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A flauta e a lira

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Carlos A. Martins de Jesus
com prefácio de 
José Ribeiro FerreiraC
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Colaboração
Associação Portuguesa de Estudos Clássicos (APEC)
Fluir Perenewww.fluirperene.com
Fluir Perene Colecção
A Flauta e a Lira
Estudos sobre poesia grega e papirologia
Carlos A. Martins de Jesus
2
Carlos A. Martins de Jesus
A Flauta e a Lira
Estudos sobre Poesia Grega e Papirologia
Prefácio de 
José Ribeiro Ferreira
 
Colecção
 Fluir Perene - nº 3
A flauta e a lira
3
Índice
In limine 7
Prefácio: Géneros e Formas Poéticas na Época Arcaica, 
 por José Ribeiro Ferreira 9
 
Grécia e Egipto: dois afluentes de um mesmo rio poético 17
A tradição iâmbica 31 
 Dois alvos da invectiva iâmbica 33
 Devassidão em prados de flores. O fr. 196a W. atribuído a 
 Arquíloco 47
 As flechas da calúnia: Estêvão Rodrigues de Castro e a recepção 
 de Arquíloco no Renascimento 57
Baquílides de Ceos 69
 Fama, a que tudo vê e tudo conta. Epinício 2 71
 O Galo de Urânia. Epinício 4 75
 Flores de canções doces como o mel. Fragmento 4 M 81
Novidades papirológicas 87
 Poetas gregos nas areias do Egipto: algumas relíquias 
 papirológicas trazidas a público 89
 Quando os Gregos sofreram terrível derrota. 
 O novo P. Oxy. 69. 4708 atribuído a Arquíloco 93
 Musas de regaço violeta. Um novo texto de Safo 115
 Narciso, o belo suicida. (Re)Leituras do mito a partir 
 de um novo papiro 119
Referências Bibliográficas 129
Apêndice Iconográfico 139
 
Carlos A. Martins de Jesus
4
A flauta e a lira
5
In Limine
 O presente volume reúne um conjunto de onze ensaios so-
bre diferentes temas e autores da poesia grega, de Arquíloco (séc. VII 
a.C.) a Parténio de Niceia (séc. I a.C.), passando por Baquílides e Safo, 
entre outros, a todo o momento referidos. Além do primeiro texto e 
dos referentes a Baquílides, inéditos à data, os restantes foram reco-
lhidos de publicações avulsas em revistas da especialidade. Eles são o 
resultado de quatro anos de reflexões sobre poesia grega e papirolo-
gia. Houve necessidade de os aligeirar, despojando-os de citações em 
grego e análises críticas mais complexas, úteis apenas a especialistas, 
no intento de os tornar acessíveis a um público mais vasto, interessa-
do pelos temas da poesia grega.
 O primeiro ensaio põe a par textos dos poetas gregos da época 
arcaica com a lírica egípcia conservada, demonstrando como ambas 
as culturas sentiram o amor, a vida e a morte de forma bastante simi-
lar. Segue-se um conjunto de três estudos sobre o iambo grego, em 
especial dedicados a Arquíloco de Paros, mas também, por analogia 
temática, a Hipónax de Éfeso (séc. VI a.C.). Apreciados lado a lado os 
fragmentos de ambos os poetas, na intenção satírica e invectiva que 
os une, no primeiro ensaio, parte-se para a tradução e análise literária 
de um dos mais valiosos achados papirológicos do séc. XX – no que à 
poesia grega diz respeito –, o conhecido Papiro de Colónia atribuído a 
Arquíloco, que constitui o mais extenso exemplo de invectiva iâmbica 
que conservamos, o mais acutilante e erótico poema desse género, 
aceite que seja a sua atribuição. No estudo seguinte, procurámos re-
flectir sobre a fortuna da lenda de Arquíloco e dos Licâmbidas, para 
chegar ao Renascimento e ver como, ainda nesse período, ela inspi-
rou, poetica e pictoricamente, diversos autores apostados no cultivo 
Carlos A. Martins de Jesus
6
da sátira, com destaque para Estêvão Rodrigues de Castro, médico e 
poeta dos séculos XVI e XVII.
 Avançamos para a poesia epinícia, tratando de três pequenos 
textos conservados de Baquílides de Ceos (sécs. VI-V a.C.), de quem 
a tradição diz ter sido sobrinho do grande poeta Simónides e um dos 
rivais do famoso Píndaro de Tebas. Embora breves na sua extensão, 
os poemas revelam bem a genialidade da arte alusiva e pictórica do 
seu autor, uma poesia fluente e fina na metáfora e na descrição. 
 Num último momento, discorremos sobre as novas tecnolo-
gias de imagem aplicadas ao estudo de papiros tidos como irreme-
diavelmente perdidos, dando notícia dos principais achados, nesse 
domínio, que nos últimos anos vieram a público. É nesse sentido que 
nos ocupamos de mais um texto, desta feita elegíaco, atribuído a Ar-
quíloco (P. Oxy. 69. 4708), publicado apenas em 2005, bem como do 
novo poema de Safo que pôde finalmente ser reconstruído. Para ter-
minar, entrecruzam-se mito e poesia, e eis que um outro achado (P. 
Oxy. 69. 4711) vem trazer uma nova luz sobre a lenda do mais for-
moso dos heróis, Narciso, que Ovídio dizia ter-se deixado morrer em 
contemplação da própria beleza, reclinado sobre um límpido regato.
 A encabeçar estes textos, o Prof. José Ribeiro Ferreira aceitou 
integrar um prefácio sobre as circunstâncias formais da poesia grega 
arcaica, um texto rico e elucidativo do fenómeno poético grego, útil a 
especialistas, estudantes e público em geral. Por isso, muito lhe agra-
decemos.
 Quando abreviados, autores e obras antigas seguem as siglas 
de H. G. Liddell - R. Scott, H. Stuart Jones, A Greek-English Lexicon 
(para os gregos) e de P. G. W Glare, Oxford Latin Dictionary (para os la-
tinos). As publicações periódicas vêm identificadas segundo as siglas 
de L’Année Philologique.
Coimbra, Maio de 2008
Carlos A. Martins de Jesus
A flauta e a lira
7
Prefácio
Géneros e Formas Poéticas na Época Arcaica
 
 Primeira forma de transmissão da cultura, a poesia gozou de 
grande dignidade entre os Gregos. Basta recordar que surge da ins-
piração das Musas e que estas são filhas de Zeus e de Mnemósine 
– a Memória. Por outro lado, os autores antigos, em especial Platão, 
atribuíam, por um lado, aos poetas o papel de «pais e guias da sabe-
doria» (Lísis 214a) e consideravam que ser entendido em poesia era a 
parte primacial da educação do homem (Protágoras 338e).
 A poesia grega arcaica vai dar origem ao aparecimento de di-
versas novas formas poéticas e musicais e novos temas. De acordo 
com o aspecto formal e com a métrica podemos dividi-la em três es-
pécies: poesia lírica, poesia elegíaca, poesia iâmbica.
 Os Poemas Homéricos e as obras de Hesíodo haviam sido 
compostos em hexâmetros, portanto uma sucessão do mesmo metro. 
A poesia elegíaca constitui a primeira tentativa de quebrar essa mo-
notonia, já que a elegia, sob o ponto de vista formal, nos aparece como 
uma variante do hexâmetro, em ritmo dactílico, com a introdução do 
pentâmetro, e os dois, em alternância, formam o dístico elegíaco: 
 — ∪∪ — ∪∪ — ∪∪ — ∪∪ — ∪∪ —— hexâmetro
 — ∪∪ — ∪∪ — // — ∪∪ — ∪∪ — pentâmetro
 Como o pentâmetro — uma designação imprópria — é consti-
tuído por dois hemiepes, dois meios hexâmetros, com uma pausa a meio, 
tem razão W. R. Hardie 1934: 49 ao afirmar que a elegia nos aparece como 
uma variante do hexâmetro dactílico1. E essa será uma das razões por que 
1 Sobre a constituição do pentâmetro como dois meios hexâmetros vide B. 
Snell 41982: 16.
Carlos A. Martins de Jesus
8
parece ser o dístico elegíaco o metro mais antigo de composição, a seguir 
à epopeia2. Um metricista francês diz com graça e acertadamente que o 
pentâmetro é um hexâmetro com um suspiro no meio e outro no fim.
 Os autores antigos, sobretudo tardios e gramáticos, ao usarem ou 
comentarem o termo elegia e afins — cuja possível etimologia omito, por 
controversa3 —, tinham sobretudo em mente aspectos formais e métricos, 
como está explícito neste escólio de Dionísio Trácio (p. 173.3 = 307.29): 
Portanto, há dístico elegíaco, quando temos um verso(stichos) hexâmetro e 
um pentâmetro, e elegia quando todo o poema apresenta, em alternância, hexâmet-
ros e pentâmetros.
 Assim elegeion significa “um dístico elegíaco”4. Por outro lado, 
o plural elegeia é de frequente uso no século V a. C. em diante para re-
ferir os dísticos elegíacos. Mas há entre os gramáticos a tendência em 
usar elegeion para significar “pentâmetro”. O termo elegeia (subst. fem.) 
aplicava-se aos poemas constituídos por dísticos elegíacos, atestado 
pela primeira vez em Aristóteles (Consituição dos Atenienses 5. 2 e 3), ao 
referir-se aos poemas de Sólon.
 É raro o uso da palavra elegeion para significar o tom geral, 
um sentido tardio que encontramos sobretudo entre os Romanos. Por 
exemplo, em Plauto (Mercador 409) um ancião lamenta-se de que os 
olhares de uma rapariga atraíam atenções indesejáveis, levando os 
homens a acorrerem para recitar poemas à porta:
2 Duas regras marcam o pentâmetro: uma delas reside no facto de a diérese coin-
cidir sempre com o fim da palavra; a outra no facto de as breves da 2ª parte não poderem 
ser substituídas.
3 Tem-se tentado tirar do termo uma etimologia (que elegeion era “dizer ai”). Mas 
note-se, contudo, que o verbo lego, de início, significava “colher”. Outra teoria — que se tem 
proposto, mas não tem tido aceitação — deriva-a de forma elegen, uma palavra de origem ar-
ménia que significa “tubo” ou “cano”. Trata-se de uma etimologia tentadora, pois designaria 
o instrumento musical que acompanharia a elegia. Em resumo: em matéria de etimologia de 
elegia, estamos hoje na mesma posição em que se encontrava Horácio, no século I: «Grammatici 
certant et adhunc sub iudice his est».
4 No mesmo sentido vai uma referência de Diodoro (9. 20. 2) que, ao citar um dístico 
de um poema mais longo de Sólon, refere-se a ele como «este elegeion», e que ao conjunto de seis 
linhas do fragmento apelida elegeia.
A flauta e a lira
9
...................occendent ostium,
impleantur elegeorum meae fores carbonibus.
