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1 ATUALIDADES A ERA DA GLOBALIZAÇÃO São muitos os que defendem, desde uma posi- ção supostamente "científica", a inevitabilidade de uma inserção passiva das economias nacionais no chamado processo de globalização. Dois pressupostos estão implícitos nesta formu- lação: 1) a globalização conduzirá à homogeneiza- ção das economias nacionais e à convergência para o modelo anglo-saxão de mercado; 2) esse proces- so ocorre de forma impessoal, acima da capacidade de reação das políticas decididas no âmbito dos Es- tados Nacionais. Para não comprar material de "desmache" ideo- lógico, seria conveniente relembrar que o processo de globalização, sobretudo em sua dimensão finan- ceira - de longe a mais importante, foi o resultado das políticas que buscaram enfrentar a desarticula- ção do bem-sucedido do arranjo capitalista do pós- guerra. As decisões políticas tomadas pelo governo a- mericano, ante à decomposição do sistema de Bret- ton Woods, já no final dos anos 60, foram amplian- do o espaço supranacional de circulação do capital monetário. A política americana de reafirmar a su- premacia do dólar acabou estimulando a expansão dos mercados financeiros internacionais, primeiro por meio do crédito bancário - euromercados e "off- shores" - e mais recentemente por meio do cresci- mento da finança direta. Paradoxalmente, as tentativas de assegurar a centralidade do dólar nas transações internacionais ensejaram o surgimento de um instável e problemá- tico sistema plurimonetário com paridades cambiais flutuantes. Essas grandes transformações nos mercados fi- nanceiros ocorridas nas últimas duas décadas estão submetendo, de fato, as políticas macroeconomicas nacionais à tirania de expectativas volúveis. Não fo- ram poucos os ataques especulativos contra pari- dades cambiais, os episódios de deflação brusca de preços de ativos reais e financeiros, bem como as situações de periclitação dos sistemas bancários. Até agora, essas situações foram contornadas pela ação de última instância de governos e bancos centrais da tríade (Estados Unidos, Alemanha e Ja- pão). Apesar disso, não raro, até mesmo países sem tradição inflacionária foram submetidos a cri- ses cambiais e financeiras, cuja saída exigiu sacrifí- cios em termos de bem-estar da população e re- núncia de soberania na condução de suas políticas econômicas. A inserção dos países nesse processo de globa- lização, longe de ter sido homogênea, foi, ao con- trário, hierarquizada e assimétrica. Os Estados Uni- dos, usufruindo de seu poder militar e financeiro, pode se, dar ao luxo de impor a dominância de sua moeda, ao mesmo tempo em que mantém um défi- cit elevado e persistente em conta corrente e uma posição devedora externa. Japão e Alemanha são superavitários e credores e, por isso, mais liberdade para praticar expansios- mo fiscal e juros baixos, sem atrair a desconfiança dos especuladores. Alguns tigres asiáticos, pelas mesmas razões, também dispõem de certa margem de manobra para promover políticas expansionistas. O que é decisivo para a autonomia das políticas nacionais é a forma e o grau de dependência em re- lação aos mercados financeiros sujeitos à instabili- dade das expectativas. Países com passado mone- tário turbulento precisam pagar elevados prêmios de risco para refinanciar seus déficits em conta cor- rente. Isso representa um sério constrangimento ao raio de manobra da política monetária, além de a- cuar a política fiscal pelo crescimento dos encargos financeiros nos orçamentos públicos. Além disso, do ponto de vista comercial, a "in- serção internacional" dos países corresponde a pa- drões muitos distintos. Enquanto uns são protago- nistas ativos na expansão do comércio internacio- nal, mantendo taxas de crescimento de suas expor- tações acima da média mundial, outros ajustam-se passivamente, perdendo participação nos merca- dos. Essa é a lição que nos oferece a decantada glo- balização: os países que buscaram preservar um espaço para as suas políticas macroeconômicas são capazes de sustentar taxas reais de juros bai- xas, administrar taxas de câmbio estimulantes e promover o avanço industrial e tecnológico, garan- tindo, assim, o robustecimento de seus grupos na- cionais privados. A década de 80 assistiu, em velocidade eletrôni- ca, transformações econômicas, ideológicas e es- tratégicas que redesenharam a distribuição interna- cional do trabalho e do poder, fizeram com que a humanidade sonhasse, por um momento, com o fim das guerras, das ideologias, dos estados nacionais e da própria história. Vistas desde os anos 90, en- tretanto, essas transformações e expectativas cho- cam-se com duas e paradoxais constatações discu- tidas neste artigo: primeiro, os grande vencedores políticos ideológicos da Guerra Fria foram principais derrotados na corrida econômica da globalização, ganha pelos países que desrespeitaram algumas recomendações centrais da ideologia econômica vi- toriosa, o Japão em particular; segundo, as trans- formações econômicas iniciadas pelos países an- glo-saxões acabaram produzindo conseqüências que hoje estão repondo o Estado nacional numa posição extremamente difícil e decisiva: responder aos problemas sociais e econômicos que vêm sen- do gerados pela própria globalização. Novas Idéias ou velhas utopias? O espaço aberto pela fragilização da utopia so- cialista, nos anos 80 deste final de século, foi rapi- damente ocupado pelas duas outras matrizes ideo- lógicas que ajudaram a verbalizar, organizar e legi- timar os conflitos sociais e nacionais que, desde as revoluções políticas e econômicas do século XVIII e a Paz de Wesfália de 1648, marcaram a trilha do 2 desenvolvimento capitalista. Apesar de seu conflito radical, coincidem ambas, neste momento, no ques- tionamento à legitimidade dos Estados nacionais e à eficácia de suas políticas públicas frente às trans- formações econômicas e políticas vividas pelo mundo nos últimos 10 anos. Assim, por um lado, o nacionalismo, extrema- mente belicoso mas defensivo, de base sobretudo étnica ou religiosa, tem sido a linguagem com que inúmeras minorias e regiões, em várias latitudes do mundo e sem maiores pretensões econômicas, vêm questionando "por dentro" a legitimidade política dos seus Estados. Sobretudo daqueles nascidos depois da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais (mais da metade dos cerca de 180 existentes hoje), por obra, no primeiro caso, da crença wilsoniana na autodeterminação nacional, e no segundo, dos pro- cessos de descolonização forçados pelos movimen- tos de libertação ou pela pressão externa norte- americana. Para não falar, é óbvio, daqueles que ainda nem lograram consolidar-se depois do esti- lhaçamento recente da União Soviética. Mas, neste final de milênio, tem sido o cosmopo- litismo liberal, na forma de um projeto político "be- nevolente" porém expansivo e de um ultraliberalis- mo econômico, que vem erodindo "por fora", e de maneira mais inapelável, as bases em que se sus- tentaram materialmente a legitimidade e a eficácia dos Estados nacionais. Nesse papel, o velho libera- lismo ressurgiu no final dos anos 70, com a vitória das forças políticas conservadoras nos países an- glo-saxões, como a linguagem que se impôs primei- ro a todos os países capitalistas e, com o fim dos regimes socialistas, acabou se transformando num projeto "global" dos países industrializados do Oci- dente para a reorganização da economia mundial. Reorganizacão política de um mundo liderado mili- tar e ideologicamente por um só país, e de reorga- nização econômica de um capitalismo que alcançou em definitivo as dimensões de um mercado mundi- al. Desilusões e Contraprovas Desde 1992, entretanto, o compreensível oti- mismo liberal que sucedeu 1989 vem sendo abala- do por acontecimentos econômicos, políticos, cultu- rais e militares que parecem estar desmentindo as previsões mais otimistasa respeito de uma nova ordem mundial econômica e política. Da impotência da "comunidade internacional" frente às guerras re- gionais e ao desrespeito aos direitos humanos até a impotência da rodada Uruguai do Gatt; do desman- telamento do sistema monetário europeu às crises ético-políticas vividas pelos partidos que comanda- ram a vitória conservadora dos anos 80; do incon- trolável aumento do desemprego estrutural, que já alcança a cifra de 35 milhões de desocupados nos países desenvolvidos da OECD, ao fracasso da co- ordenação macroeconômica dos G3, G5 e G7; da rápida desilusão com relação à ,revolução capitalis- ta no Leste Europeu às reações fascistas frente às imigrações provocadas pelas vitórias ocidentais contra o Iraque e contra o mundo socialista etc., a- cumulam-se fatos e cifras que apontam numa dire- ção oposta à do fim da História, da universalização da cultura e dos direitos humanos, do fim das ideo- logias, do potencial de expansão ilimitada de uma economia desregulada e do desaparecimento dos Estados nacionais. O processo de globalização passou a ser - nos últimos anos - unia expressão corrente na literatura e no noticiário cotidiano. Sua presença e sua influ- ência são suficientemente marcantes para que não possam deixar de ser consideradas. No entanto, a identificação precisa do fenômeno é algo que conti- nua a demandar esforço de conceituação. Como no exemplo das dificuldades relativas em identificar a floresta e cada uma das árvores que a compõem, são muitos os textos que tratam do tema, mas ain- da poucos os que tentam caracterizar os elementos que constituem a globalização. Essa caracterização pode ser feita sob diversas óticas, uma vez que o Processo de globalização, por sua própria natureza, afeta diversos aspectos das relações sociais. Neste capítulo, o tema é abordado sob uma ótica estritamente econômica. Não existe aqui a preten- são de