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229 Aulas Semana 10 [26 e 27 de novembro] 39 – Delegação de poderes administrativos A delegação de poderes (ou de competências) administrativos é um instituto do direito da organização administrativa que, em geral, se associa ao fenómeno da desconcentração de competências: na verdade, a delegação promove a distribuição ou repartição, por uma via administrativa, de competências que a lei confia, em primeira mão, a um órgão administrativo. A delegação de poderes é uma medida de desconcentração administrativa. Por esta razão, afigura-se incorreto o arranjo sistemático do RAL, consistente em regulamentar as delegações de competências do Estado nos municípios e nas entidades intermunicipais e dos municípios nas entidades intermunicipais e nas freguesias dentro de um título com a epígrafe descentralização administrativa: cf. artigos 116.º e segs.; na mesma linha, veja-se o Decreto-Lei n.º 30/2015, de 12 de fevereiro, sobre o regime de delegação de competências nos municípios e entidades intermunicipais no domínio de funções sociais (o preâmbulo do diploma apresenta a delegação como processo ou medida de execução de descentralização); de resto, a sugestão da lei conduz à situação absurda de se qualificar como ato de descentralização a delegação de competências dos municípios nas entidades intermunicipais. A delegação põe em marcha um processo de separação entre titularidade e exercício da competência: o órgão delegante não perde a competência que delega, mas o delegado passa a poder exercer a competência daquele. Numa perspetiva de feições pragmáticas, o Estatuto do Pessoal Dirigente indica, a delegação e a subdelegação de competências como “instrumentos privilegiados de gestão” e incentiva os titulares dos cargos de direção a promover a sua adoção, “enquanto meios que propiciam a redução de circuitos de decisão e uma gestão mais célere e desburocratizada”. A delegação de poderes que aqui se analisa é duplamente administrativa: por um lado, a delegação constitui um ato da Administração; por outro lado, o seu objeto é a transferência do exercício de poderes administrativos. 230 39.1 – Noção de delegação de poderes Definimos a delegação de poderes como o ato jurídico, baseado em expressa base legal, pelo qual um órgão administrativo transfere para outro órgão ou agente da mesma ou de outra pessoa coletiva pública ou para uma entidade particular o exercício de uma competência que lhe pertence. Vejamos esta definição em pormenor. a) Ato de delegação de poderes A delegação de poderes assenta num “ato jurídico”: pode tratar-se de um ato jurídico unilateral, ou seja, um ato administrativo, ou de um contrato administrativo. Afigura-se relevante a definição da natureza do ato de delegação, para se apurar a influência da vontade do delegado na instituição da delegação: quando esta resulta de um ato unilateral, a vontade do delegado não tem qualquer influência, e, na prática, a delegação é como que imposta ao delegado. Quando a lei estabelece que a delegação repousa num contrato, a delegação depende da vontade do delegado, que tem o poder de aceitar ou de recusar a delegação. Em princípio, a total dispensa da aceitação do órgão delegado só faz sentido nos casos em que existe, previamente, uma relação de supremacia-subordinação entre órgão delegante e órgão delegado (v.g., relação de hierarquia ou de superintendência). Além destes, deve ainda admitir-se a delegação unilateral em cenários em que uma relação de supremacia-subordinação não atenta contra o quadro de relacionamento originário entre os órgãos envolvidos (por esta razão, é de excluir a possibilidade de delegação unilateral de competências do Governo em entidades da administração autónoma ou entidades administrativas independentes). Na perspetiva do órgão delegante, a delegação apresenta-se, em regra, como um ato facultativo ou livre. Mas existem casos de delegação obrigatória. Um exemplo pode ver- se no artigo 55.º, n.º 2, do CPA sobre a delegação do poder de direção do procedimento administrativo: nos termos do preceito, o órgão competente para a decisão final (que é o órgão a quem cabe a direção do procedimento, nos termos do n.º 1) “delega” em inferior hierárquico seu o poder de direção do procedimento, salvo disposição legal, regulamentar ou estatutária em contrário ou quando a isso obviarem as condições de serviço ou outras razões ponderosas, invocadas fundadamente no procedimento concreto ou em diretiva interna relativa a certos procedimentos. Embora admita exceções, a formulação da lei (“o órgão … delega”) não deixa dúvidas sobre o seu sentido imperativo. 231 Mesmo quando opera nas relações entre órgãos da mesma pessoa coletiva (trata- se de relação jurídicas internas), o ato de delegação produz efeitos externos, porquanto habilita o órgão ou agente delegado a atuar num plano externo no exercício legítimo de competências que a lei não lhe confere. Quer dizer, apesar de, em si mesma, a relação de delegação poder projetar-se num plano subjetivo puramente interno, o ato jurídico de delegação introduz uma alteração no esquema legal de distribuição de competências, ao habilitar um órgão ou agente a desenvolver uma ação com efeitos externos. Pode mesmo dizer-se que o ato de delegação produz um efeito de carácter normativo, pois funciona como “norma de competência” em relação ao delegado. Mas a produção deste efeito não infirma a natureza concreta e individual do ato de delegação, quando considerado em si mesmo. Trata-se, pois, de um ato administrativo – ou, eventualmente, de um contrato administrativo – com recorte organizativo, que interfere, com fundamento na lei, no modelo legal originário de distribuição de competências. b) Habilitação legal (normativa) A delegação de poderes é um ato fundado numa lei (ato legislativo), sempre que a origem da competência delegada se encontre numa lei. Mas pode suceder que o fundamento da delegação se encontre num regulamento administrativo, se e quando o poder ou competência que é objeto da delegação tiver sido atribuído ao delegante por regulamento administrativo (recorde-se que a “competência é definida por lei ou por regulamento”: cf. artigo 36.º, n.º 1). O fundamento legal ou normativo não é, em termos dogmáticos, um elemento da noção de delegação. Contudo, importa considera-lo um elemento essencial da validade e da eficácia jurídica da delegação, para os efeitos previstos no artigo 36.º, n.