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Diagnóstico Fonoaudiológico em Genética Célia Maria Giacheti Introdução A ciência Fonoaudiologia atua nas áreas de promoção e prevenção da saúde, avaliação, diagnóstico, intervenção nos distúrbios da comunicação humana, mais especificamente dos aspectos fonoaudiológicos envolvidos na função auditiva periférica e central, na função vestibular, na linguagem oral e escrita, na fala, na voz, na fluência, no sistema miofuncional orofacial e cervical e na deglutição1. Para atender aos seus objetivos, reúne disciplinas de áreas básicas e aplicadas, visando à compreensão biopsicossocial de processos saudáveis e desviantes da comunicação humana. Desse modo, a Fonoaudiologia não apenas se apoia, mas exige conhecimentos advindos de áreas afins, como a Linguística, a Psicologia, a Medicina, a Odontologia e a Genética. A diversificação no olhar dos processos saudáveis e desviantes por pesquisadores da Genética vem alterando paradigmas da Ciência Fonoaudiológica. Essa prática, no entanto, tem sido vivenciada e, gradativamente, tem dado lugar às investigações científicas que procuram responder a questões sobre os diferentes distúrbios fonoaudiológicos, principalmente de origem genética. O trabalho desenvolvido no campo fonoaudiológico modifica-se em função de seu diálogo com contribuições das áreas afins, que, em maior ou menor grau, têm redirecionado aspectos de seus campos de investigação em razão de problematizações que nelas chegam do campo da Fonoaudiologia. A Fonoaudiologia atua junto a diversos diagnósticos das mais variadas etiologias. Cada diagnóstico dos distúrbios da comunicação apresenta um contexto multidisciplinar particular. Avaliar constitui uma etapa do processo diagnóstico que, em qualquer área da saúde, significa identificar ou reconhecer uma doença, uma anormalidade ou um distúrbio pela análise dos sintomas presentes (ou ausentes), podendo incluir o estudo da origem e o desenvolvimento dos sintomas1,2. O processo de distinção entre duas condições aparentemente similares, pela descoberta de sintomas ou atributos significantes presentes em uma das condições e, necessariamente, ausente na outra, envolve amplo conhecimento de todos os transtornos do neurodesenvolvimento, incluindo os distúrbios de comunicação. Por consequência, possibilita ao profissional, na presença de alterações, confirmar determinado distúrbio(s) e descartar outro(s)2. O processo de avaliação e diagnóstico é sempre a primeira etapa de trabalho, mas pode também fazer parte de etapas intermediárias (follow-up) ou etapa final para confirmação ou não da necessidade de intervir na sua finalização2. Na atuação fonoaudiológica, várias habilidades são alvos da avaliação, como a linguagem (em suas diferentes modalidades e componentes: fonologia, semântica, sintaxe, pragmática e morfologia), fala (voz, fluência e articulação) e audição1,3. A Figura 64.1 apresenta um esquema sobre as habilidades componentes da linguagem em suas diferentes modalidades. Aspectos motores orofaciais e deglutição3 também fazem parte do protocolo de avaliação fonoaudiológica, independentemente da presença ou não da queixa dos pacientes ou seus familiares que buscam a avaliação e a intervenção. Enquanto a ciência Fonoaudiologia investiga o processo da comunicação humana e os seus distúrbios1, a Genética estuda a transmissão das características biológicas, as quais podem ser físicas, químicas, citológicas ou funcionais4. Assim, o processo de diagnóstico fonoaudiológico em genética ou nos transtornos do neurodesenvolvimento de etiologia genética5, assim como em outras áreas específicas, deve envolver amplo conhecimento de todas as habilidades da comunicação, funções orofaciais, deglutição e, também, conhecimentos específicos sobre o padrão de herança na transmissão das doenças. Mais especificamente, esse processo tem características peculiares e inclui o domínio de conhecimentos específicos nas duas áreas: Fonoaudiologia e Genética. Se, pela definição, estas ciências podem parecer distantes, na prática, a atuação integrada da Fonoaudiologia com a Genética tem viabilizado mostrar o quanto sua intersecção tem contribuído para avanços científicos e tecnológicos significativos ao longo dos anos. Avanços esses que refletem na busca das bases genéticas da comunicação humana e, por conseguinte, dos mecanismos genéticos relacionados aos seus distúrbios, sejam eles relacionados ao fenótipo comportamental, cognitivo ou de