Buscar

Resumo Kelsen, Prof. Heck

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO E FILOSOFIA DO DIREITO
João Borja
Resumo do LIVRO: Kelsen, Hans. General theory of law & state. Cambridge, mass.: harvard university press, 1949. Versão espanhola: teoría general del derecho y del estado. México: imprenta universitaria, 1949. Tradução: eduardo garcia maynes.
Porto Alegre
04 de novembro de 2015
__________________________________________________________________________________________
SUMÁRIO
1 A doutrina do Direito natural e o positivismo jurídico	2
2 O Direito	3
3 O Estado	8
A doutrina do Direito natural e o positivismo jurídico
O jurista positivista, que não pode ir além dos fatos fundamentais, pressupõe que esse fato histórico original tem o significado de "constituição", que a resolução de uma assembléia de homens ou a ordem de um usurpador tem a significação normativa de uma lei fundamental. A "constituição" é nada mais que um evento concreto prima facie cujo significado normativo só pode ser encontrado recorrendo-se à constituição anterior em conformidade com cujas regras ela foi criada. O recurso a essa constituição anterior deve levar, por fim, à constituição original, que não pode ser derivada de outra anterior. Apenas fazendo tal pressuposição é que ele pode demonstrar o significado normativo de todos os outros atos que ele compreende como atos jurídicos simplesmente porque ele atribui a origem de todos eles à constituição original.
Conseqüentemente, a um sistema de Direito natural que, por exemplo, atribui a criação dessas regras à vontade de Deus, ela deve ser aplicada com cautela e com plena consciência do seu caráter meramente analógico. Do contrário, estaremos preparados para aceitar uma falsificação ou enfraquecimento da idéia pura do Direito natural. A norma fundamental da veracidade ou honestidade produz as normas: "não enganarás", "manterás a tua promessa", etc.; a norma fundamental do amor: "não ferirás ninguém", "ajudarás os necessitados", etc. Destas normas particulares resultam normas mais específicas, por exemplo: a de que o comerciante não deve ocultar defeitos de que tenha conhecimento dos seus produtos; de que o comprador deve pagar o preço prometido no tempo combinado; de que não se deve conspurcar a reputação de ninguém ou infligir dano físico a ninguém, etc. Todas essas normas resultam da norma fundamental sem que seja necessário um ato especial de elaboração de normas, um ato de vontade humana. Todas estão contidas desde o princípio na norma fundamental e dela derivam por meio de uma simples operação intelectual.
Um sistema dinâmico é diferente. A sua norma fundamental simplesmente confere o poder de criar normas a uma vontade humana específica. "Obedece a teus pais" é um tipo de tal norma fundamental. Nenhuma operação intelectual simples pode derivar dela uma única norma especial. É necessária uma ordem dos pais com um conteúdo específico (por exemplo: "vai para a escola"), ou seja, um ato especial de criação de normas ou legiferação. Essa norma particular não possui "validade" simplesmente porque o seu conteúdo é compatível com a norma fundamental, como uma coisa especial é relacionada a uma geral, mas apenas porque o ato da sua criação está de acordo com a regra enunciada pela norma fundamental, porque foi feita da forma como prescrevia a norma fundamental. A autoridade que recebeu o seu poder da norma fundamental pode, por sua vez, delegar a jurisdição da totalidade ou de uma parte da sua esfera.
Assim, confirma-se a antiga verdade de que a ciência não tem capacidade e, portanto, não tem direito de oferecer julgamentos de valor. Isso se aplica igualmente à ciência do Direito, mesmo que ela seja considerada uma ciência de valores. Como todas as ciências de valores, ela consiste em compreender normas, mas não pode criá-las'. Não obstante, a ciência sempre persistirá em tentar responder à questão da justiça, e a política sempre insistirá em exigir da ciência a resposta a esta questão. Na verdade, a cognição, isto é, a ciência ou filosofia do Direito, enquanto finge prescrever a justiça à volição, isto é, ao poder, irá, no final, subseqüentemente, legitimar o produto do poder declarando como justo o Direito positivo. É precisamente este uso indevido da cognição que o positivismo crítico deseja evitar.