conceituar globalização, se é que isso é fac- tível. O objetivo principal é mostrar que - mesmo de um ponto de vista econômico - o termo globalização compreende, de fato, uma variedade de fenôme- nos. Para alguns deles a vinculação é imediata, en- quanto, para outros, é preciso especificar em um nível mais elaborado as relações de causalidade. O texto está dividido em sete seções que con- templam, inicialmente, a controvérsia conceitual associada à compreensão do processo de globali- zação e alguns dos principais antecedentes e pecu- liaridades desse processo. Nas seções seguintes, o capítulo mostra Indicadores quantitativos que ilus- tram a existência do processo de globalização; dis- cute as conseqüências para as novas formas de competição entre empresas e sistemas econômicos nacionais; mostram alguns paradoxos inerentes ao processo de globalização; e discute algumas impli- cações para as políticas nacionais de economias em desenvolvimento. Controvérsia Conceitual A primeira dificuldade em lidar com a idéia de globalização é a variedade de significados que têm sido atribuídos a um mesmo fenômeno. Essa varie- dade é explicável, em parte, porque este é um pro- cesso cujo impacto se faz sentir em diversas áreas. De uma perspectiva estritamente financeira, a um maior grau de globalização correspondem, de forma simultânea: (a) um aumento do volume de recursos; (b) um aumento da velocidade de circula- ção dos recursos; (c) a interação dos efeitos de A e B sobre as diversas economias. A análise das implicações dessa integração fi- nanceira em nível internacional é, contudo, contro- versa. Como lembram Devlin / Fírench Davis / Grif- fith-jones (1995), a apreciação desses movimentos permite uma interpretação positiva, se eles são mo- vimento internacional de capitais pelas regulamen- tações nacionais. Entretanto, esses mesmos movi- mentos suscitam temores de que essa mobilidade crescente possa alimentar movimentos especulati- 3 vos em grande escala, aumentando os riscos de di- versos tipos para as diversas economias. De uma perspectiva comercial, o processo de globalização se traduz em uma semelhança cres- cente das estruturas de demanda, e na crescente homogeniedade da estrutura de oferta nos diversos países. Isso possibilita a apropriação de ganhos de escala, a uniformização de técnicas produtivas e administrativas e a redução do ciclo do produto, ao mesmo tempo em que muda o eixo focal da compe- tição - de concorrência em termos de produtos para competição em tecnologia de processos (Svetli- cic,1993). Como conseqüência, a competitividade na fronteira tecnológica passa implicar custos cada vez mais elevados em termos tanto de pesquisa e desenvolvimento de produtos, quanto da necessi- dade de mecanismos de consulta freqüente aos cli- entes, para provisão de assistência técnica e adap- tações da linha de produção. A competição passa a ocorrer em escala mundial, com as empresas fre- qüentemente reestruturando sua atividade em ter- mos geográficos, e sendo beneficiadas tanto pelas vantagens comparativas de cada país como pelo próprio nível de competitividade de cada empresa (Nakano, 1994). Do ponto de vista do setor produtivo, observa-se uma convergência das características do processo produtivo nas diversas economias (que se traduz na semelhança do tipo de técnicas produtivas, de es- tratégias administrativas, de métodos de organiza- ção do processo produtivo, etc.). Entretanto, não existe consenso quanto aos efei- tos da globalização sobre a estrutura produtiva. Ao mesmo tempo em que se argumenta que ela pode estimular a consolidação de oligopólios em nível mundial a evidência disponível questiona essa ten- dência à concentração por empresa. Por exemplo, em OCDE (1992) e UNCTAD (1994), a globalização é definida a partir do proces- so produtividade. Uma fração crescente do valor produzido decorre de estruturas de oferta interliga- das em nível mundial, envolvendo um uso crescen- te de acordos cooperativos entre empresas, como um instrumento para facilitar a entrada em merca- dos específicos, ampliar o acesso a tecnologias, e compartilhar riscos e custos financeiros. Em tal con- texto, as empresas transnacionais - núcleos dessas estruturas de oferta - são aquelas com melhores condições para apropriar-se das vantagens dessas cadeias de valor adicionado. Como corolário, o processo de globalização en- volveria algum tipo de convergência, e no limite haveria a predominância de uma ou poucas empre- sas dominantes. A evidência disponível, entretanto, apesar de confirmar a existência de uma crescente interação do processo produtivo de diversos países, põe em dúvida a existência de um processo paralelo de concentração de poder em algumas empresas indi- viduais. Como argumenta The Economist (1993), tal convergência levaria a um número cada vez menor de empresas transnacionais; o que se observa, con- tudo, é que não apenas o número dessas empresas aumentou nos últimos vinte anos, como elas ten- dem a concentrar suas operações em termos regio- nais, sendo relativamente reduzidos os exemplos realmente universais. De uma perspectiva institucional, a globalização leva a semelhanças crescentes em termos da con- figuração dos diversos sistemas nacionais, e a uma convergência dos requisitos de regulação em diver- sas áreas, levando a maior homogeniedade entre países. Ao mesmo tempo, contudo, reduz-se a pro- babilidade de sobrevivência de esquemas coopera- tivos entre países (ao menos da forma como se ob- servou no passado), as modalidades de relação ju- rídica entre as empresas e os Estados nacionais tendem a ser cada vez mais uniformes, (Albave- ra,1994), e surge, no cenário internacional, um con- junto de atores como grande capacidade de influên- cia, em comparação com o poder das nações (Morss,1991). Por último, no que se refere à política econômi- ca, a globalização implica perda de diversos atribu- tos de soberania econômica e política por parte de umnúmero crescente de países, aí incluídos tanto as economias em desenvolvimento, quanto os paí- ses membros da OCDE. As magnitudes relativas envolvidas são de di- mensões tais que, em diversos aspectos, os instru- mentos convencionais de política econômica tor- nam-se inócuos. Haja vista, por exemplo, os efeitos do influxo de recursos externos sobre as políticas cambiais dos países da América Latina no período recente, Se os movimentos das paridades entre o dólar e outras moedas fortes. Por outro lado, como conseqüência mesmo da globalização, a agenda de políticas nacionais passa a ser sobre determinada por condicionantes exter- nos. Assim, por exemplo, a política salarial tem menores graus de liberdade, porque os requisitos de competitividade externa requerem a preservação de um nível mínimo da relação câmbio/salários, a política fiscal é condicionada pela necessidade de manutenção de certos estímulos à produção de bens comercializáveis, o tamanho do déficit fiscal possível é limitado pelo nível das taxas de juros (uma vez que taxas acima de determinado patamar induzem movimentos desestabilizadores de arbitra- gem de capitais prazo), entre outros aspectos. ORIGENS HISTÓRICAS Antecedentes e Peculiaridades Historicamente, o desenho das políticas econô- mica foi afetado de distintas maneiras, pela relação entre as economias nacionais e o resto do mundo. Num primeiro momento, a intensificação desse vin- culo a partir das facilidades de transporte (sobretu- do desde o século XVI) envolveu uma série de con- siderações relativas à ampliação do acesso à am- pliação do acesso a insumos mais baratos, merca- dos ampliados, e contato com novas tecnologias, entre outros efeitos. É a chamada internacionaliza- ção das economias. Um conjunto complementar de novos aspectos com os quais a política econômica nacional foi le- 4 vada a aprender a conviver surgiu com os proces- sos de integração regional, sobretudo da forma co- mo os conhecemos a partir dos anos 60 deste sécu- lo. Complementaridades na produção, redução dos graus de liberdade no desenho de políticas nacio- nais devido a compromissos comuns, entre outros elementos, passaram a constituir um novo desafio para aquelas economias que buscaram na integra- ção um instrumento de reforço para sua competiti- vidade internacional. São os desafios de regionali- zação. Uma das peculiaridades que distinguem o pro- cesso de globalização de toda a experiência anterior é que, como conseqüência de sua forma e intensi- dade, seus efeitos são mais intensos e se super- põem aos anteriores, além de que - a diferença, por exemplo, da regionalização, em que aspectos polí- ticos ou de outra índole podem levar ao fracasso de um processo - por sua própria natureza, sua ten- dência é de constante ampliação, afetando, embora de forma variada, a todos os países. Esse é um processo relativamente recente. Seus antecedentes estão associados à redução do dina- mismo da economia norte-americana desde o final dos anos 60, em paralelo ao dinamismo das expor- tações asiáticas, e à redução do ritmo de aumento da produtividade nas economias norte-americanas e européia (Oman, 1993. Como é sabido, isso motivou a ascensão ao po- der - tanto nos Estados Unidos como em diversos países da Europa de equipes econômicas compro- metidas com a desregularização e redução do grau de intervencionismo nos mercados. As medidas de política adotadas por essas economias para fazer face aos problemas de inflação crescente com que- da do ritmo de atividade - elevação das taxas de ju- ros, desregulamentação dos mercados financeiros, de transportes e de comunicações - ocorreu em forma simultânea (e de fato estimulou) o avanço tecnológico em duas áreas-chave para a globaliza- ção: a de comunicações e da informação (proces- sanmento de dados). A percepção do fenômeno A base de partida para a globalização tem sua origem