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Processos históricos da educação física no Brasil Apresentação Seja bem-vindo! Desde o descobrimento do Brasil, há relatos de práticas de atividades físicas por parte dos indígenas. De lá pra cá, muitas mudanças ocorreram, com destaque para o surgimento da capoeira. Em sua trajetória, a Educação Física brasileira teve inúmeros objetivos ligados ao contexto político e econômico de cada época. Atualmente, inúmeras correntes pedagógicas discutem qual o melhor viés para a para a prática no País. Nesta Unidade de Aprendizagem, será abordada a tragetória da Educação Física no Brasil. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever o desenvolvimento da Educação Física e suas finalidades no Brasil.• Analisar as relações entre as escolas europeias de ginástica e a evolução da Educação Física e do esporte no Brasil. • Enumerar as principais correntes filosóficas/pedagógicas da Educação Física do Brasil.• Desafio Segundo Darido (2003), a partir da década de 1970, novos movimentos surgiram na Educação Física escolar. Esses movimentos geraram novas correntes, nas quais destacam-se a desenvolvimentista, a crítico-emancipatória e a crítico-superadora. Uma dessas correntes é a Saúde Renovada, que tem como objetivo o condicionamento físico do aluno, e que, através dos exercícios, ele se sinta atraído pela prática e reconheça sua importância para a saúde. Ainda, o movimento aborda conceitos importantes, como Nutrição, Fisiologia, Anatomia e Biomecânica. Pensando nisso, elabore uma aula cujo tema seja Frequência cardíaca. Infográfico Nativa dos quilombos brasileiros, a capoeira surgiu como meio de defesa dos escravos africanos, que sofriam torturas. A ideia era maquiar a luta em forma de dança, para se defenderem das agressões sofridas. No Infográfico a seguir, você verá um pouco sobre esse jogo afro-brasileiro. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/4a7484c4-7113-415b-a76f-61eccffc7b65/11039280-d72f-4343-9a35-36a19d809a43.jpg Conteúdo do livro No capítulo Processos históricos da educação física no Brasil, da obra Dimensões histórico-filosóficas da Educação Física e do esporte, você ampliará seus conhecimentos sobre o assunto, será abordada a história da Educação Física no Brasil, passando por suas principais influências e métodos utilizados e pelas correntes pedagógicas históricas e atuais. Boa leitura. DIMENSÕES HISTÓRICO- FILOSÓFICAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA E DO ESPORTE Processos históricos da educação física no Brasil Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever o desenvolvimento da educação física e suas finalidades no Brasil. � Analisar as relações entre as escolas europeias de ginástica e a evolução da educação física e do esporte no Brasil. � Enumerar as principais correntes filosóficas/pedagógicas da educação física do Brasil. Introdução Em sua trajetória no Brasil, a educação física passou por inúmeros estágios. A sua organização começou no século XIX, quando intelectuais brasilei- ros, influenciados pelo que ocorria na Europa, passaram a reivindicar a presença da ginástica nas escolas brasileiras. Para isso, foram adotados métodos oriundos das escolas de ginástica europeias. São originárias des- sas escolas as primeiras correntes que norteiam os objetivos da educação física no Brasil. Depois de muitos focos, as tendências contemporâneas são baseadas em práticas educativas. Neste capítulo, você vai estudar o desenvolvimento da educação física e suas finalidades no Brasil. Também vai ver as relações entre as escolas europeias de ginástica e a evolução da educação física e do esporte por aqui. Além disso, vai conhecer as principais correntes filosóficas e pedagógicas da educação física do Brasil. O desenvolvimento da educação física no Brasil Os primeiros relatos sobre alguma prática de atividade física no Brasil datam da época do descobrimento. O primeiro documento escrito sobre o País é a carta de Pero Vaz de Caminha. Nela, Caminha descreve os índios dançando e saltando felizes ao som de uma gaita tocada por um de seus conterrâneos (RAMOS, 1983). Os indígenas também tinham outros hábitos ligados à prática de atividades físicas, como a caça, a pesca e as lutas. Porém, a permanência lusitana em terras