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[Le Monde Diplomatique] Frantz Fanon, uma voz dos oprimidos {artigo}

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LETRAS-FRANCÊS 
LITERATURA FRANCOFONA | UFF 
Curadoria de Conteúdo, Edição e Diagramação: Marcela B. 
 
FRANTZ FANON, 
UMA VOZ DOS 
OPRIMIDOS 
___ 
Por Anne Mathieu, ​diretora da revista Aden-Paul Nizan, de Paris. 
Palavras chave: ​Racismo​, ​colonialismo​, cultura de resistência, ​psicologia 
Publicado em 05 de Março de 2009 
 
A divisão dos homens entre opressores e oprimidos, a desumanização indígena e o 
condicionamento do negro pelo branco. Contribuições fundamentais na primeira metade 
do século passado, as questões debatidas pelo psiquiatra e intelectual negro continuam 
atuais 
 
 
Foi como um estrondo no céu do pós-guerra. Em 1952, aparecia ​Pele 
negra, máscaras brancas​1​, uma “interpretação psicanalítica do 
problema negro”. A introdução proclamava: “É preciso libertar o 
homem de cor de si mesmo. Lentamente, porque há dois campos: o 
branco e o negro”. 
 
Seu autor, Frantz Fanon (1925-1961), foi ao mesmo tempo psiquiatra, 
ensaísta e militante político ao lado da Frente de Libertação Nacional 
da Argélia (FLN), com a qual compartilhava a causa independentista​2​. 
Martinicano, faz parte do grupo de intelectuais negros cuja importância 
a França tem dificuldade em reconhecer, embora tratem de uma 
história comum a todos. Anticolonialista radical, de escrita altamente 
literária e retórica, contribuiu para aclarar não só a história, mas 
 
 
 
 2 
 
também reflexões e debates contemporâneos. Preferem, no entanto, 
esquecê-lo sob o rótulo de “profeta fracassado​3​”. 
 
A temática dos “dois campos” evocada por Fanon não é 
exclusivamente uma oposição entre essas duas cores de pele; se 
inscrevem na antinomia “opressores” e “oprimidos”. Em sua visão, “uma 
sociedade é racista ou não é” e “o racismo colonial não difere de 
outros racismos”. Quando busca explicar uma idéia-força e mostrar o 
escândalo que representa, sua prosa poética e retórica se revela. Além 
disso, para ele, a libertação dos indígenas passa pela recusa do mundo 
da interdição, pela afirmação do “eu” negado pelo colonizador, que os 
vê como uma massa disforme e serviçal: “O indígena é um ser 
aprisionado, o ​apartheid​é apenas uma modalidade da 
compartimentação do mundo colonial. A primeira coisa que o indígena 
aprende é a manter-se em seu lugar, a não ultrapassar os limites. É por 
isso que seus sonhos são musculares, de ação, agressivos – Sonho 
que salto, nado, corro, escalo. Sonho que estou gargalhando, que 
atravesso o rio com um pulo, que sou perseguido por carros que 
nunca me alcançam. Durante a colonização, o colonizado não pára de 
se libertar entre as nove horas da noite e as seis da manhã”. Em outros 
tempos, Paul Nizan escrevia: “Enquanto os homens não forem 
completos e livres, não caminharem por suas próprias pernas nas 
terras que lhes pertencem, sonharão à noite​4​”. Opressão burguesa em 
1933, opressão colonial em 1952. 
 
Um libelo apaixonado 
 
Pele negra, máscaras brancas​ nos conduz ao universo atribuído ao 
negro que foi sistematicamente condicionado pelo branco. São 
páginas apaixonantes nas quais a herança – apesar das divergências – 
dos oradores da negritude e do texto “Orfeu Negro”​5​, de Jean-Paul 
Sartre, se faz sentir por meio de encadeamentos lexicais metafóricos e 
analíticos do corpo, do olhar. Fanon examina o corpo, talvez por isso 
 
 
 3 
 
escreveu: “A primeira versão deste livro foi ditada, andando de um lado 
para outro como um orador que improvisa; o ritmo do corpo em 
movimento, o sopro da voz recitando o estilo​6​”. Porém, a realidade 
supera a metáfora: “No primeiro olhar branco, ele sentiu o peso de sua 
melanina”. Séculos de escravidão e colonização determinaram um 
olhar sobre o outro do qual é difícil para não dizer impossível, se 
despojar: “Quando me amam, dizem que é apesar da cor da minha 
pele. Quando me detestam, se justificam dizendo que não é pela cor 
da pele. Em uma ou outra situação, sou prisioneiro de um círculo 
infernal”. 
 
