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TIPOGRAFIA AULA 1 Prof. Naotake Fukushima 2 CONVERSA INICIAL Diz o ditado: “pela capa não se conhece o livro”, mas desconfia-se que pelo uso da tipografia, é possível se conhecer o designer. Bem-vindos à disciplina de Tipografia. Vários profissionais da área consideram que a tipografia é essencial para o design. Vamos, nas próximas aulas, nos aprofundar neste tema. CONTEXTUALIZANDO No decorrer da disciplina, vamos falar sobre as aplicações da tipografia como conhecimento elementar do design. Para iniciarmos o estudo, vamos revisitar algumas áreas do Design, em que o conhecimento da tipografia faz toda a diferença. Como poderemos verificar, a tipografia é a base para muitas áreas de atuação. Em seguida, vamos ver a primeira parte da história relacionada à tipografia, abrangendo a invenção da escrita até a produção de livros manuscritos. Para concluir a aula, vamos exercitar os traços por meio da introdução à caligrafia, o que vai servir tanto para a criação de uma fonte como para a apuração da noção sobre as formas e proporção das letras. TEMA 1 – PARA QUE SERVE A TIPOGRAFIA NO DESIGN? O ex-presidente da Apple e Pixar, Steve Jobs, em um discurso1 feito para uma formatura na Universidade de Stanford, contou que nas aulas sobre caligrafia frequentadas por ele, aprendeu sobre serifas, e que a combinação de letras foi fascinante, pois essa experiência o levou para o primeiro computador Macintosh, que, segundo ele, “foi o primeiro computador com tipografia bonita”. Assim como para Steve Jobs, a tipografia fascina muita gente, sendo importante para muitos, mas especialmente para designers. Neste primeiro tema, vamos ver as áreas em que a tipografia tem relevância, ou seja, praticamente toda a área do Design. 1 Para assistir ao discurso, acesse: . Acesso em: 6 abr. 2021. 3 1.2 No design editorial A preocupação do uso da tipografia com relação ao espaço compositivo, cuidando das palavras ou blocos de textos, conferem a um material um aspecto único, criando um projeto editorial. A tipografia, combinada a outros elementos (cor e forma), comunicam se o assunto é mais formal ou casual, estabelecendo a hierarquia das informações. Figura 1 – Layout de um jornal com textos formais Crédito: Estúdio Maia/Shutterstock. 1.3 Na sinalização Da mesma maneira, em uma sinalização, o uso correto das fontes interfere na legibilidade e na boa navegação em um ambiente. Assim, uma sinalização de uma fábrica (que tem várias regras) é muito diferente de uma sinalização temporária para um show. A tipografia precisa estar harmônica com a finalidade ou com o clima festivo do evento. 4 Figura 2 – Exemplo de sinalização em que se pode perceber o uso de fontes institucionais, que poderiam bem servir para uma empresa Crédito: Geen Graphy/Shutterstock. 1.3 Na identidade visual Na área da identidade visual, o papel que a tipografia exerce é muito evidente. Muitas marcas resultam da exploração das peculiaridades das letras para criar algo que a torne única e marcante. Figura 3 – O estudo de uma marca muitas vezes vem da exploração de uma característica das letras Crédito: Chaosamran/Shutterstock. 5 Figura 4 – No conjunto de marcas abaixo, nota-se como uma boa parte das marcas são somente letras com alguma interferência (Ex.: Amazon, Leg, Zippo, Yahoo, Fedex, eBay, Google, Microsoft etc.) Crédito: Sergzsv.vp/Shutterstock. Nessa lógica, pode-se imaginar a importância da tipografia para a área da promoção, como um cartaz, ou mesmo na prateleira em uma embalagem. Por isso que alguns designers, entre eles, Victor Burton, designer de capas, afirmam: “tecnicamente, o importante para o artista gráfico é o estudo da tipografia. O resto é experiência de vida” (Fontoura; Fukushima, 2012). TEMA 2 – BREVE HISTÓRIA DA ESCRITA O conceito da história está relacionado com a invenção da escrita. O período que antecede o surgimento da escrita é considerado pré-história. Existem outras formas de registros, como no caso das pinturas em cavernas ou mesmo desenhos em peças cerâmicas, mas, ainda assim, a escrita é que marca o começo da história. Eventos que antes só haviam sido transmitidos verbalmente, puderam, com a escrita, ser registrados de forma mais permanente, possibilitando à humanidade registrar a sua história. Conhecer os percursos da escrita e da humanidade ajuda na nossa compreensão da tipografia como algo que tem uma evolução contínua. 