brasileiras fez com que novos hábitos se instaurassem por aqui. Del Priore e Melo (2009) sublinham que, no período de catequização dos indígenas pelos portugueses, era comum a prática de um jogo chamado “correr argolinhas”. Os autores afirmam que o jogo “[...] consistia num arremedo de torneio medieval, em que os meninos tinham que enfiar argolas em lanças sem ponta, retirando-as de postes, nos quais pendiam presas por uma garra” (DEL PRIORE; MELO, 2009, p. 15). Esse jogo fazia parte da celebração portuguesa chamada de cavalhada. Cavalhada é um folguedo baseado nos torneios medievais da Idade Média. Consiste em uma representação teatral ao ar livre de uma batalha entre cristãos e mouros. Após a vitória dos cristãos, eles acabam convertendo seus adversários ao cristianismo. No período colonial, as senzalas foram palcos do surgimento da capoeira. Vidor e Reis (2013) apontam que a capoeira era uma luta, com elementos rítmicos e criativos, disfarçada de dança utilizada como meio de defesa para os abusos que os escravos sofriam à época. Assim, pode-se afirmar que as atividades físicas realizadas pelos indígenas e escravos representaram os primeiros elementos da educação física no Brasil, ainda na era colonial, como você pode ver na Figura 1. Processos históricos da educação física no Brasil2 Figura 1. Jogar capoeira ou Danse de la Guerre, de Johann Moritz Rugendas, de 1835. Fonte: Wikimedia Commons (1835, documento on-line). Com o grande distanciamento entre brancos e negros na era colonial, negros e pobres não tinham riqueza econômica para praticarem os esportes da época, e a capoeira era praticada apenas pelos negros. Os brancos pertencentes à elite se divertiam com esportes oriundos da Europa, como as próprias cava- lhadas e as touradas, que ocorriam, geralmente, em datas festivas. Contudo, as constantes críticas à brutalidade das touradas fizeram com que elas fossem proibidas em solo nacional. A vinda da corte portuguesa ao Brasil, em 1808, trouxe novos ares ao desenvolvimento econômico, cultural e, também, esportivo. As normas de etiqueta passaram a recomendar os “jogos de cavalheiro”, remetendo à ideia da prática militar por meio de desfiles de cavalos, corridas e jogos de argolinhas. Del Priore e Melo (2009, p. 32) afirmam: Os “jogos de cavalheiro” entraram definitivamente na pauta das muitas ati- vidades esportivas que ganharam vigor na segunda metade do século XIX. Passou-se da equitação como arte de cavalaria com sabor medieval àquela de trabalho, transporte e lazer. E desta ao hipismo. No mesmo período em que o Código do bom-tom ganhava leitores, os princípios higienistas entusiasmavam médicos, políticos, militares e engenheiros, convidando-os a aderir à equitação. 3Processos históricos da educação física no Brasil Ainda na época do império, começam os primeiros debates para o desen- volvimento cultural da educação física no Brasil. O primeiro escrito na área é o Tratado da Educação Psicomoral dos Meninos, do médico pernambucano Joaquim Jerônimo Serpa, publicado em 1828. De acordo com esse tratado, a educação englobava a saúde do corpo e a cultura do espírito. Além disso, havia a divisão dos exercícios físicos em duas categorias: 1) os que exercitavam o corpo; e 2) os que exercitavam a memória (DEL PRIORE; MELO, 2009). Castellani Filho (1991) aponta que, além de sofrer influência médica, a edu- cação física brasileira foi influenciada pelas instituições militares contaminadas pelos princípios positivistas, ou seja, de manutenção daordem e do progresso. O progresso poderia ser representado pela saúde física: um “homem forte” era o adequado para implantar a ideia de desenvolvimento essencial para um país recém-saído da condição colonial. Para Soares (2004, p. 70), a visão europeia influenciou diretamente as formas de praticar educação física no Brasil: A partir de conhecimentos e de teorias gestadas no mundo europeu, os médicos desenharam outro modelo para a sociedade brasileira e contribuíram para a construção de uma nova ordem econômica, política e social. Nesta nova ordem, na qual os médicos higienistas irão ocupar lugar destacado, também colocava-se a necessidade de construir, para o Brasil, um novo homem, sem o qual a nova sociedade idealizada não se tornaria realidade. O pensamento médico