 Deste modo os antigos aplicavam o neutro elegeion, no singular 
e no plural, e o feminino elegeia à poesia em dísticos elegíacos. O aspecto 
formal da elegia adquire assim papel fundamental na designação. Tem 
razão, pois, M. L. West 1974: 4 quando escreve: «Em geral pode dizer-se 
que elegeion e o seu plural são usados sem restrição para designar todos 
os versos em metro elegíaco, quer seja alegre ou triste, quer uma inscri-
ção em pedra, quer uma elegia literária». 
 Quanto ao conteúdo, o tom lamentoso, triste, melancólico 
que já aparecia entre os Romanos — «flebilis elegeia» lhe chamou 
Ovídio nos Amores — e que hoje está implícito no termo elegia, não 
tinha relevo entre os Gregos, embora o sentido de lamento nos apa-
reça no termo élegos, com implicações métricas ou não, já no séc. V a. 
C. em seis ocorrências entre 415-408 a. C.5 e numa citação de Pausâ-
nias 10. 7. 6 relativa e Equêmbroto (586 a. C.). O emprego de elegia 
e relacionados baseava-se fundamentalmente em aspectos métricos 
e formais. Não esqueço, todavia, o caso do fragmento 13 West de 
Arquíloco que começa por uma lamentação inicial e tem sido o pon-
to de apoio de muitos críticos para atribuírem esta característica à 
elegia desde o início.
 Considero que H. Fränkel 1962: 170, autor de um dos melho-
res tratados de literatura grega arcaica, define com clareza elegia: «é 
seu alvo específico a exortação, ensino e reflexão. Tem o carácter de 
fala pública ou semi-pública e, mesmo que se dirija a uma pessoa só, 
vale para todas as que se encontrarem na mesma situação». É efecti-
vamente isto que nós encontramos de comum quer na elegia guerrei-
ra, quer na erótica, quer na gnómica. 
 Na elegia cabiam praticamente todos os assuntos. A temática 
guerreira— o que chegou até nós de mais antigo (Calino e Tirteu) é 
5 Eurípides, Tro. 119, IT. 146, Hel. 185, Hypsip. 1. 3. 9, Or. 968; Aritófanes, Aves 217.
Carlos A. Martins de Jesus
10
guerreiro— parece ser da sua total exclusividade. Tem um pendor 
reflexivo. Tem por função a “exortação, ensino e reflexão”. 
 Observa F. Rodrígez Adrados que a elegia é, por antonomásia, 
a poesia da exortação e reflexão sobre os temas mais diversos: milita-
res, políticos, morais, relativos ao sentido da vida, narrativos, mesmo 
dados autobiográficos. M. L. West 1974: 14-18 divide-a em guerreira, 
narrativa e gnómica — divisão que, apesar de ultimamente ter sido 
posta em causa, continua em minha opinião a mais adequada. Outra 
forma poética e musical que cedo aparece é a iâmbica, que com a elegia 
disputa a glória de mais antiga6. Acompanhada à flauta como a elegia, 
este tipo de poesia apresenta, em boa parte dos poemas e fragmentos 
chegados até nós, um carácter trocista fundamental. 
 O iambo ( ∪ — ∪ —), que de certo modo estava ligado ao culto 
de Elêusis7, suscita muitas dúvidas, embora pareça seguro que, além 
desse carácter trocista fundamental, o termo iambos designa ao mes-
mo tempo o género e o verso. Por outro lado, não parece haver dú-
vidas quanto ao facto de ter sido Arquíloco a dar-lhe forma literária. 
A palavra aparece-nos aliás já no próprio Arquíloco num fragmento 
muito curto (fr. 215 West) e cujo sentido nos escapa:
 Já não me agradam nem iambos nem deleites.
 Aristóteles parece corroborar esta atribuição, ao referir com 
esse termo poemas de Arquíloco na Retórica 1418b, embora com o 
6 Discute-se se a precedência recai em Calino ou em Arquíloco. Do cruzamento das 
referências dos fragmentos 19, 20 e 122 West podemos datar o último de meados do século VII 
a. C. Assim é provável que Calino seja mais antigo do que o poeta de Paros.
7 Segundo o Hino Homérico a Deméter, a deusa chegou a Elêusis em busca da filha 
raptada. Aproximaram-se dela as filhas do rei e, no meio da dor, a deusa riu-se com os ditos de 
uma criada chamada Iambé. Se por um lado o nome parece indicar qualquer coisa, por outro, 
os ditos causam riso. Ora o riso parece ser congénito à poesia iâmbica. Durante os Mistérios de 
Elêusis, a procissão que se dirigia de Atenas a Elêusis, ao passar por uma ponte, parava para 
proferir os gephyrismoi que eram ditos trocistas. Deviam ter um valor apotropaico e eram uma 
maneira primitiva de conciliar as divindades da fertilidade. De novo encontramos o elemento 
riso associado ao culto de Elêusis. É isto o que se julga saber em relação às origens da poesia 
iâmbica.
A flauta e a lira
11
nome de iambo designe tanto composições em metro iâmbico (os trí-
metros) como as escritas em tretrámetros trocaicos:
 Trímetro iâmbico: x — ∪ — x — ∪ — x — ∪ —
 Tetrâmetro trocaico: — ∪ — x — ∪ — x — ∪ — x — ∪ — x
 Além de Arquíloco, vários outros poetas usaram esta forma 
poética, entre eles Sólon, Hipónax, Simónides. 
 Aos dois tipos de poesia referidos anteriormente, um terceiro 
se lhes vem juntar, quase pela mesma época — a poesia lírica que, com 
formas e ritmos variados e embora com precedentes8, só toma forma 
literária nesta época, no século VII a. C. Informa-nos o escoliasta a Aris-
tófanes (Nuvens 333) que os poetas líricos cantavam os seus poemas 
acompanhados de coros, flautas e lira. É pelo facto de este ser o princi-
pal instrumento utilizado que recebeu no período helenístico o nome 
de poesia lírica. Anteriormente tinha outras designações: os autores da 
época clássica chamavam-lhe poesia mélica (de mêlos “melodia”) e dis-
tinguem esta poesia (que tem um grande número de ritmos) da poesia 
elegíaca e da iâmbica, e estas três da épica — uma distinção que vem 
sobretudo de Aristóteles. Platão, nas Leis 764d-e, chama chorodia à que 
é entoada por um coro e monodia à cantada a solo. 
 A poesia lírica apresentava formas variadas (eide, como lhe cha-
mavam os gramáticos helenísticos), umas executadas em honra dos deu-
ses e outras em honra dos homens. São dirigidos aos deuses o hino que, 
segundo a definição de Platão, era um cântico aos deuses; o péan,nomea-
do já em Homero (Ilíada 1. 472-474), que começa por ser um canto dirigido 
8 Por exemplo, canções populares e vários passos dos Poemas Homéricos que fazem 
referência a canto, quer a solo, quer em coro — formas preliterárias de poesia não épica: Ilíada 
1. 472-474, os Aqueus entoam a Apolo péanes; Ilíada 9. 186, Aquiles canta os feitos gloriosos 
acompanhados à lira; Ilíada 18. 493, refere epitalâmios; Ilíada 18. 569-572, são referidos dois tipos 
de cantos (um jovem canta acompanhado da cítara e outros cantam e gritam enquanto pisam o 
solo a compasso); Ilíada 23, entoa-se um treno em honra de Pátroclo; Ilíada 24, trenos em honra 
de Heitor; Odisseia 5. 61-62; canto a acompanhar o trabalho — quando Calipso se encontrava 
ao tear.
Carlos A. Martins de Jesus
12
a Apolo, mas mais tarde pode ser entoado também a outros deuses; o 
ditirambo que, já mencionado em Arquíloco (fr. 120 West), se entoava em 
honra de Diónisos9; partenéion, um canto executado por um coro de don-
zelas (parthenos); prosódion, canto que acompanha uma procissão. 
 Ao lado dos poemas em honra dos deuses, havia as formas con-
sagradas aos homens que, segundo a tradição, teriam sido introduzi-
das por Simónides: o encómio (enkómion), elogio de um cidadão ilustre10; 
o epinício que celebra uma vitória desportiva nos grandes Jogos; o treno, 
um canto fúnebre; a “canção de mesa” ou skólion. De todas estas formas 
líricas, só dos epinícios temos número significativo de composições 
completas. Do resto apenas nos chegaram praticamente fragmentos, 
mais ou menos extensos. Excepção para alguns escassos exemplares, 
que podem ser considerados poemas completos11. 
 Embora seja característica conhecida, e já subjacente nas notas 
anteriores, devemos chamar a atenção para a importância da música 
na poesia grega arcaica, em especial na lírica. Todas as formas eram 
acompanhadas por instrumentos musicais, como a lira e a flauta, e os 
géneros distinguiam-se pelo ritmo. Um passo de Álcman, o fragmento 
39 Page, garante que o acompanhamento era feito pelo próprio poeta 
que também era músico, compositor e intérprete ao mesmo tempo12.
José Ribeiro Ferreira
9 Não é fácil seber o que é o ditirambo. Segundo Pickard-Cambridge, tem um 
ritmo especial, acompanhamento à flauta e em modo frígio, um vocabulário rebuscado e 
um conteúdo narrativo apreciável.
10 Há quem sustente que todo o canto em honra dos homens se chama assim e que a 
partir dele se desenvolvem os outros.
11 É o caso, entre outros, do fr. 1 L-P de Safo, dos frs. 356a e b e 357 Campbell de 
Anacreonte.
12 Através dos fragmentos conservados sabemos que o péan, o ditirambo e o 
partenéion eram acompanhados à flauta. A elegia e o iambo, que estão fora da lírica, eram 
também acompanhados à flauta. Autores tardios dizem-nos que o hino era acompanhado 
à cítara, o prosódion era acompanhado à flauta e o hiporquema à flauta e à cítara. Quanto 
ao epinício era acompanhado quer por instrumentos de sopro quer de corda (lyra, kithara, 
fórminx, bárbiton, kitharis). Vide Pfeiffer, History of Classical Scholariship (Oxford, 1968), 
pp.282-283.
A flauta e a lira
13
A Flauta e a Lira
Estudos sobre Poesia Grega 
e Papirologia
Carlos A. Martins de Jesus
14
A flauta e a lira
15
Grécia e Egipto
dois afluentes de um mesmo rio poético1
São de facto bastante antigos os contactos civilizacionais entre 
a Grécia e o Egipto, sejam eles motivados por interesses comerciais, 
políticos ou simplesmente pela curiosidade artística de determinado 
intelectual. Conta a tradição que Tales e Pitágoras haviam visitado o 
país do Nilo, mas foram sem dúvida Hecateu e Heródoto os primeiros 
a beber por essas bandas a inspiração para as suas obras de carácter 
histórico e geográfico. O período arcaico (séculos VII e VI a.C.), tendo 
como partida a cronologia relativa da civilização grega, terá sido 
igualmente rico em contactos entre os mundos grego e egípcio. Era a 
época das colonizações gregas; o exótico e o desconhecido estavam 
prestes a deixar de o ser2. 
