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Todos os direitos desta edição reservados a Pontes Editores Ltda. Proibida a reprodução total ou parcial em qualquer mídia sem a autorização escrita da Editora. Os infratores estão sujeitos às penas da lei. A Editora não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta publicação Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Liberali, Fernanda Coelho. / Megale, Antonieta. (Orgs.) Alfabetização, letramento e multiletramentos em tempos de resistência / Fernanda Coelho Liberali / Antonieta Megale (Orgs.) - Campinas, SP : Pontes Editores, 2019 Bibliografia. ISBN - 978-852170- 1. Educação - alfabetização 2. Letramentos e multiletramentos 3. Educação e sociedade I. Título Índices para catálogo sistemático: 1. Educação - alfabetização - 370 2. Letramentos e multiletramentos - 370.19 3. Educação e sociedade - 371.32 Copyright © 2019 - das organizadoras representantes dos colaboradores Coordenação Editorial: Pontes Editores Editoração: Eckel Wayne Arte da capa: Maria Luiza Sayuri Hamada e Debora Cristina Sario Imagens de Capa: Shutterstock - Acervo do Grupo de Pesquisa LACE Revisão de Língua Portuguesa: Valdite Pereira Fuga; Márcia Pereira de Carvalho Formatação: Márcia Pereira de Carvalho Avaliadores externos: Maria Cristina Damianovic, Valdite Pereira Fuga, Márcia Pereira de Carvalho CoNSELHo eDITORIAL: Angela B. Kleiman (Unicamp – Campinas) Clarissa Menezes Jordão (UFPR – Curitiba) Edleise Mendes (UFBA – Salvador) Eliana Merlin Deganutti de Barros (UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná) Eni Puccinelli Orlandi (Unicamp – Campinas) Glaís Sales Cordeiro (Université de Genève – Suisse) José Carlos Paes de Almeida Filho (UNB – Brasília) Maria Luisa Ortiz Alvarez (UNB – Brasília) Rogério Tilio (UFRJ – Rio de Janeiro) Suzete Silva (UEL – Londrina) Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva (UFMG – Belo Horizonte) PONTES EDITORES Rua Francisco Otaviano, 789 - Jd. Chapadão Campinas - SP - 13070-056 Fone 19 3252.6011 ponteseditores@ponteseditores.com.br www.ponteseditores.com.br 2019 - Impresso no Brasil mailto:ponteseditores@ponteseditores.com.br http://www.ponteseditores.com.br/ CAPÍTUlo 17 ALFABETIZAÇÃO E MULTILETRAMENTOS EM CONTEXTOS ESCOLARES OFICIAIS NO MOMENTO HISTÓRICO ATUAL Maria Cecília Camargo Magalhães Viviane Letícia Silva Carrijo A diversidade do atual contexto mundial globalizado, em relação a mudanças econômicas, sociais, culturais, educacionais, científicas, políticas e éticas, traz a necessidade de uma efetiva reflexão crítica quanto à valorização da Educação básica. Enfatiza, também, o questio- namento de verbas para a Educação, de salários e condições de trabalho de profissionais da Educação, de organização das escolas, de formação de educadores (diretores, professores e coordenadores) e de alunos que apontam para novos modos de pensar e agir na relação escola e sociedade. Essas são questões relacionadas ao desenvolvimento social e econô- mico do país, central hoje, quando vemos um desmonte das instituições educacionais, sociais, ambientais e de apoio às minorias e à diversidade cultural e de ideias, apoiadas em visões obscurantistas, muitas das quais nos lembram o macartismo americano. Em entrevista, o ex-ministro da educação, ao descrever as ações do governo atual a delineia como “um delírio ideológico da ‘guerra cultural’, repleta de ilegalidades e atropelos, travada, desde os primeiros dias do governo, contra um suposto ‘marxis- mo cultural’” (MERCADANTE, 2019)1. 1 Disponível em: . Acesso em 12 de agosto de 2019. 207 http://www.brasil247.com/brasil/mercadante-weintraub-faz-perseguicao- Na mesma direção, a manifestação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC, Reunião Regional, 27 e 30 de março de 2019) vem em defesa da educação pública de qualidade, da ciência e da democracia no país, da valorização efetiva do professor, da Universidade e da Escola, bem como de uma formação adequada com base em fatores essenciais para a melhoria da Educação Básica nas escolas públicas, que possibilitem a constituição de profissionais e alunos críticos. No quadro de formação de professores, Cavalcanti (2013) aponta a necessidade do questionamento de certezas as quais, com base em gran- des narrativas, silenciam e encapsulam as formações de educadores e as ações nas escolas, frente a políticas públicas existentes e ao processo de constituição e implementação de novas políticas para a Educação. O foco necessita estar em bases epistemológicas