higienista construiu um discurso normativo, disciplinador e moral. A abordagem positivista de ciência e a moral burguesa estiveram na base de suas propostas de disciplinamento dos corpos, dos hábitos e da vida dos indivíduos. Tudo em nome da saúde, da paz e da harmonia social... em nome da civilização! Esse discurso foi incorporado por intelectuais brasileiros como Fernando Azevedo e Rui Barbosa. Ambos propuseram a inclusão da ginástica no am- biente escolar, de modo que a educação física adquirisse um caráter higiênico e moral. Nesse contexto, a educação física foi oficializada no Brasil em 1851, por meio da Lei nº. 630, conhecida como Reforma Couto Ferraz, que indicava a importância de se praticarem ginásticas nas escolas municipais primárias e secundárias da Corte. Três anos após a aprovação dessa reforma, em 1854, a ginástica passou a ser uma disciplina obrigatória no primário e a dança, no secundário (DARIDO, 1999). Para estimular a prática de exercícios físicos no Brasil, o governo valeu- -se de mais decretos e leis. Em 1879, o Decreto nº. 7.247, assinado por Carlos Leôncio de Carvalho, obrigava as escolas primárias e secundárias da Corte a destinarem um espaço para o ensino da ginástica. Três anos depois, Rui Processos históricos da educação física no Brasil4 Barbosa divulgou um parecer sobre o decreto de Leôncio Carvalho. Cha- mado Reforma do Ensino Primário e várias Instituições Complementares da Instrução Pública, o parecer realça a importância da ginástica na vida escolar: “Não pretendemos formar acrobatas nem Hércules, mas desenvolver na criança o quantum de vigor físico essencial ao equilíbrio da vida humana, à felicidade da alma, à preservação da Pátria e à dignidade da espécie [...]” (CASTELLANI FILHO, 1991, p. 53). Para convencer os brasileiros a praticar ginástica, Rui Barbosa mencionou em seu parecer o uso da modalidade nos países mais desenvolvidos, o que indicava que ela era um elemento indispensável para a formação integral da juventude (RAMOS, 1983). Entre o conjunto de medidas que propõe, estão: incluir uma sessão essencial de ginástica em todas as escolas de ensino nor- mal; estender a obrigatoriedade da ginástica para ambos os sexos; inserir a ginástica nos programas escolares como matéria de estudo, em horas distintas das do recreio e depois das aulas; e equiparar, em categorias e autoridade, os professores de ginástica aos de todas as outras disciplinas. Mesmo com o apoio de intelectuais e médicos, a educação física escolar sofria forte resistência, principalmente oriunda da elite. Castellani Filho (1991) aponta que as barreiras vinham ainda do período colonial, que estigmatizou a educação física ao trabalho manual e físico associado aos escravos, e não ao intelectual, este sim voltado à classe dominante. O fato de associar, na escola, uma disciplina física às disciplinas de cunho intelectual também não agradava aos pais. A contrariedade ganhava ênfase quando se propunha ginástica ao sexo feminino. Rui Barbosa, contudo, apontava a importância de as mulheres praticarem exercícios, pois elas seriam as mães dos futuros filhos da Pátria e, por isso, deveriam ser saudáveis (RAMOS, 1983). Nessa época, a educação física oferecida nas escolas baseava-se em exer- cícios rudimentares, movimentos parciais, de flexões, marchas, corridas, saltos simples, equilíbrios (RAMOS, 1983). Segundo Soares (2004), esses movimentos gímnicos eram considerados um trabalho de base. O trabalho deveria ser complementado com exercícios específicos “[...] que pudessem desenvolver os órgãos dos sentidos, que pudessem atender aos preceitos da elegância e, portanto, variar entre os sexos” (SOARES, 2004, p. 80). Canto, declamação e piano eram indicados para as meninas; salto, carreira, natação, equitação e esgrima, para os meninos; e dança, para meninos e meninas. Mais tarde, a educação física no Brasil deixou de ser aquela ritmada e recreativa dos tempos coloniais para se tornar uma ginástica metodizada com contornos higienistas e militaristas. Essa tendência se deve à influência que as escolas europeias tiveram sobre a educação física brasileira. 