º 2, quando neste preceito se ressalva a delegação (“sem prejuízo da delegação de poderes”). Ou seja, nesse contexto, o ato de delegação sem fundamento legal deve qualificar-se como ato nulo, por corresponder a uma renúncia ao exercício da competência. Deve notar-se que a nulidade do ato delegação sem fundamento legal não determina, por si só, a nulidade dos atos praticados pelo órgão que recebe a delegação (nula): estes atos provêm de órgão incompetente (por força da nulidade da delegação) e poderão ser apenas anuláveis (vício de incompetência). Em termos formais, a “norma de habilitação” não tem de constar do mesmo diploma que contém a “norma atributiva do poder”. 232 Pela sua própria natureza, a norma de habilitação deve indicar os poderes delegáveis. Esta exigência não corresponde, contudo, a um imperativo de enumeração taxativa e densificada dos poderes delegáveis: a norma de habilitação pode identificar como objeto de delegação um “conjunto” ou “complexo” genérico de poderes (veja-se, por exemplo, a norma que autoriza os ministros a delegarem nos secretários de Estado “a competência relativa aos serviços, organismos, entidades e atividades deles dependentes”).Não se exclui a hipótese de não existir a indicação precisa dos poderes delegáveis, caso em que deve entender-se que o órgão se encontra habilitado a delegar qualquer um dos seus poderes ou competências. Exemplos desta situação encontram-se na norma do RAL segundo a qual “o presidente da câmara municipal pode delegar ou subdelegar competências nos vereadores” ou no preceito do Estatuto do Pessoal Dirigente que habilita os titulares dos cargos de direção superior de 1.º grau a “delegar em todos os níveis e graus de pessoal dirigente as suas competências próprias”. No que se refere à delegação regulada no CPA, estabelece-se que não pode ser objeto de delegação “a globalidade dos poderes do delegante”: artigo 45.º, alínea a). Isto quer dizer que um órgão administrativo não pode delegar todas as competências de que disponha, devendo sempre conservar o exercício de algumas delas. Mas isto não impede que, nos termos da lei, um órgão possa delegar qualquer das competências de que disponha. Apesar de não existir uma disposição legal a exigi-lo expressamente, a norma de habilitação também deve indicar os órgãos delegáveis, não se limitando, pois, a prever e permitir a delegação (para mais desenvolvimentos sobre este requisito, cf. infra). c) Objeto da delegação A delegação efetua a transferência do exercício de uma competência do órgão administrativo delegante (competência de que este é titular, que lhe pertence, nos termos da lei). O objeto da transferência operada pela delegação é, pois, o “exercício” e não a “titularidade” da competência. O órgão delegante exerce, em seu próprio nome, uma competência alheia, que não lhe pertencia antes da delegação, nem passa a pertencer-lhe em virtude da delegação. O CPA alude à delegação de poderes como medida pelo qual o delegante permite uma certa atuação do delegado. Ora, na verdade, a delegação permite que o delegado desenvolva uma atuação que não poderia empreender sem a delegação. Subsiste aqui um momento permissivo. Mas a delegação não se confunde com uma autorização, pois não se 233 trata só de “permitir” que o delegado faça qualquer coisa, mas, em rigor, de lhe conferir (transmitir) o poder de fazer algo que não estava ao seu alcance fazer. Em termos materiais, a delegação alberga conteúdos muito variados: o ponto de partida é, naturalmente, a competência do órgão delegante. O CPA refere-se ao órgão delegante como “órgão normalmente competente para decidir em determinada matéria”. Em coerência, acrescenta que a delegação permite que o delegado “pratique atos administrativos sobre a mesma matéria”. Quer dizer, o CPA regula a delegação de poderes de decisão, em especial, de poderes para a prática de atos administrativos (cf. artigo 148.º, sobre a definição de ato administrativo como decisão). Mas a delegação pode ter por objeto outras competências administrativas: v.g., poderes regulamentares, poderes genéricos de instrução e direção de procedimentos administrativos (cf. artigo 55.º) ou até atividades materiais ou de carácter técnico (v.g., limpeza das ruas, que é objeto de delegação dos municípios nas freguesias, ou inspeção de elevadores). Quando se processa entre órgãos de diferentes pessoas coletivas (v.g., entre o Estado e os municípios), a delegação de poderes é suscetível de envolver a vinculação do órgão delegado à prossecução de finalidades públicas – atribuições – da pessoa coletiva a que pertence o órgão delegante. Mas isso não altera o sentido da delegação de poderes que, mesmo neste caso, é um ato de transferência do exercício de competências, no qual devem ser “especificados” os poderes delegados. Além disso, ainda no mesmo caso, a delegação mantém-se como medida de desconcentração administrativa, que não desloca para o delegado as atribuições ou os fins públicos da pessoa coletiva que integra o órgão delegante. d) Sujeitos da delegação A delegação processa-se no âmbito de relações entre órgãos administrativos (relações interorgânicas), entre órgãos administrativos e agentes da Administração ou entre órgãos administrativos e entidades particulares. Vejamos cada uma destas hipóteses. i) A situação mais comum é a da delegação envolver uma relação entre dois órgãos administrativos pertencentes à mesma pessoa coletiva de direito público ou ao mesmo ministério (por exemplo, delegação de competências da câmara municipal no presidente da câmara ou delegação de competências do ministro no diretor-geral). 234 No caso anterior, poderá ainda distinguir-se entre delegação hierárquica e delegação não hierárquica. Trata-se de expressões que apenas pretendem assinalar a existência, ou não, de uma prévia relação de hierarquia entre os órgãos delegante e delegado: neste sentido, será hierárquica uma delegação do ministro no diretor-geral ou do presidente da câmara num diretor de serviços e não hierárquica a delegação da câmara no presidente da câmara ou deste nos vereadores. Mas a delegação pode processar-se igualmente entre órgãos administrativos de diferentes pessoas coletivas de direito público – ilustra esta última hipótese a delegação de competências do ministro da tutela no presidente do conselho diretivo de um instituto público ou, nos termos do RAL, a delegação de competências dos órgãos de Estado nos órgãos das autarquias locais ou das entidades intermunicipais ou dos órgãos dos municípios nos órgãos das freguesias ou das entidades intermunicipais; Como vimos acima, a delegação que opera entre órgãos de pessoas coletivas diferentes pode envolver a vinculação do órgão delegado à realização das atribuições da pessoa coletiva a que pertence o órgão delegante. Mas isto não descaracteriza a delegação como ato que promove a transferência do exercício de competências do órgão delegante para o delegado. A delegação dá origem, também neste caso, a uma relação jurídica entre órgãos administrativos: as competências transferidas para o delegado pertencem a um órgão de outra pessoa coletiva. ii) Entre um órgão administrativo e um “agente” da Administração – a referência ao conceito de “agente da Administração” surge, aqui, para indicar a possibilidade, que existe por vezes, de a delegação ser efetuada em titulares de cargos públicos que não dispõem legalmente de competências próprias (por não se encontrarem investidos de competências não são órgãos administrativos) – eis o que sucede com a delegação de competências de órgão colegial no respetivo presidente, nos termos do artigo 44.