A memória universal de que fala G. Genette, na sua 
concepção de um arquissistema de temas e motivos poéticos 
comuns que são utilizados por diferentes autores em diferentes 
contextos espaciais e temporais, serve de base teórica para a 
procura de paralelos, essencialmente temáticos, entre a lírica 
amorosa do Egipto do Império Novo e a lírica grega da Época 
Arcaica. De outro modo, as aproximações que serão feitas não 
assentam no pressuposto de que determinado autor grego lera 
ou sequer conhecera os textos egípcios que, ao seu tempo, teriam 
já diversos séculos. Falamos de um património comum, que 
1 Este texto, ainda inédito, foi apresentado no II Congresso Internacional para Jovens 
Egiptólogos (Lisboa, Museu da Farmácia, Outubro de 2006).
2 Sobre os contactos civilizacionais entre Grécia e Egipto, vejam-se os estudos de M. 
Pulquério Futre 1995: 441-468, L. M. García Fleitas e G. Santana Henríquez 2002.
Carlos A. Martins de Jesus
16
influencia artistas em tempos muito distantes sem que, muitas 
vezes, dessa fonte tenham eles próprios consciência3.
O surgimento da lírica, na Grécia do período arcaico (e 
fixemo-nos no século VII a.C.) foi motivado por um factor que havia 
já sido determinante para a eclosão do lirismo amoroso no país do 
Nilo, durante a XVIII Dinastia e a era dos Ramsés (XIX-XX Dinastias), 
algures entre os séculos XIV-XI a.C.: falamos do individualismo, 
dessa afirmação da vontade e do sentir do eu individual e subjectivo 
que passa a ser a marca central das composições poéticas. Já no 
decurso dos Impérios Antigo e Médio as cortes faraónicas pareciam 
dar grande relevo ao lazer, ao divertimento da alma com a música e 
com a poesia. Chegados ao Império Novo, estão criadas as condições 
para esse eclodir da lírica de amor profana, para o qual muito terá 
contribuído ainda o elevado estatuto social da mulher no país do 
Nilo. Quando o lirismo grego inicia o seu processo de afirmação, em 
boa verdade, já a lírica egípcia (e oriental em geral) alcançara uma 
maturidade dada por séculos e séculos de cultivo. Daí que os temas e 
os motivos poéticos do Oriente estejam irremediavelmente presentes 
nas cordas da lira dos maiores poetas gregos que, ainda que de forma 
escassa, chegaram ao nosso conhecimento. 
Face à poesia grega da época arcaica, a lírica o Império Novo 
tem, à partida uma vantagem. Os próprios escribas do Nilo tiveram 
consciência da sua importância e procederam à sua compilação, o que 
facilita o trabalho dos estudiosos. Não que a lírica grega não tenha 
sido compilada, essencialmente durante o período helenístico; mas 
os tempos foram mais severos quanto à sua preservação, e tudo o que 
temos são notícias de obras vastíssimas (como é o caso de Safo, de 
3 Esta regra vale para outros géneros e para outras comparações. Veja-se o trabalho de 
confronto estabelecido por J. N. Carreira 1987: 87-107, ou esse outro entre o “Conto do Náufra-
go” e a Odisseia, levado a cabo por A. M. Mendes Moreira 2004: 355-362. 
A flauta e a lira
17
quem sabemos ter sido organizada uma colectânea em nove livros), 
confrontadas com alguns textos maiores transmitidos e os largos 
milhares de fragmentos de papiro que vão sendo encontrados, que 
nem sempre permitem avaliar a qualidade da veia poética do seu autor. 
Quanto à lírica egípcia que nos importa, ela encontra-se conservada 
em dois extensos papiros (Pap. Chester Beatty I e Pap. Harris 500), aos 
quais se acrescenta o mais pequeno e fragmentário Papiro de Turim 
e os textos de um vaso guardado no Museu do Cairo. Também no 
que toca às circunstâncias de execução poética ambas as culturas se 
aproximam. Poesia e música são realidades indissociáveis; banquetes 
e festas públicas tornam-se os espaços privilegiadospara a exibição 
dos dotes musicais e poéticos. Nestes espaços de divertimento, deve 
a poesia servir um fim primordial: o deleite dos convivas. 
Olharemos pois para o pouco extenso mas bastante rico 
conjunto da lírica profana do Império Novo, que lemos apenas em 
tradução4, a par do vasto mas por vezes confuso corpus da poesia grega 
arcaica, com especial destaque para autores como Arquíloco (séc. VII 
a.C.), Álcman (séc. VII a.C.), Mimnermo (séc. VII a. C.), Safo (séc. VII-
VI a.C.), Alceu (séc. VII-VI a.C.) e Anacreonte (séc. VI -Va.C.). 
O erotismo, em rigor, surge do culto divino, caminhando rumo 
à autonomia poética. Como viria a suceder na Grécia, os deuses deixam 
de ser, em si, o motivo e o objecto do canto, passando com frequência 
a ser convocados tão só no que possam ser úteis ao desejo ou à doença 
amorosa do sujeito da enunciação. Devem os deuses, no fundo, servir 
os caprichos dos homens, atender as suas preces e escutar os seus 
lamentos. A divindade deve ser propiciada com vista à obtenção do 
favor do amado ou da amada, daí que lhe sejam compostos hinos. 
Hathor, a Dourada, era a mais antiga divindade feminina do panteão 
4 Seguimos, salvo casos pontuais, a tradução de L. M. Araújo 1995: 270-300. 
Carlos A. Martins de Jesus
18
egípcio, a deusa do amor e da fertilidade, por estas características só 
comparável à Afrodite grega. Num texto do Papiro Chester Beatty I 
(L. M. Araújo 1995: 272-273), vemos essa súplica à Dourada, para que 
inspire na amada a paixão pelo sujeito poético: 
Eu adoro a Dourada, 
venero a sua majestade, 
eu exalto a dama do céu. 
Presto adoração a Hathor. 
Laudações à minha senhora! 
Chamei-a e ela ouviu o meu apelo, 
enviou-me a minha dama, 
e ela veio ver-me através dela.
(...)
Faço devoções à minha deusa, 
para que ela me ofereça a minha amada. 
Há três dias que invoco o seu nome, 
pois há cinco dias que ela me deixou. 
Semelhante invocação à deusa Afrodite vamos encontrar em 
vários poetas gregos. O epíteto “Dourada” era-lhe também aplicado, 
sabemo-lo desde logo por Homero (Il. 3. 64 e Od. 8. 337, entre outros) e 
pelo frg. 1 W. de Mimnermo (vv. 1-2), poeta que canta acima de tudo o 
tema da efemeridade da vida, sobre o qual nos demoraremos adiante: 
o que é a vida? O que é o prazer, sem a dourada Afrodite? 
Que eu morra, quando estas coisas já não me interessarem.5 
Mas é sobretudo em Safo que vemos a mesma tendência 
para a súplica interessada à deusa, com vista à obtenção dos favores 
do ser amado. Falamos do frg. 1 L-P, conhecido entre os helenistas 
precisamente como “Hino a Afrodite”, do qual citamos as estrofes 
1 e 7: 
5 As traduções da lírica grega, salvo indicação em contrário, são de F. Lourenço 2006.
A flauta e a lira
19
Imortal Afrodite do trono variegado, 
filha de Zeus, urdidora de enganos, suplico-te: 
com sofrimentos e angústias não subjugues, 
ó rainha, o meu coração
(...)
Vem até mim, agora também! Salva-me da aflitiva 
ansiedade; e para mim faz cumprir tudo o que 
meu coração deseja ver cumprido; e tu própria 
combate a meu lado. 
Também Anacreonte (sécs. VI-V a.C.), é motivado por um 
amor de teor homossexual a compor um hino em tudo semelhante ao 
que ainda agora ouvimos, no seu caso dirigido ao deus Diónisos (frg. 
357 PMG), até porque é entre homens que se passa o caso de amor: 
Soberano, com quem o Amor subjugador 
e as ninfas de olhos azuis 
e a purpúrea Afrodite 
brincam, quando estás 
nos altos píncaros das montanhas! 
Suplico-te; e tu de espírito compassivo 
vem até mim, para ouvires a minha grata prece. 
Sê bom conselheiro de Cleobulo, 
para que o meu amor, 
ó Dioniso, ele aceite. 
O vocabulário é bastante próximo do utilizado por Safo, e a 
intenção de súplica e de prece à divindade aproxima estes poemas da 
lírica egípcia. Com a deusa pretendem estes poetas estabelecer uma 
espécie de troca de favores: a obtenção do amor do ser amado levará 
à sua celebração em contexto festivo. 
Profundamente apostada na captação do momento, visualista 
e naturalista, a lírica egípcia do Império Novo concede grande relevo 
à Natureza, espaço de eleição para o amor. Conservam-se conjuntos 
de poemas ligados a um determinado cenário natural – como sejam 
Carlos A. Martins de Jesus
20
as “cantigas de campina” (L. M. Araújo 1995: 281-284), as “cantigas 
do rio e dos desejos de amar” (L. M. Araújo 1995: 289- 292) e a curiosa 
colecção das “cantigas do pomar” (L. M. Araújo 1995: 285-288). Não é 
de estranhar o relevo dado ao rio como espaço que ora separa ora une 
os amantes, uma vez concluída a travessia, numa civilização que terá 
surgido e florescido precisamente ligada ao Nilo. A Natureza funciona 
então como alcova, mas também como universo rico em imagens 
de um subtil erotismo, espaço prenhe de sensações sinestésicas 
que alimentam todos os sentidos e se tornam metáforas da própria 
relação amorosa. E é neste espaço que se movimentam animais que 
servem de comparação ao sujeito poético (predador) que persegue a 
sua amada (a presa). É o que se lê em duas estrofes das “cantigas de 
campina” (L. M. Araújo 1995: 282): 
Grita a voz do ganso bravo, 
apanhado na sua armadilha. 
Prende-me o meu amor por ti 
e dele não me posso soltar. 
Vou recolher as minhas redes, 
mas o que direi a minha mãe, 
a quem levo diariamente 
as aves que apanho? 
Hoje não armei as redes, 
porque o teu amor me apanhou! 
Acima e abaixo voa o ganso bravo,
e acaba por cair na rede. 
Voam pássaros em redor 
e tenho trabalho a fazer. 
Estou presa pelo meu amor, 
e só, o meu coração encontra o teu, 
a tua beleza não deixarei! 
O predador, curiosamente, é a amada, que prepara o mais 
infalível dos iscos para o seu ganso bravo: o poder da sua sedução. 