2.1 A necessidade de registros Sabemos que os humanos deixaram traços por causa de registros encontrados na África com mais de 200 mil anos de idade. Do período Paleolítico 6 ao Neolítico (3.500 a.C. - 4.000 a.C.) estima-se que foram criadas as primeiras pinturas nas cavernas, como na conhecida caverna de Lascaux. Figura 5 – Visitante na caverna de Lascaux. Uma comunicação entre humanos de muitos anos atrás conosco Crédito: Thipjang/Shutterstock. Para os estudiosos, essas manifestações não se tratavam de arte e, sim, teriam finalidades utilitárias e ritualísticas com caráter ”mágico”, que se destinavam a obter sucesso na caçada. Entre essas pinturas, encontram-se sinais geométricos e abstratos (que não são figurativos, utilizando-se de pontos, círculos e quadrados, que se parecem com uma forma de pré-escrita). Atualmente, especula-se que esses sinais poderiam ser alguns símbolos que representam ideias (ideografias). Pode-se afirmar que existia uma tendência de simplificação e estilização ao ponto de, no final do período Paleolítico, alguns símbolos se reduzirem até se parecerem com letras (Meggs; Purvis, 2009). 2.2 Os sumérios e os primeiros escritos A escrita surge originalmente para obter uma representação visual da fala. Uma das teorias sobre o surgimento da linguagem gráfica diz que a escrita veio da necessidade de registrar o armazenamento de alimentos. O desenvolvimento da escrita começa em 3.000 a.C., com a escrita cuneiforme dos sumérios. Situados na região do atual Iraque, os sumérios faziam parte da Mesopotâmia. O registro era feito em argilas macias com uma ferramenta. 7 Saiba mais Você pode ter uma ideia de como essa escrita era feita no link a seguir: . Figura 6 – Escrita cuneiforme, invenção atribuída aos sumérios Crédito: Couperfield/Shutterstock. Acredita-se que o sistema cuneiforme era uma série de símbolos de palavras fonéticas abstratas que passou por diversos estágios: imagens, símbolos pictóricos (pictogramas) e símbolos conceituais (ideogramas). Complementarmente, surgiram elementos silábicos que permitiriam representações de palavras estrangeiras, reduzindo, assim, a correlação entre a imagem e o elemento gráfico da letra, base da abstração que fez surgir mais adiante os alfabetos. A figura 7 mostra uma transliteração hipotética – processo de mapeamento de um sistema de escrita para outro sistema –, que mostra as configurações dos símbolos que ocorriam nas inscrições dos sumérios 8 Figura 7 – Alfabeto cuneiforme sumério Crédito: Sidhe/Shutterstock. Essa invenção da região da Mesopotâmia, que foi o princípio da linguagem visual, se difundiu pelas invasões e conquistas e seguiram para o Egito e Fenícia, onde os egípcios a transformaram na sua complexa e rica forma de escrita hieroglífica. Por outro lado, mais adiante, os fenícios simplificariam tal sistema, transformando-a em sinais fonéticos. TEMA 3 – O SISTEMA EGÍPCIO DOS HIERÓGLIFOS E A INVENÇÃO DO ALFABETO 3.1 Hieróglifos A necessidade e as vantagens de se registrar os acontecimentos foi incorporado tempos depois pelos egípcios. O sistema egípcio trabalhava com cerca de 700 hieróglifos, sendo que alguns desses hieróglifos eram retratadospor meio da imagem, enquanto outros eram fonogramas que não representavam pictoricamente algo, mas sim um som. 9 Figura 8 – Hieróglifos utilizados pelos egípcios Crédito: Yass KT/Shutterstock. O grande marco relacionado ao sistema egípcio foi em 1799, quando encontrou-se, no Delta do Nilo, a Pedra de Roseta, de 196 a.C. Nela, havia inscrição em hieróglifos egípcios, escrita demótica e grego, o que permitiu decifrar o sistema egípcio, que ocorreu em 1822. Figura 9 – Pedra de Roseta Crédito: Fernanda Bonczynski/Shutterstock. 10 Uma inovação, também ocorrida no período das dinastias egípcias, foi a invenção dos papiros, que ajudou a impulsionar ainda mais a escrita. O material consistia em uma espécie de papel feito com plantas, as quais eram ressecadas para aumentar a sua durabilidade. Essa invenção possibilitou a preservação de leis, contratos, ordens e cartas. Figura 10 – Confecção de papiro Crédito: Marco Ossino/Shutterstock. Figura 11 – Arte egípcia feita sobre papiro Crédito: Kriveart90/Shutterstock. Por mais de 3 mil anos, a cultura egípcia se desenvolveu deixando vários legados na área da comunicação visual. Junto com a herança da cultura da Mesopotâmia, evoluiu em seguida para o alfabeto e o surgimento do mundo greco-romano. 