e teórico-metodológicas que possibilitem novas relações entre prática-teoria frente a transformações da sociedade globalizada. Nas palavras de Souza Santos (2007, p. 20), ao discutir a necessidade de novos modos de produção de conhecimento, “[...] não necessitamos de alternativas, necessitamos é de um pensamento alternativo às alternativas”. Rojo (2010, p. 44) retoma as discussões de Soares (2003) para salientar que o significado de alfabetização – aprender a ler e escrever – vislumbra, na atualidade, mais do que o conhecimento do funcionamento da “escrita alfabética”, pois reflete as mudanças sociais, culturais, e his- tóricas de novos tempos e espaços. Ser alfabetizado, hoje, significa mais do que “conhecer o alfabeto, decodificar letras e sons da fala”. Envolve uma compreensão crítica de conhecimento de mundo, intertextualidade, levantamento de hipóteses, inferências, comparação e generalização de informações para estabelecer um diálogo crítico com o texto. Desse modo, aprender a ler e escrever em um mundo globalizado, envolve questões que abordam não apenas a apropriação da linguagem verbal, mas de outras modalidades. Assim como a enorme diversidade cultural, em nossas escolas públicas, principalmente, por conta da diver- sidade de constituição sócio, histórica, cultural, política e educacional, se compararmos as diferenças de oportunidade oferecidas por escolas 208 da rede privada. Como construir na Educação Básica novos modos de produção de conhecimento, nas escolas públicas, conforme salienta Souza Santos (2007)? Essa é uma pergunta crucial para pensarmos a alfabetização em um país como o Brasil, onde, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2016 (IBGE), ainda tem cerca de 11,8 mi- lhões de analfabetos, isto é, 7,2% da população com 15 anos ou mais. Similarmente, cerca de 51% da população brasileira de 25 anos ou mais tem apenas até o Ensino Fundamental completo; 26,3% não finalizou o Ensino Médio e apenas 15,3% completou o Ensino Superior. São núme- ros assustadores para um país que diz entender os processos de leitura e escrita como centrais, mas em que o processo de alfabetização ainda está, usualmente, apoiado em práticas de decodificação sem relação com as práticas sociais das crianças, na leitura pelo professor, no professor como escriba e na escrita descontextualizada e sem planejamento prévio (MAGALHÃES, 2014). Na mesma direção, a centralidade, em repensarmos essas questões em nossas escolas, está revelada nos baixos índices de 2015 do PISA, quanto à leitura para localização, recuperação, integração, reflexão, aná- lise de informações em diferentes tipos de textos – descritivos, narrativos e argumentativos – com foco em esferas: pessoais, públicas, educacionais e ocupacionais. Esses resultados revelam que 50,99% dos estudantes ficaram abaixo do nível 2 de proficiência. A média de desempenho foi de 407 pontos, representando a segunda queda consecutiva na área de leitura desde 2009. Dessa forma, mudar o índice de alfabetização não significa apenas mudar uma abordagem, mas envolveum suporte maior à Educação bem como às escolas e à formação de professores no ensino superior e na educação contínua. Nos últimos 20 anos, as pesquisas em linguística seguem em uma virada na qual, cada vez mais, nos distanciamos da visão tradicional da linguagem – definida como sistema normativo, a-histórica e a-social – em direção à concepção que a compreende como “produto social”, constituinte do ser humano, cuja “própria existência é a atividade social” 209 (MARX, 1844/2002, p. 140). A partir da concepção materialista da história, nas discussões de Vygotsky ([1930] 1996), as relações sociais entre indivíduos mediadas pela linguagem são vistas como centrais ao desenvolvimento em contextos escolares e não escolares, possibilitan- do a inserção dos alunos nos discursos da sala de aula. A base está nas discussões de pedagogias críticas (MAGALHÃES; FIDALGO, 2019), que sugerem o conceito de Multiletramentos, isto é, a multiplicidade de modalidades de linguagem, de culturas e de uso de mídias, cujo objetivo está na inserção dos alunos em práticas sociais diversas, não encapsuladas apenas no conhecimento escolarizado. Todavia, a atual Política Nacional de Alfabetização (PNA) (BRA- SIL, Decreto 9.765 de 11/04/2019) sinaliza para o que parece ser uma volta à compreensão da alfabetização com a perspectiva em práticas individuais e a-históricas, apoiadas em “evidências provenientes das ciências cognitivas”, com ênfase na “consciência