O tópico é o mesmo, no entanto, que encontramos em tantas outras 
A flauta e a lira
21
literaturas, como seja o próprio Cântico dos Cânticos (II. 8-13)6. Na 
literatura grega, a imagem mais comum é a do homem (identificado 
com o poeta) que persegue a sua presa por campos verdejantes, 
desejando tão só a consumação do amor. Ela foge, mas sabem ambos 
que a própria fuga é um esquema para aumentar o desejo e dar mais 
prazer ao encontro, que no fim se revelará inevitável. Num epodo 
de Arquíloco, publicado apenas em 1973 (frg. 196a W.)7 o sujeito 
seduz uma jovem, comparada a uma cerva, em campos verdejantes 
e odoríferos, terminando por sossegá-la e quase consumar o acto 
sexual (vv. 42-53): 
Tais foram as minhas palavras. Tomei então a donzela 
e num leito de flores 
a estendi. Com sedoso manto 
a cobri e o seu colo rodeei com meus braços, 
acalmando o seu sobressalto, 
tal como uma cerva ... 
Os seus seios gentis com as mãos acariciei: 
tenra brilhava a sua pele, 
feitiço da sua juventude . 
Todo o seu belo corpo percorri 
e então libertei o branco vigor, 
ao toque dos seus louros cabelos? 
Mas um dos tratamentos mais curiosos e provocantes deste 
tópico pertence uma vez mais a Anacreonte (frg. 417 PMG) quando, 
de forma inevitavelmente misógina, compara a amada a uma poldra 
da Trácia, irrequieta e relutante, que aguarda apenas por adequado 
garanhão: 
6 J. Tolentino Mendonça 21999: 12 refere já o paralelo com os textos do Papiro Harris 
500 e do Papiro Chester Beatty I.
7 Vide adiante o estudo inteiramente dedicado a este texto (págs. 47-56). Todas as 
traduções de Arquíloco apresentadas estão contidas na nossa edição completa dos fragmentos 
do poeta de Paros: C. A. Martins de Jesus 2008.
Carlos A. Martins de Jesus
22
Poldra da Trácia, por que razão 
me olhas de soslaio e teimosamente 
foges de mim? Será que pensas 
que eu não sei nada de jeito? 
Fica sabendo que lindamente 
eu te poria o freio; 
e com as rédeas nas mãos 
te faria virar no poste da corrida. 
Mas agorapastas nas pradarias, 
toda folgazã com teus coices levianos, 
já que te falta o cavaleiro experiente 
para te montar. 
Papel edificante em toda a lírica do Império Novo desempenha 
o olhar, o acto de contemplação do ser amado. Como bem refere J. 
Nunes Carreira 2005: 209, ver ou ser visto traz consigo um prazer 
sem medida, um prazer que dispensa não poucas vezes o contacto 
com o próprio objecto de desejo. São os amantes que se contemplam 
de ambas as extremidades do rio, logo se lançando à água para 
alcançarem o outro por quem anseiam (qual Hero e Leandro), ou que 
simplesmente partem para a descrição hiperbólica do ser supremo que 
os seus olhos contemplam. A poesia torna-se fortemente descritiva 
e pictórica; cada poema constrói autênticos quadros realistas do ser 
amado ou de determinado cenário. 
Mas a visão de quem se ama, tanto como a sua impossibilidade 
ou proibição, trazem consigo consequências nem sempre positivas. É o 
mal de amor, o padecer pela indiferença ou pelo simples apartamento 
do objecto de desejo, numa confusão de sintomas estonteante que 
rouba a razão ao sujeito. Ora porque vê o objecto da sua paixão (L. M. 
Araújo 1995: 272), 
o meu coração bate mais forte 
quando penso no meu amor por ti, 
torna-me diferente das outras pessoas, 
põe-se aos saltos no seu lugar 
A flauta e a lira
23
e nem me deixa pôr vestido 
nem compor o xaile à minha volta. 
Não pinto os meus olhos 
e nem sequer estou perfumada. 
ora porque ausente está há muito esse ser que acima de qualquer 
outro se ama (L. M. Araújo 1995: 274): 
Há sete dias que não vejo a minha amada, 
e a doença abateu-se sobre mim, 
sinto todos os meus membros pesados, 
o meu corpo abandonou-me. 
Os médicos vêm ver-me, 
mas eu rejeito os seus remédios. 
Os mágicos não sabem o que fazer, 
não descobrem o meu mal. 
O regresso da amada seria o único lenitivo, o único fármaco 
eficaz para esta doença que consome corpo e espírito do sujeito 
poético. A sintomatologia amorosa recorda-nos desde logo, ainda que 
a um outro nível, dois pequenos fragmentos de Arquíloco de Paros 
(frgs. 191 e 193 W.), para quem o amor (mais enquanto paixão e prazer 
sexual desenfreados) tem consequências que roçam a alienação: 
Tal foi o desejo de amor, que me cobriu o coração 
e cerrada treva sobre meus olhos derramou, 
arrebatando do meu peito as débeis forças. 
Miserável, jazo atolado no desejo, 
inânime, e penosas dores, por vontade dos deuses, 
me percorrem os ossos. 
Mas a comparação mais flagrante é mais uma vez com 
a poetisa de Lesbos, Safo, num famoso poema (frg. 31 L-P) que 
mereceria a imitação do latino Catulo. O mote para o poema é dado 
Carlos A. Martins de Jesus
24
pela contemplação da amada junto de outro homem, o que despoleta 
um conjunto de sintomas físicos em catadupa, em tudo semelhantes 
aos do texto egípcio que atrás citámos: 
Aquele parece ser igual dos deuses, 
o homem que à tua frente 
está sentado e escuta de perto 
a tua voz tão suave 
e o teu riso maravilhoso. Na verdade isto 
põe-me o coração a palpitar no peito. 
Pois quando te olho num relance, já não 
consigo falar: 
a língua se me quebrou e um subtil 
fogo de imediato se pôs a correr debaixo da pele; 
não vejo nada com os olhos, zunem-me 
os ouvidos; 
o suor escorre-me do corpo e o tremor 
me toma toda. Fico mais verde do que a relva 
e tenho a impressão de que por pouco 
que não morro. 
No poema de Safo os sintomas são em maior número, mais 
diversificados e condensados, contemplando todos os sentidos do 
sujeito. Nos textos egípcios, a doença é causada ora pela ausência 
da visão do ser amado ora pela sua contemplação. A Safo dói tão 
só a visão à distância do objecto do seu desejo; mais do que ciúme, 
parece mesmo haver algum comprazimento na dor, porquanto só 
ela é testemunha da evidência desse amor. A causa deste mal não é 
apenas o apartamento dos amantes, senão também o seu encontro, 
inesperado, que os deixa, ora a um ora a outro, sem saber como agir. 
É riquíssima a espontaneidade de que estão embebidos estes textos, 
a sinceridade indescritível das consequências, quase infantis, desse 
sentimento amoroso levado ao extremo. 
A flauta e a lira
25
Em períodos dominados pelo individualismo e pela afirmação 
das capacidades humanas, como foram o Império Novo e a Época 
Arcaica, é inevitável uma outra consciência, por vezes dolorosa 
mas inexorável. Como na Natureza, tudo obedece a um ciclo de 
vida e morte, não havendo lugar para o renascimento. Ao vigor da 
juventude que tudo vence segue-se a negra velhice que entorpece os 
membros, escala última antes da derradeira viagem para o reino dos 
mortos. Também a lírica egípcia - por estranho que possa parecer a 
leigos como nós, instruídos na imagem de uma civilização fortemente 
apostada na glorificação da vida depois da morte - expressou esta 
consciência da efemeridade da vida e da consequente necessidade de 
colher os melhores frutos de um caminho que é breve e fugaz. Nas 
inscrições do túmulo de Neferhotep em Tebas (J. N. Carreira 1999: 
apêndice 2) podem ler-se estes versos: 
Os que aos milhões de milhões nascerão 
todos a ela [terra da Eternidade] vão dar; 
na terra do Egipto não ficará nem um, 
ninguém que a ela não chegue. 
Quanto ao tempo dos actos terrenos, 
é a passagem de um sonho 
Curiosa a concepção da vida humana como um sonho, período 
breve que mais não é do que uma sucessão de imagens e impressões 
enganadoras8. Mas é no conjunto de poemas intitulados “Cantos de 
harpista” (J. N. Carreira 1999: apêndice 1) que esta consciência de 
brevidade da vida é mais flagrante: 
É feliz este bom príncipe! 
A morte é um destino afável! 
Passa uma geração, 
outra fica, 
8 Afirmação semelhante surge em Píndaro, Píticas 8, 95-96.
Carlos A. Martins de Jesus
26
desde o tempo dos maiores. 
Os deuses que houve outrora 
repousam em seus túmulos. 
Nobres bem-aventurados 
de igual sepultos em suas tumbas. 
Entre os Gregos, foi Mimnermo quem, glosando um símile da 
Ilíada (6. 146- 149), melhor exprimiu este devir inexorável dos anos 
para o homem (frg. 2 W., vv. 1 -10): 
Nós somos como as folhas que cria a florida estação 
da Primavera, quando crescem depressa sob os raios do sol. 
Como elas nos deleitamos num braço de tempo com as flores 
da juventude, sem sabermos o que de mau ou de bom
nos virá dos deuses. Mas as negras Desgraças estão 
ao nosso lado: uma delas segura o desfecho da áspera velhice; 
a outra, o da morte. O fruto da juventude é tão breve 
quanto é o tempo de o sol se espalhar sobre a terra. 
Porém quando passa este fim de estação, 
melhor do que ficar vivo é morrer logo. 
Também Safo, num texto possível de ler apenas no ano de 
2004, graças à conjugação do lacunar frg. 58 L-P da poetisa com 
dois fragmentos de papiro nesse ano decifrados9, se queixa das 
consequências da velhice, facto que contudo aceita resignada: 
Pois o meu outrora delicado] corpo, já a velhice 
me arrebatou, e brancos] se tornaram os cabelos, negros que eram. 
Pesado o meu coração se tornou, não me suportam já as pernas, 
em tempos ligeiras na dança, como pequenas corças. 
Isso lamento a toda a hora; mas que fazer? 
alguém que não envelhece é algo que não pode existir. 
Face a esta inevitabilidade da morte expressa por egípcios e 
gregos (que, seja um bem ou um mal, não deixa de ser um termo), a 
9 Vide o nosso estudo dedicado a este texto nas págs. 115-118.
A flauta e a lira
27
solução única reservada aos homens é a fruição do momento – que 
Horácio haveria de formular magistralmente na máxima do carpe 
diem –, seja pelo envolvimento amoroso, pelo degustar de um bom 
vinho ou mesmo pelo prazer de uma borracheira menos contida. É o 
que se lê num outro “Canto do harpista” (PapiroBarris 500 = J. Nunes 
Carreira 1999: apêndice 1): 
Por isto, exulta em teu coração! 