5Processos históricos da educação física no Brasil As escolas europeias no Brasil O método europeu ou as escolas de ginástica europeias influenciaram forte- mente a educação física no Brasil. A partir do século XIX, com a educação física começando a fazer parte do cotidiano escolar, as discussões passaram a girar em torno de qual método os instrutores de ginástica deveriam adotar. O debate envolvia as escolas europeias de ginástica, já que não havia um método nacional em vigor. A seguir, você pode ver as características de cada escola de ginástica. � Escola alemã: tinha como característica o nacionalismo e a defesa da pátria. Também se caracterizou pelo uso de aparelhos como as barras fixas e paralelas. Esse método ficou conhecido como Turnen. � Escola sueca: tinha caráter mais pedagógico e social, buscando diluir os vícios da sociedade. Era uma ginástica sem aparelhos, com aqueci- mento e relaxamento. � Escola francesa: inspirada na ginástica alemã, tinha como base o desenvolvimento social, na busca de homens completos e universais. � Escola inglesa: baseada nas ideias liberais, deu ênfase aos esportes coletivos como forma de desenvolver valores como a moral e a disciplina. Antes mesmo de a ginástica se firmar nas escolas brasileiras, os métodos gímnicos europeus já estavam presentes no Brasil. Segundo Marinho (1943), o primeiro método implantado no Brasil vem da escola alemã, por volta de 1860, e foi consagrado como método oficial do Exército Brasileiro. Por or- dens governamentais, o Novo Guia para o Ensino de Ginástica nas Escolas Públicas da Prússia foi traduzido para o português para nortear as atividades que aqui se faziam. Soares (2004) aponta que a implantação da ginástica alemã por aqui se deveu ao grande número de imigrantes que de lá vieram para habitar as terras brasileiras, sendo a prática da ginástica um hábito que trouxeram. Outro motivo foi a nomeação do alferes do Estado Maior de segunda classe Pedro Guilhermino Meyer, alemão, para a função de contramestre de ginástica da Escola Militar. Além disso, havia a permanência no Brasil de soldados da Guarda Imperial de origem prussiana (CASTELLANI FILHO, 1991). Esse público vai criar inúmeras sociedades ginásticas alemãs pelo Brasil, baseadas nas ideias de Friedrich Jahn e Guts Muths. O método alemão permaneceu oficial no Brasil até o ano de 1912, quando foi substituído pelo método francês. Processos históricos da educação física no Brasil6 Guts Muths é considerado o pai da ginástica moderna, pois trouxe um novo conceito de ginástica por meio de suas obras. Já Friedrich Jahn é o criador de uma ginástica patriótica que buscava defender e exaltar a pátria alemã. Apesar dessa disseminação, a ginástica alemã não foi considerada a mais adequada para ser ministrada nas escolas primárias brasileiras. Um de seus maiores combatentes, Rui Barbosa, sugeria que o método sueco fosse o ado- tado por relacionar-se com a “ciência” e a medicina (SOARES, 2004). Outro pensador, Fernando Azevedo, vai em consonância com as ideias de Barbosa sobrea ginástica sueca: Estes pensadores atribuem à Ginástica Sueca uma adequação maior aos estabelecimentos de ensino, dado o seu caráter essencialmente pedagógico. Esta defesa por parte destes intelectuais de épocas subsequentes serviu para propagar a Ginástica Sueca no Brasil. Com isto, lentamente, a ginástica alemã vai se restringindo aos estabelecimentos militares e a ginástica sueca vai se tornando mais adequada para a educação física civil, seja no âmbito escolar, seja fora dele (SOARES, 2004, p. 60). Outra escola que passou a ter bastante influência sobre a educação física nacional foi a inglesa, baseada nos esportes. O campo esportivo no Brasil começou a se desenvolver em meados do século XIX, com o surgimento de clubes de remo, turfe e atletismo, passando a ganhar destaque no final desse mesmo século. Góis Junior (2015) sublinha que nas classes populares faziam sucesso os jogos de azar (envolvendo apostas com animais), como as touradas e as lutas. Esses jogos passaram a sofrer críticas da elite nacional, afinal não condiziam com o crescimento urbano e as tendências vindas da Europa. Com isso, entra- ram em cena os esportes ingleses como referenciais de modernidade. Melo (2011) destaca que os esportes no Brasil passaram por cinco fases: a presença e o uso de animais, poupando os homens de exibição corporal, tendo como destaque o turfe; a presença de movimentos humanos a partir de uma nova