fonológica, instru- ção fônica sistemática, fluência em leitura oral, desenvolvimento de vocabulário, compreensão de textos e produção escrita” (BRASIL, 2019, s/p.). Este ensaio se constitui como uma manifestação crítica de duas formadoras sobre questões teórico-metodológicas que subjazem à discussão da Alfabetização e dos Multiletramentos na análise da nova PNA (BRASIL, 2019). Com base em questões teórico-metodológicas discutidas acima, essa nova proposta pode significar uma volta às tradicionais práticas de alfabetização encapsuladas, com foco no indi- vidualismo e na apropriação de fonemas e palavras. Contrapondo-se à PNA, este ensaio enfatiza a relação intrínseca e interdependente entre Alfabetização e Multiletramentos, como uma possibilidade de inserir os alunos das escolas oficiais na multiplicidade cultural e semiótica de práticas letradas, valorizadas ou não pela escola (ROJO, 2012). Para tanto, este ensaio está organizado para discutir, no contexto atual, a base da Alfabetização proposta pela PNA e sua relação com a criação de contextos multiletrados. 210 POLÍTICA NACIONAL DA ALFABETIZAÇÃO (PNA), UM REGRES- SO À DECODIFICAÇÃO? Como apontamos anteriormente, a PNA (BRASIL, 2019) insti- tui uma política de alfabetização para os dois anos iniciais do Ensino Fundamental “baseada em evidências científicas, com a finalidade de melhorar a qualidade da alfabetização no território nacional”. Salienta como essenciais, para a alfabetização, o desenvolvimento de: • Consciência fonêmica, definida como o “conhecimento consciente das menores unidades fonológicas da fala e a habilidade de manipulá-las intencionalmente (Art.2º. no. IV); • Instrução fônica sistemática, estipulada como o “ensino explícito e organizado das relações entre os grafemas da linguagem escrita e os fonemas da linguagem falada ((Art.2º. no. V); • Fluência em leitura oral, estabelecida como “a capacidade de ler com precisão, velocidade e prosódia (Art.2º. no. VI). Essas disposições gerais apoiam-se nos seguintes princípios: • Fundamentação de programas e ações em evidências provenientes das ciências cognitivas (Art.3º, no. III) e • Ênfase no ensino de seis componentes para a alfabetização: 1. Consciência fonêmica; 2. Instrução fônica sistemática; 3. Fluência em leitura oral; 4. Desenvolvimento de vocabulário; 5. Compreensão de textos; 6. Produção de escrita. Defensoras dessa abordagem, Sargiani e Maluf (2018, p. 483) discutem a necessidade do ensino explícito sobre os modos como as 211 letras representam “sistematicamente os sons da fala” para uma alfabe- tização bem-sucedida. Para as pesquisadoras, apoiadas nas discussões da Neurociências e da Psicologia Cognitiva, esse ensino sistemático é fundamental, pois impulsiona o desenvolvimento do aluno, uma vez que, como apontam, a decodificação de palavras é central na alfabetização e requer uma técnica que precisa ser ensinada. Todavia, salientam que, embora a compreensão seja o objetivo central da leitura, não é a “leitura propriamente dita” (SARGIANI; MALUF, p. 480). Para essas pesquisadoras, leitura é decodificação, ou seja, a “deci- fração dos sons das letras segundo um código ortográfico”, o que requer a “identificação ou reconhecimento de palavras escritas”, por meio de uma técnica que possibilita ao leitor “extrair pronúncias e significados” (p. 480). Nesse quadro, a alfabetização (ler e escrever) pressupõe que a criança seja explicitamente ensinada sobre como as letras representam os sons da fala. Pensamos ser importante salientar que o olhar dessa compreensão está voltado à linguagem verbal apenas. O Documento Temático 4 da Rede Nacional de Ciência para a Educação (CpE), escrito por Clara Brandão de Avila, Jerusa Fu- magali de Salles e Regina Maluf (2016, s/p), caminha na mesma direção. Enfatiza que alfabetizar “é ensinar o sistema alfabético” e conhecê-lo é saber usá-lo com precisão e fluência. Nesse quadro, apoiadas em pesquisas da Neurociências, as pesquisadoras apontam a consciência fonológica como conceito centralmente importante para a aprendizagem de leitura, porque possibilita a identificação e manipulação dos sons da língua. Enfatizam que estão se referindo à alfabetização em seu “sentido estrito” do “ensinar e aprender a ler e escrever em uma forma específica designada como alfabética” (AVILA; SALLES; MALUF, 2016, s/p). Morais (2012), apesar de concordar com a importância da consci- ência fonológica, salienta que essa sozinha não possibilitaria à criança tornar-se alfabética. Para o pesquisador, há