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Controle de constitucionalidade e a jurisdição constitucional como agente democratizador da justiça Janete Ricken Lopes de Barros[1] Introdução Na Constituição Federal de 1988 foi imbuído ao Poder Judiciário o papel de garantidor dos direitos fundamentais, cabendo a ele, mediante a observância dos princípios constitucionais, aplicar o direito ao caso concreto, pacificando os conflitos sociais, especialmente ao Supremo Tribunal Federal de guardião da carta magna. As questões de alta relevância para a sociedade passaram a chegar com mais freqüência à Suprema Corte, seja pelo alargamento da porta de acesso aberta à comunidade, por meio da ampliação do rol dos legitimados ativos, seja pela possibilidade de participação do amicus curiae, bem como das audiências públicas. A jurisdição constitucional passou a desenvolver um papel que extrapola os limites do caso concreto para o qual foi provocada, uma vez que a interpretação dada aos dispositivos constitucionais, especialmente pelo STF, gera reflexos a todo o ordenamento jurídico. O controle de constitucionalidade e as respectivas técnicas utilizadas na atividade interpretativa assumem, nesse contexto, importância singular e levam os intérpretes a vários debates, tais como a segurança jurídica, o Estado Democrático de Direito, a legitimidade do Supremo e os limites dessa tarefa, que antes de tudo é criadora, porque envolve a figura humana, conforme leciona Celso Ribeiro de Bastos[2]: A interpretação é antes de mais nada uma atividade criadora. Em toda a interpretação existe portanto uma criação de direito. Trata-se de um processo no qual entra a vontade humana, onde o intérprete procura determinar o conteúdo exato de palavras e imputar um significado à norma. Nesse sentido, a interpretação é uma escolha entre múltiplas opções, fazendo-se sempre necessária por mais bem formuladas que sejam as prescrições legais. A atividade interpretativa busca sobretudo reconstruir o conteúdo normativo, explicitando a norma em concreto em face de determinado caso. Pode-se afirmar, ainda, que a interpretação é uma atividade destinada a expor o significado de uma expressão, mas pode ser também o resultado e tal atividade. O fenômeno da interpretação é essencialmente plural e conta com um conjunto de princípios e regras orientadores do processo interpretativo, além dos métodos tradicionais, que serão objeto do presente estudo. Durante esse processo, diferentes focos de análise podem ser postos em evidência, a exemplo do sistema, quer seja, o ordenamento jurídico, ou, ainda, ter o objeto ou o caso concreto a ser solucionado como motor da interpretação. No sistema da common law, a exemplo dos Estados Unidos, a argumentação está voltada aos aspectos do caso concreto e a procura de precedentes. O sistema europeu, especialmente o alemão, paralelamente desenvolveu o método chamado de tópico aplicado aos problemas, no qual é utilizado um método aberto de argumentação indutivo, onde a ordem jurídica é tratada com um dos topoi a ser levado em consideração na solução do caso concreto. A interpretação constitucional pode voltar-se ainda para o papel do intérprete e daí a grande importância de estudar esse processo de tomada de decisões, porque a metodologia também vincula, e definir regras que delimitem a escolha do método e racionalizem o afazer hermenêutico é o tema debatido acerca do presente estudo no mundo jurídico. A diferenciação estabelecida entre regras e princípios, a partir da doutrina de Ronald Dworkin, também é ponto importante a ser tratado nesse contexto. Ao final, a fim de analisar as técnicas de decisão em sede de controle de constitucionalidade utilizadas pelo Supremo Tribunal Federal, dois acórdãos recentemente julgados serão trazidos a título de exemplo, fazendo-se a respectiva ponderação dos resultados. 2. Interpretação e hermenêutica constitucional Inicialmente é importante estabelecer doutrinariamente a diferença terminológica entre hermenêutica jurídica e interpretação constitucional, considerando que o cerne do tema em pauta é a busca de caminhos para controlar o processo de elucidação de sentidos, conforme leciona a professora Christine Oliveira Peter[3] A interpretação de qualquer norma jurídica é um atividade intelectual que tem por finalidade precípua fixar o sentido da norma e tornar possível a aplicação dos enunciados normativos, necessariamente abstratos e gerais, a situações da vida, naturalmente particulares e concretas. Já a hermenêutica jurídica apresenta-se como o ramo da ciência dedicado ao estudo e à determinação das regras que devem presidir o processo interpretativo de busca do significado da lei, e não a sua aplicação ou a busca efetiva do seu significado para o caso concreto. Depreende-se, portanto, que cabe à hermenêutica o papel de estabelecer os parâmetros do processo interpretativo, fixando para tanto regras, a fim de racionalizar a atividade interpretativo-concretizadora, e exigir do intérprete atenção a alguns princípios interpretativos fundamentais. A compreensão da experiência normativa como um processo, diante da correlação entre ato normativo e ato hermenêutico, sua completariedade e o constante dinamismo ocorrente em uma sociedade plural, levam a uma nova visão da hermenêutica jurídica, na qual os tradicionais métodos e critérios de interpretação atrelados à estrita literalidade da lei não são suficientes para resolver os casos levados ao judiciário em busca de uma solução. O jurista Miguel Reale parte para uma interpretação estrutural da experiência jurídica, abrangendo em sua análise as correntes jurídicas do ponto de vista da procura por uma resposta ao problema lançado, reproduzidas pelo professor Inocêncio Mártires Coelho,[4] e, por ser fundamental para o desenrolar do tema proposto, passa-se a transcrever: - a interpretação das normas jurídicas tem sempre caráter unitário, devendo as suas diversas formas ser consideradas momentos necessários de uma unidade de compreensão (unidade do processo hermenêutico); - toda interpretação jurídica é de natureza axiológica, isto é, pressupõe valoração objetivada nas proposições normativas (natureza axiológica do ato interpretativo); - toda interpretação jurídica dá-se necessariamente num contexto, isto é, em função da estrutura global do ordenamento (natureza integrada do ato interpretativo); - nenhuma interpretação jurídica pode extrapolar da estrutura objetiva resultante da significação unitária e congruente dos modelos jurídicos positivos (limites objetivos do processo hermenêutico); - toda interpretação é condicionada pelas mutações históricas do sistema, implicando tanto a intencionalidade originária do legislador quanto às exigências fáticas e axiológicas supervenientes, numa compreensão global, ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva (natureza histórico-concreta do ato interpretativo); - a interpretação jurídica tem como pressuposto a recepção dos modelos jurídicos como entidades lógicas, isto é, válidos segundo exigências racionais, ainda que a sua gênese possa revelar a presença de fatores alógicos (natureza racional do ato interpretativo); - a interpretação dos modelos jurídicos não pode obedecer a puros critérios de lógica formal, nem se reduzir a uma análise lingüística, devendo desenvolver-se segundo exigências da razão histórica entendida como razão problemática (problematicismo e razoabilidade do processo hermenêutico); - sempre que possível conciliá-lo com as normas superiores do ordenamento jurídico, deve preservar-se a existência do modelo jurídico (natureza econômica do processo hermenêutico); - entre várias interpretações possíveis, optar por aquela que mais compreenda aos valores éticos da pessoa e da convivência social (destinação ética do processo interpretativo); - compreensãoda interpretação como elemento constitutivo da visão global do mundo e da vida, em cujas coordenadas se situa o quadro normativo objeto de exegese (globalidade de sentido do processo hermenêutico). 4. Regras e Princípios A dogmática moderna, ressalta Luís Roberto Barroso[5], avaliza o entendimento de que as normas em geral e as normas constitucionais em particular enquadram-se em duas grandes categorias diversas: os princípios e as regras. A importância dessa diferenciação se deu na superação do positivismo clássico legalista, onde somente as regras eram consideradas normas jurídicas. A partir de então, a Constituição passa a ser vista como um sistema aberto de princípios e regras, esses submetidos a valores jurídicos suprapositivos, no qual passam a desenvolver um papel essencial as idéias de justiça e de realização dos direitos fundamentais. Por regras, pode-se entender que são relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas, que são aplicáveis a um número delimitável de situações. Ao ocorrer a hipótese prevista no seu texto, a regra incidirá por meio da chamada subsunção. Assim, a regra opera na modalidade do tudo ou nada, quer seja, ou ela incide na sua inteireza ou ela é afastada. Entrando em conflito duas regras, uma será afastada. Os princípios contém um grau maior de abstração, não vêm com uma conduta especificada a ser seguida, podendo se aplicarem a um conjunto amplo de situações. Apesar da característica da abstração, os princípios também são elementos normativos. Entretanto, diante de um modelo social plural, dialético e democrático, os princípios apontam para várias soluções e, não por outra razão, devem ser aplicados mediante ponderação, na qual caberá ao intérprete aferir o peso que cada princípio deverá desempenhar no caso concreto, mediante concessões recíprocas, a fim de preservar o máximo de cada um, na medida do possível. O modelo tradicional de interpretação foi formado para a aplicação de regras e, no atual contexto, o sistema jurídico está evoluindo em busca da distribuição ideal entre regras e princípios, no qual as regras possam exercer seu papel referente à segurança jurídica e os princípios, por sua vez, sedimentizem o espaço para a realização da justiça no caso concreto. 5. Métodos e premissas da interpretação constitucional Diversas são as formas possíveis de interpretação do texto constitucional, não tendo na comunidade jurídica um consenso para qual seja o método mais justo. A solução é lançada para a análise do caso concreto. Para a efetivação das disposições legais infraconstitucionais é preciso utilizar técnicas modernas de interpretação constitucional, cabendo aos órgãos do Poder Judiciário, nas hipóteses em que diversas são as possibilidades de interpretação, extrair o sentido da norma que a compatibilize com o texto constitucional. É a essa atividade de controle de compatibilidade dos atos normativos com a Constituição que se denomina a chamada Jurisdição Constitucional. Para Luís Roberto Barroso[6] a efetividade da Constituição é a base sobre a qual se desenvolveu, no Brasil, a nova interpretação constitucional, que por sua vez está ligada ao desenvolvimento de algumas fórmulas originais de realização da vontade da Constituição, não importando isso em desprezo ou abandono do método clássico. O método clássico, chamado por Barroso de subsuntivo, está fundado na aplicação de regras e dos elementos tradicionais da hermenêutica, que são: o gramatical, o histórico, o sistemático e o teleológico, continua desempenhando papel importante n busca de sentido das normas e na solução de casos concretos, contudo tem se mostrado insuficiente diante dos casos difíceis advindos da sociedade moderna. Seguindo a idéia da necessidade do fornecimento de instrumentos práticos e específicos da concretização de normas constitucionais, passa-se a relacionar e, em seguida, comentar, acerca de cinco métodos, que na visão de Canotilho[7], formam um conjunto, com base em critérios ou premissas diferentes, contudo complementares entre si, a saber: a- Método jurídico (= método hermenêutico clássico): b- Método tópico-problemático (topói: esquemas de pensamento, raciocínio, argumentação, lugares comuns, ponto de vista): c- O método hermenêutico concretizador; d- O método científico-concretizador (= método valorativo, sociológico); e- A metódica normativo-estruturante. O método jurídico parte da premissa de que a Constituição é uma lei e para interpretá-la deve- se utilizar os cânones ou regras tradicionais da hermenêutica. A articulação entre os elementos interpretativos, quer sejam, o filológico (literal, gramatical, textual), o lógico (elemento sistemático), o histórico, o teleológico (elemento racional), e o elemento genético seriam capazes de conduzir a uma interpretação jurídica. Por esse método está a se valorizar o princípio