º, n.º 4 do CPA, com a delegação de competências dos ministros nos secretários de Estado ou com a delegação de competências do presidente da câmara nos vereadores: em todos estes casos, os delegados são, em termos gerais, agentes da Administração, e titulares de cargos públicos, mas só surgem investidos de competências por força da delegação, pois não têm competências próprias. O conceito genérico de “agente da Administração” ainda integra no seu âmbito os trabalhadores da Administração Pública. De resto, é a esta categoria que o CPA se refere quando alude a “agente” como “aquele que, a qualquer título, exerça funções 235 públicas ao serviço da pessoa coletiva, em regime de subordinação jurídica”. Neste âmbito, “agente” é pois um trabalhador da pessoa coletiva pública, quer dizer, um trabalhador da Administração Pública, qualquer que seja a natureza jurídica do vínculo de emprego – a afirmação de princípio no sentido da possibilidade de delegação de poderes decisórios em trabalhadores de entidades públicas não se limita aos vinculados por contrato de trabalho em funções públicas; a delegação de poderes em trabalhadores com contrato detrabalho (regime do direito privado) encontra-se prevista na legislação: assim, por exemplo, a Lei Orgânica do Banco de Portugal habilita o conselho de administração a delegar poderes em “trabalhadores do Banco”; nos Estatutos da Autoridade da Concorrência, admite-se a subdelegação de poderes do conselho de administração “em trabalhadores”. iii) Entre um órgão administrativo e uma entidade particular – a delegação de poderes também pode operar entre o órgão de uma pessoa coletiva pública, na condição de delegante, e uma entidade particular, na condição de delegatária de poderes públicos; trata-se da figura que a doutrina designa “delegação privada”. Mesmo que conexa com a concessão (v.g., concessão de serviços públicos), a delegação de poderes públicos em entidades particulares autonomiza-se ou destaca-se daquela (ver infra). Como vimos acima, os sujeitos da delegação devem estar indicados na norma de habilitação: a indicação do órgão delegante impõe-se pela natureza das coisas; o mesmo já não se aplica quanto à indicação do órgão delegado, mas, ainda assim, supõe-se que a escolha dos órgãos ou agentes delegáveis é matéria de teor normativo e não deve ser relegada para uma liberdade de escolha dos órgãos delegantes. Mas pode suceder que a lei de habilitação não determine os órgãos delegáveis – de resto, em relação à subdelegação, é o próprio CPA a prescindir da indicação dos órgãos subdelegáveis. Com efeito, nos termos do artigo 46.º, n.º 2, “o subdelegante pode subdelegar as competências que lhe tenham sido subdelegadas”, mas não há qualquer indicação sobre quais os órgãos a quem pode o subdelegante subdelegar competências. No cenário da falta de indicação legal, parece defensável o entendimento de que o órgão delegante ou subdelegante pode delegar (ou subdelegar) apenas em órgãos ou agentes que estejam perante aquele em condição de subalternidade (v.g., relação de hierarquia) ou de clara subordinação jurídica. Afigura-se-nos duvidoso que, no silêncio da lei, o órgão delegante disponha de uma liberdade de escolha sobre quem vai exercer competências que a lei lhe confere. Neste sentido, a abertura legal, que resulta da não indicação do órgão delegável, deve 236 ser considerada como medida de gestão e de divisão interna do trabalho entre órgãos superiores e órgãos subordinados. e) Relação de delegação A delegação institui uma relação jurídica nova entre delegante e delegado, que neutraliza ou suspende, no respetivo âmbito (poderes delegados), a eventual relação (v.g., relação hierárquica) existente antes da delegação: assim, o órgão delegante que seja superior hierárquico do delegado perde o poder de dar ordens a este último sobre o exercício da competência delegada. Sem prejuízo do exposto, a natureza e o tipo de relação jurídica preexistente entre os órgãos envolvidos na delegação podem não ser indiferentes quanto aos contornos e à conformação da relação de delegação: assim, por exemplo, se delegante e delegado são órgãos autónomos entre si, não deve admitir-se, em princípio, a delegação por ato unilateral. Por outro lado, nos casos da delegação efetuadas por órgãos do Estado nos municípios ou nas entidades intermunicipais, importa ter presente o artigo 4.º, n.º 5, da Carta Europeia da Autonomia Local, onde se estabelece que, em caso de delegação de poderes por uma autoridade central, “as autarquias locais devem gozar, na medida do possível, de liberdade para adaptar o seu exercício às condições locais”, o que pode pôr em causa o princípio da supremacia jurídica do delegante. f) Síntese sobre a figura da delegação de poderes administrativos Em termos sistemáticos, a “operação de delegação” pressupõe e inclui os passos ou momentos seguintes: i) atribuição normativa de um poder ou competência a um órgão administrativo (cf. artigo 47.º, n.º 1, sobre o conceito de “norma atributiva do poder delegado”); ii) habilitação normativa conferida a esse órgão para efetuar a delegação de poderes ou competências específicas que lhe estejam atribuídas e indicação dos órgãos delegáveis; iii) prática do ato de delegação ou celebração do contrato de delegação; iv) exercício dos poderes delegados pelo órgão delegado. 237 39.2 – Delegação e figuras próximas A delegação é uma figura típica, com traços característicos e com os momentos que acabam de ser assinalados, que a distinguem de figuras próximas (veja-se, a este respeito, a referência do artigo 36.