11 3.2 A invenção do alfabeto Os fenícios eram uma nação de comerciantes marítimos que se situava onde hoje é a costa mediterrânea da Síria, Líbano e Israel. Eles detinham a melhor tecnologia de construção de navios da sua época. Em torno de 1200 a.C., os fenícios eram os líderes da região do Mediterrâneo. Figura 12 – Alfabeto fenício Crédito: Mystical Link/Shutterstock. As atividades comerciais e consequente aumento do poder econômico favoreceram o desenvolvimento local e, por volta de 1400 a.C., inspirada nos hieróglifos, começou a surgir a escrita. O alfabeto deles se torna a base para os sistemas de escrita de toda a Europa. Na próspera Grécia, por volta de 1200 a.C., se praticava amplo comércio. A região foi o berço da civilização ocidental, com atuações nos campos da arquitetura, pintura, escultura, literatura e teatro, bem como na ciência, astronomia, matemática, física e geografia. Aquele ambiente foi também ingrediente para a evolução da escrita. No século 9 a.C., adotou-se a evolução do sistema fenício, com 22 símbolos somando às vogais A, E, I, O e U. Os romanos herdaram a cultura grega. 12 Existem registros de pranchas de madeira com informações entalhadas que eram penduradas em locais públicos, as quais podem ser consideradas como precursoras dos nossos jornais e cartazes. Figura 13 – Coluna com inscrição romana que servia para registrar as conquistas Crédito: Sérgio Formoso/Shutterstock. TEMA 4 – CARLOS MAGNO E SUA REFORMA DA ESCRITA No final do século VIII, se estabeleceu o império de Carlos Magno, dominando uma grande parte da Europa. Esse império fez reformas culturais, políticas e religiosas de maneira geral. Nesse período, foi idealizado um estilo único de escrita que desse conta de transmitir para todos os cidadãos e funcionários do império as informações de interesse do império. Este esforço resultou no estilo Minúscula Carolíngia, que foi elaborado com base nas letras romanas antigas. Figura 14 – Representação do Carlos Magno Crédito: Jorisvo/Shutterstock. 13 Na medida em que os carolíngios se liberaram dos rígidos dogmas da igreja de Santo Agostinho, isso refletiu nas suas manifestações culturais, inclusive na escrita, em que as formas eram abertas e francas. Esse alfabeto foi importante para a escrita, sendo totalmente desenvolvido em minúsculos. Figura 15 – Escrita medieval no estilo similar à minúscula carolíngia, escrita com uma pena Crédito: Redaktion93/Shutterstock. A escrita foi facilitada pelas suas formas arredondadas e melhorou a ergonomia da forma como a pena era segurada, bem como pela ausência de ligaturas. As melhorias na maneira de separar as sílabas facilitaram o processo de escrita. Como consequência dessa evolução na escrita, novos grupos foram introduzidos na arte de escrever e novos assuntos puderam ser registrados e transmitidos. A minúscula carolíngia tornou-se padrão entre os séculos VII e XI, acompanhando a sua evolução com o império. Com a sistematização das minúsculas junto das capitulares romanas, formou-se a base para nossos alfabetos atuais. TEMA 5 – AULA PRÁTICA – PRIMEIROS PASSOS DA CALIGRAFIA Como vimos nesta primeira parte da história, as escritas culminaram nas letras feitas com tinta e pena. A caligrafia é a base para a criação das fontes. Assim, para iniciarmos e nos familiarizarmos com este universo, vamos realizar os exercícios introdutórios de caligrafia, que não exigem nenhum material especial além do trivial: 2 lápis 2B (ou similar), fita crepe, papel A3, régua e papel sulfurize (papel manteiga ou vegetal bem fino). 14 5.1 Etapa 1 – montar a “pena” e preparar as bases Este exercício simula a pena chata utilizada para a caligrafia de maneira muito simples. Junte 2 lápis com fita crepe como na figura a seguir. Figura 16 – Configuração do lápis para o exercício Fonte: Fukushima, 2021 Em uma folha A3, na posição vertical, vamos traçar as linhas bases. Faça um traço a 1 cm da borda superior da folha, depois outro a 2 cm, depois a 3 cm, 2 cm e 1 cm. Repita esse conjunto de traços até o fim da folha. Faça pelo menos 2 folhas. Figura 17 – Primeiros traços Fonte: Fukushima, 2021. 15 5.2 Etapa 2 – faça alguns aquecimentos Inicie com alguns aquecimentos, como na figura a seguir: Figura 18 – Aquecimentos para exercício de caligrafia Fonte: Fukushima, 2021. 