da legalidade para salvaguardar o texto constitucional, uma vez que aponta para o ponto de partida do processo de busca do sentido das normas por parte dos concretizadores e, ainda, estabelece o limite da tarefa interpretativa como sendo o teor literal do texto. O método tópico-problemático, tem os topói como esquemas de pensamento, raciocínio ou argumentação, e parte das seguintes premissas: o caráter prático da tarefa que visa solucionar casos concretos; o caráter aberto, fragmentário ou indeterminado da lei constitucional; a preferência pela discussão do problema em face da abertura das normas constitucionais, conduzindo para um processo aberto de argumentação entre os vários intérpretes. A arte da tópica seria, assim, uma técnica de pensar problemático, tendo os tópicos a função de auxiliar de orientação do intérprete, constituir um guia de discussão de orientação e permitir a decisão do problema jurídico em discussão, determinado o sentido do texto mais conveniente para o problema. A crítica mais intensa ao método que parte dos topói é a de que a interpretação não deve partir do problema para a norma, mas desta para os problemas. O método hermenêutico-concretizador parte da premissa de que a leitura do texto se inicia pela pré-compreensão carregada pelo intérprete. Interpretar a constituição é compreender seu sentido e o que interpreta faz é exatamente preencher o vazio, momento em que está concretizando a norma para e a partir de uma situação histórica concreta. Konrad Hesse foi o percussor do método interpretativo como uma via hermenêutico- concretizante que se orienta para um pensamento problematicamente orientado e tem como pressuposto o primado do texto constitucional em face do problema, no que se distancia do método tópico-problemático. Através do método científico-espiritual, também denominado de valorativo ou sociológico, ao interpretar deve estar em relevo as bases de valoração (ordem/sistema de valores) subjacentes ao texto constitucional, bem como o sentido e a realidade da constituição como elemento do processo de integração. Assim, o foco da interpretação se desloca da idéia de buscar uma resposta ao sentido do texto constitucional, para a tentativa de compreender o sentido e a realidade de uma lei constitucional. A metódica normativo-estruturante tem as seguintes orientações: a tarefa de investigar as várias funções de realização do direito constitucional (legislação, administração, jurisdição); concretizar a norma numa solução para o caso concreto; deve estar preocupada com a estrutura da norma e a conexão da concretização normativa e com as funções jurídico-práticas; estar baseada em uma teoria hermenêutica da norma jurídica que traz sentido ao texto normativo; estar sediada na idéia de Friedrich Müller de que o texto é apenas a parte descoberta do iceberg, correspondendo normalmente ao programa normativo; partir da visão de que a norma não compreendeapenas o texto, a parte coberta do iceberg abrange um domínio normativo, que é a realidade social, o âmbito da norma; nesses termos, a concretização normativa trabalha com dois elementos: um formado pelos elementos resultantes da interpretação do texto da norma, que é o elemento literal da doutrina clássica e outro que é o de concretização resultante da investigação do referente normativo. Por fim, ressalta-se a interpretação comparativa, que tem sido tratada como o quinto método de interpretação, agregados aos quatro clássicos elementos já mencionados (gramatical, histórico, sistemático e teleológico), resultante da doutrina de Peter Härbele, pela qual é possível descobrir qual critério dará melhor solução para determinados problemas concretos. Para Canotilho[8] o problema do método comparativo é o de saber se ele consegue mais do que recortar standard (medidas regulativas médias correspondestes a condutas sociais corretas) típicos de determinados modelos culturais. Peter Härbele [9]afirma que sua idéia do jus-comparativismo, vem sendo intitulada como quinto método de interpretação, mas que é na realidade uma categoria interpretativa desenvolvida por ele em 1989 e está vinculada aos quatro cânones de Savigny, não havendo hierarquia entres eles, nos seguintes termos: Não há até o presente momento uma hierarquia segura relativa aos quatros métodos de interpretação. Os tribunais a criam provavelmente partindo da sua capacidade de aplicação jurídica, ou seja, de seu controle de justiça. Assim pode realmente acontecer que o método histórico de interpretação não constitua o início, mas que seja, dentro do contexto do pluralismo dos métodos de interpretação, acrescentado no final, a título de corroboração. Além disso, suponho que o método primário de interpretação é o teleológico, sendo os demais métodos apenas complementarmente adicionados. Por fim, minha sugestão é mencionada no “Handbuch für Schweizerisches Verfassungsrect”, de 2001: uma interpretação orientada ao contexto. Isto significa interpretação através de um “acrescentar de outras idéias”. Na busca pela cientificidade do direito, não se pode deixar de mencionar a Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica, que tem seu percursor em Robert Alexy[10], a qual trata, dentre a empírica e a analítica, da perspectiva normativa do discurso jurídico, onde se estabelecem e fundamentam critérios para a racionalidade do discurso. Para Alexy, a modalidade do discurso jurídico, que é um caso especial do discurso prático geral, a argumentação jurídica ocorre sob uma série de condições limitadoras. Entre essas, devem-se mencionar especialmente a sujeição à lei, a consideração obrigatória dos precedentes, seu enquadramento na dogmática elaborada pela Ciência do Direito organizada institucionalmente, assim como – o que acontece, todavia, ao discurso científico-jurídico – as limitações das regras do ordenamento processual. Antes de lançar mão de algum método ou da interação e completude entre eles, é importante ressaltar a vinculação da jurisdição à concretização dos direitos fundamentais, nesse sentido Gilmar Mendes[9] afirma que dessa vinculação resulta para o Judiciário não só o dever de guardar estrita obediência aos chamados direitos fundamentais de caráter judicial, mas também o de assegurar a efetiva aplicação do direito, em especial dos direitos fundamentais, seja nas relações entre