O Direito
Os fatos que não são fatos da conduta humana tendem a fazer parte do conteúdo de uma regra jurídica. No entanto, eles podem sê-lo apenas na medida em que estejam relacionados com a conduta humana, como sua condição ou como seu efeito. O Direito é uma ordem da conduta humana. Uma “ordem” é um sistema de regras. O Direito não é, como às vezes se diz, uma regra. É um conjunto de regras que possui o tipo de unidade que entendemos por sistema. É impossível conhecermos a natureza do Direito se restringirmos nossa atenção a uma regra isolada. As relações que concatenam as regras específicas de uma ordem jurídica também são essenciais à natureza do Direito. Apenas com base numa compreensão clara das relações que constituem a ordem jurídica é que a natureza do Direito pode ser plenamente entendida.
O Direito, considerado como distinto da justiça, é o Direito positivo. É o conceito de Direito positivo que está em questão aqui; e uma ciência do Direito positivo deve ser claramente distinguida de uma filosofia da justiça. O conceito de Direito não tem quaisquer conotações morais. Ele designa uma técnica específica de organização social. O problema do Direito, na condição de problema científico, é um problema de técnica social, não um problema de moral. A afirmação: “Certa ordem social tem o caráter de Direito, é uma ordem jurídica”, não implica julgamento moral de qualificar essa ordem como boa ou justa. Existem ordens jurídicas que, a partir de certo ponto de vista, são injustas. Direito e justiça são dois conceitos diferentes. 
Aquilo que até agora tem sido proposto como Direito natural ou, o que redunda no mesmo, como justiça, consiste, em sua maior parte, em fórmulas vazias, “a cada um o seu”, ou tautologias sem sentido como o imperativo categórico, ou seja, a doutrina de Kant de que os atos de alguém devem ser determinados somente por princípios que se queiram obrigatórios para todos os homens. Mas a fórmula “a cada um o seu” não responde à questão do que é o seu de cada um”, e o imperativo categórico não diz quais são os princípios que se deveria desejar que fossem obrigatórios para todos os homens.
Caso houvesse uma justiça objetivamente reconhecível, não haveria Direito positivo e, consequentemente, Estado; pois não seria necessário coagir as pessoas a serem felizes. A asserção costumeira, contudo, de que realmente existe uma ordem natural, absolutamente boa, mas transcendental e, por conseguinte, não inteligível, de que de fato existe algo como justiça, mas que ela não pode ser definida com clareza, é, em si mesma, uma contradição.
A asserção costumeira, contudo, de que realmente existe uma ordem natural, absolutamente boa, mas transcendental e, por conseguinte, não inteligível, de que de fato existe algo como justiça, mas que ela não pode ser definida com clareza, é, em si mesma, uma contradição. Trata-se, na verdade, de uma paráfrase eufemística para o doloroso fato de que a justiça é um ideal inacessível à cognição humana. A justiça é compatível e necessária a qualquer ordem jurídica positiva, seja ela capitalista ou comunista, democrática ou autocrática. “Justiça” significa a manutenção de uma ordem positiva através de sua aplicação escrupulosa. Trata-se de justiça “sob o Direito”. A afirmação de que o comportamento de um indivíduo é “justo” ou “injusto”, no sentido de “legal” ou “ilegal”, significa que sua conduta corresponde ou não a uma norma jurídica, pressuposta como sendo válida pelo sujeito que julga por pertencer essa norma a uma ordem jurídica positiva.
A força é empregada para prevenir o emprego da força na sociedade. Aparentemente,trata-se de uma antinomia; e o esforço para evitar essa antinomia leva à doutrina do anarquismo absoluto, que proscreve a força mesmo como sanção. O anarquismo tende a estabelecer a ordem social baseada unicamente na obediência voluntária dos indivíduos. Ele rejeita a técnica de uma ordem coercitiva e, portanto, rejeita o Direito como forma de organização. O indivíduo que executa a sanção atua como um agente da ordem jurídica. Isso equivale a dizer que o indivíduo que executa a sanção atua como um órgão da comunidade, constituída pela ordem jurídica. Uma comunidade social nada mais que uma ordem social que regula o comportamento recíproco dos indivíduos sujeitos a essa ordem.
