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Análise ADIn 3.510

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Amicus Curiae V.5, N.5 (2008), 2011 
1 
Parecer - Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510 
 
 
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO 
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 
 
 
 
Os alunos do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio 
dos Sinos – UNISINOS do curso de Mestrado, após debate e elaboração de trabalho conjunto 
proposto na disciplina “Dimensões Normativas da Bioética” vêm, respeitosamente, à presença 
de Vossa Excelência, requerer a juntada do presente parecer. E o fazem com base no inciso III 
do art. 1º da Constituição Federal - um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, 
com o intuito de ampliar as perspectivas de análise do tema objeto da Ação Direta de 
Inconstitucionalidade nº 3.510, em respeito ao pluralismo de idéias. 
 
I – Dos limites da análise 
 
Encontra-se em tramitação, no Supremo Tribunal Federal, a Ação Direta de 
Inconstitucionalidade nº 3.510, na qual a Procuradoria-Geral da República sustenta ser 
inconstitucional o texto do artigo 5º da Lei nº 11.105/2005 (Lei de Biossegurança), que 
permite o uso de células-tronco provenientes de embriões humanos para pesquisas e terapias, 
alegando que tal preceito legal fere a proteção constitucional do direito à vida e à dignidade 
da pessoa humana. 
Prevê o artigo em questão: 
 
Art. 5
o
 É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco 
embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e 
não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: 
I – sejam embriões inviáveis; ou 
II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta 
Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 
(três) anos, contados a partir da data de congelamento. 
§ 1
o
 Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. 
§ 2
o
 Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia 
com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à 
apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. 
§ 3
o
 É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e 
sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei n
o
 9.434, de 4 de fevereiro de 
1997. 
 
Amicus Curiae V.5, N.5 (2008), 2011 
2 
Com o intuito de reunir maiores fundamentos para o julgamento da predita Ação Direta 
de Inconstitucionalidade, o Excelentíssimo Ministro Relator do processo, Carlos Ayres Britto, 
convocou audiência pública, em conformidade com o disposto no § 1º do artigo 9º da Lei nº 
9.868/99, com a específica finalidade de ouvir a opinião de “pessoas com reconhecida 
autoridade e experiência no tema”. 
A referida audiência pública foi realizada no dia 20 de abril do corrente ano, contando 
com a presença de duas dezenas de convidados que se pronunciaram, cabendo destacar que a 
maioria absoluta dos convites foi endereçada a profissionais de renome nas áreas médica e 
biológica, com a exceção da presença de um advogado especialista em direitos humanos, de 
uma antropóloga e de um professor de bioética. 
Ora, em que pese a clara prioridade destinada às biociências, haja vista a proporção 
acima destacada, a eminente Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministra Ellen Gracie 
Northfleet, no ato de abertura solene da audiência pública, ressaltou que o ato de julgar é um 
ato de humildade e por isso aquela Corte Suprema decidira ouvir os especialistas, em suas 
palavras: “O STF se abre para a comunidade científica para preparar o julgamento”. 
Na seqüência, o Ministro Relator da demanda, ao assumir os trabalhos, fixou o tema da 
audiência, informando que ele e os seus pares estavam em busca de um conceito jurídico para 
o vocábulo vida, e, após a primeira parte das apresentações, salientou que o evento 
homenageava o pluralismo, que, em suas palavras, seria “um dos conteúdos mais importantes 
da democracia, que muito concorrerá para legitimar a decisão que o Supremo Tribunal 
Federal proferirá”. Destacou, ainda, a importância da decisão a ser tomada: “A mídia 
brasileira vem acompanhando com interesse esse grande tema, voltando-se para a cobertura 
da audiência, a comprovar o acerto da nossa decisão de convocar uma audiência pública 
para um tema que repercute de modo tão significativo no âmbito das diversas ciências 
biológicas e médicas, e da qualidade de vida de toda a população, seja em uma direção, seja 
em outra direção. Em entrevista, concluiu: “Democracia é isso. É tirar o povo da platéia e 
colocá-lo no palco das decisões que lhe digam respeito. É fazer do mero espectador um ator 
ou um autor do seu próprio destino, esclarecendo que se trata de um tema multidisciplinar e 
todas as contribuições obtidas a partir de explanações tão claras, tão precedidas de apurado 
estudo, todas valerão, sim, para a elaboração do relatório e a formulação do voto”. 
Diante do relevante significado que o próprio Supremo Tribunal Federal emprestou à 
audiência pública, como espaço democrático para tratar de um tema de alta repercussão – e 
cuja abordagem deve ser interdisciplinar - os alunos da disciplina de Bioética do Mestrado em 
Direito da Universidade do Vale dos Sinos – UNISINOS –, sob a orientação dos Professores 
Doutores Vicente de Paulo Barretto e Alfredo Culleton, elaboram o presente parecer que 
Amicus Curiae V.5, N.5 (2008), 2011 
3 
ambiciona perquirir a suficiência da representatividade das áreas do conhecimento que, por 
meio de especialistas, expressaram suas opiniões na referida audiência pública, para atingir a 
finalidade de debater tema de natureza interdisciplinar, somado ao caráter inédito dessa 
iniciativa, fundamentada no exercício pleno da democracia. 
 