os particulares e o Poder Público, seja nas relações tecidas exclusivamente entre particulares. Da vinculação do Judiciário aos direitos fundamentais decorre, ainda, a necessidade de se aferir a legitimidade das decisões judiciais, tendo em vista sobretudo a correta aplicação desses direitos aos casos concretos. A moderna interpretação, derivada do contexto desse novo constitucionalismo, é resultado da busca do sentido do texto constitucional, por não estar mais voltada para a vontade do legislador ou da lei e, sim, à vontade do intérprete ou do Juiz, num Estado que deixa de ser o Estado de Direito Clássico para se tornar um Estado de justiça, na opinião de Bonavides[10]: Redundou assim na busca do sentido mais profundo das Constituições como instrumentos destinados a estabelecer a adequação rigorosa do Direito com a Sociedade: do Estado com a legitimidade que lhe serve de fundamento: da ordem governista com os valores, as exigências, as necessidades do meio social, onde essa ordem atua dinamicamente, num processo de mútua reciprocidade e constantes prestações e contra-prestações, características de todo sistema político com base no equilíbrio entre governantes e governados. . 6. As decisões no controle de constitucionalidade de normas e seus efeitos O sistema misto de controle de constitucionalidade, que vem se delineando no Brasil principalmente a partir Constituição de 1988, tomou novos contornos relativamente às técnicas de decisão adotadas pelo Supremo Tribunal Federal, com o advento da Lei 9.868, de 10.11.1999, a qual dispõe sobre o processo de julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. O legislador no art. 27 da referida lei optou por uma fórmula que não é a tradição da declaração pura e simples de nulidade, decorrente da teoria americana adotada no Brasil, assim, com a flexibilização do efeito ex tunc propiciou novas possibilidades de decisão à Suprema Corte que ao declarar a inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo, estando diante de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá restringir os efeitos daquela decisão ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou, ainda, de outro momento que venha a ser fixado, fenômeno que vem sendo tratado na doutrina como modulação de efeitos. Com base na teoria anteriormente adotada, que importava em equiparar inconstitucionalidade e nulidade, o reconhecimento de qualquer efeito a uma lei inconstitucional importaria na suspensão provisória ou parcial da Constituição, conforme leciona o professor Gilmar Mendes[11], acrescentando que a inconstitucionalidade de uma lei pode levar, também no direito brasileiro, a diferentes variantes de declaração de nulidade: - declaração de nulidade total; - declaração de nulidade parcial; - declaração de nulidade parcial sem redução de texto. A declaração de nulidade total ocorre nos casos em que a totalidade da lei ou do ato normativo é invalidado pelo Tribunal e está relacionada a defeitos formais, tais como a inobservância de dispositivos legais no processo legislativo, a exemplo de vício de iniciativa, o que já se verifica no Brasil desde a Constituição de 1967/69, oportunidade em que o STF declarou a inconstitucionalidade de emendas às Constituição estaduais relativas a matérias que somente poderiam ser disciplinadas mediante iniciativa do Executivo, gerando a declaração de nulidade total como expressão de unidade técnico-legislativa. Outro caso de declaração de nulidade total é em virtude da dependência ou interdependência entre as partes constitucionais e inconstitucionais da lei, salvo se algum dispositivo puder subsistir sem a parte inconstitucional, ocorrendo nessa hipótese uma declaração de inconstitucionalidade em virtude de dependência unilateral. Ainda pode ocorrer, diante da indivisibilidade da lei e da forte integração entre as parte, a declaração de inconstitucionalidade em virtude da chamada dependência recíproca. Dessa interdependência normativa, surge algumas vezes a declaração de inconstitucionalidade conseqüente ou por arrastamento, em virtude de sua dependência normativa em relação aos dispositivos inconstitucionais expressamente impugnados. A declaração de nulidade parcial advém da aceitação da teoria da divisibilidade da lei, pelaqual o Supremo deve declarar a inconstitucionalidade somente da parte da norma viciada, sempre que puderem subsistirem de forma autônoma, quer seja, quando estiverem presentes as condições objetivas de divisibilidade e de que a norma que vai subsistir corresponde à vontade do legislador. A declaração de nulidade parcial sem redução de texto, já presente no sistema brasileiro desde 1949, ocorre nos casos em que o Tribunal se limita a considerar inconstitucional apenas determinada hipótese de aplicação da lei, sem que isso implique em alteração do seu programa normativo. Nos casos de possibilidade de mais de uma interpretação, os Tribunais devem buscar compatibilizar a lei com o texto constitucional, partindo da premissa de que o legislador, a quem foi dada a legitimidade originária para criar as leis, busca positivar uma norma constitucional e de onde se pode extrair o princípio orientador do controle de constitucionalidade intitulado de interpretação conforme à Constituição, que tem tomado contornos muito maiores do que simplesmente espécie de declaração de nulidade parcial sem redução de texto. Na opinião de Gilmar Mendes[12], a equiparação pura e simples da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto à interpretação conforme à Constituição prepara dificuldades significativas: A primeira delas diz respeito à conversão de uma modalidade de interpretação sistemática, utilizada por todos os tribunais e juízes, em técnica de declaração de inconstitucionalidade. Isso já exigiria especial qualificação da interpretação conforme à Constituição, para afirmar que somente teria a característica de um declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto aquela interpretação conforme à Constituição desenvolvida pela Corte Constitucional, ou, em nosso caso, pelo Supremo Tribunal Federal. Até porque, do contrário, também as questões que envolvessem interpretação conforme à Constituição teriam de ser submetidas ao Pleno dos Tribunais ou ao seu órgão especial (CF, art. 97). Destaca Mendes, que se a dificuldade já se apresenta no controle abstrato de normas, aumenta-se a sua extensão ao controle incidental ou concreto, uma vez que, nesse caso, ter- se-ia de conferir, também no âmbito dos tribunais ordinários, tratamento especial à interpretação conforme à Constituição. 