º, n.º 2, alude a “figuras afins” da delegação). Subdelegação de poderes – Mais do que próxima, a subdelegação de poderes é uma figura equiparada à delegação de poderes, com a diferença estrutural consistente no facto de a delegação envolver, na posição de delegante, o órgão titular legal da competência, ao passo que a subdelegação envolve, na posição de subdelegante, o órgão ou agente delegado. O artigo 46.º, n.º 1, acolhe a regra segundo a qual “o delegante pode autorizar o delegado a subdelegar” (salvo disposição legal em contrário). Quer isto dizer que o CPA, por si mesmo, habilita o órgão delegante a autorizar o delegado a subdelegar – em regra, a autorização da subdelegação consta do despacho de delegação. Sem esta autorização, o delegado não pode subdelegar (delegatus non potest delegare). Assim, o Ministro “A”, habilitado a delegar a competência “X” no diretor-geral “B” pode, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, do CPA, autorizar o diretor-geral a subdelegar a referida competência no diretor regional “C”. Sem a autorização do Ministro, a subdelegação não é possível. Por sua vez, por força do disposto no CPA (artigo 46.º, n.º 2), o subdelegado pode subdelegar as competências que lhe tenham sido subdelegadas, salvo disposição legal em contrário ou reserva expressa do delegante ou subdelegante. Assim, se a lei não estabelecer coisa diferente ou se o delegante ou subdelegante não excluírem de forma expressa uma tal possibilidade, qualquer subdelegante pode subdelegar as competências que lhe tenham sido subdelegadas. Retomando o exemplo anterior: o diretor regional “C” encontra-se legalmente autorizado a subdelegar. Como sabemos, a lei não indica quais os órgãos ou agentes que podem beneficiar de subdelegação do diretor regional – na nossa interpretação, a subdelegação apenas se apresenta possível em órgãos ou agentes dependentes ou subordinados do órgão subdelegante. A letra da lei não se apresenta inequívoca, mas parece que “todo” ou “qualquer” subdelegado dispõe do poder legal de subdelegar, nos termos do n.º 2 do artigo 46.º. 238 Coadjuvação – Embora se trate de uma figura com uma delimitação não muito precisa, há muitas referências legais à coadjuvação como relação entre dois órgãos ou entre órgãos e agentes da Administração Pública: entre outros casos, há referências legais a relações de coadjuvação entre os ministros e os secretários de Estado (v.g., “o Ministro da Defesa Nacional é coadjuvado no exercício das suas funções pelo Secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional”), entre o presidente da câmara e os vereadores (“o presidente da câmara municipal é coadjuvado pelos vereadores no exercício das suas funções”), entre o presidente ou o diretor de entidades e serviços da Administração e os seus (normalmente dois) vice-presidentes ou subdiretores, com a função de coadjuvar aquele. Tendo em consideração estes dados legais, a coadjuvação pode definir-se como a relação entre dois órgãos ou entre um órgão e um agente da Administração em cujo âmbito o órgão principal (“coadjuvado”) pode encarregar o órgão ou o agente com a incumbência legal de o auxiliar (“coadjutor”) de quaisquer tarefasespecíficas ou genéricas integradas nas funções que lhe estão confiadas, sem envolver a transferência da responsabilidade pelo exercício destas mesmas funções. A coadjuvação não se confunde com a delegação, pois o coadjutor não exerce, em nome próprio, a competência do órgão principal; auxilia, coadjuva, o órgão principal no exercício das funções e competências deste. Quer dizer, para o exercício de uma função ou competência, que atribui apenas a um órgão – órgão principal –, a lei institui figuras auxiliares, precisamente com a função de “ajudar” o órgão principal, nos termos e com a amplitude que este define. A coadjuvação pode conviver, e convive muitas vezes, com a delegação: por exemplo, o presidente da câmara pode definir que o vereador “A” o coadjuva nas tarefas de licenciamento de obras particulares e, simultaneamente, delegar no referido vereador as competências para tomar decisões sobre certas licenças (não todas). Discorda-se da compreensão da coadjuvação como uma relação que se estabelece entre dois órgãos a que a lei atribui competências iguais, que podem ser exercidas indiferentemente por qualquer deles (neste sentido, cf. Acórdão do STA, de 23/6/2005, proc. 557/04). Na nossa interpretação, o coadjutor, enquanto tal, não exerce competências em nome próprio; ajuda o órgão principal a exercer as suas competências. Delegação de assinatura – Neste caso, o dito “órgão delegante” não transfere o exercício da competência para outro órgão; aquele órgão (v.g., um diretor-geral) limita- se a autorizar um seu subalterno ou coadjutor a assinar, em seu nome e em sua 239 representação, atos que lhe são imputados de forma exclusiva. A “delegação” de firma ou de assinatura é percetível no texto do ato, que, em regra, alude à circunstância de o “delegado” assinar “pelo” titular da competência (“pelo diretor-geral”). Nos termos do artigo 9.º, n.º 3, do Estatuto do Pessoal Dirigente, “a delegação de assinatura da correspondência ou de expediente necessário à mera instrução dos processos é possível em qualquer trabalhador em funções públicas”. A delegação de assinatura é admitida quando prevista por lei. Quando não seja este o caso, a sua admissibilidade suscita dúvidas, tendo em consideração que a alínea g) do n.º 1 do artigo 151.º do CPA exige, como menção formal obrigatória do ato administrativo a assinatura do autor do ato ou do presidente do órgão colegial de que emane. Delegação legal de poderes – Nos termos da definição apresentada, a delegação é um ato ou um contrato da Administração: a delegação processa-se, por conseguinte, num plano administrativo, opera por força de um ato da Administração Pública. Neste sentido, a delegação (administrativa) não abrange as hipóteses de “transferência legal do exercício de competências”, ou seja, de delegação legal de poderes. Com efeito, por vezes, a lei confere uma competência a um determinado órgão administrativo, mas, simultaneamente, “considera” essa mesma competência delegada noutro órgão. Eis o que sucede com as delegações previstas: – No artigo 38.º, 3, da LQIP: “considera-se delegada nos conselhos diretivos dos institutos públicos dotados de autonomia financeira a competência para autorização de despesas que, nos termos da lei, só possam ser autorizadas pelo membro do Governo da tutela, sem prejuízo de este poder, a qualquer momento, revogar ou limitar tal delegação de poderes”. – No artigo 132.