nas condições favoráveis ao crescimento do comércio internacional que sucederam a Segunda Guerra Mundial. Pela primeira vez, surge a noção de uma economia mundial em sentido estrito, com a superação das barreiras entre as áreas sob influ- ência econômica ti;, libra esterlina, do franco, etc. (Griffin/Khan,l992). Além disso, as diversas rodadas de negociações multilaterais no âmbito do GATT resultaram na remoção de barreiras tarifárias e ou- tras, o que possibilitou um aumento sem preceden- tes do volume de comércio, em ritmo superior ao crescimento da produção: nas três décadas entre 1950 e 1980, a taxa média de crescimento anual do comércio mundial superou sistematicamente o ritmo de crescimento da produção por entre 2 e 3 pontos de percentagem, elevando o grau de abertura da maior parte das economias (UNCTAD, 1994). A partir do final da década de 50, a maior parte das moedas européias tornou-se plenamente con- versível, o que levou à internacionalização dos mercados financeiros, um processo que se intensifi- cou na década de 70. Os empréstimos bancários, que representavam menos de 1% da produção em 1991, superando o valor do comércio mundial e- talvez mais importantes - passando a corresponder a um terço a mais que o valor total dos investimen- tos em capital fixo: a massa de recursos financeiros em disponibilidade passou a superar a capacidade de demanda por parte do setor produtivo real. A globalização financeira transcende, contudo, a expansão do setor bancário, e está intimamente as- sociada à desregulamentação dos mercados finan- ceiros. Alguns indicadores são suficientemente ilus- trativos da intensidade do processo. Em 1950, os bancos e as seguradoras detinham três quartas partes dos ativos financeiros nos EUA. Em 1993, essa participação havia caído para pouco mais de 40%, enquanto a participação dos fundos de pensão, fundos mútuos e outros agentes não- bancários subiu de aproximadamente 10% para mais de 50% no mesmo período (Zini, 1995). Outra conseqüência da desregulamentação foi o aumento dos recursos em circulação em terceiros mercados (sobretudo paraísos fiscais), o que elevou a dispo- nibilidade financeira em áreas fora do controle das autoridades monetárias e fiscais (Oman, 1993), fon- te importante de financiamento para as fusões de empresas, tão freqüentes na década de 80. Estima- se que hoje o mercado de derivativos gire perto de US$ 15 trilhões ao ano. A isso devem ser agrega- dos os grandes investidores institucionais (fundos de pensão e fundos mútuos) norte-americanos, com o disponibilidade de recursos hoje estimada em cerca de US$ 8 trilhões, as seguradoras e fundos de pensão europeus, com ao menos outros US$ 6 tri- lhões, e outros componentes, como o mercado de câmbio, que movimenta aproximadamente US$ 1 trilhão por dia. É importante ressaltar que esse processo não ocorre como contraparte de uma retração dos in- vestimentos. De fato, estima-se (UNCTAD, 1994; Agosin/Tussie, 1993) que a relação entre o estoque de investimento direto externo e a produção mundi- al teria dobrado, passando de 4,4% em 1960, para 8,5%, trinta anos depois: o investimento externo tornou-se mais dinâmico que a formação de capital nacional (como urna série de implicações paralelas, a serem discutidas mais adiante), ao mesmo tempo em que a movimentação financeira internacional passou a superar em grande escala os sistemas fi- nanceiros nacionais. Essas são, talvez, as características mais co- nhecidas do processo de globalização. Mas existem outros aspectos tão relevantes quanto esses que devem ser levados em consideração. Um deles é o movimento de arbitragem entre moedas. O tipo de investidor mais importante nes- ses mercados atualmente (sobretudo fundos mútuos e fundos de hedging) é essencialmente diferente dos bancos e agências de desenvolvimento multila- terais, que proviam a maior parte dos recursos até recentemente. Esses investidores institucionais exi- gem liquidez do que nunca antes, podendohaver 5 movimentação de bilhões de dólares em questão de segundos. Os paradoxos da globalização A percepção de que um maior grau de exposição aos mercados internacionais e a maior fluidez de recursos reduz os graus de liberdade dos governos locais não é nova. Já há décadas que autores como Servan-Schreiber (1967) e Poulantzas (1974) mani- festavam sua preocupação com essa menor liber- dade dos governos nacionais, em função das carac- terísticas do capital estrangeiro e da subordinação das prioridades nacionais aos interesses multina- cionais. Com a maior intensidade dessa exposição - ine- rente às facilidades de comunicação, à maior dis- ponibilidade de recursos financeiros, sua velocidade e sua capacidade de crescimento, à rapidez de transmissão dos choques, às novas formas em que se dá a vinculação de produtores e consumidores com o mercado, e outras características descritas anteriormente - chega-se a um conjunto de parado- xos, inerentes ao processo mesmo de globalização. O primeiro desses paradoxos está associado à crescente importância que tem sido dada às políti- cas nacionais requeridas para adaptar os sistemas produtivos a um grau maior de interdependência com outras economias. É consensual o diagnóstico de que a competitividade no mercado internacional requer estímulos localizados e ambiente favorável aos níveis macro e mesoecônomico, entendidos como tal estabilidade de preços, preços relativos a- linhados, disponibilidade de instituições eficientes para canalizar poupança para a área produtiva, pa- ra gerar e difundir tecnologia, etc. Entretanto, a ope- racionalidade dessas políticas é dificultada pelo fato de que as próprias pressões externas tornam menos trivial a identificação dos objetivos puramente na- cionais Além disso, a expansão da burocracia esta- tal tem, freqüentemente, esbarrado no enfraqueci- mento do seu poder, explicável, em parte, por essa própria dificuldade em justificar a existência de di- versas atividades públicas na ausência de um proje- to nacional. Um segundo paradoxo tem a ver com a simulta- neidade do processo de globalização e a crescente regionalização. Como lembram Oman (1793) e UN (1992), a globalização é um movimento de deslo- camento através das fronteiras de agentes econô- micos. Trata-se, essencialmente, de um processo centrífugo, associado ao movimento de fatores de produção e de empresas. O regionalismo, ao con- trário, está relacionado com a preservação e estí- mulo a valores locais. A globalização tem seu im- pulso primário no movimento de variáveis microe- conômicas, e a partir das estratégias das empresas, enquanto a regionalização é largamente determina- da por decisões políticas. As facilidades em trans- portes e comunicações levam a uma homogeneiza- ção dos mercados, enquanto a preservação dos va- lores regionais induz à fragmentação desses mer- cados. Essa aparente discrepância entre a globalização e a tendência regionalista pode, no entanto, con- vergir para um ponto comum (Griffin/Khan,1992). A valorização dos aspectos regionais induz a um ta- manho menor do Estado, porque requer liberdade, no sentido da autodeterminação. A liberalização re- querida pelas transações globais, e a criação de um mercado integrado global, por sua vez, tornam pos- sível a pequenos Estados explorar economias de escala na produção, de forma compatível com as i- niciativas definidas no âmbito local. Um corolário desses dois movimentos simultâ- neos e aparentemente incompatíveis é reduzir al- gumas vantagens relativas das economias com mercado interno grande: os acordos comerciais en- tre Estados permitem superar as limitações impos- tas pelas dimensões reduzidas dos mercados na- cionais. Um segundo corolário é que a opção por unidades administrativas menores homologa, de fa- to, uma tendência universal: dado o crescimento demográfico, em países com grandes dimensões torna-se crescentemente difícil a administração de forma centralizada. O terceiro paradoxo implícito no processo de globalização tem a ver com o processo negociador das condições em que terão lugar as transações econômicas. De um lado, as negociações continu- am a ter lugar formalmente entre os Estados-nação, através de fóruns estabelecidos. Ao mesmo tempo, contudo, observa-se um aumento gradual e expres- sivo da importância relativa das empresas transna- cionais como novos agentes determinantes do ce- nário internacional, sem que de parte desse conjun- to de agentes seja possível identificar um interlocu- tor autorizado (Morss, 1991I). Outro paradoxo decorre de a globalização ter si- do acompanhada da emergência gradual de um mercado de trabalho internacional, a ponto de a re- gulamentação da mão-de-obra qualificada migrante ter se tornado um tema importante nas agendas ne- gociadoras internacionais. Ao mesmo tempo, con- tudo, dado que a mobilidade de mão-de-obra ainda é, em geral, bastante inferior à de outros fatores, a globalização aumentou as opções disponíveis para as empresas transnacionais lidarem com uma força de trabalho dispersa (UNCTAD, 1994). A diversifi- cação de linhas de produção e a subcontratação tornaram-se mais fáceis de ser adotadas, graças à dispersão das estruturas negociadoras trabalhistas. A globalização induz à ênfase em educação e treinamento para evitar perda de recursos através da migração de capital humano, assim como a ma- nutenção - via repressão salarial ou outras formas - de custos reduzidos, como forma de manter a com- petitividade no mercado internacional. As economi- as nacionais são crescentemente substituíveis, do ponto de vista locacional: as decisões de investir passam a ser tomadas não a partir das dotações de fatores, mas a partir das vantagens construídas. A infra-estrutura em transportes e comunicações as- sume uma importância sem precedentes, tanto por sua contribuição à qualificação dos