O racismo se traduz também na designação do negro, submetido à 
conotação ancestral de sua cor, que se tornou evidência, quase 
essência: “O negro, o obscuro, as sombras, as trevas, a noite, as 
profundezas abissais, denegrir a reputação de alguém; e do outro lado: 
a mirada clara da inocência, a pomba branca da paz, a luz ofuscante, 
paradisíaca”. A linguagem não pode expurgar essas conotações, que 
aparecem também na religião: “O pecado é negro como a virtude é 
branca”. A análise não era nova naquele momento, mas, de uma obra à 
outra, Fanon foi mais longe. Seu último livro, ​Os condenados da terra 
(1961)​7​, demonstra que a “compartimentação” da sociedade colonial e 
racista gera, obrigatoriamente, uma linguagem racista: “Por vezes, o 
maniqueísmo alcança o limite de sua lógica e desumaniza o 
colonizado”. Dito de outra forma, como denunciou Jean-Paul Sartre 
durante a guerra da Argélia​8​, o sistema colonial cria um “sub-homem”. 
 
Fanon prossegue: “Falando claramente, [o maniqueísmo] animaliza. 
Faz-se alusão aos movimentos arrastados durante o trabalho, ao 
cheiro que emana das vilas indígenas, às hordas, ao fedor, à 
reprodução desenfreada, às gesticulações. Demografia galopante, 
massas histéricas, rostos nos quais não há qualquer traço de 
humanidade, corpos obesos que não se parecem com nada, preguiça 
sob o sol, ritmo vegetal, todas essas expressões fazem parte do 
vocabulário colonial”. E vale mencionar que elas ainda não 
 
 
 4 
 
desapareceram totalmente de nossas latitudes, como lembra a canção 
Le bruit et e l’odeur​ [O barulho e o cheiro] (1995)​9​, do grupo Zebda. 
 
A “desumanização” do indígena justifica o tratamento ao qual é 
submetido: “Disciplinar, vestir, dominar e pacificar são as expressões 
mais utilizadas pelos colonialistas em territórios ocupados”. A guerra 
da Argélia nada mais é que a continuação paradoxal de um sistema 
que se baseia na “força” e no desprezo. Dessa forma, a introdução de 
L’an V de la révolution algérienne​ [O ano V da revolução argelina] 
(1959)​10​ressalta que desde o início da guerra, “[o colonialismo] francês 
não renunciou a nenhum radicalismo: nem o do terror, nem o da 
tortura”. 
 
Calcularam mal: “As repressões, longe de sufocarem as revoltas, 
estimulam o progresso da consciência nacional”, analisa Fanon. “Se, de 
fato, minha vida tem o mesmo valor que a do colono, seu olhar não me 
fulmina mais, sua voz não mais me petrifica. Sua presença não me 
perturba mais. Na prática, sou eu quem o incomoda. Não só sua 
presença não me importuna mais, como já estou lhe preparando 
tantas emboscadas que logo ele não terá outra opção senão fugir”. 
Assim, a libertação psíquica induz à perda do medo, ao mergulho no 
combate pela independência. 
 
A violência da palavra 
 
Em que condições esse combate vai se desenrolar? Em ​Os 
condenados da terra​ postula que “a descolonização é sempre um 
fenômeno violento”. Isso porque violência chama violência e quando o 
opressor invade a menor parcela que seja de um território, é difícil 
manter-se aí pacificamente: “Cada estátua, a de Faidherbe ou Lyautey, 
de Bugeaud ou do Sargento Blandan, todos esses conquistadores que 
pousaram sobre o solo colonial não param de significar uma única 
coisa: ‘Estamos aqui pela força das baionetas...’”. É evidente a resposta 
 
 
 5 
 
dos oprimidos, considerada estrondosa quando se trata de outros 
países sob outros comandos. Fanon justifica a violência? Não em todos 
os movimentos: “Condenamos, com o coração aflito, esses irmãos que 
são jogados à ação com a brutalidade quase psicológica que faz 
nascer e mantém uma opressão secular”. Não obstante, Fanon nos 
convida à uma compreensão da gênese da violência e da única 
alternativa deixada aos oprimidos para sua libertação. Sua descrição 
da “compartimentação” da sociedade colonial, com sua “linha de 
partilha” e sua “fronteira indicadapelos quartéis e postos de polícia”, 
nos remete, aliás, ao nosso universo militarizado que, bem longe de 
“pacificar”, produz ele mesmo o “radicalismo” que pretende combater. 
 
A perspicácia de Fanon vale também para sua análise sobre o futuro 
de um país descolonizado quando uma “burguesia nacional 
(in)autêntica” sobe ao poder e não fornece ao povo “capital intelectual 
e técnico”. Baseando-se no exemplo da América Latina, ele previne 
sobre o risco de transformação de um país em “território de prazeres a 
serviço da burguesia ocidental”. Disseca a propensão dessa burguesia 
“cinicamente burguesa” de romper a unidade nacional jogando com o 
“regionalismo”. E conclui: “Essa luta implacável à qual se entregam as 
etnias e tribos, essa preocupação agressiva de ocupar os postos livres 
pela partida do estrangeiro vão, igualmente, gerar competições 
religiosas. Assistiremos a confrontação entre as duas grandes religiões 
reveladas: o islamismo e o catolicismo”. Fanon alerta até para o perigo 
de um partido único, que utiliza o passado para “adormecer” o povo, 
“mandá-lo lembrar da época colonial e medir o imenso caminho 
percorrido”. Quantos países africanos nos vêm à cabeça? 
 