II – Da construção do espaço público de natureza democrática 
 
A democracia, nas palavras do ilustre Ministro Relator da Ação Direta de 
Inconstitucionalidade, seria “tirar o povo da platéia e colocá-lo no palco das decisões que lhe 
digam respeito. É fazer do mero espectador um ator ou um autor do seu próprio destino”. De 
que destino a audiência pública estava tratando? Certamente do destino que a própria 
democracia pretende garantir: um destino em que a dignidade da pessoa humana seja o 
fundamento das decisões, conforme o artigo 1º, inciso III da Constituição Federal. 
Cumpre ressaltar que a garantia da dignidade da pessoa humana pretendida na Ação 
Direta de Inconstitucionalidade repousa em um contexto tecno-científico, já que a 
inconstitucionalidade apontada nasce da permissão legal para o uso científico de células-
tronco de embriões, em pesquisas e terapias. Diante desse fato, surgiu a necessidade de 
esclarecer, segundo a ótica dos especialistas, o exato momento em que se constitui a vida, 
para então garantir-se o cumprimento da Constituição Federal. 
Como já dito, foram convidados para a audiência pública, em sua expressiva maioria, 
técnicos das biociências, sendo que não estiveram presentes especialistas nos ramos da 
sociologia, filosofia, teologia e outras áreas do saber humano. 
Pois bem, o que pode significar, num debate dito de natureza democrática, em que se 
tratou de um tema interdisciplinar, a falta desses atores? 
Todo agir humano está impregnado de mensagens simbólicas, que revelam a tendência 
de nossos valores éticos. No último século, claramente, o nosso agir reafirmou a expectativa 
de que as questões mais complexas de nossa própria existência poderiam ser solucionadas 
pela tecno-ciência. A ética clássica como parâmetro desse agir, restou insuficiente, e, assim, 
além de solucionar, a tecno-ciência se firmou como capaz de também balizar eticamente a si 
própria,a partir de um único critério: o pragmatismo. Assim, o sentido prático de suas ações, 
legitimado através da máxima para o bem da humanidade, impede a construção de uma 
instância anterior, verdadeiramente ética, que traria uma dimensão para além do utilitarismo 
presente na mensagem simbólica que, atualmente, permeia o agir humano. 
Se por um lado a ética clássica se mostra insuficiente para balizar o agir tecno-
científico, por outro, a própria tecno-ciência se mostra insuficiente para corresponder às 
Amicus Curiae V.5, N.5 (2008), 2011 
4 
atividades da mente humana - que criam as circunstâncias da vida, numa realidade bem mais 
complexa do que o sentido prático dado pela tecno-ciência. 
 
III – Dos subsídios necessários para a construção do sentido jurídico para o vocábulo 
vida 
 