ideia de corpo (mais próximo do que se concebe hoje), com esportes tais como o remo, a natação e o atletismo; esportes ligados à vida burguesa, com práticas que não exigiam muito esforço físico, como o críquete, o tênis 7Processos históricos da educação física no Brasil e o golfe; aqueles que usavam a tecnologia, nos quais prevalecia a ideia de velocidade; e, por fim, os esportes coletivos, que aumentavam a participação e a interação, ligados à cultura de massas. Como exemplos de esportes de velocidade, você pode considerar o ciclismo e o automobilismo. O ciclismo aportou no País por volta de 1860, com a chegada de velocípedes importados. Todavia, a popularização das bicicletas aconteceu quase no fim do século XIX. Já o automobilismo aliava as corridas ao estilo de vida urbano, sendo um forte símbolo da Revolução Industrial. Os carros passaram a competir no Brasil no começo do século XX, em corridas de longos percursos, atraindo um número considerável de espectadores. Você ainda deve notar que todas as modalidades citadas eram bastante populares no Brasil e só tiveram diminuição de público com a chegada do futebol. Esse esporte ganhou rápida aceitação por aqui, embora sofresse con- testação pela imprensa por, em alguns jogos, não haver vencedores. Apesar de ser um jogo praticado pelas camadas mais baixas em solo inglês, no Brasil era jogado pela alta sociedade. Santos (2009) refere que ser jogador de futebol era ser chique na passagem do século XIX para o século XX. Nessa linha, Franzini (2009, p. 118) destaca: O uniforme, o equipamento e o vocabulário específico do jogo, todos importa- dos da Inglaterra, das chuteiras ao grito do goal, eram, antes de tudo, marcas de distinção social, expressão do elitismo de seus cavalheiros praticantes. Pouco importava que em sua própria pátria o association não mais tivesse, já havia muito tempo, tais traços aristocráticos. Os homens mais pobres e os negros acabaram sendo aceitos no futebol de- vido à sua habilidade no jogo, pois eles traziam maior possibilidade de vitórias. No entanto, nem o método alemão utilizado pelo Exército, nem o sueco preferido pelos intelectuais brasileiros, nem o método liberal inglês chamaram a atenção dos governantes brasileiros no começo do século XX. Ao escolher um método para a educação física escolar no Brasil, a opção foi mesmo o método francês. Embora já fosse popular desde a década de 1910, ele come- çou a vigorar em 12 de abril de 1921, sob o título de Regulamento Geral de Processos históricos da educação física no Brasil8 Educação Física (MARINHO, 1943). Esse era um momento em que os estados da Federação passavam por reformas educacionais e começavam a incluir, de fato, a educação física como disciplina do currículo escolar. Goellner (1992) destaca que o método francês acabou deixando marcas profundas no fazer pedagógico da educação física, pois ele esteve voltado para a formação tanto do soldado combatente quanto do trabalhador produtivo. A orientação desse método se dava pela matriz biológica. Além disso, ele era respaldado pela abordagem positivista do movimento, direcionado para o aprimoramento da saúde, o fortalecimento da raça, a consolidação de certas disciplinas e a manutenção da ordem. Você pode aprender mais sobre a ginástica francesa acessando o link abaixo ou código ao lado. https://goo.gl/yMXfYX Apesar de se tornar oficial em 1921, a chegada da ginástica francesa por aqui, no entanto, se deu em 1907. Nesse ano, a Missão Militar Francesa aportou no Brasil com a finalidade de ministrar instrução militar à Força Pública do Estado de São Paulo, onde fundou uma sala de armas que deu origem, mais tarde, à Escola de Educação Física do Estado de São Paulo. Castellani Filho (1991, p. 34) afirma que essa escola assinalou “[...] a marcante presença dos militares na formação dos primeiros professores civis de educação física, em nosso meio”. Da parte dos militares, via Ministério da Guerra, em 1929, havia um an- teprojeto de lei cujo conteúdo determinava que a “[...] educação física fosse praticada por todos residentes no Brasil e com obrigatoriedade em todos estabelecimentos de ensino a partir dos 6 anos de idade” (CANTARINO FI- LHO, 1982, p. 95). O autor afirma que o anteprojeto não foi bem recebido pela Associação Brasileira de