trabalhadores (facilita o acesso a informações), quanto porque é condição básica para o tipo de processo produtivo interligado. A globalização homogeniza padrões de deman- da (através das facilidades de comunicação, uni- 6 formização de preferências, etc.), ao mesmo tempo em que leva à fragmentação produtiva e à diferen- ciação dos produtos. Além disso, a globalização es- timula, simultaneamente, a competição entre em- presas e a formação de alianças empresariais, permitindo o rompimento de oligopólios estabeleci- dos (Oman, 1994). Um paradoxo adicional associa- do à globalização e, portanto, à individualização da produção como contraparte da universalização do consumo. As Novas Formas de Competição A noção convencional de política econômica es- tá associada ao conceito de Estado-nação. Boa par- te das decisões que afetam objetivos, como o cres- cimento econômico, o perfil distributivo da renda e outros, são consideradas tradicionalmente como re- sultantes da interação entre as políticas dos Esta- dos e a ação dos agentes econômicos no espaço nacional. De acordo com essa lógica, a relação econômica entre unidades nacionais ocorre através dos merca- dos onde são transacionados seus produtos e even- tualmente os fatores de produção. Num sistema globalizado - a diferença dessa concepção convencional - a relação entre unidades nacionais passa a não ser mais limitada às transa- ções nos mercados de bens e fatores. O processo produtivo adquire uma racionalidade distinta, na medida em que diversas unidades nacionais pas- sam a ser componentes da mesma estrutura inte- grada de geração de valor, ao mesmo tempo em que aumenta a fluidez de transmissão de normas, valores e rotinas operativas, condição necessária para a crescente homogenização produtiva. Por outro lado, vista da perspectiva da empresa, a condição de globalização implica a maximização de benefícios a partir da busca da melhor localiza- ção de suas atividades em nível mundial, associada à padronização dos produtose ao desenvolvimento de vantagens comparativas. As estratégias globais levam à procura da redução de custos, à especiali- zação das linhas de produção, estabilidade e con- trole de qualidade crescente na oferta, o que leva à crescente eficiência e maior grau de competitivida- de (Albavera, 1994). Além disso, os vínculos entre empresas em eco- nomias distintas têm aumentado em ritmo acelera- do, e os tipos de formas de associação entre em- presas são cada vez mais variados, desde partici- pações acionárias tradicionais a associações (joint ventures), exploração de franquias, e acordos de subcontratação, entre outros. A razão econômica para isso é apresentada a seguir. Uma das peculiaridades da economia global é o aumento de importância dos fluxos de investimento direto externo. A contraparte desse fenômeno - de- corrente da própria magnitude desses novos agen- tes - é que boa parte das ações e decisões vincula- das aos processos de produção e distribuição tem lugar cada vez mais no interior das empresas glo- bais, e depende menos dos vínculos locais entre empresas nacionais. RELAÇÕES INTERNACIONAIS BLOCOS REGIONAIS E A EXPERIÊN- CIA DO MERCOSUL BLOCOS ECONÔMICOS Com o final da Guerra Fria que separava o mundo em dois grandes blocos, comunista e capita- lista, desencadeiam-se transformações políticas e econômicas no cenário internacional de maneira a acomodar as novas relações entre países. Agora, menos fundamentados na identidade de sistemas políticos, reestruturam-se e constroem-se novos vínculos cada vez mais apoiados em bases comer- ciais. A desintegração do bloco socialista produziu a- inda conseqüências importantes no meio capitalista, de certa forma comparáveis a efeitos colaterais. Ao mesmo tempo em que o socialismo deixava de ser a força de coesão de um dos blocos do sistema bi- polar, acarretando o seu enfraquecimento e posteri- or dissolução, o outro perdia o sentido de continuar existindo dentro da mesma configuração anterior. Portanto, resolvidas, ao menos em tese, as ques- tões externas, a preocupação que ganha prioridade no seio do capitalismo aponta para questões inter- nas que ameaçam não apenas a manutenção do conjunto, mas também a condição hegemônica que os EUA mantiveram até aquele momento em que o mundo dividia-se em dois pólos. Enquanto diminui a importância dos confrontos militares e ideológicos, cresce a força do mercado no equilíbrio internacional e as disputas migram pa- ra um novo sítio, onde comércio e economia são parâmetros cada vez mais importantes. Ao mesmo tempo, o discurso do capitalismo atualiza-se e pas- sa a promover a liberação multilateral dos merca- dos como base para um novo ordenamento interna- cional, menos sujeito a movimentos políticos que possam criar restrições à circulação do capital e, conseqüentemente, à reprodução das suas formas de dominação. Ganha importância o chamado pro- cesso de globalização do mercado. Essas transformações, que promovem a condi- ção comercial e colocam em segundo plano, ao menos aparentemente, a capacidade militar, possi- bilitam a emergência de novas potências no novo cenário de mercado globalizado. Surgem o Japão e a Alemanha unificada, que por sua vez catalisam em torno de si a tendência, nem tão recente, de formação de blocos de nações com identidade de interesses políticos e econômicos. Os EUA passam, assim, a dividir a condição de potência econômica no âmbito mundial com outros dois grupos: a Comunidade Econômica Européia, que tem a Alemanha como seu mais forte integran- 7 te, e o bloco asiático, construído em torno do Japão e dos chamados tigres asiáticos. Essa dinâmica dos centros de poder, antes de ser traduzida como um novo ordenamento mundial, deve ser compreendida através dos aspectos de or- dem política e econômica, próprios de cada país e região, que se inter-relacionam com o sistema de dominação pelo capital e dividem o mundo em na- ções centrais e periféricas. Outrossim, antes de afirmar que existe um pro- cesso de regionalização contrapondo-se à globali- zação dos mercados, cumpre analisar os interesses e condições que podem estar orientando nações e respectivos governos num ou noutro sentido, além de questionar se a formação de blocos regionais es- tá limitada àqueles já conhecidos ou se esta não é uma situação intermediária que, no futuro, conduzi- rá a um mundo inteiramente globalizado. Observa-se, ainda, que o assunto possibilita du- as linhas de abordagem: uma que enfatiza os mo- vimentos de ajuste na produção e nas trocas de bens e serviços, caminho da globalização produtiva e que orienta o desenvolvimento deste trabalho, e outra que privilegia as transformações decorrentes da circulação de ativos financeiros, caminho da globalização financeira. Em vez de excluírem-se, as duas abordagens complementam-se, sendo esta úl- tima tradicionalmente mais adotada por economis- tas e tão relevante quanto a primeira na investiga- ção dos fenômenos que se relacionam com a admi- nistração pública. Aspectos relevantes Alguns aspectos relacionados com o reordena- mento internacional que está se processando mere- cem ser observados com maior detalhe, de forma a permitir a identificação de relações que, à primeira vista, poderiam passar despercebidas. Desta ma- neira além da utilização de conceitos claros, os pa- râmetros considerados na investigação são funda- mentais para o aprofundamento da capacidade ana- lítica. No que se refere às relações internacionais, dois parâmetros básicos são responsáveis por suas ori- entações: os interesses Nacionais, materializados pelos Estados-nações que têm por atributos a defe- sa da soberania e a realização de seus interesses no espaço internacional, e o poder, representado pela capacidade de impor ou viabilizar uma vontade política (Martins, 1994:116). Portanto, entender os fenômenos que ocupam o ambiente internacional implica analisar os diversos interesses Nacionais que permeiam as relações en- tre países, principalmente as relações de poder, tanto coercitivo - imposto através dos aparatos mili- tares - quanto hegemônico - aceito pela adoção de modelos políticos e ideológicos disseminados pelas nações mais poderosas. Daí que a queda do comunismo, além de encer- rar um cicio de poder bipolarizado, ao invés de con- duzir os EUA à condição de única potência econô- mica mundial, abre espaço para a formação de um sistema multipolarizado - decorrente de uma aloca- ção de recursos desequilibrada, em favor do au- mento do poderio bélico e em detrimento dos inves- timentos em produção de riquezas que os EUA rea- lizaram durante o período da Guerra Fria - e o cres- cimento de outras nações que se mantiveram à margem desse conflito. Assim, com a vitória do capitalismo, surgem ou- tras nações poderosas que têm seus próprios inte- resses. Ao mesmo tempo, transformam-se as rela- ções de dominação entre nações, que passam a se exercer mais pela hegemonia do mercado, meio que permite a circulação do capital, do que via co- erção, diminuindo aparentemente a importância do poderio militar. O equilíbrio de forças no cenário in- ternacional, por vem atribuído de forma simplista ao poder comercial das nações, passa a ser determi- nado pela capacidade dos que se encontram no mercado de viabilizarem seus próprios interesses Nacionais - econômicos, políticos e sociais. Esse aumento de complexidade do papel do comércio no equilíbrio mundial de forças vai deter- minar a necessidade de um processo que discipline o mercado em favor da continuidade do exercício da denominação do capital, apoiada na divisão in- ternacional do Trabalho, e que vença as resistên- cias a essa dominação. Esse processo disciplinar se estabelece através de uma microfísica da economi- a, promovendo as ações de agentes individuais - empresas, bancos, pessoas -, estimulando as ações de governo no