5.3 Etapa 3 – escreva as 26 letras Utilizando a referência a seguir, treine para início de exercício as 26 letras do alfabeto. A sugestão é que você escreva a letra “a” algumas vezes até ficar satisfeito e siga para a próxima letra desse modo, até completar o alfabeto para treinar a mão. Figura 19 – Letra no estilo fundamental Fonte: Fukushima, 2021. Feitas as letras, agora com o sulfurize escreva uma frase utilizando como base a sua própria letra. À medida que for treinando, você fará a composição da palavra ou frase diretamente na folha, mas essa forma de fazer em etapas é muito boa para se começar o aprendizado. Finalmente, fotografe ou escaneie para fazer uma peça gráfica. Fazer este exercício em A3 é interessante, tendo em vista que ao reduzir as letras, ele mantém o aspecto de feito a mão e, ao mesmo tempo, disfarça as imperfeições naturais no início dos exercícios. 16 Saiba mais O Antigo Egito foi uma das bases para a civilização ocidental, de onde os gregos, que são conhecidos como o berço da civilização, receberam muitos dos seus conhecimentos Os hieróglifos são a origem dos nossos símbolos visuais. Assim, uma pomba, que simboliza a paz, é uma dessas formas de comunicação que utilizamos nos materiais gráficos. Conheça um pouco mais sobre como os hieróglifos foram decifrados no pequeno documentário História da comunicação – Champollion e a decifração dos hieróglifos, parte da série Cosmos, de Carl Sagan, no link: . TROCANDO IDEIAS Compartilhe os resultados do exercício prático no fórum e comente os trabalhos. Contribua com ideias de como poderia utilizar os resultados alcançados. NA PRÁTICA A história da escrita serve para entendermos como foi a evolução da tipografia, bem como da linguagem visual. Faça uma pesquisa de imagens e fontes que consigam transmitir a peculiaridade da escrita egípcia e exercite criando uma capa para o livro O Egípcio, de Mika Waltari. Pesquise como outros designers resolveram a capa desse livro, tendo em vista que ele foi escrito em 1945 e já teve muitas capas em diversas línguas. Tente resolver a capa utilizando a escritaegípcia como um dos elementos principais da capa. FINALIZANDO Nesta aula, conhecemos um pouco sobre os contextos em que se utiliza a tipografia nas diversas áreas do Design e viajamos no tempo para conhecer os primeiros passos do surgimento da escrita até chegar nos registros por meio da escrita a pena do período de Carlos Magno. Na aula seguinte, iremos continuar a acompanhar essa jornada até os tipos móveis que originaram o nosso processo de tipografia atual. Para finalizar, exercitamos a escrita com lápis duplo. Esses conhecimentos servirão de base para o melhor uso da tipografia na profissão. 17 REFERÊNCIAS FONTOURA, A. M.; FUKUSHIMA, N. Vade-mécum de Tipografia. Curitiba: Insight, 2012. MEGGS, P. B.; PURVIS, A. W. História do design gráfico. São Paulo: Cosac Naify, 2009. Conversa inicial Contextualizando Figura 1 – Layout de um jornal com textos formais Figura 2 – Exemplo de sinalização em que se pode perceber o uso de fontes institucionais, que poderiam bem servir para uma empresa Figura 3 – O estudo de uma marca muitas vezes vem da exploração de uma característica das letras Figura 4 – No conjunto de marcas abaixo, nota-se como uma boa parte das marcas são somente letras com alguma interferência (Ex.: Amazon, Leg, Zippo, Yahoo, Fedex, eBay, Google, Microsoft etc.) Figura 5 – Visitante na caverna de Lascaux. Uma comunicação entre humanos de muitos anos atrás conosco Figura 6 – Escrita cuneiforme, invenção atribuída aos sumérios Crédito: Couperfield/Shutterstock. A figura 7 mostra uma transliteração hipotética – processo de mapeamento de um sistema de escrita para outro sistema –, que mostra as configurações dos símbolos que ocorriam nas inscrições dos sumérios Figura 8 – Hieróglifos utilizados pelos egípcios Figura 9 – Pedra de Roseta Figura 10 – Confecção de papiro Crédito: Marco Ossino/Shutterstock. Figura 11 – Arte egípcia feita sobre papiro Figura 12 – Alfabeto fenício Crédito: Mystical Link/Shutterstock. Figura 13 – Coluna com inscrição romana que servia para registrar as conquistas Figura 15 – Escrita medieval no estilo similar à minúscula carolíngia, escrita com uma pena Figura 16 – Configuração do lápis para o exercício Fonte: Fukushima, 2021 Fonte: Fukushima, 2021. Figura 18 – Aquecimentos para exercício de caligrafia Figura 19 – Letra no estilo fundamental Fonte: Fukushima, 2021. Trocando ideias Na prática FINALIZANDO REFERÊNCIAS