linguagem dos diferentes transtornos do neurodesenvolvimento de origem genética. Figura 64.1 – Habilidades componentes da linguagem em suas diferentes modalidades. Em pleno desenvolvimento, mas ainda incipiente, a atuação de fonoaudiólogos nos transtornos do neurodesenvolvimento de etiologia genética deveria fazer parte da formação de fonoaudiólogos no país e no exterior. Nesse sentido, um dos focos de investigação no Setor de Genética do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (USP) e, posteriormente, no Laboratório de Estudos, Avaliação e Diagnóstico, do Departamento de Fonoaudiologia (LEAD) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) incide sobre o desenvolvimento, aplicação e validação de procedimentos de avaliação de habilidades da linguagem, especialmente a falada, em indivíduos que apresentam transtornos de comunicação, de natureza principalmente desenvolvimentista, com vistas à caracterização de perfis e à determinação do fenótipo, do prognóstico e follow-up. Essa atuação tem sido marcada pelo desejo de objetivar ao máximo uma informação a partir da precisa caracterização do desempenho comunicativo e comportamental, possibilitando aos membros-pesquisadores e alunos vivenciar a prática que envolve a escolha e a aplicação dos instrumentos de avaliação, para investigação de habilidades específicas que podem auxiliar no planejamento terapêutico, e na realização de avaliações contínuas a fim de estabelecer as metas do plano de intervenção. Sob o olhar nos transtornos do neurodesenvolvimento de origem genética, essa atuação tem propiciado frequentemente não só a investigação da correlação genótipo-fenótipo, mas também um atendimento diferenciado. Com a evolução de trabalhos internacionais e nacionais nessas áreas, pode-se considerar que a Fonoaudiologia e a Genética têm sido mutuamente beneficiadas. De maneira geral, delineiam-se as principais metas dessa integração6: •Estudar as manifestações fonoaudiológicas que compõem o quadro clínico dos transtornos do neurodesenvolvimento cuja etiologia é definida, a fim de determinar e complementar o fenótipo comportamental e de linguagem, propondo, assim, ações específicas para atuar em diferentes quadros fonoaudiológicos •Estudar o conjunto de manifestações (físicas, sistêmicas e neurodesenvolvimentais) que compõe o fenótipo dos diferentes distúrbios fonoaudiológicos, sem etiologia definida, a fim de delinear síndromes novas •Selecionar casos isolados e/ou famílias, por meio do processo diagnóstico fonoaudiológico correto e objetivo, para a realização de estudos genéticos moleculares na busca por possíveis regiões cromossômicas e genes associados aos distúrbios da linguagem/aprendizagem, fala e audição •Identificar falsos diagnósticos, que limitam preconceituosamente o futuro de crianças em direção ao tratamento, prognóstico, interação escolar e social •Propor ações de saúde pública, e aos órgãos governamentais, amplo acesso ao diagnóstico fonoaudiológico e genético, buscando novas perspectivas de intervenções multidisciplinares nos casos de doenças raras ou não e também acesso a escolas preparadas para a formação acadêmica. Transtornos do neurodesenvolvimento Fatores biológicos, psicológicos e sociais interferem no desenvolvimento infantil, seja ele cognitivo ou de linguagem. No desenvolvimento típico, a associação desses fatores proporciona a aquisição e o desenvolvimento de habilidades, sejam elas motoras, linguísticas ou cognitivas. No desenvolvimento atípico, o esquema mostra essas diferenças diante de quadros não favoráveis do processode desenvolvimento (Figura 64.2). Diante da deficiência intelectual ou em síndromes genéticas que cursam com deficiência intelectual, por exemplo, o desenvolvimento de linguagem frequentemente é desviado (atípico) e não só atrasado. Os transtornos do neurodesenvolvimento constituem um grupo de condições que acometem o período de desenvolvimento de um indivíduo5,7. Em 2013, foi apresentado aos profissionais da área da saúde o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM-V7. Em sua classificação diagnóstica, os distúrbios da comunicação foram elencados como uma subclassificação dos transtornos do neurodesenvolvimento. Entre os distúrbios (transtornos) de comunicação, têm-se os diversos distúrbios de linguagem e fala, que se manifestam frequentemente antes da entrada na escola e são caracterizados por déficits no desenvolvimento, que prejudicam o próprio indivíduo, sua interação social, seu desempenho