sentido da desregulamentaçãofi- nanceira, da redução das barreiras comerciais e de novos desenvolvimentos tecnológicos, buscando reduzir a distância econômica entre países, regiões e agentes econômicos, e tendendo a reduzir a sobe- rania econômica dos governos (Oman, 1992:162). Porém, mesmo rompida a estrutura de poder bi- polarizado do período da Guerra Fria, ainda é ne- cessária a "organização de uma contra-hegemonia, ou seja, de projetos coletivos para um futuro alter- nativo" (Przeworski, 1994:82). A possibilidade de transformação não ocorre apenas a partir do rom- pimento do ordenamento anterior, mas também de- vido à existência de alternativas que, por sua vez, irão propiciar aos agentes envolvidos uma escolha política. Tomando emprestada a análise que o soci- ólogo polonês Przeworski faz do processo de libera- lização em governos autoritários, em que a abertura política acaba criando graus de liberdade para a formação de organizações independentes que irão produzir alternativas à reformulação do sistema po- lítico, pode-se desenvolver um modelo semelhante que explique o processo de regionalização. Nesse caso, é no grau de liberdade que surge a partir da progressiva liberação dos mercados que as nações tem a possibilidade de se organizar como grupo em torno de seus interesses comuns, o que, conse- qüentemente, vai permitir a concepção de alternati- vas políticas que possam modificar a composição do quadro de forças e determinar um reordenamen- to internacional. Portanto, um sistema de mercado globalizado, que preconiza a inexistência de restrições comerci- ais, mesmo entre economias e sociedades desi- guais, é apenas uma das possibilidades para um 8 novo ordenamento e, talvez, pouco provável numa situação em que várias nações dividem os centros de poder. Outra possibilidade é a regionalização, que se apresenta de forma mais ou menos explíci- ta, dependendo das características das nações que se associam e, principalmente, daquelas que cen- tralizam e comandam o processo. Assim, a regiona- lização tem-se apresentado como uma forma de in- tegração política e econômica que, além de permi- tir, de maneira privilegiada, o mútuo acesso dos pa- íses aos seus mercados, visa à concretização de in- teresses comuns. Retomando o exame do jogo de poder que agora se desenvolve, observa-se que, entre as suas re- gras e objetivos, destacam-se a liberação das res- trições comerciais e, própria a qualquer situação de livre competição, a redução do número de concor- rentes, quer pela aquisição comercial, quer pelo dumping, quer ainda pela introdução de novas tec- nologias, sendo os dois primeiros proibidos por re- gras adicionais desse mesmo jogo - leis antitruste e antidumping - e o terceiro estimulado pelas legisla- ções de proteção à propriedade intelectual (Guima- rães, 1993: 44). A microfísica da economia, que como se viu a- tua no sentido de estabelecer regras para eliminar barreiras comerciais e implantar um equilíbrio de mercado via livre concorrência, em um movimento contrário legitima um processo de desequilíbrio ou de criação de vantagens comparativas, em favor dos produtores e detentores de novas tecnologias. Por outro lado, como a capacidade dos agentes in- dividuais de gerar novas tecnoIogias depende da estrutura econômica da sociedade e de sua capaci- dade de articular a produção de conhecimentos ci- entíficos e o parque industrial, a redução da sobe- rania econômica dos governos, decorrente do pro- cesso de liberação do comércio internacional, acen- tua mais ainda esse desequilíbrio de mercado (Guimarães 1993:44,49). Neste contexto, as potências comerciais que emergiram ao final do conflito americano-soviético, e Japão juntamente com os EUA, o vencedor da disputa, estabelecem um novo arranjo de forças, no qual o poder está apoiado em três pólos e os dis- cursos coincidem com os princípios liberais de mul- tilateralismo, não-intervencionismo e eliminação das barreiras comerciais entre países, porém as a- ções caminham no sentido de criação de regiões de comércio privilegiado, manutenção de protecionis- mos (principalmente no que concerne à propriedade intelectual e à difusão de novas tecnologias) e inte- gração, em maior ou menor grau, de sistemas polí- ticos e econômicos regionais. Na retórica, globalis- mo e regionalismo são fenômenos que seguem uma mesma tendência para o ordenamento interna- cional; na prática apresentam-se como categorias irreconciliáveis. Características principais de algumas regiões Apesar de significativas diferenças com relação aos diferentes níveis de integração, tanto econômi- ca como política, três blocos regionais destacam-se no cenário internacional: Comunidade Econômica Européia, bloco asiático e Nafta. Além destes, de- senvolvem-se pelo mundo negociações em torno da criação de outros, regionais ou sub-regionais, des- tacando-se entre eles o Mercosul. Cabe também ressaltar que, de acordo com a tendência de formação de blocos regionais a partir de interesses comuns - solução de problemas soci- ais e ambientais, identidades políticas, situação ge- opolítica, posição no cenário internacional -, existe grande possibilidade de que "mais cedo ou mais tarde um quarto bloco gravitará em torno desse país imenso e rico, (...) a Rússia" (Neves, 1994:421). Em outras palavras, existe uma grande possibilidade de que o "Segundo Mundo", como se chamava o grupo das nações comunistas, realize sua reinserção no cenário internacional - que ora se relaciona segundo um novo ordenamento - pelo menos em parte como um outro bloco regional, mas isso é apenas uma hi- pótese que não será aqui explorada. Comunidade Econômica Euro- péia (CEE) Formada a partir da assinatura do Tratado de Roma, em 1957, visando criar uma associação en- tre nações através da integração do comércio e da agricultura, a CEE previa a livre movimentação de bens, serviços, capital e pessoas. Em 1986, devido à preocupação com a competi- tividade nipônica e americana, realiza-se uma e- menda importante ao Tratado de Roma, o Tratado de Unificação da Europa, que lança a "Europa 1992" e trata da eliminação de todas as barreiras à mobilidade no continente. Mais tarde, em 1991, na reunião de Maastricht, e de acordo com o objetivo de formação de uma economia social de mercado, são definidos os elementos da Europa social e im- plementos os seguintes pontos: formação da Co- munidade Ambiental Européia, consolidação de um roteiro e agenda para a União Monetária Européia, e fortalecimento do papel da Comissão da CEE pa- ra estabelecer, via votação majoritária, as diretrizes e os regulamentos necessários à remoção de bar- reiras, bem como os meios para harmonizar os re- gulamentos internos, dos países-membros (Ostry, 1994:365-6). Entre os principais grupos regionais, a CEE ocu- pa posição de destaque, sendo responsável por quase 40% do total das exportações mundiais, além de apresentar o maior volume interno de comércio - cerca de 60% do total exportado são comércios, en- tre os próprios países-membros - e a mais equili- brada relação entre exportação e importação, re- presentada por um déficit comercial relativamente baixo, equivalente a menos de S% do total exporta- do (United Nations, 1994). Mesmo assim, o seu nível de desemprego é bas- tante elevado, em torno de 9,3% da população eco- nomicamente ativa, o que indica a probabilidade de um aprofundamento ainda maior da política regio- nalista, de maneira a privilegiar a produção interna em detrimento das importações, objetivando ampli- ar a oferta de empregos. Outro aspecto que aponta para a mesma direção é a tendência de aumento do número de integrantes do bloco, que, a partir de 1995. passará de 12 para 15, em virtude das ade- 9 sões da Áustria, da Finlândia e da Suécia (United Nations, 1994). Características da CEE - Tipo de integração: profunda, político- econômico-social. - Integrantes: 12países (Alemanha, Bélgica, Di- namarca, Espanha, França, Grécia, Holanda, Irlan- da, Itália, Luxemburgo, Portugal, Reino Unido). - Futuras adesões: Áustria, Finlândia, Suécia. - PIB: US$ 6,673 trilhões. - População: 347,1 milhões. - População economicamente ativa: 155,O mi- lhões. - Percentual desempregado: 9,3. - População desempregada: 14,4 milhões. América do Norte - Acordo Nor- te-Americano de Livre Comércio (NAFTA) O Nafta teve as suas bases estabelecidas em 1985, a partir do Acordo de Livre Comércio Cana- dá/EUA (FTA), um acordo bilateral de comércio en- volvendo dois países que, historicamente e devido a condições geopolíticas favoráveis, apresentam-se como parceiros Comerciais naturais, apesar da grande diferença entre o tamanho das economias de cada país e a importância nas respectivas ba- lanças comerciais. Para o Canadá, essa relação re- presenta cerca de 70% do seu volume de exporta- ções e importações, além de serem oriundos dos EUA aproximadamente 80% dos investimentos es- trangeiros, ao passo que, no outro sentido, o mer- cado canadense responde por cerca de 20% das exportações e importações americanas. Numa fase seguinte, a partir de 1991. iniciaram- se as negociações para o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), desta vez um acordo trilateral, incluindo o México no grupo que anterior- mente firmara o FTA. Tal como o Canadá, o México mantém com os EUA uma relação comercial que representa cerca de 70% das suas exportações e importações e de 64% dos investimentos estrangei- ros. No entanto, as relações de comércio e investi- mentos entre Canadá e México são tênues, estando abaixo de 1,5% do total comercializado por cada país (United Nations, 1994), situação que reflete a dificuldade, no nível microeconômico, de se desen- volver uma estratégia norte-americana, bem como a manutenção de uma política de investimentos bi- laterais na região, sendo estes efetuados por em- presas americanas e