necessidade de inserção de contextos de letramentos desde o início da alfabetização. Essa questão é necessária para todos os alunos se apropriarem do sistema de escrita al- 212 fabética articulados ao desenvolvimento de outras habilidades de leitura- escrita e ao seu envolvimento em práticas diversificadas de letramentos. Similarmente, o Parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) e da Câmara de Educação Básica (CEB) nº 11/2010 ressalta que: [...] os conteúdos dos diversos componentes curriculares [...], ao descortinarem às crianças o conhecimento do mundo por meio de novos olhares, lhes oferecem oportunidade de um modo mais significativo de exercitar a leitura e a escrita de modo significativo (BRASIL, 2010, s/p). Dessa forma, o foco da PNA, a decodificação de sons, letras, pala- vras isoladas de um contexto significativo para a criança, corre o risco de dar força a uma abordagem que nunca saiu da escola; isto é, enfatizar um processo de alfabetização apoiado em abstrações - som, letra, síla- ba, palavra, isoladas de um contexto significativo que, a nosso ver, é o responsável pela dificuldade de alfabetização, como compreendido por Gee (2000) e descrito por Magalhães (2018): [...] usualmente, desconectada das transformações da sociedade e apoiada em sistemas baseados em uma hierarquia autoritária e piramidal, no individualismo, no controle pelo professor do pensar e dizer aos/dos alunos, em lugar de assegurar uma educação em que todos, colaborativamente, participem na construção e transformação da sociedade, de forma a aprender a agir criticamente, quanto a questões de poder e justiça social, para a organização de uma nova ordem global (MAGALHÃES, 2018, p. 17). Rediscutindo a PNA, este ensaio ressalta a necessidade de uma relação intrínseca e interdependente entre Alfabetização eMultiletra- mentos, como uma possibilidade de inserir alunos das escolas oficiais no Ensino Fundamental 1, na multiplicidade cultural e semiótica de práticas multiletradas, valorizadas ou não pela escola (ROJO, 2012), como esclarecemos, a seguir. 213 MULTILETRAMENTOS: REALIDADE CONTEMPORÂNEA Internacionalmente, desde 1996, com as discussões do “The New London Group” e, nacionalmente, com pesquisadores como Soares (2003) e Rojo (2012), entre outros, o termo “Multiletramentos” tornou-se parte importante das pesquisas quanto ao ensino-aprendizagem de leitura e escrita. Num período de 20 anos, a produção de significados passou a ser pensada multimodalmente, em que a linguagem verbal interage com pa- drões visuais, áudio, espaciais, entre outros na construção da significação Nessa direção, os Multiletramentos consideram as mudanças do mundo e dos ambientes de comunicação cada vez mais tecnológicos, que influenciam a aprendizagem escolar, com os quais os estudantes estão em constante contato. Desse conceito, nasceu a proposta “Pedagogia dos Multiletramentos” (COPE; KALANTZIS, 2013) que consiste em ampliar o ensino-aprendizagem da leitura e escrita, com foco na multiplicidade de culturas, de linguagens, de modos de construir significados parte do dia a dia do ser humano. Essa abordagem aponta para necessidade da escola básica, desde a alfabetização, tomar a seu cargo os letramentos presentes na sociedade, oriundos das novas modos de informação e comunicação (as tecnolo- gias), bem como incluir nos currículos a grande variedade de culturas nas salas de aula. Tal perspectiva leva-nos a refletir sobre a relação entre o que acontece nas práticas sociais fora da escola e (não acontece, mas deveria acontecer) nas práticas das salas de aula (COPE; KALANTZIS, 2009). Esse questionamento apoia esta reflexão crítica sobre questões de alfabetização. Nessa direção, para Carrijo (2017), os multiletramentos sinalizam continuamente a transformação dos usos da linguagem, oferecendo à so- ciedade novas maneiras de ler e produzir discursos que não são sedimen- tados ou estáveis. Cada vez mais, as interações sociais (digitais ou não) requerem práticas sociais de leitura mais complexas, devido às múltiplas conexões culturais que caracterizam as relações sociais contemporâneas, questão já enfocada neste ensaio. Contudo, a PNA (BRASIL, 2019) não 214 menciona o fenômeno da “multiliteracia” no contexto escolar, mas como uma questão familiar ou fora da escola. Ao seguir tais demandas, o professor é estimulado a retornar ao ensino tradicional da alfabetização, experienciando o conflito entre o ensinado na escola e o vivido pelos alunos fora dela. O apagamento das práticas