acadêmico e também ocupacional5,7. Para melhor compreender a classificação proposta pelo Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders –DSM-V7, elencam-se, a seguir, mas ainda sem tradução para o Português, os transtornos de comunicação, como uma das subclassificações dos transtornos do neurodesenvolvimento: transtornos da linguagem, transtornos dos sons da fala, transtornos da fluência de início na infância, transtorno da comunicação social (pragmática) e transtornos de comunicação inespecífico. O termo “transtorno do neurodesenvolvimento” tem sido frequentemente utilizado na literatura5,8-10 para se referir aos indivíduos que apresentam alteração no desenvolvimento de habilidades cognitivas, de linguagem e comportamentais, os quais podem ser classificados em dois grupos distintos: grupo de indivíduos com etiologia genética conhecida (p. ex., síndrome do cromossomo X frágil, síndrome de Williams) ou ambiental (p. ex., síndrome alcóolica fetal) e grupo de indivíduos com etiologia multifatorial e que apresentam alterações nos aspectos específicos do neurodesenvolvimento (p. ex., transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, dislexia)5,8. A investigação dos transtornos do neurodesenvolvimento de etiologia genética tem contribuído para compreender a relação das alterações neurofuncionais no desenvolvimento de processos cognitivos e linguísticos específicos9. Figura 64.2 – Esquema ilustrativo sobre fatores relacionados ao desenvolvimento infantil e caracterização do transtorno do neurodesenvolvimento. A partir da década de 1990, houve um aumento significativo de publicações direcionadas para a caracterização de fenótipos comportamentais, cognitivos e de linguagem de diferentes condições genéticas, realizadas por pesquisadores de várias especialidades, empenhados na intersecção entre a genética, a cognição, a linguagem e o comportamento10,11. Logo, o delineamento de perfis de habilidades e dificuldades inerentes a uma condição genética traz implicações não somente nos estudos de correlação genótipo-fenótipo, como também na possibilidade de melhor compreender a conduta e intervenção desses indivíduos12. Especificidades do processo diagnóstico em Genética Quando o fonoaudiólogo estuda características fonoaudiológicas dos diferentes transtornos do neurodesenvolvimento de causa genética, seu papel, como membro da equipe, é caracterizar o fenótipo de linguagem, em sua modalidade oral e escrita, de fala, da audição e das funções motoras orais de deglutição em cada uma das condições clínicas estudadas. Esse fenótipo só pode ser estabelecido após avaliação das diferentes habilidades, seja ela física, comportamental, cognitiva ou de linguagem. Para isso, a equipe multidisciplinar deve olhar ao mesmo tempo o paciente e outros membros de sua família. Ao determinar diagnósticos fonoaudiológicos precisos, o fonoaudiólogo contribui para que estudos genéticos moleculares possam buscar genes ou regiões cromossômicas candidatas dos diferentes distúrbios da linguagem, fala ou audição9-11. Possibilita também complementar o fenótipo de condições clínicas conhecidas, bem como determinar aspectos específicos da intervenção fonoaudiológica com base no conhecimento do fenótipo cognitivo, comportamental e de linguagem de uma condição genética conhecida. O processo diagnóstico fonoaudiológico, em genética, independentemente da queixa apresentada pela família, deve incluir a investigação da história clínica e um plano de avaliação que contemple os diferentes sistemas envolvidos na comunicação e funções orais, uma vez que é comum a coexistência de manifestações fonoaudiológicas nos casos com transtorno do neurodesenvolvimento sindrômico. O termo “Fenótipo Comportamental” refere-se ao conjunto de comportamentos de uma condição específica e inclui desde comportamentos relacionados ao quadro de déficit de atenção até características da personalidade, dos aspectos cognitivos e de linguagem13. No entanto, alguns pesquisadores – inclusive a autora deste capítulo – adotam o termo “fenótipo comportamental” para descrever as características comportamentais de uma síndrome e os termos “Fenótipo Cognitivo” e “Fenótipo de Linguagem” para descrever o conjunto de características cognitivas e de linguagem, bem como os mecanismos neurocognitivos que levam a uma determinada característica10,12. A Figura 64.3 representa o processo de diagnóstico fonoaudiológico em genética. Figura 64.3 – Representação esquemática do processo