negociados independentemen- te com cada um dos outros dois países, conforme o caso. No que se refere à regionalização, o ponto fundamental para o futuro do Nafta é a política de investimentos entre os seus integrantes, mais im- portante, aliás, do que suas relações comerciais (Ostry, 1994:369-71). Com um nível de desemprego próximo daquele da CEE, o Nafta, por outro lado, enfrenta um signi- ficativo desequilíbrio em sua balança comercial, ou seja, um déficit em torno de 24% das suas exporta- ções, condições suficientes para recomendar medi- das de restrição às importações e que privilegiem a produção interna, típicas dos acordos regionais. A- pesar disso, verifica-se que a falta de uma política de investimentos consistente, como a que é adota- da no bloco asiático, além de dificultar a reversão desse quadro, toma o Nafta um acordo tão frágil quanto a estabilidade econômica dos seus mem- bros menos desenvolvidos, mais especificamente o México (United Nations, 1994). Na recente crise mexicana foi possível observar como o investimento externo fugiu do país ao me- nor sinal de instabilidade, agravando uma situação em que o governo, tendo reduzido suas possibilida- des de intervenção devido à adoção de um modelo político liberal de economia desestatizada, obteve em troca de sua autonomia uma estabilidade eco- nômica e um fluxo positivo de capital que, na reali- dade, não são tão estáveis nem tão positivos. Características do Nafta - Tipo de integração: apenas uma área de co- mércio privilegiado. - Integrantes: três países (Canadá, EUA, Méxi- co). - PIB: US$ 6,743 trilhões. - População: 367,8 milhões. - População economicamente ativa: 170 mima. - Percentual desempregado: 7,2. - População desempregada.- 12,2 milhões. Bloco asiático - ASEAN Estruturadas em torno do Japão, as relações de comércio e investimentos na Ásia oriental pratica- mente dobraram na segunda metade da década de 80, igualando-se ao volume de comércio com a América do Norte, marca que foi ultrapassada já no início dos anos 90. A valorização da moeda japone- sa a partir de 1985 acarretou a elevação do custo de exportação no Japão e desencadeou uma reori- entação dos investimentos japoneses em direção aos países da Ásia oriental, que cresceram cerca de seis vezes durante a segunda metade da década de 80. Tal crescimento, embora um pouco menos ace- lerado, se mantém no decorrer dos anos 90. Analisando as transformações que estão ocor- rendo no bloco asiático, observa-se que sua inte- gração está mais calcada em uma política de inves- timentos do que no estabelecimento de uma zona de livre comércio, como no caso do Nafta. Mais im- portante que a redução dos custos de produção, o desenvolvimento de um sistema de produção inte- grado e flexível, voltado para os diferentes merca- dos que se apresentam, tem sido o principal fator responsável pelo crescimento comercial da região e pela coesão de um bloco tão pouco institucionaliza- do (Ostry, 1994:373). Com relação à formalização de um acordo regional, a exemplo de outros grupos regionais, existem dois aspectos que, se não dificul- tam, ao menos não contribuem para tal formaliza- ção. Primeiramente, a grande diversidade de cultu- ras, idiomas, religiões e formas de governo não é tão grande se comparada com a de países de ou- tros continentes, prevalecendo fatores geopolíticos que permitiram que a grande convergência de inte- 10 resses, desenvolvida a partir da estratégia de inves- timentos do Japão, tomasse desnecessário um a- cordo para garantir o que o fluxo de investimentos intra-regional já tinha consolidado, ou seja, a políti- ca de investimentos e comércio surgiu antes dos acordos. Em segundo lugar, a importância dos EUA como mercado importador desaconselha um posiciona- mento formal de bloco regional, como no caso eu- ropeu. Afinal, a situação de balança comercial favo- rável aos asiáticos nos últimos anos deve-se tam- bém à política globalizante e de livre comércio di- fundida pelos próprios EUA (Fishlow, 1994:396) e que, no entanto, está sendo mais bem utilizada pe- los países da Ásia oriental, os quais se mostram globalizantes no discurso e regionalistas na ação. Com relação ao seu desempenho comercial, o bloco asiático, ao contrário da CEE e do Nafta, a- presenta um impressionante superávit comercial de mais de 10% das suas exportações, situação que tende a manter-se devido à importância que o de- senvolvimento tecnológico tem na política de inves- timentos da região. Esse bloco tem também apresentado um ótimo desempenho e, apesar de concentrar uma popula- ção bastante superior à da CEE e do Nafta juntos e de possuir um parque industrial bastante automati- zado, seu nível de desemprego está em torno de 3,2% da população economicamente ativa. Características do bloco asiático - Tipo de integrarão: processo que vai além de um acordo comercial, porém sem o grau de institu- cionalização da CEE. - Integrantes: 10 países (Japão, Coréia, Formo- sa, Hong Kong, Cingapura, Malaísia, Tailândia, In- donésia, Filipinas e China). - PIB: US$ 5,103 trilhões. - População: 1.684,1 milhões. - População economicamente ativa: 929 mi- lhões. - Percentual desempregado: 3,2 (excluindo Chi- na). - População desempregada: 7,4 milhões (exclu- indo China). MERCOSUL Concebido como parte do processo de integra- ção do Cone Sul, suas bases foram lançadas com a Declaração de Iguaçu, em 1985, a partir das inicia- tivas de Brasil e Argentina para criar um sistema de cooperação entre os dois países. No ano seguinte, buscando corrigir desequilíbrios de balança comer- cial e tomar o acordo vantajoso para ambas as par- tes, foram assinados diversos protocolos entre os dois países. Em 1991, através do Tratado de Assunção, é en- tão criado o Mercosul, que incorpora ao grupo ou- tros dois países, Uruguai e Paraguai, passando, no início de 1995, estes quatro países a constituirum mercado comum (Campos, 1994:198). Comparado aos outros três grupos apresenta- dos, o Mercosul é uma iniciativa bastante modesta e não possui uma nação hegemônica consolidando as ligações entre seus membros, porém, representa um posicionamento estratégico importante, na me- dida em que, ao regular as relações entre seus in- tegrantes, minimiza a possibilidade de desgastes entre países periféricos que, deixando de ser con- correntes, tomam-se parceiros na disputa de um melhor posicionamento num sistema de mercado que favorece aos mais desenvolvidos. Além da questão da parceria que permite ga- nhos de escala de forma a baratear a produção e o desenvolvimento tecnológico, essa condição de menor destaque e maior independência do Merco- sul em relação aos outros grupos regionais, lidera- dos por potências econômicas rivais nesse novo or- denamento que ainda está em formação, permite ao grupo do Cone Sul um relacionamento externo mais equilibrado, no qual a aproximação de uma ou de outra região se dá conforme as vantagens que se apresentam. Insistindo na tese de que a identidade de inte- resses Nacionais é que solidifica um acordo regio- nal e que esses mesmos interesses dependem de uma política de investimentos que os viabilize, po- de-se identificar um dos grandes desafios para o Mercosul: o nível de desenvolvimento das econo- mias envolvidas demanda investimentos em infra- estrutura, tecnologia e equilíbrio social que os agen- tes privados talvez não queiram ou não possam efetuar, exigindo-se então a participação dos go- vernos. Assim, comparando-se o Mercosul - um acordo entre nações periféricas e sem a presença de uma potência hegemônica - com o Nafta - uma associa- ção entre desiguais e sem uma política de investi- mentos consolidada -, o que numa primeira análise sugere uma tendência de atraso tecnológico, deses- timulo ao capital estrangeiro e menos competição e modernização, em um segundo momento indica que, numa situação de acirramento da concorrência mundial, as vantagens de um acordo entre iguais parecem superar as desvantagens de restringir os fluxos entre desiguais (Castañeda, 1994 262). No que se refere à balança comercial, a região tem mantido, unicamente devido ao Brasil, uma condição de superávit confortável de quase 20% do total exportado, além de dispor de um mercado di- versificado para a colocação de seus produtos no qual o principal comprador, a CEE, é responsável por aproximadamente 30% das suas exportações (United Nations, 1994). Com relação ao desemprego, apesar do percen- tual relativamente baixo em relação a outros grupos regionais - 5,7% da população economicamente a- tiva (United Nations, 1994) -, o nível de miséria e subemprego é bem elevado, configurando uma si- tuação de desequilíbrio social típica não só do Mer- cosul mas de toda a América Latina. Características do Mercosul 11 - Tipo de integração: inicialmente comercial, mas com perspectivas de compromissos mais pro- fundos. - Integrantes: quatro países (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai). - Futuras adesões: Bolívia, Chile. - PIB: US$ 607,1 bilhões. - População: 194,6 milhões. - População economicamente ativa: 72 milhões. - Percentual desempregado: 5,7. - População desempregada: 4 milhões. Fluxos comerciais Desde a década de 80 tem-se observado uma grande intensificação do comércio regional, no qual os privilégios e as facilidades criadas para os inte- grantes de cada grupo geralmente contrastam com as limitações e as dificuldades impostas aos não- associados, determinando assim uma forma de re- lacionamento comercial excludente. Outra forma de se considerar os fluxos de co- mércio leva à constatação de sua influência no ní- vel de empregos e na estabilidade política dos go- vernos, porquanto um maior fluxo de importação acarreta uma retração do mercado de trabalho, a qual por sua vez onera os programas sociais do Es- tado e, principalmente nas economias subdesen- volvidas