º do RAL: “consideram-se delegadas nas juntas de freguesia as seguintes competências das câmaras municipais: a) Gerir e assegurar a manutenção de espaços verdes; b) Assegurar a limpeza das vias e espaços públicos, sarjetas e sumidouros; c) Manter, reparar e substituir o mobiliário urbano instalado no espaço público, com exceção daquele que seja objeto de concessão; d) Gerir e assegurar a manutenção corrente de feiras e mercados…”. Em geral, a delegação legal constitui uma alternativa à “transferência legal de competências”: esta figura representa a deslocação, por força de uma norma jurídica, das competências que pertenciam a um órgão para outro órgão; as competências passam 240 a pertencer ao órgão que beneficia da transferência, passam a ser competências próprias deste órgão; por conseguinte, ocorre aqui uma transferência da titularidade das competências. Diferentemente, no caso de delegação legal, a lei efetua diretamente uma delegação de competências em favor de um determinado órgão (v.g., conselho diretivo de um instituto público), mantendo, porém, a titularidade da competência na esfera de outro órgão (v.g., ministro). Com esta solução, de transferência de exercício de uma competência, a lei institui diretamente entre os dois órgãos uma relação de delegação, permitindo, em princípio, ao órgão delegante a recuperação do exercício dos poderes delegados (por avocação ou revogação da delegação) – determinar o nascimento de uma relação de delegação parece ser o propósito que justifica a delegação legal, em vez da transferência legal de competências. Poderá suceder que a delegação legal não seja automaticamente eficaz, ficando a sua eficácia jurídica dependente de um ato complementar, integrativo de eficácia – eis o que sucede no caso da delegação legal previsto no artigo 132.º do RAL, cuja eficácia depende da celebração de um acordo de execução. Concessão (de serviços públicos ou concessão de gestão de infraestruturas públicas) – A delegação de poderes ou competências apresenta afinidades estruturais com a figura da concessão administrativa (de serviços públicos ou de gestão de infraestruturas públicas): trata-se, em ambos os casos, de atos que representam um fenómeno translativo, que assinala a transferência de um “poder” da Administração, ao qual se associa uma cisão entre titularidade e exercício; como sucede com o delegado, o concessionário é investido no poder de exercer uma competência ou uma tarefa que se mantém na titularidade da Administração Pública. Este perfil de proximidade justifica que a concessão administrativa se possa considerar uma figura afim da delegação, por exemplo, para os efeitos previstos no artigo 36.º, n.º 2, do CPA. Classicamente, a distinção entre as figuras reside em dois itens principais: i) os sujeitos, que, no caso da delegação, seriam ambos órgãos ou agentes da Administração Pública, ao passo que, no caso da concessão, o concessionário seria uma entidade particular; ii) o objeto, que no caso da delegação seriam competências administrativas (prática de atos jurídicos) e, no caso da concessão, seriam atividades de recorte técnico, prático ou operacional desenvolvidas com uma finalidade lucrativa (v.g., gestão de um aeroporto, exploração de uma autoestrada). Existem hoje desvios que põem em causa o rigor desta distinção: há casos de concessões de serviços públicos atribuídas a entidade públicas assim como há delegações de competências administrativas em benefício de 241 entidades particulares (“delegação privada de poderes públicos”); por outro lado, a delegação enquadra a transferência de competências técnicas e operacionais, como sucede com a previsão legal da delegação na freguesia de competências municipais em matéria de gestão e manutenção de espaços verdes. Sem prejuízo de uma certa perda da pureza da distinção clássica, parece de manter o critério de base em que assenta essa distinção, na parte em que liga a concessão a uma transferência de exercício de uma atividade administrativa de recorte técnico ou operacional suscetível de exploração económica, que confere ao concessionário a oportunidade de obtenção de um lucro. Diferentemente, a delegação continua a ser especialmente vocacionada para representarum fenómeno de transferência do exercício de competências de natureza jurídica. 39.3 – Regulamentação da delegação de poderes no CPA A delegação de poderes (no âmbito de competências de decisão) “para a prática de atos administrativos” e de “atos de administração ordinária” está regulamentada nos artigos 44.º a 50.º do CPA. A regulamentação do CPA tem uma validade geral, mas, sobretudo na parte em que estabelece diretrizes quanto às condições legais da delegação, o regime do CPA não pode excluir soluções divergentes de leis especiais: assim, por exemplo, uma lei pode habilitar um órgão da Administração a delegar a globalidade dos seus poderes, contra o disposto no artigo 45.º, n.º 1. a) Referenciação e delimitação do âmbito da figura regulamentada A delegação de poderes regulada no CPA depende de uma “lei de habilitação”. Trata-se de uma exigência inscrita no artigo 44.º, n.º 1 do CPA. Fica assim claro que o CPA não tem o propósito de assumir, em geral, a condição de lei de habilitação. Do que se trata é de estabelecer um regime para uma figura jurídica que outras normas, fora do CPA, permitem mobilizar. Em grande medida, o artigo 44.º, n.º 1, limita-se a “referenciar” a figura da delegação regulada no CPA e a deixar algumas indicações sobre a mesma, quanto aos respetivos sujeitos (órgãos e agentes, da mesma ou de diferente pessoa coletiva) e objeto (competência para a prática de atos administrativos). Ali se identificam os traços da figura específica de delegação que o CPA regula, nos seguintes termos: delegação de competências para a prática de atos administrativos que, nos termos de uma lei de habilitação, pode ser efetuada por órgãos administrativos 242 em órgãos ou agentes da mesma pessoa coletiva ou em órgãos ou agentes de outra pessoa coletiva. b) Delegação como transferência de exercício de competências O CPA não se compromete em termos categóricos com uma teoria determinada sobre a natureza da delegação. Mas parece claro que a referência da lei se afeiçoa especialmente bem à teoria que apresenta a delegação como medida que promove a transferência de exercício da competência – o delegante, normalmente competente para decidir em determinada matéria, pode permitir que outro órgão ou agente pratique atos administrativos sobre a mesma matéria, o mesmo é dizer pode permitir que outro órgão exerça a sua competência. O CPA não responde à questão de saber se existe um dever do órgão delegante exercer a “sua” competência (dever de decidir e de praticar atos administrativos abrangidos pela delegação) quando para tal seja solicitado por um particular, que desconhece a delegação ou que, em qualquer caso, dirige um requerimento ao delegante e não ao delegado. Sobre este assunto, atente-se ao disposto no artigo 67.