A eficácia do Direito consiste no fato de que os homens são levados a observar a conduta requerida por uma norma pela idéia que têm dessa norma. Uma afirmação concernente à eficácia do Direito compreendido desse modo é uma afirmação sobre a conduta efetiva. Designar tanto a norma válida quanto a idéia de norma, que é um fato psicológico, pela mesma palavra, “norma”, é cometer um equívoco que pode dar lugar a graves falácias. Contudo, como já assinalei, não estamos em. posição de dizer qualquer coisa com exatidão a respeito do poder motivador que a idéia de Direito dos homens pode ter. Objetivamente, podemos afirmar apenas que a conduta dos homens se conforma às normas jurídicas. A única conotação vinculada ao termo “eficácia” do Direito neste estudo é, portanto, a de que a conduta efetiva dos homens se conforma às regras jurídicas.
A afirmação de que uma norma é válida e a afirmação de que é eficaz são, é verdade, duas afirmações diferentes. Mas, apesar de validade e eficácia serem dois conceitos inteiramente diversos, existe, contudo, uma relação muito importante entre os dois. Uma norma é considerada válida apenas com a condição de pertencer a um sistema de normas, a uma ordem que, no todo é eficaz. Assim, a eficácia é uma condição de validade; um condição, não a razão da validade. Uma norma não é válida porque é eficaz; ela é válida se a ordem à qual pertence é, como um todo, eficaz.
No campo da moral, o conceito de dever coincide com o de "dever ser. A conduta que é o dever moral de alguém é simplesmente a conduta que ele deve observar segundo a norma moral. O conceito de dever jurídico também implica um "dever ser". Que alguém seja juridicamente obrigado a certa conduta significa que um "órgão" deve lhe aplicar uma sanção no caso de conduta contrária. Mas o conceito de dever jurídico difere do de dever moral pelo fato de o dever jurídico não ser a conduta que a norma "exige", que "deve" ser observada. O dever jurídico, pelo contrário, é a conduta por meio de cuja observância o delito é evitado, e assim, o oposto da conduta que forma a condição para a sanção. Apenas a sanção "deve" ser executada.
A norma fundamental de um sistema dinâmico é a regra básica de acordo com a qual devem ser criadas as normas do sistema. Uma norma faz parte de um sistema dinâmico se houver sido criada de uma maneira que é — em última análise — determinada pela norma fundamental. A norma fundamental apenas estabelece certa autoridade, a qual, por sua vez, tende a conferir poder de criar normas a outras autoridades. As normas de um sistema dinâmico têm de ser criadas através de atos de vontade pelos indivíduos que foram autorizados a criar normas por alguma norma superior. Essa autorização é uma delegação. O poder de criar normas é delegado de uma autoridade para outra autoridade; a primeira é a autoridade superior, a segunda é a inferior.
A partir da perspectiva do Direito internacional, a constituição de um Estado é válida apenas se a ordem jurídica estabelecida com base nessa constituição for, como um todo, eficaz. É este princípio geral de eficácia, uma norma positiva do Direito internacional, que, aplicado às circunstâncias concretas de uma ordem jurídica nacional individual, estabelece a norma fundamental individual. Desse modo, as normas fundamentais das diversas ordens jurídicas nacionais são, elas próprias, baseadas em uma norma geral da ordem jurídica internacional.
A constituição no sentido formal é certo documento solene, um conjunto de normas jurídicas que pode ser modificado apenas com a observância de prescrições especiais cujo propósito é tornar mais difícil a modificação dessas normas. A constituição no sentido material consiste nas regras que regulam a criação das normas jurídicas gerais, em particular a criação de estatutos. Uma constituição no sentido formal, em especial os dispositivos pelos quais a modificação da constituição se torna mais difícil que a modificação de leis ordinárias, só é possível se houver uma constituição escrita, se a constituição tiver o caráter de Direito estatutário. Existem Estados, como a Grã-Bretanha, por exemplo, que não possuem qualquer constituição "escrita" e, portanto, qualquer constituição formal, qualquer documento solene chamado "A Constituição". Nesse caso, a constituição (material) tem o caráter de Direito consuetudinário e, portanto, não existe nenhuma diferença entre leis constitucionais e ordinárias. A constituição no sentido material do termo pode ser uma lei escrita ou não-escrita, pode ter o caráter de Direito estatutário ou consuetudinário.