em que a política tributária está atrelada ao salário e ao número de empregados, afeta a ar- recadação do governo, criando situações de déficit fiscal e orçamentário. Portanto, um crescimento do déficit comercial pode significar, além da redução da autonomia do governo em decorrência da ado- ção de políticas de comércio liberais, uma redução do nível de empregos, associada a uma sobrecarga nos programas sociais; isso tende a comprometer os orçamentos estabelecidos a priori, favorecendo assim o surgimento de uma crise difícil de ser con- tornada e que atinge o Estado nos níveis da infra- estrutura e da superestrutura ocasionando inclusive rupturas e mudanças no quadro político. Dessa maneira, compreende-se o desenvolvi- mento significativo dos fluxos de comércio intra- regionais e inter-regionais, que são de cerca de 40 e 20%, respectivamente, de todo o comércio mun- dial. Isso significa que 60% do comércio mundial envolvem apenas 25 países (CEE, Nafta e bloco a- siático) e obedecem a algum tipo de acordo, distor- ção que deve acentuar-se com as novas adesões à CEE e a tendência de crescimento apresentada nos últimos anos pelo comércio intra-regional europeu e asiático (United Nations, 1994), indicando, entre ou- tras coisas, uma política de Fortalecimento de um tipo de Estado-nação constituído pela associação de Estados Nacionais cujos interesses comuns são protegidos e orientam a estratégia regional de in- vestimentos. Conclusões Os dados apresentados confirmam o contraste entre as teorias que indicam a existência de um processo globalizante inexorável envolvendo os mercados e uma tendência de crescimento do co- mércio interno aos blocos regionais, graças a políti- cas de investimentos e desenvolvimento regionais e de concessão de privilégios visando atender aos in- teresses de seus membros, em detrimento do cha- mado livre mercado. Por esse prisma, a regionali- zação contrapõe-se à globalização, buscando res- gatar o conceito de Estado-nação e o poder dos go- vernos para intervir nas relações de mercado e compensar as desigualdades, principalmente no campo tecnológico. Porém, com relação aos países não-participantes, os efeitos excludentes são os mesmos da globalização ou até mais graves, na medida em que pode haver a associação de eco- nomias hegemônicas. Visto que as diferenças e particularidades de ca- da sociedade demandam políticas específicas, a definição dos interesses Nacionais exige um grau de soberania do governo que pode chocar-se com os princípios liberais da globalização. Porém, a in- terseção ou os pontos em comum dos interesses de um grupo de nações podem materializar uma estru- tura em que algumas sociedades se associam vi- sando, além de proteger-se, viabilizar seus interes- ses num ambiente de parceria. Um exemplo disso é a política agrícola adotada pela França, que permi- tiu fixar mais de 20% da sua população no campo e favoreceu acordos regionais entre países com simi- laridades, ao mesmo tempo em que dificulta a con- clusão da Rodada Uruguai do Gatt, que adota como parâmetro a política dos EUA, onde apenas 2% da população residem em áreas rurais (Neves, 1993:21). Cabe considerar que esse tipo de situação, sub- jacente às relações dos blocos europeu e asiático, sistemas nos quais existe uma política de investi- mentos mais consolidada e maior gama de interes- ses comuns, não reflete muito bem a realidade do Nafta, que, por coincidência ou não, com a crise do México mostra-se uma associação bastante frágil, sem pontos comuns bem definidos e sem uma polí- tica de investimentos consistente que permita solu- cionar a crise mexicana. Pelo contrário, o que se viu até o momento foi a adoção de um conjunto de políticas liberais pelo país mais pobre do grupo e. portanto, mais vulnerável às armadilhas da "livre concorrências, em troca do ingresso em um merca- do ampliado e de fluxos de investimento externo que se volatizaramaos primeiros sinais da crise. Mesmo com relação à ajuda financeira que o governo Clinton tenta mobilizar, permanecem as dúvidas se esta destina-se propriamente ao México ou ao socorro dos investidores americanos que em algum momento acreditaram no "milagre mexicano" ou aceitaram correr um risco que, no fim das con- tas, não em tão grande quanto parecia, pois eles contavam com a proteção de seu próprio governo, apenas teoricamente não-protecionista. Analisando as tendências do atual sistema de mercado polarizado, dividido em regiões, o qual re- flete disputas de poder e uma relação de domina- ção entre nações ou mesmo grupos de nações, a- través da coerção resultante da propriedade intelec- tual (novas tecnologias) e da hegemonia desenvol- vida a partir do ideário "mercado livre", verifica-se que são limitadas as possibilidades de um sistema globalizado de cooperação mútua. 12 A Concorrência desequilibrada, por favorecer a atualização, em condições cada vez mais desi- guais, da divisão internacional do trabalho e da re- lação de dominação entre nações centrais e perifé- ricas, leva à ampliação do hiato entre essas nações até a total desintegração nacional, "aspecto de invi- abilização global das industrializações retardatárias" (Schwarz, 1994:9) Entretanto, o caráter evolutivo das relações in- ternas e externas dos países, além de possibilitar o surgimento de novos grupos regionais, de novas coalizões entre países ou mesmo a alteração e o aprofundamento das bases até então consideradas nos acordos, se não permite afirmar que o novo or- denamento internacional caminha para a globaliza- ção, também não garante que a regionalização seja um processo inexorável. Diante da rapidez com que surgem instabilidades no cenário político e econô- mico mundial, conclui-se que estas são apenas du- as possibilidades para uma nova ordem mundial que ainda está em estruturação. ALCA 2005, INTEGRAÇÃO OU ENTREGAÇÃO? Ao apagar das luzes de 1994 , sob os auspícios do presidente Clinton, reuniram-se em Miami 34 chefes de Estado dos países do nosso hemisfério (a exceção foi Cuba não convidada) para discutir as bases de uni acordo de livre comércio que teria conto data de referência o mio de 2005. Fomos re- presentados nesse encontro por dois presidentes: o que se despenha, ltamar Franco, e seu sucessor já eleito, Fernando Henrique Cardoso. A Alca (que passou assim a ser chamada pelos países do hemisfério: Área de Livre Comércio das Américas) tinha um objetivo nobre e grandioso: eli- minar as barreiras existentes entre os países da re- gião, criando assim uni mercado, comum, inicial- mente de bens que seriam comercializados sem a cobrança de tarifas aduaneiras. O "FTAA" firmado em Miami, apesar de nossa dupla representação, foi sancionado sem que a so- ciedade brasileira, por intermédio da classe política empresarial ou sindical, tivesse tido qualquer parti- cipação na decisão de subscrever aquele acordo. Na ocasião, parecia algo muito distante, remoto mesmo, e até, por que não dizer, pouco provável. Afinal de contas, a aprovação do Nafta tinha sido extremamente difícil; os resultados até então obti- dos eram questionados e o Mercosul se viabilizava, mas ainda tinha um longo percurso pela frente para se consolidar. Inclusive, alguns analistas enxerga- vam a reunião de Miami mais como um ato político do presidente Clinton do que propriamente algo que dever-se-ia considerar seriamente. Teria sido um gesto de uni presidente democrata, mostrando que a eles, e não só aos republicanos o tema integração importava (vale lembrar que a Iniciativa das Améri- cas foi projeto de George Bush). Logo em seguida, deliberou-se que os ministros de Comércio Exterior dos 34 subscritores da Alca deveriam se reunir anualmente para definir um cro- nograma de trabalho que viabilizasse uma agenda de trabalho fictível para 2005. Diante da dimensão do projeto, entendia-se que não havia o que espe- rar. Para a primeira reunião, marcada para houver em 95, decidiu-se que haveria uma reunião paralela de empresários da região para que os mesmos ti- vessem, desde o início do processo, uma atitude pró-ativa a favor da Alca. Lançou-se assim idéia do Fórum de Empresários, que se materializou como maior clareza ria reunião seguinte, em Cartagena, e que passaria a anteceder a reunião anual dos Minis- tros. A posição do governo brasileiro, refletindo talvez a própria apatia dos nossos empresários em torno do assunto, foi de um certo distanciamento. Não houve interesse inclusive em liderar nenhum dos grupos de trabalho que se formaram e passamos a questionar a interpretação do que 2005 realmente implicava: a início da desoneração tarifária ou a Al- ca já em pleno funcionamento, como entendiam os Estados Unidos. Vale lembrar que estávamos saindo de um pro- cesso de abertura da economia, e o nosso governo. era criticado por muitos que argumentavam contra a velocidade com' que essa abertura ocorreu e de muito pouco termos pedido em troca, optou por uma postura cautelosa. As empresas brasileiras passavam, ainda pelo traumático momento de ajus- tes (abertura e queda da inflação) e para se tornar competitivas tinham que buscar grandes ganhos de eficácia e a produtividade 'numa circunstância em que o real havia se valorizado acima de qualquer expectativa. Além do mais, apesar dos avanços do Mercosul, superando expectativas otimistas, o que tínhamos pela frente, principalmente na relação bilateral com a Argentina, não nos dava margem a hesitações! Tinhamos que consolidar o que já havíamos conse- guido e também atrair novos parceiros, Chile e Bo- lívia, que, geográfica e economicamente, mantém relação de grande importância com países do Mer- cosul. Portanto, não havia pressa, pois gostaríamos primeiro de ver o Mercosul consolidado e fortaleci- do, para então sentarmos à mesa de negociações com uma posição melhor para conversar com o Nafta. Havia também a preocupação, que