de diagnóstico fonoaudiológico em genética. Etapas do processo diagnóstico fonoaudiológico O processo diagnóstico fonoaudiológico pode ser subdividido em etapas: investigativa (fontes de informação), analítica e informativa (devolutiva). A etapa de investigação é ampla e inclui o contato inicial com paciente e família, triagem e coleta de dados propriamente dita, história clínica, com confecção do heredograma, exame físico geral e específico, com documentação fotográfica, observações e aplicação de procedimentos avaliativos quantitativo e qualitativo contemplando as habilidades comunicativas. Todos os indivíduos devem necessariamente realizar a avaliação audiológica. Também são incluídas as entrevistas a professores e profissionais afins. A etapa analítica ou de análise dos dados inclui organização, categorização de informações e comparação dos resultados dos procedimentos diagnósticos, diferenciando de outras alterações similares, antes do processo de conclusão diagnóstica. A última etapa, a informativa, envolve a apresentação, explicitação e orientação (síntese e uso das informações analisadas para paciente, família e escola). Dependendo da necessidade de aplicação de procedimentos ou exames complementares, essa etapa poderá ser dividida em vários encontros. Não é incomum, diante de quadros graves, a devolutiva envolver um grupo de profissionais com a presença de geneticista e psicólogo. Recomenda-se que as informações sejam transmitidas oralmente e por escrito e que sejam oferecidas leituras complementares. História clínica O fonoaudiólogo deve estar atento a algumas peculiaridades na história clínica, tais como: informações pré, peri e pós-natais; existência de doenças maternas prévias à gestação; abortos espontâneos recorrentes ou não; presença de fatores ambientais nocivos ao uterino, movimentos fetais; exposição a fator teratógeno (p. ex., consumo de álcool durante a gestação); e utilização de drogas/medicamentos que interfiram no desenvolvimento motor, de linguagem e cognitivo. Deve ainda pesquisar informações relacionadas à idade dos genitores, à época da concepção e à possível existência de consanguinidade entre os mesmos, recorrência de casos semelhantes na família. A história familial é um dos itens mais importantes a ser investigado no processo diagnóstico fonoaudiológico de transtornos do neurodesenvolvimento de causa genética e na busca etiológica dos distúrbios da comunicação, cuja etiologia apresenta fatores genéticos envolvidos. A confecção e análise do heredograma (Figura 64.4) são itens indispensáveis para o estudo da herança4. O heredograma possibilita ao fonoaudiólogoreconhecer um possível padrão familiar relacionado com a queixa fonoaudiológica do paciente e, posteriormente, com o seu diagnóstico fonoaudiológico; assim, informa ao avaliador se tais alterações estão sendo expressas de maneira recorrente ou não na família e se estas estão associadas ou não a outros marcadores clínicos (p. ex., sinais dismórficos faciais). Como se observa na Figura 64.4, o heredograma informa um padrão de herança dominante ligado ao cromossomo X. As duas irmãs apresentavam queixa de dificuldades acadêmicas. As informações coletadas durante o processo diagnóstico fonoaudiológico indicaram a presença de Transtorno de Aprendizagem, de graus variados nos três membros avaliados. Dados antropométricos O exame físico geral do paciente deve ser realizado pelo geneticista. O fonoaudiólogo poderá contribuir com a realização de medidas e proporções antropométricas da face. As medidas corporais gerais e específicas – estatura, perímetro cefálico, comprimento de pés e mãos, peso, distância inter e intraocular – devem ser aferidas e anotadas em fichas específicas. Olhar e registrar detalhadamente a implantação do pavilhão auricular, dos cabelos e a presença de assimetrias faciais, manchas café com leite no corpo ou membros, cor e formato de olhos, e outras características diferentes de seus pais ou outros membros da família devem ser observadas, anotadas e discutidas com geneticista. A documentação fotográfica é um recurso necessário e deve ser feita com o conhecimento e consentimento dos pais/responsáveis. Esses dados poderão auxiliar na detecção de importantes sinais que contribuem para o diagnóstico de síndromes genéticas, bem como para a documentação do padrão facial nas diferentes fases de desenvolvimento craniofacial do paciente. Mudanças nas características faciais, a depender da idade, são frequentemente