º do CPTA, sobre os pressupostos do pedido (ao tribunal) de condenação à pratica de ato administrativo. Nos termos da alínea a) do n.º 1, essa condenação pode ser pedida quando, tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir: “não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido”. Ora, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito do CPTA, naquele caso, “a falta de resposta a requerimento dirigido a delegante é imputada ao delegado, mesmo que a este não tenha sido remetido o requerimento”. Assim, se o ministro “A” delegou a competência “X” no secretário de Estado “B”, o requerimento apresentado ao Ministro no sentido da prática de um ato no âmbito daquela competência “X” é considerado requerimento dirigido ao órgão competente e, por isso mesmo, constitui o ministro no dever de decidir. Trata-se de uma solução de sentido prático, que não deixa de se afeiçoar à conceção da delegação como ato de transferência de exercício da competência. c) O CPA como lei de habilitação Com um outro alcance normativo surgem os n. os 3 e 4 do mesmo artigo 44.º, que se perfilam já como normas de habilitação. Assim, diretamente por força do CPA, os órgãos competentes para decidir em determinada matéria ficam habilitados (“podem sempre”) a permitir que o seu imediato inferior hierárquico, adjunto ou substituto pratiquem “atos de administração ordinária” 243 nessa matéria. Uma habilitação com o mesmo alcance é conferida aos órgãos colegiais em relação aos respetivos presidentes (salvo havendo lei de habilitação específica que estabeleça uma particular repartição de competências entre os diversos órgãos: eis o que sucede, por exemplo, no âmbito municipal, com a repartição de competências entre a câmara municipal e o presidente da câmara). A lei não indica o que deve entender-se por atos de administração ordinária no âmbito da matéria em que um órgão é competente para decidir, mas tudo aponta para assim se considerarem os atos instrumentais e os atos de execução de uma “competência decisória”. Nestes termos, pelo menos em regra, esta delegação não tem como objeto a competência para a prática de atos administrativos – o que, em rigor, faz dela uma figura que se afasta da delegação de poderes “referenciada” no n.º 1 do artigo 44.º. No sentido de que os atos de administração ordinária não são atos administrativos milita o tipo de associação que a lei estabelece entre cada um desses conceitos (na parte final dos n os . 1 e 3 do artigo 44.º) e “a competência (do delegante) para decidir em determinada matéria” a que alude o segmento inicial dos mesmos nos. 1 e 3 do artigo 44.º. A lei acolhe a ideia segundo a qual “a competência para decidir em determinada matéria” abrange ou inclui poderes para a prática de atos administrativos + atos de administração ordinária. d) Poderes indelegáveis Sob a epígrafe poderes indelegáveis, o artigo 45.º estabelece que “não podem ser objeto de delegação”, designadamente: i) A globalidade dos poderes do delegante – exclui-se que o órgão delegante se despoje, por via da delegação, do exercício de todos os seus poderes. Mas, como se viu acima, esta proibição não exclui que a lei configure todos os poderes de um órgão como poderes delegáveis. Neste caso, o órgão pode delegar qualquer poder de que disponha; o que não pode é delegar todos os seus poderes. ii) Os poderes suscetíveis de serem exercidos sobre o próprio delegado – trata-se de uma proibição compreensível: o delegante não pode delegar o poder que ele próprio pode exercer sobre o delegado, como, por exemplo, o poder de dirigir instruções sobre o modo como os poderes delegados devem ser exercidos. iii) Poderes a exercer pelo delegado fora do âmbito da respetiva competência territorial – a proibição legal aplica-se, neste caso, em relação à delegação em favor de órgãos que têm competência numa área territorial delimitada; assim, por exemplo, um diretor geral não poderá delegar num diretor regional competências de âmbito nacional. 244 Embora o círculo de poderes indelegáveis definido no artigo 45.º se compreenda e faça sentido, deve observar-se que o mesmo conhece um sentido proibitivo que opera em relação aos órgãos administrativos, mas já não em relação ao legislador, que, em lei especial, pode acolher soluções opostas às que aqui se proíbem. Além dos referidos no CPA, a lei pode definir outras categorias de poderes indelegáveis: eis o que sucede, por exemplo, com a competência para aplicação de sanções disciplinares, indelegável nos termos do artigo 197.º, n.º 6, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. e) Requisitos do ato de delegação O ato de delegação de competências tem de cumprir os requisitos do artigo 47.º, em matéria de especificação e de publicidade. De acordo com o n.º 1, o ato de delegaçãodeve especificar (enunciar de forma específica, objetiva e clara), os poderes delegados ou subdelegados, ou enumerar quais os atos que o delegado ou subdelegado pode praticar. Trata-se aqui de uma exigência de especificação do ato de delegação. Além disso, e ainda de acordo com o mesmo preceito, o ato de delegação deve mencionar a norma atributiva do poder delegado (norma de competência) e aquela que habilita o órgão a delegar (norma de habilitação). A falta dos elementos de especificação ou de menção obrigatória conduzem à invalidade do ato de delegação – trata-se de um caso de anulabilidade, pelo que o ato de delegação que desrespeita as exigências referidas é inválido, mas eficaz. A eficácia jurídica da delegação (ou subdelegação) depende da sua publicitação nos termos legais. O n.º 2 do artigo 47.º remete para o disposto no artigo 159.º – com a epígrafe termos da publicação obrigatória, deste decorre que o ato de delegação deve ser publicado no Diário da República ou na publicação oficial da entidade pública a que pertence o órgão delegante. Além desta forma oficial de publicitação, sem a qual não produz efeitos, o ato de delegação tem ainda de ser publicitado na Internet, no sítio institucional da entidade em causa. O prazo de 30 dias a que se refere o artigo 159.