temas de longa data, difundidos por segmentos do establish- ment norte-americano, pudessem ser prematura- mente colocados na mesa de negociação, tais co- mo legislação social e ambiental, entre outras, e que poderiam afetar as vantagens comparativas do Brasil. Assim, não é de estranhar que a representação qualitativa e quantitativa de empresários brasileiros, tanto na reunião de Denver quanto na de Cartage- na, já em 96, tivesse sido muito modesta em con- traste, por exemplo, com a numerosa delegação norte-americana. Coincidência ou não, em meados de 96 começa- ram a aparecer as primeiras críticas norte- americanas ao Mercosul e, apesar dos desmenti- 13 dos, a origem parecia evidente: nossos parceiros do norte se mostravam insatisfeitos com o desenrolar do processo. Tinham pressa. Queriam avançar e sentiam que estávamos ganhando tempo! Não lhes agradava a idéia de negociação Nafta x Mercosul, e sim adesões individuais ao Nafta. Va- le lembrar as diferenças: o Nafta é uma zona de li- vre comércio; o Mercosul é uma união aduaneira, porém não inclui serviços, propriedade intelectual e investimentos. Para complicar ainda mais as cois as, os Esta- dos Unidos, por intermédio da USTR, considerou solicitar à OMC (Organização Mundial do Comércio) um painel para se pronunciar sobre a legalidade do regime automotivo brasileiro. Também na primeira reunião da OMC, realizada em dezembro em Cingapura, o Brasil optou, apesar das pressões norte-americanas, por não se filiar ao ITA (Information Technological Agreement), que tra- ria a zero as tarifas pata produtos nas áreas de co- municação e informática no ano 2000. A posição brasileira foi se prender aos acordos do Mercosul, que tem desoneração gradual a partir de 2005. Parece haver, mais recentemente, também al- gumas discordâncias sobre o grau de abertura que o governo brasileiro estaria disposto a proporcionar aos investidores estrangeiros naárea de telecomu- nicações. Curiosamente, nos Estados Unidos, após a bem- sucedida intervenção do presidente Clinton, que e- vitou uma crise no México que teria tomado dimen- sões imprevisíveis as dúvidas sobre o Nafta aumen- taram, e o Poder Executivo norte-americano não conseguiu do Legislativo a autorização do "fast track" para negociar a entrada do Chile no Nafta (o que certamente deve ter facilitado a associação, mesmo que parcial, do Chile ao Mercosul). Assim sendo, a posição norte-americana apon- tava um paradoxo: um lado querendo acelerar o processo da Alca, mas internamente com dificulda- des de vender a imagem de integração hemisférica a um Congresso apático, num ano eleitoral. No entanto, é possível imaginar que as visitas programadas dos presidentes Eduardo Frei aos Es- tados Unidos e Clinton à América Latina possam reverter esse quadro a curto prazo. Do nosso lado, as coisas também não aconteciam da forma pro- gramada. A idéia de rapidamente incorporar a Ve- nezuela ao Mercosul, que seria bastante importante do ponto de vista estratégico, principalmente para o Brasil, esbarrou nas dificuldades do Pacto Andino. A Colômbia não liberou a Venezuela para uma dis- cussão bilateral, exigindo a negociação como bloco, o que evidentemente dificultou essa negociação em termos ainda não claramente visualizados. Mais recentemente, outro percalço no Mercosul com a Argentina, e novamente por causa do regime automotivo: a concessão de incentivos e subsídios para a instalação de indústrias no Nordeste provo- cou a ira dos nossos vizinhos e protestos da OMC. Do lado empresarial, finalmente pequenos po- rém importantes avanços! O fato de a terceira reu- nião preparatória de ministros ter sido marcada para Belo Horizonte houve, em determinados momentos, a intenção de levá-la para a Costa Rica, mas o Ita- maraty lutou para realizá-la no Brasil) trouxe o as- sunto para dentro de nossas fronteiras e começa- mos a enxergar que 2005 não é amanhã, irias tam- bém não é o dia de são Nunca! Graças principalmente ao trabalho da CNI, a quem ficou delegada a responsabilidade de organi- zar a agenda da reunião de maio, observa-se agora uma movimentação das classes empresariais até então ausentes. São artigos em jornais, entrevistas, matérias publicadas pelos principais jornais e revis- tas e que, apropriadamente, colocam o assunto em discussão. O fato de os Estados Unidos, por intermédio de representantes categorizado terem aumentado suas críticas à posição do Brasil e, pressionado para ace- lerar a agenda, tornou, o assunto mais presente na mídia nacional e internacional nas últimas semanas. Acresente-se que finalmente o presidente Clin- ton resolveu nos visitar em maio e, por coincidên- cia, a data da visita foi marcada para alguns dias antes da reunião de Belo Horizonte, onde desde já se sabe que a delegação americana terá grande peso! Em recente pronunciamento na Universidade do Texas a secretária de Estado, Madeleine Albri- ght, não poderia Ter sido mais clara e enfática: "Po- lítica externa significa empregos". Creio que antes de concluir deveria também re- gistrar que a posição brasileira de ganhar tempo ou respeitar a agenda (se assim preferirmos) não pare- ce ter grande solidariedade hemisférica. A Alca, para a maioria dos países a América La- tina, é atraente: os demais países têm mais a ga- nhar do que a perder. Como não são países de forte base industrial, ganhariam mais do que sairiam po- dendo com uma desoneração tarifária. Mesmo a Argentina de vez em quando, tentada com canto da sereia: integrar-se ao Nafta, independentemente do Mercosul. A dúvida que assalta a muitos é se a política que o ltamaraty vem adotando (que evidentemente não é sua, e sim do governo brasileiro) é a que melhor atende aos nossos interesses. É evidente que â proposta da Alca é tentadora, mas como alguém ponderou, quando lhe oferecem o paraíso você fica em dúvida e prefere ficar alguns dias mais aqui na Terra! Na realidade, não creio que tenhamos feito si- mulações claras do que aconteceria quando , a Alca passasse a funcionar. Há claras e evidentes vanta- gens, que vão de produtos de melhor qualidade a preços mais baixos e a acessarmos diretamente o maior mercado do inundo. No entanto, a dúvida é se estai-nos posicionados com um "product mix" que tenha mercado nos Estados Unidos na mesma medida que somos compradores de produtos e ser- viços deles. Aparentemente, nosso déficit comercial com eles tenderia a se agravar, a menos que con- 14 seguíssemos êxito na desoneração atualmente e- xistente para produtos brasileiros que têm mercado lá.. Reconhecidamente, o problema brasileiro hoje é não ter aumentado a sua pauta de produtos expor- táveis para contrabalançar o aumento nas importa- ções. mais, ouvimos que hoje não é mais exclusi- vamente na taxa de câmbio ou no "custo Brasil" que o problema das exportações. É no conteúdo do que temos para exportar e o que o mundo está queren- do comprar! Portanto, com a Alca, a menos que tenhamos feito mudanças estruturais, correríamos o risco de imediatamente aumentarmos nosso déficit comerci- al, o que evidenciaria cada vez mais nossa maior de pendência de capitais externos para fechamento de nossas contas externas. Isso, sem falar ria falta de um inventário de que setores ou indústrias sairi- am prejudicados e que prazo precisariam para se ajustar competitivamente. Às repercussões sociais são inevitáveis, pois o problema do e virá à tona. Se de um lado são argumentos sensíveis, do ou- tro não podemos cruzar os braços e continuar ten- tando ganhar tempo! "Quem não faz poeira, come poeira", diz um ditado popular. A um observador que não está na linha de fren- te, como eu, parece que a situação está se compli- cando e precisamos estar melhor equipados nesse complexo jogo. O que está em pauta não é exclusi- vamente mais um acordo comercial, e nossa socie- dade precisa estar mobilizada. Sei que não é fácil, mas! a participação política é fundamental. Os em- presários também precisam estar melhor articula- dos e posicionar-se junto ao governo num diálogo de parte a parte muito mais aberto. Os sindicatos, idem. Acima de interesses corporativos ou regiona- listas. Chamou-nos a atenção como os empresários norte-americanos, canadenses e mexicanos atua- ram coordenadamente com representantes de seu governo nas negociações do Nafta. São painéis permanentes! A ofensiva tem sido norte-americana. Precisa- mos colocar, com veemência e repetidamente quais os nossos interesses. O que queremos preservar? O que estamos a ceder? Como parceiro, mais forte e poder hegemônico, o que os Estados Unidos es- tão dispostos a conceder? O mercado caminha para que três blocos temi- am a predominância mundial. Um liderado pelos Estados Unidos, outro pela Alemanha e o asiático pela China. Não creio que tenhamos muita escolha. Entramos nessa parada e agora não há espaço para recuos. Vamos discutir uma integração efetiva, e não uma entregação! Neste momento, a Alca parece um projeto irre- versível e não podemos deixar de assumir unia po- sição clara e transparente dos interesses que a so- ciedade brasileira quer preservar. SOCIEDADE E ECONOMIA TRANSFORMAÇÕES DO ESPAÇO PRODUTIVO E SEU IMPACTO NA POPU- LAÇÃO; ALTERAÇÕES NA POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA; OS ANTI- GOS E NOVOS ESPAÇOS DE PRODU- ÇÃO E DE NEGÓCIOS O ESPAÇO INDUSTRIAL: CONCENTRAÇÃO E DISPERSÃO ESPACIAL DA INDUSTRIA Até por volta da. primeira metade do século XIX, as poucas e pequenas indústrias de bens de con- sumo existentes no Brasil encontravam-se relati- vamente dispersas pelo território. A maior parte se localizava junto as principais cidades da época: Re- cife, Salvador, Porto Alegre e, sobretudo, na cidade do Rio de Janeiro, capital do país e principal centro portuário e cafeeiro. Em 1907, o Estado do Rio de Janeiro respondia
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