7. Princípios norteadores e limites da Interpretação Constitucional A nova interpretação constitucional não procura mais por um único sentido válido para todas as situações sobre as quais incidam, porque diante das cláusulas constituições de sentido aberto, com conteúdo principiológico e extremamente dependente da realidade subjacente, o texto pode demarcar apenas uma moldura dentro da qual se desenham diferentes possibilidades interpretativas em determinados casos. Quanto às normas que não dão margem a uma interpretação constitucional mais complexa, é importante ressaltar o que afirma o professor Luís Roberto Barroso[13]: Muitas situações subsistem em relação às quais a interpretação constitucional envolverá uma operação intelectual singela, de mera subsunção de determinado fato à norma. Tal constatação é especialmente verdadeira em relação à Constituição brasileira, povoada de regras de baixo teor valorativo, que cuidam do varejo da vida. Alguns exemplos de normas que, de ordinário, não dão margem a maiores especulações teóricas: (i) implementada a idade para a aposentadoria compulsória, o servidor público deverá passar para a inatividade...; (ii) o menor de trinta e cinco anos não é elegível para o cargo de Senador da República...; (iii) não é possível o divórvio antes de um ano da separação judicial... Nesse norte, quando está a se falar em nova interpretação constitucional, normatividade dos princípios, ponderação de valores, teoria da argumentação, tudo fruto de uma evolução seletiva, que preserva vários conceitos clássicos, mas também segue agregando novas teorias e idéias, não está a se negar, nem tampouco afastar, a importância das técnicas e premissas convencionais já tratadas anteriormente. Para controlar a abrangência que vem assumindo as técnicas interpretativas, ressaltam-se os princípios instrumentais norteadores dessa tarefa, a saber: o princípio da supremacia da Constituição, o princípio da presunção de constitucionalidade das leis e atos do poder público, o princípio da interpretação conforme a Constituição, o princípio da unidade da Constituição, o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade e o princípio da efetividade. O princípio da interpretação conforme é extraído da necessidade de compreender a lei e as normas à luz da realidade vigente, diante de um sistema aberto e de uma sociedade pluralista, nos quais se faz necessário respeitar as diferenças sociais e as minorias, dando-lhes uma interpretação em consonância com a Constituição Federal, por isso o importante papel desenvolvido pelos tribunais e demais órgãos do Judiciário de garantidor da tutela dos direitos fundamentais e conseqüentemente fortalecedor da democracia. Assim, a interpretação conforme a Constituição propicia ao STF priorizar um sentido da norma em conformidade com o texto constitucional, aumentando o grau de segurança jurídica do ordenamento jurídico e sua respectiva unidade, numa visão positiva do ativismo judicial. 8. A atuação do Supremo Tribunal Federal: O Poder Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal, no controle de constitucionalidade híbrido adotado no Brasil, quer seja tanto no difuso como no concreto, por meio da interpretação constitucional, tem sido capaz de assegurar a efetivação dos direitos fundamentais, fator que modificou a visão clássica de legislador negativo, legitimando o juiz a atuar excepcionalmente como legislador positivo, por óbvio que não com a mesma amplitude do Poder Legislativo, o que feriria o princípio da separação dos poderes, que também vem-se delineando uma nova concepção diante do pluralismo social e do intercâmbio entre as nações. A legitimidade para os órgãos do Poder Judiciário exercerem essa atividade decorre do atual contexto da democracia participativa e de uma sociedade plural, nas quais a vontade do povo não é só a representada pelo sufrágio universal, porque, se assim o fosse, as minorias, que não têm votos suficientes para eleger seus representantes políticos, estariam à margem da garantia da efetiva aplicação dos direitos fundamentais. Dessa maneira, o Judiciário deixou de ser apenas fiscal da implementação do programa das políticas sociais constantes do texto constitucional, nos termos da teoria da Constituição dirigente. Nesse viés, José Afonso da Silva[11] afirma que os constituintes optaram por um modelo de democracia representativa com possibilidades de participação dos cidadãos: Daí decorre que o regime assume uma forma de democracia participativa, no qual encontramos participação por via representativa (mediante representantes eleitos através de partidos políticos, arts. 1º, parágrafo único, 14 e 17; associações, art. 5º , XXI; sindicatos, art. 8º, III; eleição de empregados junto aos empregadores, art. 11) e participação por via direta do cidadão (exercício direto do poder, art. 1º parágrafo único). Iniciativa popular, referendo e plebiscito, já indicados; participação de trabalhadores e empregadores na administração, art. 10, que, na verdade, vai caracterizar-se como uma forma de participação por representação...A esse modelo, a Constituição incorpora princípios da justiça social e do pluralismo. Assim o modelo é o de uma democracia social, participativa e pluralista. A importância das técnicas de interpretação das normas infraconstitucionais à luz da Constituição Federal está na possibilidade de trazer para o âmbito jurídico anseios da sociedade que ainda não tenham sido reconhecidos pelo legislador ordinário.Verifica-se a cada dia a influência que os julgados do Supremo Tribunal Federal tem assumido no âmbito social, donde surge a importância de analisar como tem sido os julgamentos. 