observadas em um grande número de síndromes genéticas. Figura 64.4 – Exemplo de heredograma de uma família com histórico de transtorno de aprendizagem. O transtorno de aprendizagem foi confirmado em duas irmãs (geração III) e sua genitora. Perfil comportamental e cognitivo Em genética, informações sobre o comportamento do paciente são parte fundamental do processo diagnóstico fonoaudiológico. As características comportamentais, assim como as alterações de linguagem, não são exclusivas de determinado transtorno do neurodesenvolvimento ou de uma determinada síndrome genética, uma vez que diferentes síndromes genéticas compartilham manifestações semelhantes. No entanto, é o conjunto de manifestações identificadas neste âmbito que viabiliza delinear o fenótipo comportamental e de linguagem característico de uma síndrome genética e, por sua vez, avançar na investigação de genes que se relacionam com determinados padrões de comportamento, o que tem favorecido a descoberta das “chaves” biológicas relacionadas ao comportamento humano10. Características comportamentais frequentemente são recorrentes entre os diferentes transtornos do neurodesenvolvimento de causa genética (p. ex., déficit de atenção, hiperatividade), no entanto o conjunto de características comportamentais, associado às características cognitivas e de linguagem, contribui para a existência de perfis peculiares a uma dada condição. A presença de alteração no desenvolvimento de habilidades cognitivas, de linguagem e comportamentais constitui os principais marcadores clínicos dos transtornos do neurodesenvolvimento, sejam eles de etiologia genética ou não. Mediante tais manifestações e independentemente do grupo no qual o indivíduo está inserido, compete ao fonoaudiólogo realizar a avaliação e o diagnóstico fonoaudiólogo. O perfil comportamental poderá ser estabelecido a partir das informações coletadas por meio da observação direta do paciente pelo avaliador, nos diferentes contextos (residência, escola, consultório), e da aplicação de escalas comportamentais aplicadas junto aos pais/responsáveis pelo paciente. O uso de escalas comportamentais do tipo inventários e questionários é um recurso poderoso na complementação do diagnóstico fonoaudiológico. Essas escalas têm contribuído para ampliar o conhecimento de possíveis problemas comportamentais que coexistem nas manifestações fonoaudiológicas, os quais devem ser ponderados no programa de intervenção fonoaudiológica. O levantamento de padrões comportamentais específicos, aliado às manifestações cognitivas e de linguagem, também tem contribuído para o delineamento de fenótipos e subfenótipos encontrados entre indivíduos que apresentam um mesmo Transtorno do Neurodesenvolvimento. Entre as escalas comportamentais que podem ser utilizadas por fonoaudiólogos, são os inventários comportamentais ASEBA (Achenbach Sistem of Empirically Based Assessment) – Child Behavior Checklist for ages 6-18 (CBCL/6-18) – que tornam possível investigar problemas relacionados, segundo informações dos pais, aos aspectos emocionais e socioadaptativos dos filhos.14 Este instrumento foi traduzido e adaptado para a população brasileira15. A realização de avaliações específicas com psicólogos e psiquiatras também deve ser considerada pelo fonoaudiólogo para a complementação de seu diagnóstico e no estabelecimento do fenótipo comportamental e cognitivo. Avaliação fonoaudiológica Para a caracterização do desempenho dos indivíduos, os dados da avaliação fonoaudiológica devem sempre ser conjugados à história clínica. Ressalta-se que esse processo pode ser realizado de duas formas distintas e/ou complementares: informal e formal. Na primeira, faz-se a avaliação clínica sem o uso de escore, sendo o perfil do sujeito traçado a partir dos critérios considerados como desenvolvimento típico. Já para a avaliação formal, usam-se instrumentos sistemáticos/formais que fornecem dados quantitativos. Tais instrumentos devem, necessariamente, estar adequados à idade do indivíduo e possibilitar a avaliação de habilidades específicas relacionadas à recepção e expressão da linguagem falada e escrita e de habilidades subjacentes à linguagem (p. ex., memória), e expressivas, fornecendo, assim, as potencialidades e dificuldades de cada indivíduo. Para tanto, a utilização de procedimentos padronizados, apesar de escassos, tornaria possível avaliar, de maneira objetiva e em diferentes momentos, o desempenho dos sujeitos, assim como a realização de estudos