Educação (ABE). As críticas da ABE foram dirigidas tanto ao órgão burocrático do governo, considerando-o incapaz de resolver um problema educativo nacional, quanto às finalidades e inconveniências de 9Processos históricos da educação física no Brasil transplantar para o Brasil um sistema estrangeiro de ginástica, tornando-o obrigatório (CANTARINO FILHO, 1982). Além de pautar discussões sobre o método que as escolas deveriam adotar, o esporte, que ganhava grandes proporções no Brasil, passou a ser alvo de debates em congressos sobre a educação nacional. Acabou por prevalecer o pensamento moderno e, assim, o esporte passou a ganhar vida dentro das escolas, sendo conferida a ele uma certa “pedagogia”, de modo que ele deveria promover, além da saúde, as regras de convivência. Na Era Vargas, somam-se novos elementos à escolarização do esporte, com o enfoque sobre o civismo. Além disso, os métodos ginásticos europeus e a ideia de higienização seguem presentes na reforma educacional feita por Getúlio Vargas, sendo o objetivo principal, no Estado Novo, a formação militar para combater os perigos internos e externos (RAMOS, 1983). Após o término da Segunda Guerra Mundial, sob a luz da “escola nova”, a educação física se voltou a uma tendência pedagógica, buscando o desenvol- vimento integral da criança a partir da ideia de que a educação física era um meio de educação. Porém, mesmo assim não houve o abandono das práticas militares. No Regime Militar, se fortaleceu então a ideia do esportivismo, que valorizava o rendimento, a vitória e a busca pelo mais hábil e forte, excluindo, assim, as demais possibilidades de movimentos. A partir da década de 1980, a resistência à concepção biológica da edu- cação física foi criticada em relação ao predomínio dos conteúdos espor- tivos, surgindo novos movimentos (DARIDO; RANGEL, 2005). Essas abordagens criticavam a ideia mecânica de ensino, fundamentando-se na relação teórico-prática e buscando romper com os paradigmas que regiam a educação física na escola. As principais correntes pedagógicas da educação física no Brasil As primeiras tentativas de estruturação da educação física no Brasil ocorre- ram em meados do século XIX. Entre as principais discussões queenvolviam a disciplina estava o debate sobre como o conteúdo deveria ser abordado nas escolas brasileiras. Junto à influência das escolas europeias de ginástica, vieram correntes pedagógicas que nortearam o ensino da educação física no Brasil. Conforme Ghiraldelli Junior (1988), a educação física brasileira é dividida em cinco correntes ou tendências pedagógicas: até 1930, a educação física higienista; de 1930 a 1945, a educação física militarista; de 1945 a 1965, a Processos históricos da educação física no Brasil10 educação física pedagogicista; de 1964 até o início dos anos 1980, a educação física competitivista; e, por fim, a educação física popular. Na Figura 2, a seguir, você pode ver como era a educação física praticada nas escolas brasileiras nos anos 1930, na fase militarista. Figura 2. Aula de educação física em uma escola de Porto Alegre (RS) nos anos 1930. Fonte: Franca (2015, documento on-line). A seguir, você vai conhecer as características de cada corrente pedagógica no Brasil. Higienista É a primeira corrente pedagógica da educação física brasileira, surgida ainda no século XIX. Buscava resolver os problemas da saúde pública via educação, visto que o País passava por um processo de industrialização, de modo que as pessoas saíam do campo para viver nas cidades. Assim, era necessário disci- plinar essas pessoas e fazer com que evitassem práticas prejudiciais à saúde e à moral (SORATO; EUZÉBIO, 2014). Além disso, essas pessoas deveriam fazer exercícios que lhes deixassem com o corpo sadio e em condições de produzir mais no trabalho. 