º conta-se desde o momento da prática do ato de delegação e sugere que este caduca se não for publicado no referido prazo. f) Poderes do delegante A delegação está na origem de uma relação jurídica entre os órgãos delegante e delegado. Em geral, trata-se de uma relação caracterizada pela supremacia jurídica do 245 delegante, o qual dispõe de poderes sobre a própria relação de delegação, bem como sobre os atos praticados pelo órgão delegado. Trata-se dos poderes seguintes: i) Emissão de diretivas e instruções vinculativas – O delegante tem o poder de emitir diretivas ou instruções vinculativas relativas ao modo como devem ser exercidos os poderes delegados (artigo 49.º, n.º 1). O exercício da competência delegada encontra- se, pois, submetido à orientação do delegante. As diretivas e as instruções são vinculativas, o que significa que o órgão delegado tem de atender ou de considerar o que nas mesmas se dispõe. O incumprimento das diretivas e instruções comporta consequências no plano da relação de delegação (v.g., por perder a confiança no delegado, o delegante poderá revogar a delegação). Contudo, a violação das diretivas e das instruções não provoca a invalidade dos atos praticados pelo delegado. ii) Avocação – A avocação consiste num ato do delegante pelo qual este faz saber ao órgão delegado que vai retomar o exercício da competência delegada para a prática de atos determinados. Encontra-se prevista na primeira parte do n.º 2 do artigo 49.º. Uma vez que a delegação consiste na transferência do exercício da competência, enquanto a mesma estiver em vigor, e salvo decisão contrária do delegante, não coexiste uma dupla possibilidade de exercício (pelo delegante e pelo delegado) da competência delegada. A avocação permite ao delegante recuperar o exercício de um ou alguns poderes delegados, mantendo a delegação quanto aos poderes não avocados. A figura tem a função de advertir o delegado para a necessidade de não praticar atos no âmbito das competências avocadas. A lei não regula a forma da avocação, podendo esta resultar de qualquer forma de comunicação (e-mail, sms, telefone). Se o delegante exercer a (sua) competência sem avocação, o ato praticado não é inválido, uma vez que o sentido da avocação se esgota em prevenir o risco da prática eventualmente simultânea de dois atos contraditórios sobre a mesma matéria. Inválido será, isso sim, o ato que o delegado venha a praticar após a avocação, visto que esta extingue a delegação no âmbito dos poderes avocados. A prática de atos pelo delegante sem avocação poderia corresponder a uma invalidade por falta de legitimação para o exercício da competência. A existir uma invalidade, este seria efetivamente o vício. Parece-nos, contudo, que, neste caso, não há qualquer invalidade, a qual, como é sabido, depende da ofensa a um princípio ou norma jurídica aplicável (cf. artigo 163.º, n.º 1): ora, a prática de atos pelo delegante sem avocação não corresponde à infração de qualquer norma jurídica. O artigo 49.º, n.º 2, atribui ao delegante o poder de avocar, mas nada acrescenta sobre o modo como deve exercer esse poder. 246 iii) Revogação e anulação da delegação – O delegante pode, a qualquer momento, fazer cessar a delegação mediante revogação: cf. artigo 50.º, alínea a). A delegação constitui, pois, um ato livremente revogável. O mesmo preceito do CPA atribui ao delegante o poder de anulação do ato de delegação. Em geral, a anulação tem como fundamento a invalidade (cf. artigo 165.º, n.º 2). Percebe-se o rigor técnico-jurídico da lei – ao pressupor a distinção entre revogação e anulação –, mas, neste caso, tamanho rigor poderia ser dispensado, em face do poder livre de revogação. iv) Anulação, revogação e substituição dos atos praticados pelo delegado – Conforme resulta do n.º 2 do artigo 49.º, o delegante tem o poder de anular, de revogar e de substituir os atos praticados pelo delegado, ao abrigo da delegação de competências (cf. ainda artigos 169.º, n.º 4). Pode exercer qualquer destes poderes oficiosamente, por iniciativa própria, ou, quando a lei o estabelecer, a pedido dos interessados, mediante recurso administrativo especial (cf. infra). g) Poderes e responsabilidade própria do delegado O órgão delegado detém, naturalmente, o poder de exercício da competência delegada. Apesar de não ser o titular da competência, cabe ao delegado a responsabilidade, no plano jurídico, decorrente dos atos que pratica. Ou seja, o delegado é o responsável pelas consequências dos atos que pratica no âmbito da delegação. A formulação do artigo 44.º, n.º 5 – “os atos praticados ao abrigo de delegação ou subdelegação de poderes valem como se tivessem sido praticados pelo delegante ou subdelegante” –, além de enigmática, sugere um resultado que não se verifica. Na verdade, ao contrário do que ali se sugere, os atos do delegado “não valem” como se tivessem sido praticados pelo delegante. Pelo contrário, valem (seja lá o que for o que isto quer dizer!) como atos do próprio delegado. É possível que o legislador tenha tido o propósito de assinalar que os atos do delegado são impugnáveis nos tribunais nos mesmos termos em que seriam se praticados pelo delegante. Mas isto não precisava de ser dito, já que atualmente a regra é de que todos os atos administrativos são imediatamente impugnáveis nos tribunais. 247 h) Atos praticados pelo delegado ao abrigo da delegação i) Exigências formais relativas aos praticados pelo delegado – O CPA impõe que os atos praticados ao abrigo da delegação mencionem a qualidade de delegado no uso da delegação; cf. artigos 48.º e 151.º, n.º 1, alínea a), do CPA. Com esta exigência, visa-se que os destinatários dos atos do delegado fiquem a saber que se trata de atos praticados ao abrigo de uma competência delegada. A inobservância (ou a observância defeituosa) desta exigência formal não determina a invalidade dos atos do delegado, “mas os interessados não podem ser prejudicados no exercício dos seus direitos pelo desconhecimento da existência da delegação” (artigo 48.º, n.º 2). Nos termos do artigo 60.º, n.º 4, do CPTA, “não são oponíveis ao interessado eventuais erros contidos na notificação ou na publicação, no que se refere a (…) eventual erro ou omissão quanto à existência de delegação ou subdelegação de poderes”. Assim, suponha- se que uma leiestabelece que as decisões do delegado têm de ser impugnadas junto do delegante no prazo de 15 dias. Se o delegado não menciona esta qualidade, o destinatário do ato não pode ser prejudicado por se ter esgotado aquele prazo. ii) Anulação, revogação e substituição dos atos do delegado pelo delegante – O delegante detém um “poder de revisão” dos atos do delegado: estes atos podem ser anulados, revogados ou substituídos pelo delegante (cf. artigo 49.