais morais e o direito, na medida em que direcionam a elaboração das regras jurídicas de modo a concretizar nelas tais ideais morais. Existiriam imanentes a todas as ordens jurídicas desenvolvidas princípios que por força da sua estrutura e da fundamentação da sua validade rebentam com o conceito positivista de Direito. E isto fá-lo-iam porque convertem em dever jurídico a realização aproximativa de um ideal moral 12 . Dois novos critérios de distinção seriam estabelecidos com Canaris: um axiológico, pois ele acredita que “os princípios, ao contrário das regras, possuiriam um conteúdo axiológico explícito e careceriam, por isso, de regras para sua concretização” 13; e um de interação, de modo que o conteúdo dos princípios só seria atingido a partir de um processo dialético de complementação e limitação. Esses três autores mencionados acima – Esser, Larenz e Canaris – fazem parte da “corrente fraca” dos princípios, dado que os critérios de distinção baseiam-se principalmente no grau de abstração e generalidade. Diferente das regras, que possuem uma hipótese e uma conseqüência necessária, os princípios não podem ser aplicados diretamente e sua função é indicar qual o fundamento normativo para a tomada de decisão. Além disso, em razão do 11 ESSER, Josef. Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado. Tradução espanhola de E. Valenti Fiol. Barcelona: Bosch, 1961, p. 65: “ninguna instrucción vinculante de tipo inmediato para un determinado campo de cuestiones, sino que requiere o presupone la acuñación judicial o legislativa de dichas instrucciones”. 12 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 180. 13 CANARIS. Apud. ÁVILA, Humberto. Op. Cit. p. 36 7 caráter axiológico de que são dotados, os princípios apenas informam a regra a ser aplicada, dependendo desta para a sua concretização. Dentre os autores que constituem a “corrente forte” destacam-se Dworkin e Alexy, para os quais os critérios de diferenciação entre regras e princípios são qualitativos. Para Dworkin, o critério de diferenciação entre princípios e regras jurídicos seria de natureza lógica. Ambos apontam para possíveis decisões diante de um caso concreto, porém distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras seriam aplicadas à maneira de tudo-ou-nada, isto é, dada uma regra válida, e sendo sua hipótese preenchida, a resposta que ela fornece deve ser aceita; se não for válida, em nada contribui para a decisão. Já os princípios, mesmo aqueles que mais se assemelham a regras jurídicas, não apresentam conseqüências jurídicas que se seguem automaticamente quando as condições são dadas. Um princípio enuncia uma razão que conduz o argumento em uma direção, porém, dependendo da situação, ele pode não prevalecer, deslocando a decisão para a direção contrária, a direção do outro argumento 14 . Essa primeira diferença leva, portanto, a uma outra: a da ponderação. Quando os princípios se intercruzam, o juiz que vai resolver o conflito tem que levar em consideração a força relativa de cada um. As regras não têm essa dimensão, elas são funcionalmente importantes oudesimportantes, pois, se duas regras entram em conflito, uma delas não pode ser válida 15 . Para Alexy, também é qualitativo o critério de distinção entre regras e princípios. Os princípios são chamados de “mandamentos de otimização”, caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus, e cuja medida de cumprimento é dependente das possibilidades fáticas e jurídicas, isso porque as conseqüências jurídicas determinadas por um princípio só serão cumpridas se ele adquirir precedência frente a outros princípios e regras. Por sua vez, as regras, como normas que só podem ser cumpridas ou não, sendo válidas, implicam na exata realização daquilo que elas exigem, nem mais nem menos. São normas que contêm determinações no âmbito do fática e juridicamente possível 16 . Entendidas as regras como normas que exigem um cumprimento pleno caso sejam válidas, sua aplicação corresponderia a um processo de subsunção. Os princípios, por outro lado, ao dependerem das possibilidades fáticas e jurídicas, seriam aplicados através de um processo de ponderação. Embora não se possa estabelecer uma teoria dos princípios que os 14 DWORKIN, Ronald. Op. Cit. p. 39-41 15 Idem. p. 42-3 16 PARDO, David Wilson de Abreu. Direitos Fundamentais não Enumerados. Florianópolis, 2005. p. 202 8 coloque em uma hierarquia estrita, pode-se estabelecer uma “ordem frouxa” entre eles, que permita a sua aplicação ponderada, e não o seu uso puramente arbitrário 17 . Essa ordem frouxa se compõe em três elementos: 1) Um sistema de condições de prioridade, que faz com que a resolução das colisões entre princípios, num caso concreto, também tenha importância para novos casos, na medida em que a decisão de prevalência de um princípio sobre outro consiste na criação de uma regra de prevalência; 2) Um sistema de estruturas de ponderação criado a partir da consideração dos princípios como “mandamentos de otimização”, com relação às possibilidades fáticas e jurídicas. Quanto às possibilidades fáticas, Se sob as circunstâncias de determinado caso o princípio P1 precede ao princípio P2, que com aquele colide, então disso deriva uma regra R proibitiva da aplicação de P2 e que determina as conseqüências jurídicas da aplicação de P1. A ponderação dos pesos relativos, de acordo com as circunstâncias do caso, indica o princípio que vai ser aplicado ao problema, resolvendo-o 18 . Com relação às possibilidades jurídicas, “quanto mais alto for o grau de descumprimento ou de desprezo