A norma fundamental é, então, a “fonte” do Direito. Mas num sentido mais amplo, toda norma jurídica é “fonte” de outra norma cuja criação ela regula ao determinar o processo de criação e o conteúdo da norma a ser criada. Nesse sentido, qualquer norma jurídica “superior” é a “fonte” da norma jurídica “inferior”. A partir de uma perspectiva dinâmica, a norma individual criada pela decisão judicial é um estágio de um processo que começa com o estabelecimento da primeira constituição, é continuado pela legislação e pelo costume, e conduz a decisões judiciais. O processo é completado pela execução da sanção individual. Os estatutos e as leis consuetudinárias são, por assim dizer, apenas produtos semimanufaturados, acabados apenas através da decisão judicial e da sua execução. O processo através do qual o Direito se recria constantemente vai do geral e abstrato ao individual e concreto. Trata-se de um processo de individualização e concretização constante e crescente.
o Direito constitucional não pode ser citado como um exemplo de normas jurídicas que não estipulam qualquer sanção. As normas da constituição material são Direito apenas na sua conexão orgânica com as normas estipuladoras de sanção que são criadas com base nelas. Aquilo que, a partir de uma perspectiva dinâmica, é a criação de uma norma determinada por uma norma superior, a constituição, torna-se, numa exposição estática de Direito, uma das condições à qual está vinculada a sanção como consequência na norma geral (que, a partir da perspectiva dinâmica, é a norma inferior em relação à constituição). Numa exposição estática de Direito, as normas superiores da constituição são, por assim dizer, projetadas nas normas inferiores como partes.
Qualquer opinião referente à existência de uma contradição que não a dessa autoridade é juridicamente irrelevante. A autoridade competente estabelece a existência jurídica de tal contradição anulando a norma inferior. A "inconstitucionalidade" ou "ilegalidade" de uma norma que, por um motivo ou outro, tem de ser pressuposta como vá-lida significa, assim, ou a possibilidade de esta ser anulada (do modo ordinário, se for uma decisão judicial, de outro modo, que não o ordinário, se for um estatuto), ou a possibilidade de ser nula. Sua nulidade significa a negação da sua existência pela cognição jurídica. Não pode ocorrer qualquer contradição entre duas normas de diferentes níveis da ordem jurídica. A unidade da ordem jurídica nunca pode ser ameaçada por qualquer contradição entre uma norma superior e uma inferior na hierarquia do Direito.
A sociologia do Direito, tal como definida por Max Weber, é possível apenas referindo a conduta humana que é o seu objeto ao Direito tal como ele existe nas mentes dos homens como conteúdo das suas idéias. Na verdade,o Direito existe nas mentes dos homens como um corpo de normas válidas, como um sistema normativo. Apenas referindo a conduta humana ao Direito como um sistema de normas válidas, ao Direito tal como definido pela jurisprudência normativa, é que a jurisprudência sociológica é capaz de delimitar o seu objeto específico daquela da sociologia geral; apenas por meio dessa referência é possível distinguir sociologicamente o fenômeno da conduta jurídica do fenômeno da conduta antijurídica, o Estado de uma armadilha de chantagistas. A partir do ponto de vista jurídico, a ameaça da quadrilha constitui um delito, o crime de chantagem; uma norma jurídica válida torna-a condição de certa sanção. A partir de um ponto de vista sociológico, ela pode ser considerada um delito apenas porque existe certa possibilidade de que a sanção prevista pela ordem jurídica será executada.