O último século comprovou que a possibilidade de investigação que a tecno-ciência 
proporciona não tem limites, já que a cada descoberta científica se revela um universo de 
novas informações a ser verificado, entendido e utilizado. A finalidade sempre aponta para o 
bem da humanidade, mas já se constata que a tecno-ciência não pode dominar integralmente a 
complexa rede de reações e novas ações que uma ação tecno-científica pode ocasionar, pois, 
hoje, conseguimos perceber que uma ação desencadeia no tempo inúmeras outras (re)ações, 
em relação às quais não podemos permanecer ingênuos a ponto de negar ou não vislumbrar o 
mau que a procura do bem para a humanidade já gerou e continuará gerando, para esta 
mesma humanidade. 
De quem é a responsabilidade pelos inúmeros jovens que morrem vítimas do uso de 
drogas? A desestrutura familiar? A falta de políticas públicas de prevenção ao uso de drogas? 
O psiquê do usuário? A dependência química que o corpo humano possui e que tais drogas 
suprem? Por óbvio todas as causas se mesclam e são indissociáveis, mas e se não existisse a 
droga que um dia foi forjada em uma experiência científica? Na realidade, o que se pretende 
demonstrar com essa situação paradoxal é que não existe tecno-ciência sem conseqüências 
sociais indesejadas pela própria tecno-ciência. 
Santos Dumont cometeu suicídio ao ver o seu invento usado para matar seres humanos; 
seria ele o responsável pelos aviões de guerra? O indesejado também é uma realidade, e até 
que ponto ele pode ser previsto e evitado é a questão que se coloca na construção da 
análise do uso de células-tronco de embriões. 
Porém, como adentrar nesse indesejado? Que ferramentas usar para se ter a garantia de 
que, ao final, o melhor caminho foi o que se construiu? Para o Supremo Tribunal Federal a 
ferramenta a ser utilizada para neutralizar o indesejado dessa questão é a construção de um 
sentido jurídico para o vocábulo vida. Assim, a partir dessa construção, o indesejado será 
conhecido e afastado, independentemente do resultado do julgamento. 
Contudo, esse indesejado possui muitas faces, não apenas adstritas às ciências 
biológicas, devendo ser enfrentado com o auxílio da sociologia, da filosofia e até mesmo da 
teologia, enfim, de todos os ramos que o conhecimento humano se valeu ao longo de séculos 
Amicus Curiae V.5, N.5 (2008), 2011 
5 
e que, por isso, devem ser abordados para nos tornar aptos a percorrer esse indesejado, 
construindo um agir ético. 
Portanto, elaborar um sentido jurídico-operacional para a vida, diante da natureza 
multifacetada que esse vocábulo encerra, somente pode ser alcançado através da construção 
ética desse significado, porquanto nenhuma área do conhecimento possui subsídios 
suficientes, por si sós, para esgotar todas as nuances sociais e mesmo tecnológicas que uma 
abertura científica dessa envergadura pode ocasionar no futuro da humanidade, e, em especial, 
no Brasil - país com peculiaridades que, muitas vezes, impede o controle mínimo das 
situações de risco, não sendo demais lembrar as conseqüências indesejadas e lastimáveis que 
o país sofre, até os dias de hoje, por conta do desastre com o Césio-137 em Goiânia, na 
década de 80 – considerado o segundo maior desastre nuclear do planeta. 
O uso de células-tronco de embriões, a par do debate de quando é gerada a vida do ser 
humano, significa a manipulação de material genético humano. Assim, a legislação está 
consentindo com a abertura para experimentos em seres humanos que tiveram a sua existência 
abreviada pela própria tecno-ciência, que deu início à sua geração, mas, por não ser mais 
necessária – ou oportuna – a continuidade do procedimento, foram congelados, porém não 
descartados. Que mensagem simbólica o uso desse material genético representa para as 
presentes e futuras gerações? 
Devemos, ainda, ter em mente que tais embriões são fruto de uma experiência que no 
passado foi discutida superficialmente: a criação de vida humana em laboratórios através da 
inseminação artificial, realidade desde 1978, ano em que ocorreu o nascimento de Louise Joy 
Brown, o primeiro bebê de proveta do mundo. 
Ora, será que não podemos atribuir o indesejado dessa incursão tecno-científica a esses 
embriões, cujo destino foi o congelamento? E o que dizer, também, das inúmeras crianças que 
esperam para a adoção em orfanatos? Relacionar essas questões significa ter a coragem para 
enfrentar a complexa teia de ações e relações à qual estamos submetidos; não permanecemos 
impunes em face do que desconectamos em nossas decisões. 
Não há como se desconsiderar que o controle biológico do ser humano, especialmente o 
genético, permeia questões e conseqüências inteiramente novas, visto que nada menos que a 
natureza do homem é que entra no âmbito do poder da intervenção humana, e a cautela tem 
que ser vista como o primeiro mandamento moral e o pensamento hipotético nosso 
paradigma. Deve-se compreender que pensar as conseqüências antes de atuar não é mais uma 
simples prescrição ou norma do senso comum. 
Nesse rumo, a noção ética, necessária para o enfrentamento da questão posta, vasculha e 
percorre justamente as novas questões que emergem de um novo mundo e de um novo ser 
Amicus Curiae V.5, N.5 (2008), 2011 
6 
humano, afetados, substancialmente, pela tecno-ciência, e que é tratada pelo filósofo Hans 
Jonas
1
 em sua paradigmática obra O princípio responsabilidade. Ensaio de uma ética para a 
civilização tecnológica, na qual se destaca o imperativo, que este ilustre pensador 
contemporâneo cristaliza: Aja de modo a que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a 
permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra, desdobrado, em outras palavras, 
pelo próprio autor: Inclua na tua escolha presente a futura integridade do homem como um 
dos objetos do teu querer.(ob. citada, p. 47-8). 
Com base nesse imperativo, como criar um sentido para o vocábulo vida que não parta 
de um olhar ético, a partir das variadas áreas do conhecimento? Onde buscar a complexidade 
que uma autêntica vida humana, ou da futura integridade do homem? Se da criação de vidas 
em laboratórios, da manipulação genética do DNA humano ou do uso de células-tronco de 
embriões, emergem questões teológicas, sociológicas, filosóficas, biológicas, antropológicas, 
enfim, emergem novas mensagens simbólicas, já que tais ações científicas reforçam um 
caminhar utilitarista - que nega a si próprio diante da construção prévia de pressupostos para o 
agir humano. 
Para Hans Jonas, o homem quer tomar em suas mãos a sua própria evolução, a fim não 
meramente de conservar a espécie em sua integridade, mas de melhorá-la e modificá-la 
segundo seu próprio projeto (ob. citada, p. 61). E dessa premissa surgem as indagações: 
Temos o direito de fazê-lo? Somos qualificados para esse papel criador? Quem serão os 
criadores de „imagens‟ conforme quais modelos, com base em qual saber? Temoso direito 
moral de fazer esses experimentos com seres humanos futuros? 
Essas são as indagações que devemos fazer neste momento, pois indissociável do 
sentido buscado pelo Supremo Tribunal Federal para o vocábulo vida. Estamos, 
conscientemente, buscando uma autêntica vida humana sobre a Terra? 
Retornar a um tempo em que os valores estéticos não eram influenciados pela tecno-
ciência nos revela o quanto mudamos, não apenas a nossa aparência externa, mas como 
passamos a buscar um ideal de beleza, cujo caminho é mais doloroso do que, 
verdadeiramente, ideal. A tecno-ciência desenvolveu as próteses de silicone para cirurgias 
plásticas reparadoras. Para além do benefício dessa invenção, hoje são utilizadas, em larga 
escala, para a indústria da beleza. De que valores estamos falando, em uma sociedade em que 
a mulher sadia adquire auto-estima pelo uso dessas próteses? O que está faltando em nossa 
 