º, n.º 2). O artigo 169.º, n.º 4, acrescenta que a revogação e a anulação dos atos do delegado apenas pode ocorrer “enquanto vigorar a delegação” (este limite aplica-se igualmente à substituição, por força do artigo 173.º, n.º 1). Quer dizer, a competência do delegante para revogar, anular ou substituir atos do delegado esgota-se (caduca) com a extinção da delegação. Os atos do delegado estão, assim, expostos a uma apreciação pelo delegante, o qual, cumprindo as regras gerais, está em condições de determinar a revogação (fundada em razões de mérito, conveniência ou oportunidade), a anulação (fundamento em invalidade) ou a substituição de atos do delegado: neste último caso, o delegante não se limita a determinar a cessação ou destruição dos efeitos do ato do delegado; vai mais longe do que proceder à eliminação do ato do delegado, e pratica um novo ato em substituição daquele (sem necessidade de avocação). Nos termos do artigo 169.º, n.º 1, a revogação e a anulação podem resultar, em geral, da iniciativa do órgão competente ou, a pedido dos interessados, mediante reclamação ou recurso administrativo. Assim, o delegante está em condições de exercer por iniciativa própria o seu poder de revisão sobre os atos do delegado. Contudo, já não 248 se aplica, neste caso, a regra geral de que pode fazê-lo na sequência de recurso proposto pelos interessados. iii) Impugnação dos atos do delegado – Os atos do delegado podem ser objeto de reclamação para o próprio delegado (artigo 191.º, n.º 1). Além disso, nos casos expressamente previstos em lei, pode haver recurso administrativo especial para o delegante dos atos praticados pelo delegado. Na falta de expressa disposição legal, os interessados não têm o direito procedimental de apresentar recurso para o delegante. Um caso de expressa previsão legal de recurso pode ver-se no artigo 34.º, n.º 2, do RAL: “das decisões tomadas pelo presidente da câmara municipal ou pelos vereadores no exercício de competências delegadas ou subdelegadas cabe recurso para a câmara municipal, sem prejuízo da sua impugnação contenciosa”. Nos casos em que o preveja, a lei esclarecerá se o recurso administrativo para o delegante é necessário ou facultativo – vem a propósito sublinhar que, de acordo com o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro (diploma de aprovação do CPA), as impugnações administrativas só são necessárias quando previstas em lei que utilize uma das seguintes expressões: “a) a impugnação administrativa em causa é «necessária»; b) do ato em causa «existe sempre» reclamação ou recurso; c) a utilização da impugnação administrativa «suspende» ou «tem efeitos suspensivo» dos efeitos do ato impugnado”. Sendo o recurso facultativo, do ato do delegado pode haver recurso para o delegante, mas também impugnação do mesmo junto do tribunal (cf. artigo 59.º, n.º 5, do CPTA). Sendo o recurso necessário, só pode haver impugnação judicial após a decisão do delegante sobre o recurso administrativo. g) Extinção da delegação O artigo 50.º prevê duas formas de extinção da delegação: a revogação e a anulação, por um lado, e a caducidade, por outro. Sobre a revogação e a anulação, já nos pronunciámos (cf. supra). Por seu lado, a caducidade pode surgir como consequência do esgotamento dos efeitos da delegação (v.g., delegação para decidir sobre pedidos de autorização durante o mês de julho) ou em virtude da mudança dos titulares dos órgãos delegante ou delegado – trata-se, neste último caso, de um corolário do caráter pessoal (intuitu personae) da delegação de poderes, a qual pressupõe uma relação de confiança entre os titulares dos órgãos delegante e delegado. Assim, por força desta determinação legal, a 249 exoneração de um ministro determina a caducidade de todas as delegações que o mesmo tenha feito. 40 – Outras relações interorgânicas Entre os órgãos de uma pessoa coletiva de direito público existem relações e processos de relacionamento que não se subsumem nas hipóteses anteriores. Eis o que sucede nos seguintes casos: i) Relações de cooperação e de coordenação procedimental – os órgãos de uma pessoa coletiva têm, em muitos casos, de se articular entre si, no desenvolvimento de um procedimento, em vista do exercício de competências conjuntas (v.g., despachos conjuntos) ou do exercício conjugado de competências separadas (v.g., conferências procedimentais) ou da obtenção de auxílio ou colaboração (auxílio administrativo); ii) Relações decorrentes da separação legal entre a iniciativa e a decisão procedimental – em muitos casos, a lei atribui a um órgão a competência para pôr em marcha um procedimento administrativo (mediante proposta) tendente à emissão de uma decisão por outro órgão administrativo; iii) Relações de controlo e de supervisão – fora da hierarquia, há relações de supremacia entre órgãos administrativos da mesma pessoa coletiva, por exemplo, quando a lei atribui a um órgão a competência para autorizar ou aprovar atos a praticar por outro; exemplo de um órgão em posição de supremacia sobre outro é a assembleia municipal em relação à câmara municipal (sobre as competências de apreciação e fiscalização da assembleia municipal, cf. artigo 25.º do RAL). 41 – Relações dentro de órgãos administrativos As relações a que aludimos nas páginas anteriores processam-se entre órgãos (“interorgânicas”). Todavia, no caso de órgãos colegiais, pode discernir-se uma outra categoria de relações, que se desenrolam dentro dos órgãos (“intraorgânicas”): por exemplo, relações jurídicas entre o presidente e todos os outros ou uma parte dos outros membros do órgão colegial; entre cada um dos membros do órgão, titulares dos designados “direitos orgânicos” (v.g., direito de apresentar propostas, direito de voto), e os outros membros ou o presidente deste. Além de feições variadas, estas relações apresentam, em certos órgãos, traços marcados de tensão e com dimensão conflitual (v.g., presidente que recusa conceder a palavra a um membro). FIM DA MATÉRIA 250 Aulas Semana 11 [3 e 4 de dezembro] Não foi lecionada matéria [Congresso Internacional de Direito Administrativo e Dia da Faculdade] Aulas Semana 12 [10 e 11 de dezembro] Esclarecimentos e resolução de dúvidas. Aulas Semana 13 [17 e 18 de dezembro] Esclarecimentos e resolução de dúvidas.
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