8.1. ADIN 3168-6/DF O art. 10 da Lei 10.259/2001, que trata dos Juizados Especiais Federal, foi impugnado pela Ordem dos Advogados do Brasil por meio da ADIN 3168-6/DF, de seguinte teor: Art. 10. As partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não. § único. Os representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, bem como os indicados na forma do caput, ficam autorizados a conciliar, transigir ou desistir, nos processos da competência dos Juizados Especiais Federais. A questão remete à relevância de se prestigiar o princípio do acesso à justiça, por essa razão o primeiro acórdão a ser colacionado será o lançado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.168-6/DF, requerida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que se insurgia contra a constitucionalidade do art. 10 da Lei 10.259/2001, que faculta às partes a designação de representantes para a causa, advogados ou não, no âmbito dos juizados especiais federais. Duas questões foram essenciais para o deslinde do julgamento publicado no Diário Oficial de Justiça de 03 de agosto de 2008, a saber, a técnica de interpretação da Constituição utilizada e o peso dos princípios constitucionais em aparente conflito. A questão amplamente discutida na ADI 3168-6/DF foi a de se o art. 10 da Lei 10.259/2001 afronta o Princípio da Indispensabilidade do Advogado previsto no art. 133 da Constituição Federal, que assim preceitua: Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Nos debates da votação no pleno, o Ministro Carlos Britto (p. 398) fez as seguintes ponderações quanto aos valores constitucionais que estavam se contrapondo: De uma parte, com a dispensabilidade do advogado, se favorece mesmo o acesso à jurisdição. O acesso à jurisdição fica desembaraçado. Mas como disse o Ministro Eros Grau: por outro lado, em contraposição a esse argumento, a garantia constitucional da ampla defesa estará muito mais bem efetivada com a presença do advogado. A maior preocupação verificada nas discussões foi a de não se institucionalizar a figura do rábula, uma vez que na lei dos juizados federais foi facultada a presença em juízo sem advogado, quer seja, sozinho ou mediante um representante (não necessariamente advogado). O ministro Gilmar Mendes frisou que essa opção se deu porque são massas de casos, a exemplo do INSS, que coloca um técnico para fazer a representação em juízo. O Ministro Gilmar Mendes (p. 411) ressaltou, ainda, que a discussão assume viés corporativo, quando, em sua opinião, os Juizados Especiais e, depois, os Juizados Especiais Federais, foram as únicas coisas feitas pelo cliente, o mais tem sido em interesse de corporações. O ministro Joaquim Barbosa, relator da ADI 3.168/DF (p. 387), ora analisada, afirmou que aplicou ao caso a técnica da declaração de constitucionalidade sob reserva de interpretação, quer seja, declarou a constitucionalidade do referido artigo, desde que sejam excluídos de seu âmbito de incidência os feitos de competência dos juizados especiais criminais da Justiça Federal e, nas causas cíveis, sejam aplicados subsidiariamente os dispositivos da Lei 9.009/99, especificamente quanto a possibilidade de comparecer em juízo sem a presença de advogado. O relator para chegar a tal conclusão, lançou mão de três argumentos. O primeiro foi fundamentar que o art. 10 da Lei 10.259/2001 está no bojo das normas que tratam de processos cíveis. O segundo foi de que a diferença entre os juizados especiais da Justiça Comum e da Justiça Federal restringe-se à competência, portanto não seria razoável interpretar que o legislador teria dado tratamento diferenciado a eles. O terceiro argumento foi o da determinação expressa no artigo 1º da referida lei da utilização subsidiária dos dispositivos constantes na Lei 9.099/1995. A questão que ora se levanta, decorrente desse julgamento, é a seguinte: vedar o acesso ao Judiciário, obrigando a parte se fazer presente somente por meio de advogado, significa aumentar o grau de Democracia em uma sociedade? Não seria essa exigência mais um fator de fomentação das desigualdades entre as partes? São esses questionamentos que parecem importantes de serem tratados e refletidos em uma época em que cada vez o cidadão perde mais espaço de autonomia privada para as exigências da sociedade moderna, com o intuito de ter fortalecidos seus direitos individuais. Dúvidas não restam de que a presença do advogado é fator importantíssimo, contudo é necessário lembrar que sua indispensabilidade no processo não é absoluta, já tendo nesse sentido julgado o STF na ADI 1539[14], bem como continua existindo, excepcionalmente, a possibilidade da lei outorgar o jus postulandi a qualquer pessoa, a fim de garantir a garantia de direitos constitucionais, a exemplo do habeas corpus e da revisão criminal (art. 623 do CPP) e recentemente editada a Súmula Vinculante n. 5, a qual admite a dispensa do profissional no âmbito dos processos administrativos. O indispensável papel que o advogado desempenha na busca da justiça, parece que deve ser visto como um direito constitucional, que visa garantir principalmente o princípio da ampla defesa, e não como uma limitação da cidadania, excludente de outros princípios e garantias. No caso analisado, prevaleceu o princípio do acesso à justiça em consonância com a moderna teoria de Cappelletti[15], que após estudar a fundo os problemas de acesso à justiça, a fim de buscar meios de facilitar a busca do cidadão pela solução jurisdicional, afirma que a terceira onda de acesso à justiça é um progresso na obtenção de reformas da assistência jurídica e da busca de mecanismos para a representação de interesses da sociedade, o que proporciona um significativo acesso à justiça. Entretanto, a efetivação do acesso vai muito além de encontrar representação efetiva para interesses antes não representados ou mal representados. Envolve um conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos, utilizados para processar e prevenir os conflitos da sociedade moderna. Portanto, a possibilidade de dispensa excepcional da presença de advogado para determinados atos pelo cidadão, sem que ocorra conflito com o citado princípio constitucional da indispensabilidade do advogado à administração da justiça, e a efetividade da Democracia, coloca a presente decisão do STF em sintonia com a onda de facilitação dos instrumentos processuais para efetivar o acesso à justiça. Certamente a decisão do acórdão analisado está em consonância com essa nova era do constitucionalismo, se de outra forma tivesse sido o julgamento, os Juizados Especiais Federais não teriam a grandeza e importância alcançadas para a sociedade. 