transculturais. Bases de dados para auxílio no processo diagnóstico em Genética A conclusão do Projeto do Genoma Humano forneceu um catálogo de todos os genes humanos, sua sequência e um extenso, e ainda incompleto, banco de dados sobre a variação humana. Os avanços científicos e tecnológicos da Genética e dos estudos da Genética dos distúrbios do neurodesenvolvimento, nas últimas décadas, levaram os profissionais da Genética e da Fonoaudiologia a buscar, quase diariamente, informações nos diferentes sites de busca internacionais e nacionais, citados a seguir6: •OMIM16 (Online Mendelian Inheritance in Man): Esta base de dados é um catálogo de síndromes genéticas, de autoria e edição do Dr. Victor A.McKusick16, desenvolvida pela National Center for Biotechnology Information, que disponibiliza informações textuais e referências sobre as diferentes síndromes, enfocando revisão da literatura, descrição, características, herança, entre outras informações16 •PUBMED17: Desenvolvido pela U.S. National library of Medicine, que inclui cerca de 18 milhões de referências do medline e outras fontes da área da saúde, recuperando artigos desde 1950 •LILACS18: Base de dados cooperativa da Rede BVS, que compreende a literatura relativa às ciências da saúde, publicada nos países da América Latina e Caribe, a partir de 1982. Atinge mais de 400 mil registros e contém artigos de cerca de 1.300 revistas mais conceituadas da área da saúde •ORPHANET19: Portal para as doenças raras, em vários idiomas, incluindo Português de Portugal. Métodos de diagnóstico em Genética Diferentes métodos são utilizados pelo geneticista na busca pela etiologia e compreensão dos mecanismos genéticos envolvidosna transmissão de um fenótipo alterado. A aplicação de tais métodos tem mostrado evolução ao longo dos anos, desde as primeiras descobertas até a conclusão do Projeto Genoma, no início do século XXI. Algumas condições genéticas somente podem ser diagnosticadas a partir de testes laboratoriais e moleculares específicos (p. ex., FISH, CGH-Array). O CGH-Array é um dos métodos mais importantes para a investigação do transtorno do neurodesenvolvimento4,16. Este item, pela sua complexidade, merece ser apresentado por profissional da área. Entre os distúrbios do neurodesenvolvimento de origem genética, algumas síndromes têm sido investigadas, nas últimas décadas. Algumas síndromes genéticas raras, ou não, têm sido descritas como etiologia frequente em diferentes distúrbios da comunicação. Entende-se por síndrome um conjunto de sinais e sintomas supostamente relacionados do ponto de vista etiopatogênico. A semelhança entre os indivíduos com uma mesma síndrome torna viável agrupá-los6. Esses acidentes fisiopatológicos podem ser classificados segundo sua etiologia, ou seja, anomalias ou aberrações cromossômicas, gênicas e multifatoriais4. Na Tabela 64.1, apresentam-se dados específicos das síndromes estudadas. Destaca-se que as informações para a construção do tabela foram extraídas das diferentes bases de dados16,19 e experiência da autora. Devolutiva A última fase do processo diagnóstico fonoaudiológico, conforme mostrado anteriormente, é a devolutiva a pacientes e familiares. Nesta fase, é comum a participação de todos os profissionais que atuaram no caso. Apresenta-se o diagnóstico da condição maior, se for um transtorno do neurodesenvolvimento de origem genética ou determinada síndrome genética. O objetivo é ter o diagnóstico do distúrbio fonoaudiológico, cuja origem pode, ou não, ser sindrômica ou familial. Para ilustrar, não é incomum, neste momento, mostrar os programas computadorizados que auxiliaram no diagnóstico de síndromes genéticas, livros com dados sobre a condição em questão, ou o próprio OMIM16 ou o DSM7. Dependendo das informações sobre riscos de recorrência e prognóstico de cada caso, essas devolutivas se estendem em diversos contatos, nas diferentes fases, até que sejam sanadas as dúvidas e expectativas dos pacientes e familiares. Considerações finais O processo de diagnóstico fonoaudiológico nos transtornos do neurodesenvolvimento de origem genética tem peculiaridades e deve ser realizado em conjunto com geneticistas e profissionais afins. O investimento na formação de fonoaudiólogos que se apropriam do conhecimento da Genética, independentemente de sua área de atuação, sejam eles clínicos, ou pesquisadores, é atualmente uma necessidade quando se busca um serviço de excelência na avaliação e diagnóstico fonoaudiológico. image1.gif