O Estado
Considera-se a relação entre o Direito e o Estado como sendo análoga à que existe entre o Direito e o indivíduo. Pressupõe-se que o Direito —apesar de criado pelo Estado — regula a conduta do Estado, concebido como um tipo de homem ou supra-homem, exatamente como o Direito regula a conduta dos homens.O Estado é discutido a partir de um ponto de vista puramente jurídico. O Estado, então, é tomado em consideração apenas como um fenômeno jurídico, como uma pessoa jurídica, ou seja, como uma corporação. O Estado é a comunidade criada por uma ordem jurídica nacional (em contra-posição a uma internacional). O Estado como pessoa jurídica é uma personificação dessa comunidade ou a ordem jurídica nacional que constitui essa comunidade. De um ponto de vista jurídico, o problema do Estado, portanto, surge como o problema da ordem jurídica nacional.
O Estado como comunidade em sua relação com o Direito não é uma realidade natural, ou uma realidade social análoga a uma natural, tal como o homem é em relação ao Direito. Se existe uma realidade social relacionada ao fenômeno que chamamos de "Estado" e, portanto, um conceito sociológico distinto do conceito jurídico de Estado, então a prioridade pertence a este, não àquele. Comunidade social significa unidade de uma pluralidade de indivíduos ou de ações de indivíduos. A asserção de que o Estado não é apenas urna entidade jurídica, mas uma entidade sociológica, uma realidade social que existe independentemente de sua ordem jurídica, só pode ser comprovada demonstrando-se que os indivíduos que pertencem ao mesmo Estado formam uma unidade e que essa unidade não é constituída pela ordem jurídica, mas por um elemento que nada tem a ver com o Direito. Contudo, tal elemento que constitui o "uno entre os muitos" não pode ser encontrado.
O poder, num sentido social ou político, implica autoridade e uma relação de superior para inferior. Tal relação torna-se possível apenas com base em uma ordem por meio da qual um seja investido de poder e outro seja obrigado a obedecer. O poder social é essencialmente correlato à obrigação social, e a obrigação social pressupõe a ordem social ou, o que redunda no mesmo, a organização social. O poder social é possível apenas dentro da organização social. Isso se torna particularmente evidente quando o poder não está apenas com um único indivíduo, mas — como, em geral, é o caso na vida social — com um grupo de indivíduos. O poder social é sempre um poder que, de um modo ou de outro, é organizado. O poder do Estado é o poder organizado pelo Direito positivo —é o poder do Direito, ou seja, a eficácia do Direito positivo. Desse modo, imaginamos por trás do Direito a sua personificação hipostatizada, o Estado, a divindade do Direito. O dualismo de Direito e Estado é uma superstição animista. O único dualismo legítimo aqui é o de validade e eficácia da ordem jurídica. Mas essa distinção — apresentada na primeira parte deste livro — não nos autoriza a falar do Estado como um poder separado da ordem jurídica ou por trás dela.
A limitação da esfera de validade da ordem coercitiva chamada Estado a um território definido significa que as medidas coercitivas, as sanções, estabelecidas pela ordem, têm de ser instituídas apenas para esse território e executadas apenas dentro dele. Na verdade, não é impossível que uma norma geral ou individual da ordem jurídica de um determinado país prescreva que um ato coercitivo deva ser efetuado dentro do território de outro Estado, e que um órgão desse primeiro Estado deva executar essa norma. Mas, se tal norma fosse decretada ou executada seriam antijuridicas. A ordem jurídica violada por esses atos é o Direito internacional. Porque é o Direito internacional que determina e, desse modo, delimita as esferas territoriais de validade das várias ordens jurídicas nacionais.
Segundo o Direito internacional, o Estado permanece o mesmo na medida em que o território continue essencialmente o mesmo. A identidade do Estado no tempo está baseada diretamente na identidade do território e apenas indiretamente na identidade da população que vive no território. Segundo a teoria tradicional. O Estado deixa de existir quando o governo não é mais capaz de obter obediência à ordem coercitiva que, até então, era eficaz para esse território. Para se ter como certo que um Estado deixa de existir é necessário que nenhum outro governo seja capaz de obter obediência permanente à ordem coercitiva válida para o território em discussão.