1
 Hans Jonas (1903-1993) foi aluno de Martin Heidegger na Universidade de Freiburg na década de 1920. Viveu 
na Inglaterra e nos Estados Unidos. Em 1966 publicou The Phenomenon os Life, Toward a Philosophical 
Biology, obra que estabelece os parâmetros de uma filosofia da biologia. Em 1979 veio à luz sua obra mais 
importante, Das Prinzip Verantwortung. Versuch einer Ethic für die Tecnologische Zivilisation. 
Amicus Curiae V.5, N.5 (2008), 2011 
7 
sociedade para que o ser humano se inspire em valores que signifiquem, concretamente, 
qualidade de vida? 
A cura de doenças, sem dúvida, significa bem estar e dignidade de vida; mas será que o 
caminho da cura somente pode ser o que a tecno-ciência cria artificialmente? O que a tecno-
ciência faz para melhorar a nossa alimentação? Conservantes, hormônios, transgenia, 
agrotóxicos? 
A humanidade está doente, seja pela fome, pela poluição, pela alimentação, pelo 
trabalho, pelos remédios, pela guerra, e para essas questões a tecno-ciência não possui uma 
solução, já que indissociáveis da dimensão social, política e econômica, mas não estaria a 
tecno-ciência presente em todas estas questões, potencializando-as? 
 