Faz-te bem o teu esquecimento. 
Segue o teu coração 
todo o tempo que viveres! 
Põe mirra em tua cabeça, 
veste-te de linho fino, 
unge-te com óleos próprios de um deus. 
Amontoa as alegrias, 
não deixes cair o coração! 
Segue o teu coração e a tua felicidade, 
despacha os teus negócios ao sabor do coração. 
Quando a ti chegar esse dia de lamento, 
O-de-coração-lasso não ouvirá seus ais, 
o choro não salva ninguém do poço. 
Nada se consegue com lamentos contínuos, pois que a hora de 
todos os lamentos há-de por fim chegar, sem aviso e sem hipótese de 
recusa. É precisamente isso que diz Arquíloco no frg. 11 W., 
Nada, em verdade, com o choro hei-de curar, 
 e nada pior tornarei se deleites e festas buscar. 
ou na ode ao seu coração (frg. 128 W.), verdadeira cartilha da fruição 
do momento própria do individualismo da Época Arcaica: 
Coração, ó coração, por males sem remédio derrubado, 
ergue-te! Defende-te dos inimigos, opondo-lhes um peito 
adverso, firme suportando as ciladas dos que te são hostis! 
Se venceres, em demasia não rejubiles,
nem, vencido, em casa te deites em pranto. 
Alegra-te antes com as alegrias, dói-te com as tristezas, 
sem exagero. Aprende bem o ritmo que domina os homens. 
Carlos A. Martins de Jesus
28
Uma só preocupação parece distinguir, neste aspecto, a filoso-
fia de vida de gregos e egípcios: é que os primeiros demonstram a toda 
a hora uma preocupação em evitar a insolência, todo e qualquer tipo 
de acções desmedidas. Serve de exemplo o vinho, também ele um bál-
samo contra a certeza de uma vida que se escapa por entre os dedos; o 
vinho que, bebido sem mistura de água, é sinal de exagero e acto pouco 
louvável, como se percebe pelo frg. 346 L-P de Alceu: 
Bebamos. Porque esperamos as luzes? É um átimo o dia. 
Pega, amigo, nas grandes e delicadas taças ornamentadas: 
o vinho, lenitivo dos males, doou-o o filho de Zeus e Sémele 
aos homens. Mistura uma parte para duas no cratêr, 
enche as taças até às bordas e que um cálice empurre o outro10. 
Não parece este cuidado com a moderação assistir aos textos da 
lírica do Império Novo que acima citámos, onde a sensualidade e a fruição 
do momento são bastante mais espontâneas, sem medida mesmo. Não faz 
sentido para os homens do Nilo a noção de terminus dado pela morte, a 
avaliar desde logo pelas riquezas com que recheavam os túmulos dos seus 
mortos, esperançosos numa vida futura que devia ser agradável. 
Gregos e Egípcios partilharam afinal, tudo leva a crer, de um 
mesmo conjunto de tópicos edificadores de poesia. Seja a forma de 
amar e de sentir a paixão, seja enfim a consciência da velhice e da 
morte que se aproximam galopantes, face ao que é necessário viver 
em felicidade, estas duas culturas - aqui tomadas pela poesia que nos 
legaram em períodos cronologicamente afastados mas marcados por 
um mesmo individualismo - provam como é intemporal o sentir, o 
amar e o sofrer, faces de uma mesma moeda que é a vida. E se é desse 
sentir, a mais íntima expressão da humanidade, que surge o género 
lírico, como poderiam Gregos e Egípcios, ocidentais e orientais em 
geral, não ser substancialmente iguais no que cantaram? 
10 Tradução de J. Ribeiro Ferreira 2006: 42.
A flauta e a lira
29
A tradição iâmbica
Carlos A. Martins de Jesus
30
A flauta e a lira
31
dois alvos da invectiva iâmbica 11
... mas uma grande sabedoria eu possuo:
a quem me faz mal, responder com terríveis injúrias.
(Archil. fr. 126 West)
 Esta declaração programática de Arquíloco pode servir-nos 
de mote para o tema a tratar nas páginas seguintes: a utilização poé-
tica de figuras reais, no âmbito da poesia iâmbica arcaica, com vista 
à desmoralização e construção do seu psogos (desonra pública), de 
acordo com uma série de convenções que passaremos a explorar.
 A utilização de linguagem licenciosa em poesia, obscena 
mesmo, parece ter origem religiosa. Falamos dos cultos a Demé-
ter e a Diónisos, em cujos rituais – na sua maioria para nós des-
conhecidos, dado o secretismo em que eram mantidos – o iam-
bo desempenhava um papel central, no sentido apotropaico que 
era já conferido à linguagem. No Hino Homérico a Deméter, onde 
encontramos a origem etiológica destas festividades, uma figura 
designada de Iambe provoca o riso na deusa, servindo-se para tal 
de linguagem obscena (aischrologia).12 Mas este texto contém outro 
dado para nós fundamental: refere-se a Paros, próximo do final (v. 
491), como uma das ilhas mais importantes deste culto, depois de 
Elêusis. E são muitos os testimonia que nos falam da ligação entre 
a família de Arquíloco e a introdução do culto na ilha de Tassos 
11 Versão original publicada no Boletim de Estudos Clássicos 44 (2005) 22-42. A primeira 
secção deste texto, dedicada a Arquíloco, segue de perto uma parte da comunicação por nós 
apresentada a 13 de Outubro de 2005 no Colóquio de Estudos Clássicos “Antiguidade Clássica 
e Nós: Herança e Identidade Cultural”, organizado pela APEC e realizado nesse ano na Univer-
sidade do Minho. Daqui partimos para o alargamento do estudo ao poeta Hipónax, resultado 
que agora se publica.
12 Vide supra, “Prefácio”, nota 7.
Carlos A. Martins de Jesus
32
(e.g. Paus. 10. 28. 3.). Quanto ao culto dionisíaco, é mais conhecida 
a sua relação com ritos selváticos e sexuais, inspirados pelo vinho 
que desceu sobre o espírito dos participantes, o contexto do co-
nhecido fr. 120 W.13
Também Aristóteles é um testemunho neste momento incon-
tornável. O autorizado autor atribui a origem da comédia aos cantos 
fálicos entoados com vista ao pedido da fertilidade, incluídos no culto 
de Diónisos (Poet. 1149a. 10-13) e de Deméter; mais adiante, refere-se 
ao costume dos poetas iâmbicos de atacar directamente uma dada 
figura conhecida, identificada no texto da invectiva (Poet. 1451b. 14 
sqq.). Este ataque aos vícios e deformidades morais tem por trás, 
curiosamente, um princípio de protecção da moral colectiva, um pou-
co como viria a acontecer com as comédias plautinas.
 Com Arquíloco, tudo leva a crer, estamos nos inícios desta tra-
dição poética. Datado o seu floruit da primeira metade do século VII 
a.C., não lhe são conhecidos quaisquer precedentes na elevação do 
iambo a género literário. Daí que os seus versos detenham uma au-
tenticidade e uma fluência que entendemos ausente dos de Hipónax, 
do qual não tarde falaremos.
 Conta a lenda que Licambas e Telésicles, este último pai do 
poeta, teriam arranjado o casamento entre os filhos quando juntos se 
deslocaram a Delfos e o oráculo previra que o primogénito de Telési-
cles teria fama imortal.14 Mais tarde, por razões que desconhecemos, 
Licambas terá recusado a mão da filha, Neobule, dando assim moti-
vação para o projecto poético de desonra da sua família por Arquí-
loco, que se teria sentido traído. Os versos produzidos teriam sido 
13 Para as citações dos fragmentos de Arquíloco e Hipónax servir-nos-emos da edição 
de M. L. West 21998.
14 Sobre o oráculo de Apolo em relação a Arquíloco falam-nos Dio Chrys. 33. 11-12 
(=Archil. test. 16 Gerber) e Oenomanus ap. Euseb., praep. ev. 5. 32. 2-33.9 (=Archil. test. 18 Ger-
ber), muito provavelmente no seguimento da tradição presente na Mnesiepis Inscriptio (SEG 15. 
517. col. ii. 50 = Archil. test. 3. col. ii. Gerber), datada do século III a.C. e parte de um recinto 
dedicado ao poeta em Paros, para sua glorificação
A flauta e a lira
33
tão duros que toda a família cometeu suicídio por enforcamento.15 
Lidamos portanto com uma lenda assente no valor da palavra que, 
eficazmente manipulada, fere mais do que espadas e mata mais do 
que os venenos mais mortíferos. 
 No corpus de Arquíloco não são muitas as marcas textuais 
desta tradição, sendo que em parte alguma se faz referência ao 
suicídio. Onome de Licambas surge apenas em cinco fragmentos 
(38, 54.8, 60.2, 71.1 e 172.1 W.), e em dois deles é fruto de recons-
tituição das lacunas presentes no papiro: fr. 60 W. (= P. Oxy. 2312 
frr. 9 et 10) e fr. 71 W. (= P. Oxy. 2312 fr. 17). No fr. 172 W. o poeta 
apenas lamenta a perda de siso desse homem, nada acrescentando 
em relação à complexa intriga amorosa:
Pai Licambas, o que foste tu dizer?
 Quem te fez abalar a razão
em que antes te apoiavas? Agora, para muitos 
 cidadãos, és alvo de chacota.
O termo pater do primeiro verso podia designar, em rigor, 
qualquer homem mais velho, mas parece claro que o poeta o usa 
numa acepção irónica, como que referindo-se àquele que quase foi 
seu pai (sogro). Podemos argumentar que tudo o que temos é uma 
parte reduzida de um poema maior, que poderia de facto levar a 
cabo a desonra de uma ou de ambas as filhas de Licambas. No en-
tanto, o que conservamos serve-nos tão só para iluminar um pou-
co a eleição desta figura para alvo do poeta. Quanto a Neobule, 
sua filha e, segundo a lenda, principal alvo das narrativas poéticas 
de Arquíloco, a sua presença textual é ainda mais escassa: os frr. 
118 e 196a W., este último apenas editado em 1974.16 
 Não é pois seguro nem correcto ver estas figuras como os al-
15 Os testimonia desta tradição estão recolhidos em Archil. test. 19-32 Gerber. Uma só 
ressalva: por aqui vemos como, nas fontes mais antigas, apenas as duas jovens teriam cometido 
suicídio, e não toda a família.
16 Vide, adiante, o nosso estudo sobre este texto (págs. 47-56).
Carlos A. Martins de Jesus
34
vos de todos os fragmentos de longas narrativas sexuais onde donze-
las de família são alvo de chacota pública. Não deixa de ser tentador, 
por outro lado, fazer esta associação. Curioso é o fragmento 197 W., 
talvez o vestígio textual mais próximo da tradição:
Zeus pai, minhas bodas não cheguei a celebrar.