por um princípio, tanto maior deverá ser a importância do cumprimento do outro” 19; 3) Um sistema de prioridades prima facie: a prioridade estabelecida de um princípio sobre outro pode ceder no futuro, mas quem pretender modificar essa prioridade se encarrega da importância da prova. Enquanto a colisão de princípios deve ser solucionada a partir da ponderação, o mesmo não ocorre em um conflito de regras, o qual se resolve no âmbito da validez, já que não podem coexistir duas regras, no mesmo ordenamento jurídico, que regulem o mesmo caso de maneiras opostas, conduzindo a resultados diferentes. Sobre as antinomias jurídicas, Norberto Bobbio aborda em seu livro Teoria do Ordenamento Jurídico tanto a questão de sua identificação quanto a de sua solução por meio de critérios. Segundo Bobbio, ocorre uma antinomia jurídica quando há uma situação “na qual são colocadas em existência duas normas, das quais uma obriga e a outra proíbe, ou uma obriga e a outra permite, ou uma proíbe e a outra permite o mesmo comportamento” 20, sendo que estas normas devem pertencer ao mesmo ordenamento jurídico (a não ser que ocorra antinomia entre normas de ordenamentos jurídicos diferentes, mas dependentes entre si, como 17 ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito: teorias da argumentação jurídica. São Paulo: Landy Editora, 2006. p. 181-2 18 PARDO, David Wilson de Abreu. Op. Cit. p. 205 19 ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução espanhola de Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993 p. 161 20 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. p. 86 9 no caso do Direito Positivo e do Direito Natural) e devem ter o mesmo âmbito de validade (temporal, espacial, pessoal e material). As regras fundamentais para a solução das antinomias são três: o critério cronológico; o critério hierárquico; e o critério da especialidade. O critério cronológico (lex posterior) é aquele com base no qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a norma posterior: lex posterior derogat priori. O critério hierárquico (lex superior) é aquele pelo qual entre duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior: lex superior derrogat inferiori. O critério da especialidade (lex specialis) é aquele pelo qual, de duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcional), prevalece a segunda: lex specialis derogat generali 21 . Esses são alguns critérios adotados pelos ordenamentos jurídicos para a solução de antinomias, sendo importante ressaltar, no entanto, que, para determinadas antinomias (como as que ocorrem entre normas contemporâneas, do mesmo nível e ambas gerais), esses critérios são insuficientes, cabendo ao intérprete eliminar uma, eliminar as duas ou conservar as duas. Observa-se, portanto, que, para Alexy, a distinção entre princípios e regras baseia-se em dois fatores: diferença quanto à colisão, que no caso dos princípios é solucionada a partir da ponderação, enquanto no caso das regras é solucionada com a declaração de invalidade de uma delas ou com a abertura de uma exceção que exclua a antinomia; e diferença quanto à obrigação que instituem, já que as regras instituem obrigações absolutas, enquanto os princípios instituem obrigações prima facie, na medida em que podem ser superadas diante de princípios e regras opostos. CONCLUSÃO: A análise dos critérios de diferenciação entre as espécies normativas dos autores cujas obras tiveram maior influência na doutrina jurídica nos permite visualizar os pontos mais recorrentes dessa distinção: as regras não precisam de ponderação, os princípios devem ser ponderados; as regras instituem obrigações absolutas, os princípios instituem obrigações preliminares, pois são dependentes de possibilidades fáticas e jurídicas; os princípios possuem caráter mais geral do que as regras; em um conflito de regras, uma deve ser declarada inválida, ou deve ser aberta uma exceção; em uma colisão de princípios, o aplicador deve considerar qual possui maior peso. 21 Idem. p. 92-6 10 Humberto Ávila, no entanto, tenta levantar questões sobre esses critérios defendidos pela doutrina, tais como “se as regras não podem ser objeto de ponderação”, ou “se todas as espécies normativas comportam-se ou como princípios ou como regras” 22. Ele o faz não no sentido de questionar sua importância ou negar o mérito das obras analisadas, mas a fim de confirmar o seu valor através da crítica. 22 ÁVILA, Humberto. Op. Cit. p. 40 11 REFEÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Tradução espanhola de Ernesto ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito: teorias da argumentação jurídica. São Paulo: Landy Editora, 2006. Garzón Valdés. Madrid:Centro de Estudios Constitucionales, 1993. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5ª edição. Rio de Janeiro: Malheiros, 2006. BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. ESSER, Josef. Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado. Tradução espanhola de E. Valenti Fiol. Barcelona: Bosch, 1961, p. 65: “ninguna instrucción vinculante de tipo inmediato para un determinado campo de cuestiones, sino que requiere o presupone la acuñación judicial o legislativa de dichas instrucciones”. LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. PARDO, David Wilson de Abreu. Direitos Fundamentais não Enumerados. Florianópolis, 2005. PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 1998. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito.15ª edição. São Paulo: Saraiva, 1987. p.300
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