O ato jurídico de reconhecimento de um governo não pode ser separado do ato jurídico de reconhecimento de um Estado. Na medida em que um Estado admite que outra comunidade é um Estado no sentido do Direito internacional, e na medida em que não declara que essa comunidade deixou de ser um Estado, ele não pode declarar que esse Estado não tem governo. Um Estado, porém, é livre para travar ou se recusar a travar relações políticas e de outro tipo com um governo, ou seja, ele pode conceder ou recusar ao governo o reconhecimento político, mas nunca o reconhecimento jurídico.
Assim como o Estado tem apenas um território, ele tem apenas um povo, e, como a unidade do território e jurídica e não natural, assim o é a unidade do povo. Ele é constituído pela unidade da ordem jurídica válida para os indivíduos cuja conduta é regulamentada pela ordem jurídica nacional, ou seja, é a esfera pessoal de validade dessa ordem. Exatamente como a esfera territorial de validade da ordem jurídica nacional é limitada, assim também o é a esfera pessoal. Um indivíduo pertence ao povo de um dado Estado se estiver incluído na esfera pessoal de validade de sua ordem jurídica.
A cidadania ou nacionalidade é um status pessoal, a aquisição e a perda do qual são reguladas pelo Direito nacional e pelo internacional. A ordem jurídica nacional faz desse status a condição de certos deveres e direitos. O mais proeminente dentre esses deveres geralmente impostos apenas a cidadãos é o dever de prestar serviço militar.
Os chamados direitos políticos encontram-se entre os direitos que a ordem jurídica costuma reservar a cidadãos. Eles são comumente definidos como os direitos que dão ao seu possuidor um poder de influência na formação da vontade do Estado. O principal direito político é o direito de votar, isto é, o direito de participar na eleição dos membros do corpo legislativo e de outros funcionários de Estado, tais como o chefe de Estado e os juízes.
Habitualmente, considera-se também um direito político a capacidade - em geral reservada a cidadãos - de ser eleito ou nomeado para um cargo público. Um indivíduo tem um direito, no sentido técnico, de ser eleito ou nomeado para certo cargo público apenas se lhe estiver aberta a possibilidade de impor sua eleição ou nomeação.
Juridicamente, fidelidade e proteção não significam nada mais além do fato de que os órgãos e os sujeitos do Estado têm de cumprir as obrigações jurídicas a eles impostas pela ordem jurídica. É errado, em particular, afirmar que o indivíduo tem um direito natural à proteção de certos interesses tais como vida, liberdade, propriedade. O fato de a competência do Estado não ser limitada “pela natureza”não impede que a esfera material de validade da ordem jurídica nacional seja limitada juridicamente. Surge a questão de saber se o Direito internacional, que limita as esferas territorial, temporal e pessoal de validade da ordem jurídica nacional, também não limita a sua esfera material.
A palavra "poder" tem significados diferentes nesses diferentes usos. O poder do Estado ao qual o povo está sujeito nada mais é que a validade e a eficácia da ordem jurídica, de cuja unidade resultam a unidade do território e a do povo. O "poder" do Estado deve ser a validade e a eficácia da ordem jurídica nacional, caso a soberania deva ser considerada uma qualidade desse poder. Porque a soberania só pode ser a qualidade de uma ordem normativa na condição de autoridade que é a fonte de obrigações e direitos. Quando, por outro lado, se fala dos três poderes do Estado, o poder é compreendido como uma função do Estado, sendo distinguidas três funções do Estado.
"Preâmbulo", que expressa as idéias políticas, morais e religiosas que a constituição pretende promover. Esse preâmbulo em geral não estipula quaisquer normas definidas para a conduta humana e, assim, carece de conteúdo juridicamente relevante. Ele tem antes um caráter ideológico do que jurídico.