Num só verso parece confirmada toda a lenda, toda a tradição. 
Não obstante as cautelas a ter com afirmações deste género, temos 
também que aceitar que nenhuma tradição nasce do nada. Os autores 
que para nós são seus testemunhos terão escrito a partir de um co-
nhecimento mais alargado da obra do iambógrafo, na posse de textos 
para nós, até ao momento, perdidos. 
Tanto quanto sabemos, os topoi principais destes longos poemas 
seriam a perda da virgindade, a descrição da mulher madura e sem 
encanto, a notícia da lascívia pública, o quadro da violação e a sugestão 
da infertilidade. Neobule e a irmã, a acreditar na tradição, teriam sido 
recorrentemente equiparadas a prostitutas, mulheres de má vida que 
trocam os seus favores sexuais por dinheiro e não põem qualquer limi-
te ao seu desejo. Mulheres muito do agrado do poeta, que faz questão 
de passar de si próprio uma imagem de homem rude. A acrescentar 
ainda, de importância extrema nos iambos de Arquíloco, o recurso fre-
quente à narrativa fabular.17 A comparação do homem ao animal visa, 
logo à partida, a redução do primeiro às características instintivas deste 
último. O homem deixa de ter sentimentos, honra ou palavra (Licam-
bas) e passa a guiar-se tão só pelo interesse e pelos instintos, ganhando 
fortes traços de irracionalidade.
Como a raposa incendiou o ninho da águia, depois que esta, 
passando-se por sua amiga, lhe comeu as crias (Aesop. fab. I. 1 Haus-
rath e Archil., frr. 172-181 W.), do mesmo modo o poeta há-de fazer 
17 Sabemos, através de Filóstrato (Imag. 1. 3) que Arquíloco se serviu de fábulas ani-
mais para atacar Licambas.
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A flauta e a lira
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pagar as crias de Licambas pela traição de seu pai. Tudo indica que os 
frr. 172-181 W. são parcelas de um único epodo dedicado a este indi-
víduo.18 A aceitar esta inclusão dos fragmentos num mesmo poema, 
o fr. 173 W. (cit. Orig. c. Celsum 2. 21) traz novos dados, fundamentais 
para a lenda, pois desenvolve a ideia da quebra de uma promessa 
pela imagem dos convivas sentados a uma mesma mesa. Temos assim 
prova de uma traição, não especificada, que depois vai ser ilustrada 
pela introdução da fábula da águia e da raposa, entre os frr. 174-181 
W. Uma falta à palavra que tem que ser punida, servindo a fábula de 
modelo a esse castigo.
Não cabendo aqui um inventário destes aspectos nos frag-
mentos preservados, tarefa difícil e nunca segura dada a natureza 
lacunar da maior parte dos textos, cumpre sim dizer como todos 
eles se acomodam no fr. 196a W., um famoso Epodo encontrado em 
Colónia e publicado em 1974, sobre o qual nos debruçaremos de 
seguida. No entanto, e para o que aqui nos importa, adiantamos 
como nos 53 versos do poema (35 linhas no papiro) se pode ler a 
sedução de uma suposta irmã mais nova de Neobule, tarefa len-
ta e feita com todo o cuidado com vista ao sucesso final, a quase 
violação da jovem, já que o coito não chega a ocorrer. O estilo é si-
multaneamente obsceno e cuidado, servindo-se mesmo o poeta de 
alusões à linguagem homérica no que é, no fundo, uma narrativa 
sexual. Neobule é trazida ao texto pelo narrador, que a pretere em 
proveito da jovem que tem diante de si. 
Temos a indicação da idade avançada (v. 26) – querendo tão 
só dizer que não teria já, digamos, 15 ou 16 anos – e da perda da vir-
gindade (vv. 27-28), magistralmente conotada com a flor, imagem 
que perdurou em toda a cultura ocidental posterior. Ora, essa flor, 
malogradamente para a sua detentora, murchou, e flores murchas 
não interessam a ninguém.
18 F. Rodríguez Adrados 1955: 12-24 faz uma tentativa de reconstrução deste epodo e 
nele inclui 20 fragmentos do corpus.
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A lascívia pública é a acusação dos versos 33-34 e 37-38, tan-
to que fazer-se acompanhar de tal criatura é motivo de vergonha. E 
finalmente temos a sugestão da geração de uma prole indigna e dis-
forme, acompanhada pela introdução da narrativa fabular (vv. 39-
41): como a cadela da fábula (Aesop. fab. II. 251 Hausrath), também 
Neobule virá a gerar filhos cegos e prematuros, tal a vida lasciva e de 
libertinagem que leva. Falta só o quadro da violação (vv. 42-53) que, 
como já se disse, não chega a concretizar-se, o que nada abona em 
favor da honra da jovem envolvida. 
Muito se escreveu já sobre a existência real ou meramente 
ficcional dos Licâmbidas, em especial a partir dos trabalhos de M. 
L. West 1974: 27 sqq., que lançou a hipótese de estas serem perso-
nagens da tradição local, por razões que não cabe aqui apresen-
tar. C. Carey 1986: 63-65 reflecte sobre estes argumentos e conclui 
uma série de dados a favor da historicidade da família, entre os 
quais o seu surgimento na Inscrição de Mnesiepses19 (SEG 15. 517. 
45), monumento datado do século III a.C. que parece demonstrar 
que, mesmo em Paros, a sua existência real era um dado adqui-
rido. A isto acrescenta todo um conjunto de questões linguísticas 
e estilísticas que, segundo o autor, levam a supor real e sentida a 
invectiva arquiloquiana. R. Rosen 1988: 29-33, quanto a nós cor-
rectamente, sugere a possibilidade de criação de nomes com forte 
carga semântica no contexto iâmbico, bem como de histórias fic-
cionais, para indivíduos e histórias bem reais. Assim, teria havido 
de facto um homem que insultara o poeta ao negar-lhe o casamen-
to prometido com a sua filha, mas não se chamariam estes, neces-
sariamente, Licambas e Neobule. Outra hipótese reside na escolha 
propositada dos alvos poéticos pela coincidência dos seus nomes, 
o que os torna, como se percebe, vítimas fáceis. No caso de Licam-
bas, significando literalmente “lobo andante”,20 a escolha ou apro-
19 Sobre este assunto vide C. Miralles 1981: 29-46.
20 A sugestão é de A. P. Burnett 1983: 6-7.
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A flauta e a lira
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veitamento do nome tem tudo que vercom a narrativa fabular de 
que o poeta se serve com frequência, como vimos acima. 
 As coordenadas da desonra que vimos referidas pelos testimo-
nia ficaram de tal forma enraizadas que influenciaram autores tardios. 
Na Antologia Palatina encontramos três epitáfios ficcionais dedicados 
às jovens filhas de Licambas. Um em especial, atribuído a Dioscórides 
(7. 351), apresenta-as falando directamente da tumba aos leitores das 
suas lápides,21 numa atitude de defesa:
Por este solene marco dos defuntos, nós, as filhas de Licambas,
 juramos não ter merecido tão terrível reputação,
nem ter desonrado a nossa virgindade, nossos pais
 ou sequer Paros, a mais escarpada das ilhas sagradas.
Foi antes Arquíloco que contra a nossa família
 lançou uma odiosa reputação e igualmente terrível desonra.
Arquíloco, são testemunhas deuses e divindades, nem nas ruas
 o vimos, nem no sublime santuário de Hera.
Pois a termos sido lascivas ou despudoradas, nem esse homem
 lograria do nosso ventre gerar filhos legítimos.
 Com Hipónax, poeta tradicionalmente ligado a Éfeso, damos 
um salto temporal e literário de mais de um século, o que supõe um 
conjunto de premissas distintas daquelas que orientaram o estudo 
de Arquíloco. Os poucos testemunhos que estabelecem a datação do 
poeta parecem colocar o seu floruit algures entre as décadas de 30 e 
40 do século VI.22
 O iambógrafo de Éfeso vai pois evidenciar uma maior cons-
ciência de género, sendo clara a influência de Arquíloco nos seus 
versos. Face ao poeta de Paros, acusa uma redução dos temas, já 
que todos os fragmentos preservados são de temática erótica ou de 
paródia literária (da épica, sobretudo). Os temas da brevidade da 
vida, do carpe diem e do poder dos deuses e da moira, bem presentes 
21 Este parece ser já o contexto do P. Dublin inv. 193a (=Archil. test. 19 Gerber), datado 
do século III a.C. 
22 Cf. Hippon. test. 1-2 Gerber.
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em Arquíloco e aprofundados depois por Semónides, deixam de ser 
da eleição do Efésio, que se concentra praticamente em exclusivo no 
sexo mais vulgar e grotesco e nas suas virtualidades poéticas.
 Os testemunhos antigos parecem ter procurado aproximar – 
ou terão simplesmente confundido? – as vidas e as histórias dos dois 
poetas. Num escólio ao epodo 6 de Horácio,23 o autor conta-nos o 
seguinte:
Quer ele dizer que Hipónax pediu em casamento a filha de Búpalo e 
que este, graças à sua deformidade física, foi ignorado. Mas querem crer as gen-
tes que o seguinte é o mais verdadeiro: que houve um pintor chamado Búpalo, 
em Clazomena, uma cidade da Ásia. Este pintou um retrato do poeta Hipónax, 
disforme, para provocar o riso: movido pela raiva contra ele, compôs então tais 
poemas que ele se enforcou.
 Em nenhum outro local encontramos informação semelhante 
relativa a um pedido de casamento negado, sendo óbvia a confusão 
com a lenda de Arquíloco e os Licâmbidas. No final, surge o tópico 
do enforcamento de Búpalo, mais uma clara confusão entre as lendas 
dos dois poetas. Mas as incongruências deste comentário não ficam 
por aqui. Búpalo, pintor, é algo que também não conhecemos por 
nenhum outro testemunho. Hipónax refere-se de facto a um outro 
pintor, Memnes (fr. 28 W.), por ter pintado duas serpentes num barco 
com a cabeça voltada para a popa, pormenor à primeira vista insigni-
ficante para motivar o ataque. Segundo a lenda, como a conta Plínio 
(Plin. NH. 36. 4. 11-12 = Hippon. test. 1 e 4 Gerber), Búpalo e Aténis 
eram escultores e, por razões que não nos são dadas a conhecer, fize-
ram do poeta uma estátua que o mostrava ainda mais feio do que já 
seria, com isso o envergonhando publicamente. Como cada qual se 
serve das armas que possui, este empreende então o projecto de cons-
trução poética do psogos dos dois indivíduos que o haviam desonra-
do. O sexo, vício sem limites, vai ser o principal tema dessa desonra, 
um pouco como acontecera com Arquíloco e as filhas de Licambas.