IV – Da ética: o princípio responsabilidade 
 
Não é necessária muita dedicação para concluir que o mundo em que vivemos está em 
constante mudança. Durante a maior parte da existência da humanidade, pessoas que viviam a 
curtas distâncias umas das outras poderiam muito bem – a considerar o quão pouco influíam 
na vida umas das outras – estar vivendo em mundo separados. Hoje, pessoas que vivem em 
lados opostos do mundo estão ligadas de maneira antes inimaginável, razão pela qual seria 
uma imprudência ou, no mínimo, um sectarismo inconseqüente reduzir um debate de 
intangíveis proporções ao imaginário limitado e criativo do legislador ou ao universo 
absolutamente pragmático da tecno-ciência. Mister se faz, numa primeira análise, conduzir tal 
discussão para o território da reflexão sobre o agir humano. 
Note-se que a discussão acerca da manipulação de embriões preservados em ambiente 
extra-uterino não se cuida de mero embate acadêmico ou de caráter preventivo. Isso porque, 
já há embriões congelados e sem qualquer perspectiva de acolhimento no ventre materno, que 
são o fruto de procedimentos adotados na chamada reprodução assistida. 
Vê-se, portanto, que o dilema concreto ora posto (a escolha entre o descarte dos 
embriões ou o seu emprego em técnicas para salvar ou dignificar vidas) está centrado na 
conseqüência do problema, não atacando a sua causa, privilegiando apenas o sentido prático 
na abordagem da questão. 
Nesse sentido, poder-se-ia concluir, em um juízo sumário, pela razoabilidade do predito 
uso terapêutico ou científico de embriões destinados, certamente, ao simples descarte. No 
entanto, não há como se desconsiderar que esse status quo foi criado pela prévia e 
premeditada fertilização in vitro de embriões em número maior do que aquele efetivamente 
utilizável no procedimento de implantação uterina. 
Amicus Curiae V.5, N.5 (2008), 2011 
8 
O cientista, para o efeito de aumentar as chances de sucesso na reprodução artificial, 
engendra uma verdadeira “reserva técnica” de embriões, já tendo condições de antever o 
excesso que é por ele pretendido. 
Em síntese, tanto o cientista quanto os doadores do material possuem a consciência de 
que estarão repetindo, artificialmente, o ato de concepção da vida humana para além da 
possibilidade de implantação uterina, motivados por interesses individualistas. 
E, aqui, cabe, novamente, a formulação de indagações: seriam essas condutas éticas 
diante da criação das denominadas “sobras”? Não deveria ser exigível, desses atores, a 
limitação da criação de embriões ao número máximo possível de implantação uterina, ainda 
que tivessem de arcar com o maior risco de insucesso e com o aumento de tentativas de 
implantação, deixando à ordem natural a seleção dentro do útero? 
Voltando às conseqüências: uma vez apresentada ao operador jurídico ou até mesmo ao 
cidadão comum a escolha entre o uso de células-tronco de um embrião rejeitado - para fins 
restritos e nobilíssimos - ou o seu mero envio ao lixo hospitalar, a resposta parece fácil e, 
certamente, alcançaria a quase unanimidade nas pesquisas populares que costumam ser 
realizadas, sem maiores rigores éticos quanto às informações previamente divulgadas pelos 
meios de comunicação. 
É preciso considerar que “Toda vida reivindica vida” (JONAS, p. 89). Desta forma há 
direitos sustentadores da vida. Diversamente, não se pode dizer do que não existe, ou então, 
da não vida. A questão reside justamente aí. A ciência não tem uma resposta única para o 
início da vida. Também se apresenta discutível o seu término, ainda que seja clara a morte. A 
não ser assim, não teríamos discussões decorrentes das doações de órgãos de pacientes com 
morte cerebral diagnosticada, mas nos quais o sangue ainda corre nas veias, impulsionado por 
um coração que ainda bate. Contudo, há uma existência que nasce da vida, e se torna 
reconhecida pelos fatos técnicos assentados pela ciência. Ainda que esta diga “sim” ou “não”, 
a vida prescinde da ciência. Talvez a sua qualidade, a sua melhor disposição, possa ter relação 
com a ciência, mas não o seu existir em si. 
A ciência afasta a teologia, por julgá-la avessa a um ideal de progresso tecnológico, mas 
onde está a ciência quando buscamos uma explicação para o amor, ou desamor? A 
compaixão, a fraternidade? E o bem-estar que esperamos da tecno-ciência quando mais de 
sessenta milhões de brasileiros estão abaixo da linha da pobreza? E um bilhão passa fome no 
mundo? 
A tecno-ciência avança sem limites, mas, atualmente, pela realidade que assombra a 
nossa própria existência, percebemos que ela leva com as suas descobertas, a humanidade por 
Amicus Curiae V.5, N.5 (2008), 2011 
9 
caminhos irreversíveis, por isso devemos casá-la com a responsabilidade. Responsabilidade 
pela autenticidade do ser humano, de sua essência, pela vida futura do planeta. 
De acordo com Hans Jonas, o desenvolvimento do poder do homem na busca da 
tecnologia (o homo faber) alterou, substancialmente, o caráter da ação humana: 
 