8.2. Julgamento do Mandado de Injunção 712 – Direito de greve dos servidores públicos O art. 37, inciso VII da Constituição do Brasil, que diz respeito ao direito de greve do servidor público, remete a matéria à definição por meio de lei específica, estando assim provido de eficácia limitada até a edição de ato do legislativo, o que tem dado ensejo a diversos ajuizamentos de mandados de injunção. Esse fato se dá diante da ausência de lei que regulamente o direito de greve no setor público e o Supremo Tribunal Federal, por provocação, decidiu, em 25 de outubro de 2007, declarar a omissão do Congresso Nacional em legislar acerca do exercício do direito de greve pelos servidores públicos e, por maioria, aplicar ao setor, no que couber, a lei de greve vigente no setor privado (Lei nº7.783/89). A presente decisão tem grande importância para o cenário da jurisdição constitucional, porque o STF ao contrário de somente comunicar a mora ao Congresso, decidiu suprir provisoriamente a lacuna legislativa e aplicar à hipótese a Lei 7.783/89, que se refere aos trabalhadores celetistas, determinando, em suma, que o servidor que desrespeitar a legislação pode ter o ponto e o pagamento cortados referente aos dias não trabalhados. Estamos diante de um caso de ativismo judicial? O art. 5º, LXXI, da Constituição, previu expressamente a possibilidade de concessão do mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora tornar inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Da leitura dos votos proferidoos no acórdão do Mandado de Injunção em tela, se afere a preocupação dos ministros do STF em não protagonizar o papel de legislador positivo, função primordialmente destinada ao Congresso Nacional. Contudo, também se debatem diante da questão de não apreciar direito fundamental ainda não regulamentado por aquele órgão, cuja lacuna torna inviável o exercício de determinados direitos pendentes de legislação. O quadro de greves em setores públicos cruciais no Brasil, deflagrado a partir do caos aéreo, sem qualquer controle jurídico e gerando insegurança a toda a sociedade, parece ter sido a mola propulsora para que o Tribunal assumisse sim uma postura ativista no julgamento. O Ministro Gilmar sustentou em seu voto que a manutenção de situações como essas sem qualquer decisão por parte da Corte Constitucional, gerando conseqüências para o próprio Estado de Direito, deslegitima qualquer justificativa para a inércia legislativa. E nessa linha, defendeu a postura excepcional de legislador positivo pelo Supremo Tribunal Federal, sob o argumento de que, assim como se estabelece o controle judicial sobre a atividade do legislador, é possível atuar também nos casos de inatividade ou omissão do Legislativo. Nos seguintes termos: Evidentemente, não se outorga ao legislador qualquer poder discricionário quanto à edição ou não da lei disciplinadora do direito de greve. O legislador poderá adotar um modelo mais ou menos rígido, mais ou menos restritivo do direito de greve no âmbito do serviço público, mas não poderá deixar de reconhecer o direito previamente definido na Constituição. Identifica-se, pois, aqui a necessidade de uma solução obrigatória da perspectiva constitucional, uma vez que ao legislador não é dado escolher se concede ou não o direito de greve, podendo tão- somente dispor sobre a adequada configuração da sua disciplina. Defendeu o Ministro Gilmar Mendes que, diante da reiterada conduta omissiva do Legislativo sob um determinado assunto, referindo-se aqui aos anteriores mandados de injunção julgados sobre a matéria de greve, não só é passível, como deve ser submetida à apreciação do Judiciário de forma a garantir, minimamente, direitos constitucionais reconhecidos, ainda que por meio de uma conduta positivo legislativa do Tribunal, aplicando-se a norma ao caso concreto. O Ministro Eros Grau também levantou o paralelo entre verificar se tem sido eficaz o Supremo Tribunal Federal emitir decisões solicitando ao Poder Legislativo que preencha a mora legislativa, ou se está a se fazer necessário emitir decisões que efetivamente supram, ainda que provisoriamente, a já referida omissão, caindo novamente na questão de se a Corte tem legitimidade para legislar, ainda que de maneira contida, ou se essa situação estaria a ferir a separação dos poderes. Para tanto o ministro Eros Grau trouxe à tona a classificação tradicional da divisão das funções estatais, consistentes na legislativa, de produção das normas jurídicas, na executiva, de execução das normas, e na jurisdicional, de interpretação e aplicação do ordenamento jurídico. Acrescenta o Ministro que não há que se falar em agressão à separação dos poderes, porque é a Constituição que institui o mandado de injunção e acaba por oportunizar ao Judiciário o dever poder de, através desse instrumento, formular supletivamente a norma regulamentadora omissa. Portanto, embora precípua do Legislativo a função normativa, parece indiscutível que o Poder Judiciário, no mandado de injunção, produz norma, uma vez que formula, por meio da interpretação, a solução com força normativa ao caso concreto, tal qual ocorre com a súmula vinculante, que após editada, atua como texto normativo a ser novamente interpretado e aplicado. Importante levantar o sentido do papel do Supremo como guardião da Constituição, o qual inclui toda afronta ao texto e a função precípua de concretizador dos direitos fundamentais, onde se encaixa o comportamento negativo de qualquer dos poderes constituídos, e o Congresso Nacional ao deixar de editar normas regulamentadoras para tornar eficaz o texto da lei, também está a ferir o exercício pleno de direitos, liberdades e prerrogativas assegurados a todos. Concluindo a questão do mandado de injunção, o Poder Judiciário não define norma de decisão, o STF produz a norma regulamentadora provisória, definindo as medidas que devem ser tomadas e que faltavam para tornar viável no caso o exercício do direito de greve dos servidores públicos, o que pode a vir ocorrer em outras situações que vierem a ser levadas à Corte. 