Em reação à colonização, segundo ele, não se deve clamar por uma 
cultura negra como único horizonte. Se houve “obrigação histórica” 
para “os homens de cultura africana ‘racializar’ suas reivindicações, de 
falar antes em cultura africana que em cultura nacional”, por outro lado 
isso “vai conduzi-los a um beco sem saída”. Suas crenças foram 
lançadas desde sua primeira obra numa fórmula magnífica sobre a 
 
 
 6 
 
qual os adeptos do comunitarismo poderiam refletir: “Não quero cantar 
meu passado às custas do meu presente e futuro”. Tal afirmação, no 
entanto, não se fecha a uma reflexão sobre a história do colonialismo, 
a qual, como ele lembrava em 1952, se apoiou sobre a história da 
Europa. O colonialismo baseou-se em “valores” que precisam ser 
repensados: “Se é em nome da inteligência e da filosofia que 
proclamamos a igualdade dos homens, é também em seu nome que 
decidimos exterminá-los”. 
 
Em 1961, a condenação de Fanon se amplificaria com uma veemência 
radical: “Abandonemos essa Europa que não para de falar no homem, 
ao mesmo tempo que o massacra onde quer que o encontre, em 
todos os cantos de suas ruas limpas, em todos os cantos do mundo”. 
Afrontemos de uma maneira salutar essa França que, ao mesmo 
tempo em que se liberava do nazismo e se reconstruía, massacrava 
Sétif (maio de 1945) ou Madagascar (março de 1947). Essa França que, 
no fim da batalha, virava as costas aos seus irmãos de combate 
senegaleses ou marroquinos que estavam na linha de frente. 
Escutemos essa voz que há mais de quarenta anos martela sua 
verdade incisiva, que poderia muito bem ainda ser a nossa: “Podemos 
fazer qualquer coisa hoje em dia, sob a condição de não imitar a 
Europa, sob a condição de não sermos obcecados pelo desejo de 
alcançá-la. A Europa adquiriu tal velocidade, louca e desordenada, que 
escapa a todos os outros condutores, a toda razão, que segue numa 
vertigem assustadora em direção a abismos dos quais é melhor se 
distanciar rapidamente”. 
 
Fanon sabe a qual Europa se refere, ele que soube homenagear os 
judeus da Argélia, os franceses daqui ou de lá que abraçaram a causa 
independentista. O gesto é universal: “Eu, o homem de cor, quero 
apenas uma coisa: que jamais o instrumento domine o homem. Que 
cesse para sempre a servidão de homem para homem. Quer dizer, de 
mim para outro.” 
 
 
 
 7 
 
 
 
1 ​Peau noire masques blancs​, Edições Seuil (Paris), com prefácio de 
Francis Jeanson, que redigiria também um posfácio para a reedição de 
1965. A obra está disponível até hoje na coleção “Points Essais”. 
2 Ele foi seu porta-voz a partir de junho de 1957. Desde 1953, foi 
médico-chefe do hospital psiquiátrico de Blida-Joinville (Argélia). 
3 Ver o texto do ensaísta Lothar Baier (​Agone​, n°33, Marselha, abril de 
2005). 
4 Paul Nizan, ​Antoine Bloyé​ (1933), Grasset, Les Cahiers rouges 
[Cadernos vermelhos], Paris, 2005. 
5 Jean-Paul Sartre, “Orfeu Negro”, prefácio em: Léopold Sedar Senghor, 
Antologie de la poésie nègre et malgache [Antologia da poesia negra e 
malgaxe], Presses universitaires de France [imprensas universitárias da 
França], Paris, 1948. 
6 Alice Cherki, ​Frantz Fanon, portrait​ [Frantz Fanon, um retrato], Seuil, 
2000, p.46. 
7 Publicado por François Maspero com um prefácio de Sartre; foi 
proibido desde o lançamento. Fanon, já sabendo que estava condenado 
pela leucemia, ditou cada página. Recebeu um exemplar do livro assim 
que foi impresso, três dias antes de morrer num hospital dos Estados 
Unidos. De acordo com sua vontade, foi enterrado num vilarejo argelino 
libertado próximo à fronteira com a Tunísia. 
8 ​Jean-Paul Sartre et la guerre d’Algérie​ [Jean-Paul Sartre e a guerra da 
Argélia], Le Monde Diplomatique, novembro de 2004. 
9 Inspirada em uma declaração de Jacques Chirac sobre o “barulho e 
cheiro” provocados pelos imigrantes. 
10 Publicado por Maspero. Longos trechos do último capítulo foram 
publicados em Les Temps Modernes [Os Tempos Modernos]. A obra foi 
acusada de atentar contra a segurança do Estado. Hoje, está disponível 
 
 
 8 
 
pela editora Découverte, na coleção “(re)Découverte” [(re)Descorberta]. A 
introdução, redigida em julho de 1959, não figurava na primeira edição. 
 
 
Palavras chave: ​Racismo​, ​colonialismo​, ​psicologia 
 
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