23 Pseudacronis schol. (i. 404 Keller) ad Hor. epod. 6. 14 (= Hippon. test. 11 Gerber).
A flauta e a lira
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A presença de Búpalo nos fragmentos preservados de Hipónax 
é claramente mais extensa, quando comparada à de Licambas e suas 
filhas nas relíquias do poeta de Paros. Podemos ler o seu nome, com 
alguns esforços de reconstituição, em nove fragmentos. Já Aténis, seu 
irmão, surge apenas no fr. 70 W., não estando mesmo esta ocorrência 
ausente de contestação. Voltando à discussão que acima nos ocupou 
sobre a existência real dos Licâmbidas, comecemos por referir como, 
em Hipónax, ela se reveste, inevitavelmente, de outros moldes. Plínio 
refere-nos que os dois escultores eram filhos de Arquemo, cujo nome 
estaria gravado na base de uma escultura de Delos, agora perdida, 
datada de c. 550 a.C. Também Pausânias alude a uma escultura da au-
toria de Búpalo em Esmirna (4. 30. 6) e outra em Pérgamo (9. 35. 6). 
Apesar de aparentemente provada a existência real da vítima 
de Hipónax – e centremos a nossa atenção, daqui em diante, apenas 
em Búpalo – não podemos ignorar a hipótese de também o seu nome 
ser semanticamente significativo no contexto iâmbico: palos pode mui-
to bem provir de phallos, querendo o seu nome significar algo como 
“pénis de boi” ou, simplesmente, “o grande pénis”. A hipótese ganha 
seriedade se considerarmos que o escultor surge quase sempre envol-
vido em narrativas sexuais e que é esta a forma escolhida pelo poe-
ta para construir o seu psogos.24 As alternativas que temos são então 
duas: a) aceitar que este era um nome real, feliz coincidência, o que 
tornava o escultor um alvo mais fácil da invectiva, ou b) que o nome 
é criação do poeta para uma figura real, e que foi esta designação que 
perdurou nos autores posteriores. Não nos parece que esta questão, 
pertinente para ambos, Arquíloco e Hipónax, possa resolver-se no 
actual estado dos conhecimentos sobre as circunstâncias da poesia 
iâmbica. Não obstante, a criação de nomes falantes e sexualmente sig-
nificativos encontra outros exemplos no corpus de Hipónax. No fr. 118 
W., Sanos é apresentado como um glutão. Se relacionarmos o nome 
24 Para a análise pormenorizada das virtualidades semânticas do nome Búpalo no 
corpus de Arquíloco, bem assim sobre a polissemia onomástica no contexto iâmbico, vide R. M. 
Rosen 1988: 29-41.
Carlos A. Martins de Jesus
40
próprio (com ocorrência na Antiguidade, é certo) com sannion (‘pé-
nis’), ele pode então querer designar um qualquer homem (porque 
não Búpalo?) e alargar o campo semântico do termo para o apetite 
sexual desmedido. 
Um problema que se nos oferece com o Efésio, e que já co-
mentávamos face a Arquíloco, prende-se com a inclusão ou não de 
determinados fragmentos na invectiva contra Búpalo, limitação im-
posta pela natureza fragmentária dos textos que possuímos. O escul-
tor é-nos descrito em pleno acto sexual em diversas ocasiões, junta-
mente com uma figura feminina, Arete, ao que tudo indica sua mãe, 
que encontramos em cinco fragmentos. A noção do incesto entre mãe 
e filho terá surgido das interpretações do fr. 12 W.:
... com estas artimanhas Búpalo, o amásio da própria mãe, de gorra com 
Arete, ia engrampando a prole de Éritras, a quem excitava o torpe despelado.25
O fragmento é complexo e tem despoletado muita discussão 
entre os estudiosos. W. Medeiros 1961: 48, na sua primeira edição dos 
iambos de Hipónax, recusara-se a considerar pertinente a interpre-
tação que vê Búpalo e Arete em pleno acto sexual. Para o helenista, 
“interessa apenas observar que Búpalo e Arete se dedicavam ao ofício 
de explorar a incauta lubricidade dos forasteiros” .
Como Arquíloco atacara Licambas pela desonra das suas fi-
lhas, o Efésio vai relatar, podemos admiti-lo, o envolvimento sexual 
consentido com Arete, mãe e amante do seu alvo principal. No fr. 15 
W. pergunta-se aalguém porque coabita com Búpalo, provavelmente a 
Arete, a mesma mulher dos frr. 16 e 17 W., com quem se parece relatar 
o envolvimento de um eu (supostamente o poeta). E este poderá ser 
o contexto de muitos outros textos, nos quais desconhecemos o nome 
dos intervenientes. Aqui começam as dúvidas insolúveis, habituais 
para quem trabalha com a poesia arcaica.
25 Tradução de W. Medeiros 1961: 48.
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41
Vários textos de origem papirológica são, ao que tudo indica, 
parcelas de longas narrativas sexuais, semelhantes às que já compu-
sera Arquíloco. Os frr. 70-73, 78, 79, 84 e 104 W. são apenas alguns 
exemplos, possíveis relatos de encontros sexuais entre Arete e o poe-
ta, à socapa de Búpalo, ou mesmo na sua presença. Textos com uma 
linguagem forte e extremamente obscena, como prova o fr. 73. 1 W.: 
mijava sangue e obrava bílis. O fr. 104 W. (= P. Oxy. 18. 2175. frr. 3+4), 
muito embora extremamente lacunar, é o vestígio mais longo que 
possuímos dessas narrativas, desempenhando para Hipónax papel 
semelhante ao Epodo de Colónia (fr. 196a W.) no corpus de Arquíloco. 
No Efésio, as narrativas eróticas são cheias de movimento e agitação, 
vivendo o par romântico o terror constante de ser apanhado. Nos frr. 
78 e 92 W. podemos ver vestígios do que se crê serem procedimentos 
mágicos para a cura da impotência, sendo que, no último, é clara a 
identificação do poeta como o paciente. Um mundo de sensações des-
medidas, de vícios e desmesuras sexuais, do qual o próprio sujeito 
poético não consegue deixar de fazer parte.
Uma série de fragmentos de curta extensão têm sido associa-
dos ao ritual arcaico do pharmakos.26 De origens agrárias, inclui-se 
no conjunto dos ritos de purificação mais selváticos da religião gre-
ga, cuja etiologia pode estar no sacrifício primeiro de um indivíduo 
chamado Pharmakos que, surpreendido a roubar as taças de Apolo, 
foi apedrejado até à morte pelos companheiros de Aquiles (cf. Is-
tros, 334 FGrH fr. 50). Celebrava-se no primeiro dia das Targélias 
ou em qualquer momento de calamidade pública. Era escolhido um 
homem, uma mulher ou mesmo um casal, dos mais disformes da 
cidade, nos quais era simbolicamente depositada toda a responsa-
bilidade da doença de que padecia a comunidade. Aos eleitos eram 
oferecidos figos, um bolo de cevada e uma ração de queijo, depois 
do que eram obrigados a atravessar as ruas da cidade, ao longo das 
quais a multidão os açoitava com ramos de figueira, em especial na 
26 Sobre este ritual e a sua presença na religião grega vide W. Burkert 1993: 176-179.
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42
zona genital. De seguida podia ainda ocorrer a sua lapidação e mor-
te, sendo o cadáver (ou as cinzas) do condenado atirado ao mar. 
Estamos, no fundo, diante de um ritual de purificação que 
procura a responsabilidade de um mal colectivo num ser indivi-
dual, que não tem necessariamente que ser o seu causador. Ga-
nha assim contornos óbvios de sacrifício humano para aplacar a 
ira divina. Este conceito de expiação de um erro individual com 
consequências comunitárias está na base da noção de miasma de 
bastantes tragédias áticas. Basta pensarmos em Édipo e na sua ce-
gueira trágica que insiste em não ver que é ele, antigo salvador e 
actual monarca, a poluição da cidade.27 
Tzetzes (Chil. 5. 728 sqq.) é a principal fonte para os frag-
mentos de transmissão indirecta do Efésio relacionados com esta 
prática (frr. 5-12 W.). No fr. 5 W. referem-se os ramos de figueira e 
a finalidade de purificação da cidade, o mesmo que podemos ler no 
fr. 6 W.:
que em pleno Inverno o varejavam e zurziam
com galhos de figueira e albarrãs, qual bode expiatório.28
O fr. 8 W. refere o bolo de cevada (maza) e o queijo (tyros), o fr. 
9 W. a multidão que espera o condenado para o açoitar e o fr. 10 W. 
o varejamento do desgraçado. No fr. 65 W. pode ler-se, sem grande 
esforço de interpretação, o lançamento dos restos mortais do eleito ao 
mar. Alguns textos papiráceos dão-nos ainda conta do recurso a este 
ritual. Citamos tão só o fr. 95 W. (= P. Oxy. 22. 2323 + 18. 2174. fr. 27) 
27 O ritual vai também marcar presença na literatura latina, em especial no romance 
O Burro de Oiro de Apuleio, no Satyricon de Petrónio e nos Retratos dos Césares de Suetónio, que 
nos dão alguns exemplos claros da permanência da personagem do “bode expiatório”. Vide C. 
Miralles 1985: 89-103, J. Pòrtulas 1985: 121-139, R. B. Harlow 1974: 377 e P. Veyne 1983: 3-30. Se 
alargarmos a noção para a expiação individual de um erro colectivo, para além da tragédia grega, 
também no Novo Testamento encontramos várias ocorrências. A própria figura de Cristo, como o 
filho de Deus que carrega em si as culpas de toda a humanidade e é, até ao calvário, alvo de humi-
lhação, tudo para a redenção dos pecados da colectividade, tem sido um exemplo apontado.
28 Trad. W. Medeiros 1961: 56.
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que, embora muito fragmentário, é a este respeito precioso, pois pa-
rece provar como o ritual foi poeticamente usado por Hipónax para 
atacar Búpalo (e outros) fazendo dele o próprio bode expiatório:
…………………..........
3) … a Búpalo…
4) … Búpalo …
6) … cada qual de sua banda …
7) … ao chegarem …
9) … andavam aos tropeções …
12) … derrubou (?) …
13) … logo …
14) … à beira de …
15) … assim eles praguejavam contra o maldito Búpalo …29
………………………………. 
Os versos 3-6 parecem descrever o ataque a Búpalo de ambos 
os lados, o que pode ser interpretado como as vergastadas que sofre o 
pharmakos ao longo das ruas da cidade. O nome do seu inimigo surge 
três vezes no fragmento, o que não deve ser inocente, e o plural da 
linha 9 sugere que eram dois os bodes expiatórios, provavelmente 
Búpalo e Aténis, se nos é permitida a conjectura.
Todo este aproveitamento de um ritual arcaico de purificação 
e expurgação do mal vem no sentido de atribuir à narrativa iâmbica 
de Hipónax, como de resto vimos já em Arquíloco, um carácter tra-
dicionalista e moralista, apostado na preservação dos bons costumes. 