A chamada "Carta de Direitos" contida nas primeiras dez Emendas à Constituição dos Estados Unidos é um exemplo. A maioria dessas emendas tem o caráter de proibições e comandos dirigidos aos órgãos dos poderes legislativo, executivo e judiciário. Eles dão ao indivíduo um direito, no sentido técnico da palavra, apenas se ele tiver a possibilidade de recorrer à lei contra um ato inconstitucional do órgão, especialmente se puder acionar um processo que leve à anulação do ato inconstitucional. Ela é claramente expressada na Nona Emenda: "A enumeração de certos direitos na Constituição não será interpretada de modo a negar ou desacreditar outros assegurados ao povo." Com isso, os autores da Constituição queriam dizer que existem certos direitos que não podem ser expressados nem na constituição nem na ordem jurídica positiva por ela fundada. Não obstante, do ponto de vista do Direito positivo, o efeito dessa cláusula é autorizar os órgãos de Estado que têm de executar a constituição, especialmente os tribunais, a estipular outros direitos que não os estabelecidos pelo texto da constituição.
Os tribunais exercem uma função legislativa quando a sua decisão, em um caso concreto, se torna um precedente para a decisão de outros casos similares. Um tribunal com essa competência cria, por meio da sua decisão, uma norma geral que se encontra no mesmo nível dos estatutos criados pelo chamado órgão legislativo. Onde é válido o Direito consuetudinário, a criação de normas gerais não é reservada ao chamado órgão legislativo, mesmo no sentido de que outros órgãos possam criar tais normas apenas com a sua autorização. O costume, como método de criação de normas gerais, é uma alternativa genuína da legislação. No tocante ao efeito da sua função jurídica, não há diferença alguma entre costume e legislação. O Direito consuetudinário e o estatutário são igualmente obrigatórios para o indivíduo.
Os órgãos do poder "executivo" freqüentemente exercem a mesma função que os tribunais. A administração pública está baseada no Direito administrativo, assim como a jurisdição dos tribunais está baseada no Direito civil e no criminal. Aliás, o Direito administrativo, que se desenvolveu posteriormente ao Direito civil e ao criminal, tem mais o caráter de Direito estatutário que o de Direito consuetudinário. A base jurídica da administração pública é fornecida por estatutos administrativos. Mesmo quando a função administrativa possui o mesmo caráter que a função judiciária, a posição judiciária e o processo dos tribunais podem diferir daqueles dos órgãos administrativos. Os juízes, por exemplo, são, em geral "independentes", isto é, estão sujeitos apenas às leis e não às ordens (instruções) de órgãos judiciários ou administrativos superiores.
A teoria política da Antigüidade distinguia três formas de Estado: monarquia, aristocracia e democracia. A teoria moderna não foi além dessa tricotomia. A organização do poder soberano é apresentada como o critério dessa classificação. Quando o poder soberano de uma comunidade pertence a um indivíduo, dizse que o governo, ou a constituição, é monárquico. Quando o poder pertence a vários indivíduos, a constituição é chamada republicana. Uma república é uma aristocracia ou uma democracia, conforme o poder soberano pertença a uma minoria ou a uma maioria do povo.
A diferença entre um estado de anarquia, onde nenhuma ordem social é válida, e uma ordem social cuja validade se baseia no consentimento permanente de todos os sujeitos existe apenas na esfera das idéias. Na realidade social, o grau mais alto de autodeterminação política, isto é, um estado onde não é possível nenhum conflito entre a ordem social e o indivíduo, é praticamente indistinguível de um estado de anarquia. Em uma democracia representativa, o sistema de representação proporcional é a aproximação máxima possível do ideal de autodeterminação, sendo, portanto, o sistema eleitoral mais democrático.
Como liberdade política significa acordo entre a vontade individual e a coletiva expressada na ordem social é o princípio de maioria que assegura o grau mais alto de liberdade política possível dentro da sociedade. Se uma ordem não pudesse ser modificada pela vontade de uma maioria simples dos sujeitos, mas apenas pela vontade de todos (ou seja, de modo unânime), ou pela vontade de uma maioria qualificada (por exemplo, por um voto majoritário de dois terços ou de três quartos), então um único indivíduo, ou uma minoria de indivíduos, poderia impedir uma modificação na ordem.