sociais de multiletramentos pode dificultar, aos alunos, a inser- ção de conteúdos trabalhados em sala de aula na vida cotidiana. Nesse quadro, trabalhar com base no contexto de multiletramentos requer um discente cada vez menos voltado a ações limitadas e unificadas de um ensino transmissivo de conteúdos e cada vez mais a práticas sociais que criem possibilidades do engajamento dos alunos na vida e não apenas na sala de aula. É hora de, mais uma vez, refletir sobre a problemática de Lemke (2010, p. 468), que questiona os modos “como as novas tecnologias de informação [tão presentes na vida dos alunos] podem transformar nossos hábitos institucionais de ensinar e aprender”, uma vez que estão voltados às práticas sociais em constante transformação. Bu- zato (2009) aborda essa questão para apontar a importância de, na construção de conhecimento, se levar em conta territórios (geográ- ficos ou imaginários) de convivência que se tornam cada vez mais amplos e as faixas de fronteiras que se constituem como um espaço onde inclusão e exclusão não se colocam como opostos, mas como movimentos presentes na construção crítica de significações. Trata-se de uma questão central ao Brasil, um país com grande diversidade cultural, social e política, em que as relações sociais se constituem das diferenças que se integram ou não, se questionam, dialogam e compartilham o mesmo tempo-espaço. Diante desse cenário, como compreender a proposta de alfabeti- zação da PNA dissociada dos multiletramentos tão presentes na vida sócio-histórica e cultural dos alunos, mas excluídos do Decreto Na- cional? Responder essa pergunta significa, como indicam Kalantzis e Cope (2009), reorganizar as práticas pedagógicas nas escolas em toda a Educação Básica para que estejam voltadas à apropriação crítica dos 215 conteúdos escolares relacionados a seu uso fora dos muros da escola, o que significa rejeitar a proposta da PNA. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PARA FINALIZAR Neste ensaio, apontamos a importância dos contextos de alfabeti- zação, nas escolas oficiais de Educação Básica, criarem contextos para que questões cognitivas presentes na alfabetização – uma vez que são, reconhecidamente, de grande importância – não sejam trabalhadas em atividades isoladas, mas inseridas em contextos de multiletramentos, conforme Morais (2012). Para esse pesquisador, há evidências de que se, durante o ano letivo, a escola criar espaços de reflexão sobre as palavras, inseridas em práticas de letramento, o desenvolvimento de compreensão e produção das crianças é maior. Assim, para Morais, o desenvolvimento da habilidade fonológica é uma condição necessária, mas não suficiente, para a hipótese alfabética. Para ele, a presença nas práticas de sala de aula, de textos da tradição popular oral dos alunos – parlendas, cantigas, quadrinhas, poemas, trava línguas – são necessários e importantes ao desenvolvimento da consciência fonológica. Para exemplificar, descreve a ação de uma professora – Marlene Coelho – que em 2009, no Recife, trabalhando com crianças de 5 anos, explorava textos da tradição oral popular para o desenvolvimento da consciência fonológica e da alfabetização em sua aula com muito sucesso. Na mesma direção, Freire (1970) enfatiza a centralidade da mudança da linguagem do dizer, do treinar e do repetir para o criar; do individu- al a organizações colaborativas e da narrativa pelo professor, à ação colaborativa entre alunos e professores (MAGALHÃES, 2018, p. 17). Essas são questões que tratam da constituição de uma escola que esteja voltada à criação de espaços para o desenvolvimento de profes- sores e alunos como agentes críticos e cidadãos. Retornando à consti- tuição de alunos leitores e escritores, isso não acontecerá se o foco da alfabetização estiver em práticas a-sociais e a-históricas que organizam a 216 sala de aula objetivando formar alunos que, individualmente, agem para repetir, treinar o reconhecimento de sons, letras e palavras, quando o que os alunos das escolas oficiais, em geral, mais necessitam é a inserção social nos discursos. REFERÊNCIAS AVILA, C. B.; SALLES, J. F.; MALUF, M. R. Alfabetização infantil, fluência de leitura e competências linguísticas. Editora CpE, 2016. BRASIL. Parecer homologadodespachodo Ministro, publicado no D.O.U. de 9/12/2010, Seção 1, Pág. 28. (CEB). Parecer CNE/CEB nº 11/2010. Disponível em: . Acesso em 20 de abril de 20BRASIL. Decreto nº 9.765, de 11 de abril de 2019. 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