11Processos históricos da educação física no Brasil Militarista Essa corrente foi mais praticada durante o período do governo de Getúlio Vargas. Foi delineada a partir da tendência higienista e, assim como esta, considerava a educação física uma disciplina exclusivamente prática, não necessitando de uma fundamentação teórica como suporte, o que a aproximava de uma instrução militar (DARIDO; RANGEL, 2005). Ghiraldelli Junior (1988) aponta que a ideia central era formar cidadãos que pudessem defender a Pátria e exaltar o nacionalismo. Pedagogicista Essa corrente se desenvolveu após o fim da Segunda Guerra Mundial e a saída de Vargas do governo brasileiro. Foi a primeira corrente a pensar a educação física como uma prática educativa, capaz de promover a educação integral do indivíduo (GHIRALDELLI JUNIOR, 1988). A participação do aluno na aula era mais inclusiva e menos excludente, diferentemente do que ocorria nas correntes anteriores. Conteúdos teóricos entraram em pauta junto aos exercícios práticos, porém não houve um abandono das práticas militares (DARIDO; RANGEL, 2005). Competitivista Essa corrente se desenvolveu no período do regime militar e, como seu pró- prio nome diz, sua principal característica é a competição. O esporte era o centro das atenções da educação física dessa época. A aula era vinculada ao rendimento e ao treinamento. O atleta vencedor era visto como um herói (GHIRALDELLI JUNIOR, 1988). Na Figura 3, a seguir, você pode ver um dos jogos praticados nesse período. Processos históricos da educação física no Brasil12 Figura 3. Aula de basquete nos anos 1970. Fonte: O Globo (c1996-2018, documento on-line). Educação física popular Essa corrente se opôs às demais e ganhou força a partir dos anos 1980. Segundo Ghiraldelli Junior (1988), ela está ligada à ludicidade e à cooperação, com o objetivo de construir uma sociedade democrática. Tendências contemporâneas De acordo com Darido (1999), em oposição à vertente mais tecnicista, esportista e biologista, surgem novos movimentos na educação física escolar a partir, especialmente, do final da década de 1970. Você pode ver essas correntes a seguir. Desenvolvimentista Para essa corrente, o movimento é o princípio, o meio e o fim da educação física. Ela é baseada no desenvolvimento e na aprendizagem motora a partir do trabalho das habilidades e capacidades motoras. 13Processos históricos da educação física no Brasil Construtivista-interacionista Essa linha considera a individualidade e as experiências anteriores dos alunos, ou seja, o conhecimento passa a ser adquirido a partir de interações do sujeito com o mundo. As habilidades motoras devem ser desenvolvidas num contexto de jogos e brincadeiras. Crítico-superadora Utiliza o discurso da justiça social como ponto de apoio e é baseada no mar- xismo e no neomarxismo. Os conteúdos são decididos a partir da realidade social e precisam ter relevância contemporânea. Psicomotricidade Valoriza os conhecimentos psicológicos junto aos biológicos, condicionando todos os aprendizados. Leva a criança a ter consciência de seu corpo, sua coordenação motora, seu equilíbrio e sua lateralidade. Crítico-emancipatória Surge como uma crítica à tendência crítico-superadora. Segundo Kunz (2006), essa concepção busca alcançar, por meio do movimento humano, o desen- volvimento de algumas habilidades. Essas habilidades são a autonomia, a competência objetiva e a social. Trata-se de apresentar ao aluno o conhecimento cultural e historicamente acumulado para ser estudado com criticidade. Saúde renovada Busca usar o exercício na aula de educação física como ferramenta para que o aluno tenha gosto e prazer. Segundo Darido (1999), essa tendência mostra-se preocupada com o condicionamento físico do aluno, com um fim biológico, tendo conhecimento da fisiologia, da biomecânica, da nutrição e da anatomia. Dessa forma, a educação física escolar abrange a saúde, envolvendo a frequência cardíaca, a respiração e a alimentação no preparo físico. Em mais de 200 anos, as correntes pedagógicas no Brasil apresentaram inúmeras propostas, desde o disciplinamento até as questões educativas atuais. Neste capítulo, você viu um breve histórico da educação física no Brasil e suas finalidades. Também estudou a influência europeia por meio das quatro principais Processos históricos da educação física no Brasil14 escolas europeias e dos métodos adotados por aqui. Para concluir, conheceu as correntes pedagógicas que norteiam a disciplina e as tendências atuais. BRASIL. Decreto nº. 630, de 17 de setembro de 1851. Rio de Janeiro, 1851. Disponível em: . Acesso em: 1 jun. 2018. BRASIL. Decreto nº. 7.247, de 19 de abril de 1879. Rio de Janeiro, 1979. Disponível em: . Acesso em: 1 jun. 2018. CANTARINO FILHO, M. R. A educação física no Estado Novo: história e doutrina. 