8. Conclusão A evolução do conceito de democracia, a participação do cidadão nas respostas aos conflitos sociais, a constante evolução da sociedade, são fatores que determinam a necessidade da interpretação constitucional moderna, conforme leciona o professor Inocêncio Mártires Coelho[12] Essas constantes mudanças de interpretação, é de registrar, não decorrem de nenhum preciosismo hermenêutico, antes resultam do caráter nomogenético dos fatos sociais, como fatores determinantes da criação e da regeneração dos modelos jurídicos – sejam eles legislativos ou costumeiros, negociais ou jurisdicionais – a compasso de sempre renovadas exigências axiológicas. Da análise dos acórdãos proferidos nos casos em que o Supremo Tribunal Federal foi chamado legitima e democraticamente a se manifestar, fica evidenciada a intenção da Corte em avançar no sentido de conferir maior efetividade aos institutos trazidos para o texto constitucional de 1988, a exemplo do mandado de injunção, propiciando concreção aos direitos fundamentais concebidos pelo constituinte originário. No momento jurídico brasileiro de profundas reformas, a Lei 10.259/2001 veio ao encontro dos anseios da sociedade, que espera ter ampliado seu acesso à justiça, por meio de uma prestação jurisdicional mais célere, que prestigie os princípios da oralidade, da publicidade, da simplicidade e da economia processual, e a decisão do STF na ADI 3168-6/DF demonstra esse compromisso. A democratização da justiça tem que ser de tal forma que viabilize a efetiva aproximação do cidadão à Justiça. De nada adianta uma sofisticada legislação e modernos instrumentos processuais, se não há possibilidade do efetivo exercício da cidadania, em virtude da permanência de uma visão estática dos institutos jurídicos e princípios constitucionais. A Democracia coloca o povo na base do poder, o que se concretiza pelo voto e se organiza por meio do Estado, que por sua vez encontra suas coordenadas gerais no bojo da Constituição. Da junção desses elementos resulta o Estado Democrático de Direito, que por sua vez garante a todos o direito fundamental de acesso à justiça como instrumento de participação democrática e realização dos direitos constantes na carta constitucional. A idéia do constitucionalismo moderno está calçada nesse equilíbrio entre os poderes transferidos para as mãos do Estado e o respeito e conseqüente realização dos direitos fundamentais.O cidadão de hoje aprendeu com os fatos históricos a conhecer seus direitos, compará-los e exigir a concretização do que entende justo. Salienta-se o que afirma Cappelletti, de que o acesso à justiça é o requisito fundamental e o mais básico dos direitos humanos para a construção de um sistema jurídico moderno e igualitário que efetivamente garanta os direitos de todos. A legitimidade de uma Constituição está exatamente no acordo do conteúdo, na sua concretização e conseqüente realização, o que só é possível incorporando as circunstâncias da realidade que essa norma é chamada a regular por meio da moderna interpretação constitucional, que vem sendo feita pelo Supremo Tribunal Federal. 9. Bibliografia Consultada ALEXY, Robert. Constitucionalismo discursivo. Tradução Luís Afonso Heck. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. __________A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Ana Paula de Barcellos ... [et. al]; organizador: Luís Roberto Barroso. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. BASTOS, Celso Ribeiro. As modernas formas de interpretação constitucional. Disponivel na Internet: http://mundojurídico.adv.br. Acesso em 15.09.2008. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Constituição da República Federativa do Brasil – obra coletiva de autoria da Editora Revista dos Tribunais. 13 ed. rev., ampl. e atual. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.1539, Relator Min. Maurício Correa. D.J. 05.12.2003. Ementário nº 2135-3. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.168-6. Relator Ministro Joaquim Barbosa. DJ 03.08.2007. Ementário nº 2283-2. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet . Porto Alegre: Fabris, 1988. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2003. HÄRBELE, Peter. Conversas acadêmicas com Peter Härbele. Organizador Diego Valadés; traduzido, do espanhol, por Carlos dos Santos Almeida. São Paulo: Saraiva, 2009. MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e controle de constitucionalidade. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. PETER, Christine Oliveira. Como se Lê a Constituição: abordagem metodológica da interpretação constitucional. Disponível em: Revista de Direito Público, ano I, n. 6, outubro/novembro de 2004. Site: www.idp.org.br. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. [1]Barros, Janete Ricken Lopes de. Bacharel em Direito, especialização em Processo Civil, analista judiciário do TJDFT, mestranda pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP - E- mail: janete.barros@tjdft.jus.br [2][2]BASTOS, Celso Ribeiro. As modernas formas de interpretação constitucional. Disponível na Internet: HTTP://www.mundojurídico.adv.br. [3]PETER, Christine Oliveira. Como se lê a Constituição: abordagem metodológica da interpretação constitucional. Revista de Direito Público nº 6, 2004, p. 136 e ss. [4]COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional, 2007, pp. 53-54. [5]BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 2004, p. 350 e ss. [6]BARROSO, Luís Roberto. BARCELLOS, Ana Paula de. A nova interpretação constitucional, 2003. Texto: ” O Começo da História. A nova Interpretação Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro”, pp. 329-331. [7]CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2003, pp. 1210 e ss. As informações acerca dos métodos de interpretação foram extraídas da obra do professor Canotilho, em face da síntese e clareza peculiar. [8]CANOTILHO, J. J. Gomes. op. cit., p. 1214. [9]HÄRBELE, Peter. Conversas Acadêmicas com Peter Härbele. Organizador Diego Valadés, 2009. Resposta a entrevista de Ingo Wolfgang Sarlet e Pedro Scherer de Mello, em setembro de 2005, quando da visita do Peter Härbele ao Brasil. Resposta traduzida Poe Virgínia Coelho Felippe dos Santos, p. 210. [10][10]ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica, 2005, p.45 e ss. [11]MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 2008, p. 1245. [12]Idem op. cit, p. 1253. [13]BARROSO, Luís Roberto. op. cit., p. 332. [14]SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, ADI 1539-7, Rel. Min. Maurício Corrêa, pub. DJ dede 05.12.2003: [15]CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça, 1988, p. 67-68.
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