A técnica moderna introduziu ações de magnitude tão diferentes, com objetos e 
conseqüências tão novas, que o marco da ética anterior não pode já abarcá-los [...] 
Certamente, os velhos preceitos dessa ética „próxima‟ - os preceitos de justiça, 
caridade, honra, etc.- permanecem vigentes na sua imediatez íntima para a esfera 
diária, próxima, dos efeitos humanos recíprocos. Mas esta esfera fica eclipsada por 
um crescente alcance do obrar coletivo, no qual o agente, a ação e o efeito não são já 
os mesmos que na esfera próxima e que, pela enormidadedas suas forças, impõe à 
ética uma dimensão nova, nunca antes sonhada, de responsabilidade. (p. 39). 
 
Essa nova dimensão que a ética deve alcançar por força da inexorável existência das 
conseqüências indesejadas provenientes da tecno-ciência, que não são contidas mais no aqui e 
agora, nos remete ao senso de dever para com a manutenção de uma autêntica vida humana 
presente e futura, pois o contrário dessa idéia gera a possibilidade de exercício do poder 
irresponsável diante das futuras gerações, com a quebra do princípio constitucional de 
garantia ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, e 
fatalmente a impossibilidade da garantia da dignidade da pessoa humana. 
O desconhecido, o indesejado, não importa como o chamamos, a sua presença é 
irrefutável, e nos obriga a percorrer o mesmo caminho de Hans Jonas para fundamentar um 
agir eticamente responsável no contexto tecno-científico, resgatando a precaução, o agir 
cauteloso, que não significa o não agir, mas significa subtrair do futuro um mal que não 
conhecemos, pelo aprofundamento da análise, percorrendo todas as faces do indesejado. 
Trata-se de se fixar os aspectos éticos contidos no agir científico, na relevante tentativa 
de estabelecimento, mesmo que em caráter provisório, das bases de discussão e do marco 
teórico para se questionar até que ponto o ser humano estaria autorizado socialmente a 
adentrar neste “intrigante mundo novo”, para cuja resposta, certamente, teremos o 
imprescindível auxílio da sociologia, da filosofia, da teologia e de todas as ciências 
qualificadas como humanas. 
 
V- Das Conclusões 
Nesse complexo contexto, configura um incomensurável equívoco limitar a análise de 
tal temática apenas ao círculo científico, visto tratar-se de matéria afeta à própria essência do 
homem e suas implicações nas gerações vindouras. 
A inédita audiência pública convocada pelo Supremo Tribunal Federal, embora 
possuidora de meta ambiciosa, resultou limitada pelo insolúvel debate acerca do marco 
Amicus Curiae V.5, N.5 (2008), 2011 
10 
biológico do limiar da vida; insolúvel pela absoluta divergência do ângulo dos observadores e 
pelas propaladas neutralidade e objetividade de seus argumentos científicos, que são 
apresentados sempre como absolutos, imparciais e irretorquíveis. 
Se a pretensão era a obtenção de um fundamento jurídico para o conceito do início da 
vida humana, bastaria ao ilustres Ministros a requisição de pareceres escritos ou a simples 
pesquisa na farta literatura a respeito do tema, na qual há defesas de variados marcos (visão 
genética, visão embriológica, visão neurológica, visão ecológica ou visão metabólica), 
restando aos julgadores a eleição da corrente que mais os convencesse. 
Na mesma trilha, poderiam os eminentes Ministros da Corte Suprema Brasileira buscar 
cômodo suporte no disposto no artigo 2º do Código Civil Brasileiro (que repetiu a secular 
dicção do artigo 4º do Código Civil revogado), no qual se estabeleceu a concepção como o 
marco para a assecuração dos direitos do nascituro. Assim, o julgador colocaria um fecho no 
imbróglio pela simples (ou simplista) invocação do claro texto legal. 
No entanto, nenhuma dessas alternativas enfrenta a questão acerca dos limites éticos da 
intervenção da tecno-ciência, havendo flagrante perda do foco do problema, o qual não se 
resume, em absoluto, à resposta acerca do momento mágico em que a vida principia, mas, 
justamente, no deslocamento de nossa capacidade de discernir o apropriado, diante de tão 
tentadoras promessas de bem para a humanidade. 
Em outros termos, ainda que se adote qualquer das correntes teóricas, para o efeito de 
permitir ou proibir o uso científico ou terapêutico de embriões extra-uterinos, permanecerá 
desconsiderado o exame acerca da ética do procedimento iniciado a partir da reprodução 
assistida, por meio da fertilização in vitro. 
À guisa de reforço, merece destaque a manifestação dos eminentes Professores 
Doutores Vicente de Paulo Barretto e José Roque Junges em artigo por ambos subscrito na 
coluna de opinião do Jornal O Globo do dia 19 de maio de 2007: 
 