A obscenidade linguística é assim capa para uma mensagem que não 
pode ser lida de forma superficial. Intenções cívicas, se vistas sob a 
capa que as reveste, comuns à sátira literária de todos os tempos.
Sendo verdade que Hipónax apostou essencialmente nas 
narrativas sexuais (que terá aprendido de Arquíloco) e no tratamen-
to poético do ritual expiatório do pharmakos para a construção da 
sua invectiva, a imagem do poeta e da força da sua obra, no Período 
Helenístico, é outra. Teócrito (Epig. 19 Gow = HE 3430-33 = AP13. 3) 
29 Trad. W. Medeiros 1961: 140.
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dedica-lhe um epigrama que vem confirmar as intenções moralistas 
dos seus versos:
O cultor das musas, Hipónax, aqui repousa.
se és ardiloso, não te aproximes da tumba;
se ao invés és honesto e de boas famílias,
senta-te e adormece, confiante, se o desejares.
Noutros três epitáfios da Antologia Palatina dedicados ao poeta 
a imagem cultivada é a da vespa que adormeceu, na morte, a raiva 
do seu aguilhão que a todos feria. Razão mais que suficiente para que 
não seja acordada. Traduzimos o epitáfio 7. 405 da dita colectânea: 
Estrangeiro, evita a tumba caiada de versos
e terrível de Hipónax, cujas cinzas não deixam
de lançar injúrias sobre Búpalo que tanto odeia;
de modo algum despertes a vespa adormecida
que nem agora no Hades adormece a sua raiva,
ele que em versos coxos lançava certeiras palavras.
O imaginário e a linguagem são exactamente os mesmos que 
encontramos em outros dois epitáfios, em especial 7. 408, poema atri-
buído a Leónidas de Tarento.
 Já a tumba de Arquíloco possuía vespas adormecidas (Anth. 
Pal. 7. 71. 6), numa imagem riquíssima: o veneno poderoso que atin-
ge a vítima de uma mordedura. A vespa é o poeta. O veneno, esse, a 
poesia; a mesma que tantas vezes foi considerada bálsamo ou água 
de rosas para corposdoces e impolutos, e que aqui tem a vitalidade 
suficiente para arrastar para a morte homens e mulheres, autores de 
uma qualquer falta particularmente desagradável ao iambógrafo.
A flauta e a lira
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devassidão em prados de flores
O fr. 196a W. atribuído a Arquíloco30
Nos finais de 1973 começam a ouvir-se entre os helenistas 
notícias difusas de um novo fragmento de Arquíloco encontrado 
em Colónia (Alemanha), um epodo de temática erótica que em 
breve se tornaria a jóia dos estudiosos do poeta de Paros. O papiro 
(“Apêndice Iconográfico”, fig. 1), materialmente datado entre os 
séculos II e I a.C., tinha servido até então de cartonagem envol-
vente de uma múmia. Nele se descortinaram dois textos conside-
rados autónomos: um mais longo, verdadeira peça narrativa (P. 
Colon. 58. 1-35 = fr. 196a West), de cuja tradução e comentário 
aqui nos ocuparemos, e um outro, nas restantes cinco linhas do 
papiro (P. Colon. 58. 36-40 = fr. 188 West). Estes versos, de resto 
à semelhança dos primeiros, levam também a cabo a desonra de 
uma mulher (supostamente filha de Licambas) por ter já perdido 
a sua juventude.31 
Coube a Merkelbach-West 1974: 97-112 a primeira publi-
cação do achado, acendendo-se o rastilho de uma polémica lite-
rária sem fim à vista. Afastados da discussão da autenticidade, 
limitamo-nos a apresentar o texto em tradução32, terminando 
com um comentário, onde procuramos realçar a imensa riqueza 
formal, temática e imagética do achado.
30 A versão original e alargada deste estudo, que inclui o texto grego, foi publicada no 
Boletim de Estudos Clássicos 42 (2004) 15-33.
31 O mesmo assunto que encontramos em Horácio, Epodos 1 e Odes 1. 25 e 4. 13. O 
mesmo tipo de velha fogosa que Aristófanes pintaria nas suas comédias, e que nos viriam a dar, 
séculos mais tarde, os Epigramas de Marcial. 
32 Optámos por uma versão em verso branco, que segue a divisão do grego em tríme-
tros iâmbicos (53 versos), e não pelas linhas do papiro (35 linhas). 
Carlos A. Martins de Jesus
46
 …
 por completo te abstendo. 
 Mas mostra igual coragem,
 se te inquietas e o desejo te impele.
 Temos em nossa casa
 quem agora sente grande desejo... 5 
 bela e delicada donzela; parece-me
 perfeito o corpo que possui.
 Faz dela tua amante!”
 Assim falou ela. Respondi-lhe então:
 “ó filha de Anfimedeu, 10
 nobre e sensata mulher
 que a terra sombria agora detém!
 São os deleites da deusa
 sem conta para os jovens varões,
 além da coisa divina; um deles me bastará. 15
 Mas isso, com calma,
 logo que anoiteça,
 eu e tu, se ao deus assim aprouver, havemos de decidir.
 Farei como me pedes.
 Intenso (desejo me despertas). 20
 E de transpor esses portais, sob o teu arco,
 não me impeças tu, meu amor!
 Deter-me-ei ao chegar ao teu jardim
 onde a erva cresce – fica a sabê-lo! Neobule,
 que outro homem a tome para si. 25
 Ai! Como está madura! O dobro da tua idade!
 Murchou a flor da sua virgindade
 e o encanto que tinha outrora.
 Não tem limites o seu desejo
 e revelou a medida da sua infâmia, louca criatura! 30
 É lançá-la aos corvos!
 Isso não… 
 que na companhia de tal mulher
 para os vizinhos seria motivo de troça.
 Muito mais te quero a ti, 35 
 pois não és desleal nem tens duas caras;
 ela é muito mais fogosa
 e muitos amantes arranja!
 Receio que filhos cegos e prematuros
 no ardor impaciente possa gerar, 40
 como fez a mítica cadela.”
 Tais foram as minhas palavras. Tomei então a donzela
 e num leito de flores
 a estendi. Com sedoso manto
A flauta e a lira
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 a cobri e o seu colo rodeei com meus braços, 45
 acalmando o seu sobressalto,
 tal como uma cerva...
 Os seus seios gentis com as mãos acariciei:
 tenra brilhava a sua pele,
 feitiço da juventude. 50
 Todo o seu belo corpo percorri
 e então libertei o branco vigor,
 ao toque dos seus louros cabelos.
O epodo desenvolve um discurso de tipo dramático, onde se 
identificam dois intervenientes – um masculino e um feminino – e 
uma terceira figura, apenas referida, que constitui o assunto predilec-
to da segunda parte do texto – essa sim, com segurança, Neobule (v. 
24), a filha de Licambas. Em termos formais, é de realçar a frequência 
de elementos próprios da linguagem homérica, algo que, de resto, 
caracteriza grande parte da poesia de Arquíloco, nas diversas modali-
dades métricas. Ele que tinha recuperado e dado um novo sentido aos 
grandes conceitos e símbolos homéricos – como sejam o escudo (fr. 5 
W.), a coragem e a aretê guerreira (e.g. frr. 1-3 W.) – denota a influên-
cia da épica também na forma. Repare-se, tão só, nas formas de intro-
dução e conclusão do discurso (vv. 9, 42), mas também nos epítetos e 
nos símiles, matéria linguística sobre a qual adiante nos deteremos. 
Não nos chegou a abertura do fragmento, que, para alguns 
críticos, e a avaliar pelas suas imitações helenísticas, seria consti-
tuída por um monólogo pastoral33, algo como um pequeno quadro 
da jovem colhendo flores – topos estruturante de todo o código bu-
cólico posterior – para, depois sim, entrar em cena aquele que será 
o seu atacante, qual leão que procura capturar a sua cerva, segun-
do símile atestado nos próprios versos do papiro (v. 47). No fundo, 
estamos perante o quadro inicial do Hino Homérico a Deméter, um 
dos mais antigos do seu conjunto. Também o cenário do despertar 
de Ulisses entre os Feaces e a figura de Nausícaa que brinca en-
33 Terá sido neste sentido que houve quem considerasse o texto do papiro, na genera-
lidade atribuído a Arquíloco, uma das várias imitações helenísticas conhecidas. 
Carlos A. Martins de Jesus
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quanto aguarda que seque a sua roupa, ou ainda o mito do rapto 
de Europa pelo touro branco de Zeus, todos eles são paralelos que 
se podem estabelecer. 
O que primeiro temos de seguro é uma cena de sedução. O su-
jeito masculino procura a aproximação lenta e compassada da figura 
feminina que com ele dialoga, e esta defende-se das suas investidas, 
demonstrando contudo uma clara compreensão pelo que julga ser a 
desilusão amorosa deste homem: o verso 2 mais não é do que um 
incentivo à perseverança na adversidade, resultante por certo das pa-
lavras de desafogo inicialmente proferidas, mas que desconhecemos 
quase por completo.34 Apercebendo-se do desejo que domina o ho-
mem que tem diante de si (v. 3), aconselha-o a virar as atenções para 
outra com quem possa casar. Outra mulher ou donzela que não pode 
porém ser Neobule, já que é ela a responsável pela desilusão e pelo 
desejo em que arde este indivíduo. Isto é, não descartamos a hipótese 
amplamente defendida de Neobule ser irmã da jovem interveniente 
no poema, mas recusamos admitir que seja ela quem ansiosamente es-
pera pelo casamento (v. 5).35 E falamos de casamento para o referente do 
discurso desta moça – seguindo a proposta de reconstrução textual de 
West – de modo a acentuar o contraste com as verdadeiras intenções 
do seu companheiro. 
Logo depois, entre os versos 13-15, o indivíduo refere-se às 
muitas delícias de Afrodite reservadas aos varões, além da coisa divi-
na. Esta expressão, para a qual diversas traduções foram sugeridas, 
tende a ser vista pelos críticos como sinónimo de relação sexual.36 
E fica prometida uma outra conversa, sobre este mesmo assunto, 
34 Dizemos quase pois partilhamos da conjectura dos que consideram o fr. 196 W. 
parte da abertura da narrativa deste epodo, mais propriamente os versos 2/3: “mas vence-me, 
minha amiga, um desejo que deslaça os membros”.
35 Curiosa a opinião de J. C. Kamerbeek 1976: 121, ao sugerir que a jovem se oferece a 
ela própria em casamento, atrevida, servindo-se para tal de uma engenhosa – porém reveladora 
– terceira pessoa verbal.
36 cf. Alcm. fr. 8 Page; Sapph. fr. 44 A; Pi. P. 9. 84sqq.; Alc. frs. 308 e 327 Voigt. Para 
uma discussão

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