1982. Dissertação (Mestrado) – Universidade de Brasília, Brasília, DF, 1982. CASTELLANI FILHO, L. Educação física no Brasil: a história que não se conta. 19. ed. Campinas: Papirus, 1991. DARIDO, S. C. Educação física na escola: questões e reflexões. Araras: Topázio, 1999. DARIDO, S. C.; RANGEL, I. C. 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O esporte e a modernidade no Brasil: práticas corporais no final do século XIX e início do século XX. In: MARQUETTI, F. R.; FUNARI, P. P. (Org.). Sobre a pele, imagens e metamorfoses do corpo. São Paulo: Intermeios/Fapesp, 2015. v. 1, p. 373-389. KUNZ, E. Transformação didático pedagógica do esporte. 7. ed. Ijuí: Unijuí, 2006. MARINHO, I. P. Contribuição para a história da educação física no Brasil: Brasil Colônia, Brasil Império, Brasil República. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 1943. MELO, V. A. O corpo esportivo nas searas tupiniquins: panorama histórico. In: DEL PRIORE, M.; AMANTINO, M. (Org.). História do corpo no Brasil. São Paulo: UNESP, 2011. p. 507-530. O GLOBO. Em foco: educação física no Brasil. c1996-2018. Disponível em: . Acesso em: 1 jun. 2018. RAMOS, J. J. Os exercícios físicos na história e na arte: do homem primitivo aos nossos dias. São Paulo: IBRASA, 1983. SOARES, C. L. Educação física: raízes européias e Brasil. 3. ed. Campinas: Autores As- sociados, 2004. 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Entretanto, nos primeiros momentos, apenas homens brancos da alta sociedade podiam praticar. A inserção de pobres e negros se deu aos poucos. Confira, nesta Dica do Professor, como foi essa trajetória. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/ad185e9ee9a897f150b002841c3ac257 Exercícios 1) No Brasil, a partir de 1912 houve uma substituição do método oficial da Educação Física escolar este método foi baseado em qual escola de ginástica europeia? A) Escola Francesa. B) Escola Dinamarquesa. C) Escola Inglesa. D) Escola Sueca. E) Escola Alemã. 2) Qual modalidade surgirá nas senzalas brasileiras? A) Capoeira. B) Jogo de argolinhas. C) Ginástica. D) Turfe. E) Futebol. 3) Qual a característica similar existente entre as correntes pedagógicas higienistas e militaristas? A) O esporte coletivo. B) A Educação Física exclusivamente prática. C) A formação integral. D) A competição. E) A cooperação. 4) O período de 1930 a 1945, no Brasil, ficou marcado por qual corrente pedagógica? A) Militarista. B) Popular. C) Pedagogicista. D) Higiênica. E) Competitivista. 5) O esporte vai ser conteúdo principal de qual corrente pedagógica? A) Popular. B) Competitivista. C) Higiênica. D) Pedagogicista. E) Militarista. Na prática Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, os esportes coletivos são conteúdos básicos da Educação Física. Dentre tantos praticados no Brasil, o futebol foi o primeiro esporte coletivo popular. Veja como trabalhar o futebol, Na Prática, como um conteúdo em três abordagens: a forma conceitual (aprender a conhecer), a forma atitudinal (aprender a ser) e a forma procedimental (aprender a fazer). Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Saiba + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: ESPORTE NA ESCOLA: MAS É SÓ ISSO, PROFESSOR? Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Educação Física escolar e Ditadura Militar no Brasil (1968-1984): entre a adesão e a resistência No período da Ditadura Militar no Brasil, a Educação Física teve uma característica bastante peculiar: a competição. Neste artigo, o autor apresenta, por parte de professores, aqueles que aderiram ou que resistiram às propostas do Governo. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. A constituição das teorias pedagógicas da Educação Física Neste artigo, o autor discute como as teorias pedagógicas foram ganhando significado na história da Educação Física do Brasil. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. http://professoramirnamoreira.blogspot.com/2017/04/esporte-na-escola-mas-e-so-isso.html https://www.scielo.br/pdf/ep/v28n1/11655.pdf https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/182210/mod_resource/content/1/Valter%20Bracht%20-%20A%20constitui%C3%A7%C3%A3o%20das%20teorias%20pedag%C3%B3gicas%20da%20educa%C3%A7%C3%A3o%20f%C3%ADsica.pdf