Não se pode reduzir um debate que envolve significados simbólicos mais profundos 
ao puro contexto jurídico: são temas que exigem antes uma abordagem segundo a 
ética, que não pode ser identificada com a simples normatização jurídica. 
Por isso, o debate sobre o embrião não deve ficar circunscrito à comunidade dos 
cientistas, dos juristas e aos representantes de organismos da sociedade, mas 
necessita incluir pensadores das áreas de ciências humanas, principalmente a 
filosofia e a teologia, para que a perspectiva ética seja assegurada. ( p. 07). 
 
Cabe ressaltar, que o amplo debate acerca do uso de células-tronco de embriões se 
impõe, já que as suas conseqüências não ficarão restritas à ciência, afetando culturalmente a 
sociedade brasileira. Essa responsabilidade para com o futuro, não pode mais ser desvinculada 
das decisões que a tecno-ciência nos cobra. Os cientistas usam o bem-estar da humanidade 
Amicus Curiae V.5, N.5 (2008), 2011 
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como pano de fundo para legitimar as suas pretensões, e diante da impossibilidade de serem 
responsáveis, pessoalmente, pelas (re)ações indesejadas de suas descobertas e criações, 
devemos, nós, os afetados, participar dessas decisões, por meio das outras áreas do saber que, 
conjuntamente, podem chegar a um resultado mais profundo e seguro e, assim, amparar a 
necessária certeza de que estamos, realmente, construindo uma vida autenticamente humana, 
natural, sobre a Terra. 
Enquanto esse diálogo não acontece, a ética nos conduz por um agir responsável para 
com as presentes e futuras gerações, privilegiando a precaução em postergar qualquer tomada 
de decisão que não seja segura diante do imperativo: “Aja de modo a que os efeitos da tua 
ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra”. 
Diante das breves considerações acima, nós, mestrandos do programa de pós-graduação 
em direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, entendemos, 
respeitosamente, que a audiência pública de iniciativa desta egrégia Corte, foi insuficiente 
para cumprir com a sua natureza democrática, diante da desproporcional representatividade 
das áreas do conhecimento que foram convidadas a participar, havendo a perda, outrossim, de 
oportunidade ímpar para o avanço do debate ético que servirá de substrato para o futuro e 
necessário estatuto legal do embrião humano, possibilitando o controle heterônomo e 
coercitivo das balizas de ação dos biocientistas, para os quais, na condição de “Homens-
Deus”, nem o céu parece ser o limite. 
São Leopoldo, 14 de junho de 2007. 
 
Prof. Dr. Alfredo Culleton 
Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UNISINOS 
 
Prof. Dr. Vicente de Paulo Barretto 
Programa de Pós-Graduação em Direito da UNISINOS 
 
Renata de Mattos Fortes 
Relatora 
Sérgio Fusquine Gonçalves 
Relator 
Anarita Araújo da Silveira Elisa Scheibe 
Francele Moreira Marisco Geovane Machado Alves 
Geralda Magella de Faria Rossetto Gustavo Oliveira de Lima Pereira 
Marcos Luiz Lovato Luis Fernando Moraes de Mello 
Rafael Fonseca Ferreira

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