No estágio de legislação é possível combinar, até certo ponto, o princípio de democracia indireta e o de democracia direta. Tal combinação é a instituição da "iniciativa popular", que significa que o parlamento deve decidir propostas de legislação subscritas por um determinado número de cidadãos. Outra maneira de combinar a democracia direta e a indireta é o "plebiscito", que significa que certos projetos de lei decididos pelo parlamento devem ser submetidos ao voto popular antes de obter força de lei.
Em tempos recentes, surgiu uma nova forma de autocracia na ditadura de partido do bolchevismo e do fascismo. Na Rússia, a nova forma é um produto da revolução socialista que se seguiu à Primeira Guerra Mundial. A sua base intelectual é a teoria marxista da luta de classes e da ditadura do proletariado. Na realidade, essa ditadura tornou-se a de um partido, representando os interesses dos proletários e contrário a todos os outros partidos, mesmo que proletários. A palavra "bolchevismo" era originalmente aplicada ao partido que exercia a ditadura na Rússia, mas acabou por designar um tipo de governo.
Na Itália, o partido fascista era um partido de classe média que ascendeu à ditadura na luta contra partidos proletários. A palavra "fascismo" — como "bolchevismo" — veio a ser usada como nome de um tipo de governo, a saber, a ditadura de um partido de classe média. O Estado nacional-socialista da Alemanha pertence a esse tipo.
O Artigo 231 do Tratado de Versalhes, que estabelece a culpa de guerra da Alemanha, justifica a reparação imposta à Alemanha sustentando que ela e os seus aliados são responsáveis por um ato de agressão. Isso significa que o Artigo 231 caracteriza essa agressão como um ato antijurídico, o que seria impossível caso os autores do Tratado de Paz compartilhassem a opinião de que cada Estado tem direito de recorrer à guerra, por qualquer motivo, contra qualquer outro Estado. Se a agressão que a Alemanha foi forçada a admitir não houvesse sido considerada "antijurídica", então ela não poderia ter sido usada para justificar a obrigação da Alemanha de prover reparação pelas perdas e danos causados pela agressão. O Tratado de Versalhes não impôs à Alemanha uma "indenização de guerra", mas o dever de prover "reparação" pordanos causados "antijuridicamente".
Segundo o Direito natural, toda a guerra deve ter uma causa justa, e que, em última análise, essa "causa justa" só pode ser um mal sofrido. Essa idéia, que predomina até o final do século XVIII, desapareceu quase inteiramente das teorias de Direito internacional positivo durante o século XIX, apesar de ainda constituir a base da opinião pública e das ideologias políticas de diferentes governos. Somente depois da Primeira Guerra Mundial, essa doutrina de "guerra justa" foi retomada por certos autores. A partir do ponto de vista do Direito internacional vê-se a sua conexão com o Direito nacional e, por conseguinte, com uma ordem jurídica universal. Mas — por mais estranho que isso possa parecer — a maioria dos teóricos do Direito internacional não compartilha essa visão monista. O Direito internacional e o Direito nacional são, na sua opinião, duas ordens jurídicas separadas, mutuamente independentes, que regulamentam matérias muito diferentes e que possuem fontes bem diferentes. Quando, porém, surgiu um Direito internacional e o princípio de eficácia tornou-se parte dele, as ordens jurídicas nacionais foram trazidas à relação com o Direito internacional afirmada pela teoria monista. Os Estados são soberanos na medida em que não exista Direito internacional ou que não se suponha a sua existência. Mas se o Direito internacional existe ou é pressuposto como existente, uma ordem jurídica superior à dos Estados é válida.
De acordo com a segunda teoria, a ordem jurídica nacional é superior à ordem jurídica internacional, que recebe a sua validade da primeira. Por conseguinte, o Direito internacional é uma parte do Direito nacional, e a unidade de ambos é também estabelecida por essa teoria. Garantir esta unidade é, de fato, o verdadeiro propósito da teoria do "reconhecimento", a qual se pressupõe a primazia do Direito nacional sobre o Direito internacional, ao passo que a outra teoria pressupõe a primazia do Direito internacional sobre o Direito nacional.
______________________________________________________________________________________

Outros materiais